Febre em lactentes e crianças

PorDeborah M. Consolini, MD, Thomas Jefferson University Hospital
Revisado/Corrigido: nov 2022
Visão Educação para o paciente

A temperatura normal do corpo varia ao longo do dia e de pessoa para pessoa. A temperatura normal do corpo é mais alta em crianças na idade pré-escolar. Vários estudos documentaram que a temperatura de pico tende a ocorrer à tarde e é mais elevada por volta dos 18 a 24 meses de idade quando muitas crianças saudáveis normais têm uma temperatura tão alta quanto 38,3 °C. Mas a febre costuma ser definida como uma temperatura corporal básica (retal) de 38,0° C.

O significado de febre depende mais do contexto clínico do que do pico da temperatura; algumas doenças menos graves provocam febre alta, ao passo que algumas doenças gra-ves provocam apenas elevações moderadas de temperatura. Embora a avaliação dos pais seja frequentemente sombria pelo receio da febre, a história da temperatura aferida na residência deve ser considerada equivalente à do consultório.

(Ver também Febre em adultos.)

Fisiopatologia da febre em lactentes e crianças

A febre ocorre em resposta à liberação de mediadores piogênicos endógenos chamados citocinas [em particular, interleucina-1 (IL-1)]. As citocinas estimulam a produção de prostaglandinas pelo hipotálamo; prostaglandinas reajustam e elevam o ponto de equilíbrio da temperatura.

A febre tem um papel importante na luta contra a infecção e, embora possa ser desconfortável, não necessita de tratamento nas crianças saudáveis. Alguns estudos indicam, inclusive, que, ao baixar a temperatura, pode haver prolongamento de algumas doenças. No entanto, a febre aumenta a taxa metabólica e as demandas do sistema cardiopulmonar. Portanto, a febre pode prejudicar a criança com comprometimentos cardíaco, pulmonar ou neurológico. Também pode ser o catalisador de convulsões febris que, embora tipicamente benignas, geram muita preocupação para os pais e também devem ser diferenciadas de doenças mais graves (p. ex., meningite).

Etiologia da febre em lactentes e crianças

As causas da febre ( see table Algumas causas comuns da febre em crianças) são classificadas em febre aguda ( 14 dias), aguda recorrente ou periódica (febre episódica separada por períodos afebris) ou crônica (> 14 dias), que é mais comumente chamada febre de origem indeterminada. A resposta aos antipiréticos e o grau da temperatura não têm relação direta com a etiologia.

Febre aguda

A maioria das febres agudas nos lactentes e nas crianças maiores é causada por infecção. As mais comuns são

  • Infecções virais respiratórias ou gastrointestinal (entre todas, são as causas mais comuns)

  • Certas infecções bacterianas (otite média, pneumonia, infecções do trato urinário)

Entretanto, as potenciais causas infecciosas da febre aguda variam de acordo com a idade da criança. Os neonatos (lactentes < 28 dias) são considerados funcionalmente imunocomprometidos porque eles muitas vezes não conseguem conter a infecção localmente. Isso leva a maior risco de infecções bacterianas invasivas graves, mais comumente causadas por organismos adquiridos durante o período perinatal. Os patógenos perinatais mais comuns em recém-nascidos são os estreptococos do grupo B, Escherichia coli (e outros organismos entéricos gram-negativos), a Listeria monocytogenes e o vírus do herpes simples. Esses organismos podem causar bacteremia (viremia por herpes simples), pneumonia, pielonefrite, meningite e/ou sepse.

A maioria das crianças febris com 1 mês a 2 anos de idade sem um foco evidente de infecção no exame físico (febre sem uma origem) tem uma doença viral autolimitada. Entretanto, alguns (talvez < 1% na era das vacinas pós-conjugadas) desses pacientes estão no início do curso de uma infecção grave (p. ex., meningite bacteriana). Assim, a principal preocupação em um paciente com FSO é se bacteremia oculta (bactérias patogênicas na corrente sanguínea sem sinais ou sintomas focais no exame) está presente. Os organismos causadores mais comuns da bacteremia oculta são o Streptococcus pneumoniae e o Haemophilus influenzae tipo b. O uso disseminado das vacinas contra esses dois organismos tornou a bacteremia oculta muito menos comum.

As causas não infecciosas raras das febres agudas incluem doença de Kawasaki, intermação e ingestão de toxinas (p. ex., fármacos com efeitos anticolinérgicos). Algumas vacinas podem causar febre nas primeiras 24 a 48 horas após a vacina ser administrada (p. ex., navacinação contra a coqueluche) ou 1 a 2 semanas depois de a vacina ser administrada (p. ex., na vacinação contra o sarampo). Essas febres tipicamente duram algumas horas a um dia. Se, contudo, a criança estiver bem, nenhuma avaliação será necessária. A erupção dentária não provoca febres significativas ou prolongadas.

Febre aguda recorrente ou periódica

Febre aguda recorrente ou periódica consiste em episódios de febre alternados com períodos de temperatura normal ( see table Algumas causas comuns da febre em crianças).

Febre crônica

Febre que ocorre diariamente por ≥ 2 semanas e para a qual culturas iniciais e outras investigações não conseguem produzir um diagnóstico é considerada febre de origem indeterminada.

Potenciais categorias das causas ( see table Algumas causas comuns da febre em crianças) incluem infecção localizada ou generalizada, doença do tecido conjuntivo e câncer. Causas específicas diversas incluem doença inflamatória intestinal, diabetes insípido com desidratação e termorregulação prejudicada. Pseudo-febre de origem desconhecida é provavelmente muito mais comum do que febre de origem desconhecida verdadeira, porque a doença viral leve e frequente pode ser superinterpretada. Em crianças, apesar das inúmeras causas possíveis, é mais provável que a febre de origem desconhecida verdadeira seja uma manifestação de uma doença comum, em vez de uma doença rara; as infecções respiratórias são responsáveis por quase metade dos casos de febre de origem desconhecida associada a infecções.

Tabela

Avaliação da febre em lactentes e crianças

História

História da doença atual deve considerar grau e duração da febre, método de medição, dose e frequência dos antipiréticos (se houver). Perda de apetite, irritabilidade, letargia e alteração do choro (p. ex., duração, caráter) são sintomas associados importantes que sugerem doenças graves. Esses sintomas incluem ainda vômitos, diarreia (incluindo presença de sangue ou muco), tosse, dificuldade para respirar, distúrbios em extremidades ou articulações e urina com cheiro forte ou fétida. Indagar sobre uso de fármacos que poderiam induzir febre.

Fatores que predispõem a infecções devem ser identificados. Em neonatos, eles incluem prematuridade, ruptura de membranas prolongada, febre materna e testes pré-natais positivos (geralmente para infecções por estreptococos do grupo B, infecções por citomegalovírus ou infecções sexualmente transmissíveis). Para todas as crianças, os fatores predisponentes consistem em exposições recentes a infecções (incluindo infecções na família, cuidador, escola e creche), dispositivos médicos de demora (p. ex., catéteres, derivações ventriculoperitoneais), cirurgia recente, viagens e exposições ambientais (p. ex., a regiões endêmicas, a carrapatos, mosquitos, gatos, animais de fazenda ou répteis) e deficiências imunes conhecidas ou suspeitas.

A revisão dos sistemas deve notar sintomas sugestivos de possíveis causas, como coriza e congestão nasal (Infecção das vias respiratórias superiores viral), cefaleia (sinusite, doença de Lyme, meningite), otalgia ou acordar à noite com sinais de desconforto (otite média), tosse ou chiado (pneumonia, bronquiolite), dor abdominal (pneumonia, faringite estreptocócica, gastroenterite, infecção urinária, abscesso abdominal), dor lombar (pielonefrite), edema ou hiperemia articular (doença de Lyme, osteomielite). Ainda, história de infecções repetidas (imunodeficiência) ou sintomas que sugerem doença crônica, como dificuldade para ganhar peso ou perda ponderal (tuberculose, câncer). Certos sintomas podem ajudar na avaliação de causas não infecciosas: palpitação cardíacas, sudorese, intolerância ao calor (hipertireoidismo) e sintomas recorrentes ou cíclicos (disfunções reumatoides, inflamatórias ou hereditárias).

A história clínica deve abranger febres ou infecções prévias ou fatores conhecidos que predispõem a infecções (p. ex., cardiopatia congênita, anemia falciforme, câncer, imunodeficiência). Na história familiar, observar a ocorrência de disfunções autoimunes ou outras condições hereditárias (p. ex., disautonomia familiar, febre familiar do mediterrâneo). Revisar calendário das vacinações para identificar pacientes de risco a infecções que possam ser prevenidas com vacinas.

Exame físico

Revisão dos sinais vitais, observando anormalidades na temperatura e frequência respiratória. Em crianças com aparência enferma, a pressão arterial também deve ser medida. No lactente, dá-se preferência pela temperatura retal, por causa da precisão. Pulso oximétrico deve ser realizado nas crianças com tosse, taquipneia ou dificuldade respiratória.

Na criança, é importante observar o aspecto geral e o comportamento durante o exame físico. Criança febril que reclama muito ou é desatenta é mais preocupante do que uma que não é cooperativa. Mas também é preocupante um lactente ou criança irritadiça e inconsolável. A criança febril com aspecto enfermo, especialmente quando a temperatura baixou, é uma fonte de grande preocupação e requer avaliação profunda e observação continuada. Entretanto, a criança que parece mais confortável após terapia com antipirético nem sempre tem uma doença benigna.

O restante do exame físico deve observar sinais que causam disfunções ( see table Exame da criança febril).

Tabela

Sinais de alerta

Os achados a seguir são particularmente preocupantes:

  • Idade < 1 mês

  • Letargia, desatenção ou aspecto toxemiado

  • Desconforto respiratório

  • Petéquia ou púrpura

  • Criança inconsolável

Interpretação dos achados

Embora uma doença grave nem sempre cause febre alta e muitas febres elevadas sejam o resultado de infecções virais autolimitadas, temperatura 39° C em crianças < 36 meses indica alto risco de infecções bacterianas graves.

Outros sinais vitais também são significativos. A hipotensão deve fazer com que se suspeite de hipovolemia, sepse ou disfunção do miocárdio. Taquicardia na ausência de hipotensão pode ser causada por febre (aumento de 10 a 20 batimentos/min para cada grau acima do normal) ou hipovolemia. Um aumento na frequência respiratória pode ser uma resposta à febre, indicar uma origem pulmonar da doença ou ser uma compensação respiratória para acidose metabólica.

Febre aguda é infecciosa na maioria dos casos e, desses, a maioria é viral. A história e o exame físico ajudam a fazer o diagnóstico de crianças > 36 anos com aparência saudável e não tóxica. Elas apresentam tipicamente doença respiratória viral (contato recente com a doença, coriza, chiado ou tosse) ou doença gastrointestinal (contato com a doença, diarreia e vômito). Outros achados também sugerem causas específicas ( see table Exame da criança febril).

Em crianças < 36 meses a possibilidade de bacteremia oculta, somada à ausência frequente de achados focais, com infecção bacteriana grave, há necessidade de uma abordagem diferente. A avaliação varia de acordo com a faixa etária. As categorias aceitas são neonatos ( 28 dias), lactentes (1 a 3 meses), lactentes maiores e lactentes (3 a 36 meses). Independentemente dos achados clínicos, o neonato com febre precisa de hospitalização e exames para afastar infecção grave. Os lactentes podem necessitar de hospitalização, dependendo dos resultados dos exames laboratoriais e da evolução.

Febre aguda recorrente ou periódica e a febre crônica (febre de origem desconhecida) exigem indicadores que possam sugerir a disfunção e as causas potenciais. Entretanto, certos resultados podem sugerir a doença: estomatite aftosa, faringite e adenite (síndrome PFAPA); cefaleias intermitentes com coriza ou congestão nasal (sinusite); perda ponderal, exposição de alto risco e sudorese noturna (tuberculose); perda ponderal ou dificuldade de ganhar peso, palpitação cardíaca e sudorese (hipertireoidismo) e perda ponderal, anorexia, sudorese noturna (câncer).

Exames

Os testes dependem da idade, aparência da criança e se a febre é aguda ou crônica.

Testes para febre aguda

Para febre aguda, os testes para causas infecciosas são realizados de acordo com a idade da criança. Normalmente, crianças < 36 meses de idade, mesmo aquelas que não parecem muito enfermas e aquelas com uma fonte aparente de infecção (p. ex., otite média), exigem pesquisa detalhada para descartar infecções bacterianas graves (p. ex., meningite, sepse/bacteremia, infeção do trato urinário). Nessa faixa etária, o acompanhamento precoce (por telefone e/ou consulta ambulatorial) é importante para todos aqueles tratados em casa.

Crianças febris < 1 mês de idade

Todas as crianças febris com < 1 mês precisam ser submetidas à contagem diferencial manual de leucócitos, hemocultura, análise de urina e urocultura (obtida com catéter, não com coletor externo) e avaliação do líquido cefalorraquidiano com cultura e testes por PCR (polymerase chainreaction) adequados (p. ex., para herpes simples, enterovírus) como indicado pelos fatores de risco históricos. Pode-se medir os níveis de marcadores inflamatórios (proteína C-reativa, procalcitonina ou ambos) para ajudar na avaliação do risco. Realiza-se radiografia de tórax em neonatos com manifestações respiratórias. As fezes são enviadas para cultura ou teste de PCR de fezes enterais em lactentes com diarreia.

Recém-nascidos são hospitalizados e recebem cobertura antibiótica empírica IV para os patógenos neonatais mais comuns (p. ex., utilizando ampicilina e gentamicina ou ampicilina e cefotaxima); os antibióticos são mantidos até que uma infecção bacteriana grave seja descartada por culturas negativas de sangue, urina e LCR ou até um diagnóstico específico ser feito. Também deve-se administrar aciclovir se os recém-nascidos tiverem uma aparência enferma, apresentarem vesículas mucocutâneas, tiverem história materna de infecção pelo vírus herpes simples genital (HSV) ou tiverem convulsões, hipotermia, leucopenia, trombocitopenia ou alanina aminotransferase elevada (ALT); interrompe-se o aciclovir se os resultados do teste de PCR para HSV do LCR e cultura da vesícula mucocutânea (se realizados) forem negativos.

Crianças febris entre 1 e 3 meses de idade

Crianças febris com idades entre 1 mês e 3 meses exigem uma abordagem diferente, que evoluiu ao longo das últimas décadas porque a quantidade de crianças nessa faixa etária que revela ter uma infecção bacteriana potencialmente grave foi acentuadamente reduzida pela imunização de rotina contra H. influenzae tipo b e S. pneumoniae. Contudo, os médicos devem continuar atentos porque, embora as infecções bacterianas graves tenham sido reduzidas, elas não foram eliminadas. Portanto, os médicos que optam por observar sem tratamento ou mandam para casa sob observação dos pais precisam estar mais seguros em relação ao status de baixo risco dessa criança do que no caso de uma criança que é testada, internada e tratada.

Diferenciam-se os lactentes nessa faixa etária de 1-3 meses de idade com base em

  • Temperatura

  • Aspecto clínico (aparência enferma ou saudável, como abaixo)

  • Resultados laboratoriais

Lactentes febris com aparência enferma

Deve-se hospitalizar lactentes febris entre 1 mês e 3 meses de idade com aparência enferma (p. ex., choro anormal, letargia, temperatura retal > 38,5 °C) ou que têm fatores de risco de infecção bacteriana grave (p. ex., anomalias congênitas significativas, prematuridade, dependência tecnológica, não vacinados) e deve-se fazer uma contagem de leucócitos com um diferencial manual, hemoculturas, urinálise e cultura de urina (obtida por cateterismo, não com bolsa externa) e punção lombar com avaliação do LCR, incluindo cultura e, se disponível, painel PCR. Pode-se medir os níveis de marcadores inflamatórios [proteína C-reativa (PCR), procalcitonina ou ambos] para ajudar na avaliação do risco. Deve-se realizar radiografia de tórax e um painel PCR respiratório naquelas com manifestações respiratórias, e enviar as fezes para cultura fecal ou teste de fezes por PCR entérico naquelas com diarreia. Esses lactentes devem receber antibioticoterapia empírica parenteral específica à idade (p. ex., ceftriaxona) até que seja descartada infecção bacteriana grave por culturas negativas ou até que seja feito um diagnóstico específico.

Lactentes febris com aparência saudável

Lactentes febris com aparência saudável entre 29 e 60 dias de idade com todos os fatores a seguir têm baixo risco de infecções bacterianas graves:

  • Temperatura retal é ≤ 38,5 °C

  • Contagem normal de leucócitos [5.000 a 15.000/mcL (5 a 15 × 109/L) e contagem absoluta de neutrófilos ≤ 4.000/mcL (≤ 4 × 109/L)]

  • Níveis normais de marcadores inflamatórios [procalcitonina ≤ 0,5 ng/mL (≤ 0,5 mcg/L) e/ou PCR ≤ 2 mg/dL (≤ 20 mg/L)]

  • Urinálise normal (e análise do LCR e radiografia de tórax, se feitas)

Deve-se obter hemoculturas e culturas de urina. Alguns especialistas adiam a punção lombar nesses lactentes que atendem aos critérios acima, mas as diretrizes sobre os testes mínimos necessários nessa faixa etária continuam evoluindo com base nas alterações bacteriológicas e nos avanços nos testes (p. ex., marcadores inflamatórios, identificação de patógenos com teste rápido de PCR) (1).

Além disso, recém-nascidos febris com aparência saudável nessa faixa etária com vírus sincicial respiratório (VSR), influenza ou outra infecção viral documentada por testes de PCR durante um período de alta prevalência sazonal e que têm urinálise normal parecem ter uma redução acentuada no risco de infecção bacteriana grave; alguns especialistas acreditam que isso embasa modificações nas recomendações acima, de modo que os lactentes podem não necessariamente precisar de exames de sangue ou de LCR.

Esses lactentes podem ser tratados como pacientes ambulatoriais se houver acompanhamento confiável em 24-36 horas por telefone ou consulta de retorno, momento em que os resultados da cultura preliminar são analisados. Se a situação social da família sugere que o acompanhamento em 24-36 horas é problemático, os lactentes devem ser internados e observados. Se os lactentes tiverem alta, qualquer deterioração no estado clínico ou agravamento da febre, uma hemocultura positiva não considerada como sendo contaminante, ou uma cultura de urina positiva em um lactente que permanece febril justifica a internação imediata com a repetição das culturas e terapia antibiótica empírica específica para a idade, (p. ex., ceftriaxona) até que uma infecção bacteriana grave seja descartada por resultados repetidos de cultura ou até um diagnóstico específico ser feito.

Em lactentes febris com aparência saudável entre 61 e 90 dias de idade sem fatores de risco de infecção bacteriana grave, muitos especialistas adiam os exames de sangue e de LCR até que saiam os resultados da urinálise.

Ao realizar testes em lactentes com aparência saudável entre 1 e 3 meses de idade, deve-se interná-los para tratamento com antibióticos parenterais empíricos específicos à idade, como descrito acima:

  • Pleocitose do LCR

  • Urinálise ou radiografia de tórax anormal

  • Contagem periférica de leucócitos ≤ 5.000/mcL (≤ 5 × 109/L) ou ≥ 15.000/mcL (≥ 15 × 109/L)

  • Contagem absoluta de neutrófilos > 4.000/mcL (> 4 × 109/L)

  • Níveis anormais de marcadores inflamatórios [procalcitonina > 0,5 ng/mL (> 0,5 mcg/L) e/ou CRP > 2 mg/dL (> 20 mg/L)]

Se for necessário administrar antibióticos empíricos, deve-se considerar fortemente punção lombar com análise do LCR se não tiver sido feita anteriormente, sobretudo em lactentes com 29 a 60 dias de idade.

Alguns especialistas acreditam que lactentes com aparência saudável entre 1 e 3 meses de idade com urinálise anormal, mas, por outro lado, exames laboratoriais e exame físico tranquilizadores, podem ser tratados com antibióticos em casa com segurança, se houver acompanhamento rigoroso dentro de 24 horas (1).

Crianças febris entre 3 e 36 meses de idade

Lactentes febris com 3 a 36 meses de idade que têm uma origem aparente da febre ao exame físico e que não parecem enfermos ou intoxicados podem ser tratados de acordo com esse diagnóstico clínico. Deve-se avaliar minuciosamente as crianças nessa faixa etária com aparência enferma à procura de infecção bacteriana grave utilizando a contagem de leucócitos, hemoculturas e cultura de urina e, ao suspeitar-se de meningite, cultura do líquido cefalorraquidiano. Aqueles com taquipneia ou contagem de leucócitos > 20.000/mcL (> 20 × 109/L) devem ser submetidos à radiografia de tórax. Esses lactentes devem receber terapia antibiótica parenteral (geralmente com ceftriaxona) tendo por alvo os patógenos prováveis nessa faixa etária (S. pneumoniae, Staphylococcus aureus, Neisseria meningitidis, H. influenzae tipo b) e internados com base nos resultados pendentes das culturas.

Lactentes dessa faixa etária com temperatura > 39 °C e sem uma origem identificável no exame (febre sem uma origem) e que não estão totalmente imunizados têm um risco de bacteremia oculta tão elevado quanto 5% (igual ao risco antes de as vacinas conjugadas contra pneumococos e H. influenzae começarem a ser utilizadas). Esses lactentes devem ser submetidos a hemograma completo com contagem diferencial, hemocultura, exame de urina e cultura de urina. Radiografia de tórax deve ser feita se a contagem de leucócitos é ≥ 20.000/mcL (≥ 20 × 109/L). Lactentes com uma contagem de leucócitos ≥ 15.000/mcL (≥ 15 × 109/L) devem receber antibióticos por via parenteral com base nos resultados pendentes das culturas de sangue e urina. Ceftriaxona (50 mg/kg, IM) é preferida em razão do seu amplo espectro antimicrobiano e duração prolongada da ação. Lactentes que receberam antibióticos por via parenteral devem ser acompanhados durante 24 horas por telefone ou consulta de retorno, momento em que os resultados das culturas preliminares são analisados. Se a situação social sugere que o acompanhamento em 24 horas é problemático, os lactentes devem ser internados. Lactentes que não são tratados com antibióticos devem passar por uma reavaliação se eles ainda estiverem febris ( 38° C) depois 48 horas ou mais cedo se a febre aumentar ou se novos sintomas ou sinais se desenvolverem.

Crianças com aparência saudável nessa faixa etária com temperatura > 39 °C e febre sem fonte identificável e completamente imunizadas têm risco de bacteremia < 0,5%. Nesse baixo nível de risco, a maior parte dos exames laboratoriais e antibioticoterapias empíricas não é indicada nem eficaz em termos de custo. Contudo, como a infecção do trato urinário (ITU) pode ser uma fonte oculta de infecção em crianças totalmente imunizadas nessa faixa etária, meninas < 24 meses de idade, meninos circuncidados < 6 meses de idade e meninos não circuncidados < 12 meses de idade devem ser submetidos à urinálise e cultura de urina (obtidas por cateterismo, não de um coletor externo) e devem ser tratados de maneira apropriada se infecção do trato urinário é detectada. Para outras crianças completamente imunizadas, o exame de urina só é feito quando elas têm sintomas ou sinais de ITU, história de ITU, anomalias urogenitais ou febre por > 48 horas.

Para todas as crianças, os cuidadores são orientados a retornar imediatamente se a febre aumentar, se a criança parecer mais enferma ou se novos sintomas ou sinais se desenvolverem.

Crianças febris > 36 meses de idade

Para crianças febris > 36 meses de idade, o teste é dirigido pela história e exame físico. Nessa faixa etária, a resposta de uma criança a doenças graves está suficientemente desenvolvida para ser reconhecida clinicamente (p. ex., a rigidez na nuca é um achado confiável de irritação meníngea), de modo que testes empíricos (p. ex., rastreamento da contagem de leucócitos, culturas de sangue e urina) não são indicados.

Febre aguda recorrente ou periódica

Para febre aguda recorrente ou periódica, exames laboratoriais e de imagem devem ser direcionados às causas prováveis com base nos achados da história e do exame físico. A síndrome PFAPA deve ser considerada em lactentes pequenos com febre alta periódica em intervalos de cerca de 3 a 5 semanas com úlceras aftosas, faringite e/ou adenite. Entre os episódios e mesmo durante os episódios, os lactentes parecem saudáveis. O diagnóstico requer 6 meses de episódios estereotípicos, culturas negativas da garganta durante os episódios e exclusão de outras causas (p. ex., infecções virais específicas). Em pacientes com crises de febre, artralgia, lesões cutâneas, úlceras na boca e diarreia, deve-se mensurar os níveis de IgD à procura da síndrome de hiperimunoglobulinemia D (HIDS). As características laboratoriais da HIDS incluem elevação da proteína C-reativa (CRP), velocidade de hemossedimentação (velocidade de hemossedimentação) e IgD acentuadamente elevado (e muitas vezes IgA).

Há exames genéticos disponíveis para a febre familiar do Mediterrâneo (FFM), a síndrome periódica associada ao receptor de TNF (TRAPS na sigla em inglês) e a HIDS.

Referência sobre testes para febre aguda

  1. 1. Pantell RH, Roberts KB, Adams WG, et al: Evaluation and management of well-appearing febrile infants 8 to 60 days old. Pediatrics 148(2):e2021052228, 2021. doi: 10.1542/peds.2021-052228

Testes à procura de febre crônica

Para a febre crônica (febre de origem desconhecida), os exames laboratoriais e de imagem devem ser direcionados às causas prováveis da febre com base na idade do paciente e achados da história e exame físico. É improvável que a solicitação indiscriminada de exames laboratoriais seja útil e ela pode ser prejudicial (isto é, por causa dos efeitos adversos dos testes desnecessários de confirmação dos falso-positivos). O ritmo da avaliação é ditado pela aparência da criança. O ritmo deve ser rápido se a criança tem uma aparência enferma, mas pode ser mais tranquilo se a criança parece saudável.

Todas as crianças com febre de origem desconhecida devem ser submetidas a

  • Hemograma completo com diferencial manual

  • Velocidade de hemossedimentação (velocidade de hemossedimentação) e proteína C reativa (CRP)

  • Hemoculturas

  • Exame de urina e cultura de urina

  • Radiografia de tórax

  • Níveis séricos de eletrólitos, ureia, creatinina albumina e enzimas hepáticas

  • Sorologia para HIV

  • Teste de pele tuberculínico ou ensaio de liberação de interferon gama

Os resultados desses exames, em conjunto com achados da história e exame físico, podem guiar os testes diagnósticos adicionais.

A anemia pode ser uma pista para malária, endocardite infecciosa, doença inflamatória intestinal, lúpus eritematoso sistêmico ou tuberculose. A trombocitose é um reagente de fase aguda inespecífico. A contagem total e diferencial de leucócitos geralmente é menos útil, embora as crianças com uma contagem absoluta de neutrófilos > 10.000/mcL (> 10 × 109/L) tenham maior risco de infecções bacterianas graves. Se houver linfócitos atípicos, uma infecção viral é provável. Glóbulos brancos imaturos devem levar à avaliação de leucemia. Eosinofilia pode ser uma pista para doenças parasíticas, fúngicas, neoplásticas, alérgicas ou de imunodeficiência.

O VHS e CRP são reagentes inespecíficos de fase aguda que são indicadores gerais de inflamação; um VHS ou CRP elevado torna a febre factícia menos provável. Um VHS ou CRP normal pode desacelerar o ritmo da avaliação. Entretanto, o VHS ou CRP pode ser normal na febre de origem desconhecida de causa não inflamatória ( see table Algumas causas da febre de origem desconhecida).

Deve-se realizar hemoculturas em todos os pacientes com febre de origem desconhecida pelo menos uma vez e mais frequentemente em caso de alta suspeita de infecção bacteriana grave. Três hemoculturas devem ser feitas ao longo de 24 horas em pacientes com quaisquer manifestações de endocardite infecciosa. Uma hemocultura positiva, particularmente para S. aureus, deve levantar a suspeita de endocardite ou infecção óssea ou visceral oculta e levar à realização de cintilografia óssea e/ou ecocardiografia.

Exame de urina e cultura de urina são importantes porque a uma ITU é uma das causas mais frequentes de febre de origem desconhecida em crianças. Pacientes com febre de origem desconhecida devem ser submetidos a uma radiografia de tórax para verificar se há infiltrados e linfadenopatia, mesmo se o exame pulmonar for normal. Níveis séricos de eletrólitos, ureia, creatinina e enzimas hepáticas são medidos para verificar envolvimento hepático ou renal. Realizam-se testes sorológicos para HIV e teste cutâneo tuberculínico (utilizando derivado proteico purificado) ou ensaio de liberação de interferon-gama porque a infecção primária pelo HIV ou tuberculose pode se manifestar como FOD.

Outros testes são seletivamente realizados com base nos resultados de:

  • Exame de fezes

  • Exame da medula óssea

  • Testes sorológicos para infecções específicas

  • Testes para doenças imunodeficientes e do tecido conjuntivo

  • Exames de imagem

Culturas ou exames de fezes à procura de ovos e parasitas podem ser justificáveis em pacientes com fezes moles ou viagens recentes. Em casos raros, enterite por Salmonella pode se manifestar como uma febre de origem desconhecida sem diarreia.

O exame da medula óssea em crianças é mais útil para o diagnóstico de câncer (especialmente leucemia) ou outras doenças hematológicas (p. ex., doença hemofagocítica) e pode ser necessário em crianças com hepatoesplenomegalia, linfadenopatia ou citopenias sem explicação.

Dependendo do caso, os testes sorológicos que podem ser justificados incluem, mas não se limitam à, infecção pelo vírus de Epstein-Barr, infecção por citomegalovírus, toxoplasmose, bartonelose (doença da arranhadura do gato), sífilis e determinadas infecções parasitárias ou fúngicas.

Deve-se fazer um teste à procura de anticorpos antinucleares (ANA) em crianças > 5 anos com forte história familiar de doença reumatológica. Um teste de ANA positivo sugere uma doença do tecido conjuntivo subjacente, particularmente o lúpus eritematoso sistêmico. Os níveis de imunoglobulina (IgG, IgA, e IgM) devem ser medidos em crianças com uma avaliação inicial negativa. Níveis baixos podem indicar imunodeficiência. Níveis elevados podem ocorrer na infecção crônica ou doença autoimune.

Exames de imagem dos seios nasais, ossos mastoides e trato gastrointestinal devem ser inicialmente feitos apenas quando as crianças têm sinais ou sintomas relacionados com essas áreas, mas podem ser necessários em crianças nas quais a febre de origem desconhecida não é diagnosticada após testes iniciais. Crianças com um VHS ou CRP elevado, anorexia e perda ponderal devem ser submetidas a exames para excluir doença inflamatória intestinal, especialmente se também tiverem queixas abdominais com ou sem anemia. Contudo, os exames de imagem do trato gastrointestinal devem, por fim, ser feitos em crianças cuja febre persiste sem outra explicação e que pode ser causada por distúrbios como o abscesso no músculo psoas ou a doença da arranhadura do gato. Ultrassonografia, TC e RM podem ser úteis na avaliação do abdome e podem detectar abcessos, tumores e linfadenopatia.

Exames de imagem do sistema nervoso central geralmente não é útil para avaliar crianças com febre de origem desconhecida. Mas pode-se justificar a punção lombar em crianças com cefaleia persistente, sinais neurológicos, ou derivação ventriculoperitoneal de demora.

Outros exames de imagem, incluindo uma cintilografia óssea ou cintilografia com leucócitos marcados, podem ser úteis em crianças específicas cuja febre persiste sem outra explicação e há suspeita de que estes exames possam detectar uma origem para a febre.

Exame oftalmológico por lâmpada de fenda é útil em alguns pacientes com febre de origem desconhecida para procurar por uveíte (p. ex., como ocorre na artrite idiopática juvenil) ou infiltração leucêmica.

A biópsia (p. ex., de linfonodos ou fígado) deve ser reservada às crianças com evidências de envolvimento de órgãos específicos.

Tratamento empírico com antibióticos ou fármacos anti-inflamatórios não deve ser utilizado como medida de diagnóstico, exceto quando há suspeita de artrite idiopática juvenil; nesses casos, uma tentativa com AINEs é o tratamento de primeira linha recomendado. Resposta a antibióticos ou fármacos anti-inflamatórios não ajuda a distinguir causas infecciosas de não infecciosas. Além disso, antibióticos podem provocar culturas falso-negativas e mascarar ou atrasar o diagnóstico de infecções importantes (p. ex., meningite, infecção parameníngea, endocardite, osteomielite).

Tratamento da febre em lactentes e crianças

O tratamento é direcionado à doença subjacente.

A febre na criança saudável não necessariamente requer tratamento. Embora os antipiréticos tragam algum conforto, eles não alteram o curso de uma infecção. De fato, a febre é parte integrante da resposta inflamatória à infecção e pode ajudar a criança na luta contra a infecção. Entretanto, a maioria dos médicos utiliza o antipirético para ajudar no alívio ao desconforto e para reduzir o estresse fisiológico de crianças com doenças cardiopulmonares, neurológicas ou com história de convulsões febris.

Fármacos antipiréticos geralmente utilizadas são

  • Paracetamol

  • Ibuprofeno

O paracetamol tende a ser preferido porque o ibuprofeno diminui o efeito protetor das prostaglandinas no estômago e, se utilizado cronicamente, pode provocar gastrite. Estudos epidemiológicos sugeriram uma possível associação entre o desenvolvimento de asma brônquica e o uso de paracetamol e ibuprofeno pela mãe e pela criança. Um ensaio clínico randomizado comparando os dois mostrou que esses fármacos em doses habituais não levam ao agravamento da asma brônquica existente (1). Ainda não se sabe se o uso desses fármacos durante a gestação ou infância aumenta o risco de desenvolver asma brônquica. Se utilizado, a dose de paracetamol é 10 a 15 mg/kg por via oral, IV ou retal a cada 4 a 6 horas. A dose de ibuprofeno é 10 mg/kg por via oral a cada 6 horas. Uso de um antipirético de cada vez é preferível. Alguns médicos alternam as 2 fármacos para tratar a febre elevada (p. ex., paracetamol às 6 h, às 12 h e às 18 h e o ibuprofeno às 9 h, às 15 h e às 21 h), mas essa abordagem não é encorajada porque pode confundir os cuidadores e exceder inadvertidamente a dose diária recomendada. O ácido acetilsalicílico deve ser evitado em criança porque aumenta o risco de síndrome de Reye se certas doenças virais como influenza e varicela estão presentes.

Abordagens isentas de fármacos incluem banho morno, uso de compressas frias e despir a criança. Os cuidadores devem ser advertidos a não utilizar banho frio, que é desconfortável e que, ao provocar tremores, pode paradoxalmente elevar a temperatura corpórea da criança. Contanto que a temperatura da água seja um pouco menor que a da criança, o banho traz alívio temporário.

Coisas a evitar

Friccionar o corpo com álcool isopropil deve ser vigorosamente desencorajado, pois o álcool pode ser absorvido pela pele e causar toxicidade. Existem inúmeros remédios populares — desde os inócuos (p. ex., colocar cebolas ou batatas nas meias) até os desconfortáveis (p. ex., raspagem com moedas, ventosaterapia).

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Sheehan WJ, Mauger DT, Paul IM, et al: Acetaminophen versus ibuprofen in young children with mild persistent asthma. N Engl J Med 375(7):619–630, 2016. doi: 10.1056/NEJMoa1515990

Pontos-chave

  • A maioria das febres agudas é causada por infecções virais.

  • As causas e a avaliação da febre aguda diferem com base na idade da criança; em lactentes, febre pode indicar doença grave potencialmente fatal e requer avaliação cuidadosa.

  • Um número pequeno, mas real, de crianças < 36 meses de idade com febre sem sinais localizatórios (principalmente aquelas que não estão completamente imunizadas) pode ter bactérias patogênicas na corrente sanguínea (bacteremia oculta) e estar no início do curso de uma infecção potencialmente fatal.

  • A erupção dentária não causa febre significativa.

  • Antipiréticos não alteram o resultado, mas fazem as crianças sentirem-se melhores.

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