Sífilis congênita é uma infecção de múltiplos sistemas, causada pelo Treponema pallidum e transmitida ao feto pela placenta. Os sinais iniciais são lesões cutâneas características, linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, insuficiência de crescimento, secreção nasal sanguinolenta, fissuras periorais, meningite, coroidite, hidrocefalia, convulsões, deficiência intelectual, osteocondrite e pseudoparalisia (atrofia de Parrot do recém-nascido). Os sinais tardios são úlcera gomosa, lesões periostais, paresias, tabes, atrofia óptica, ceratite intersticial, surdez neurossensorial e deformidades dentárias. O diagnóstico é feito por história e exame físico, confirmado por microscopia ou sorologia. O tratamento é feito com penicilina.
(Ver também Sífilis em adultos e Visão geral das infecções neonatais.)
O risco total de o feto ser infectado pela placenta é de cerca de 60 a 100%, e a probabilidade aumenta na 2ª metade da gestação. A sífilis materna não tratada, seja ela primária ou secundária, geralmente é transmitida ao feto, mas a sífilis latente ou terciária é transmitida em aproximadamente 7 a 40% dos casos (1). Sífilis não tratada durante a gravidez também está associada a parto prematuro e a um risco significativo de natimortos e morte neonatal.
A incidência de sífilis congênita aumentou 755% nos Estados Unidos de 2012 a 2021 (2). Nos Estados Unidos em 2023, mais de 3800 casos de sífilis congênita foram relatados, incluindo 279 mortes fetais, neonatais e infantis (3). Tratamento inadequado e falta de testes oportunos contribuem para disparidades nas taxas de sífilis congênita por geografia, raça e etnia nos Estados Unidos (4).
Em todo o mundo em 2022, foram relatados cerca de 700.000 casos de sífilis congênita (5).
Em neonatos infectados, as manifestações clínicas da sífilis são classificadas como congênita precoce (isto é, nascimento até os 2 anos de idade) e congênita tardia (isto é, após os 2 anos de idade).
Referências gerais
1. Committee on Infectious Diseases, American Academy of Pediatrics: Syphilis in Red Book: 2024–2027 Report of the Committee on Infectious Diseases, ed. 33, edited by Kimberlin DW, Banerjee R, Barnett ED, Lynfield R, and Sawyer MH. Itasca, American Academy of Pediatrics, 2024.
2. McDonald R, O'Callaghan K, Torrone E, et al. Vital Signs: Missed Opportunities for Preventing Congenital Syphilis - United States, 2022. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2023;72(46):1269-1274. Publicado em 2023 Nov 17. doi:10.15585/mmwr.mm7246e1
3. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Sexually Transmitted Infections Surveillance, 2023.
4. McDonald R, O'Callaghan K, Torrone E, et al. Vital Signs: Missed Opportunities for Preventing Congenital Syphilis - United States, 2022. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2023;72(46):1269-1274. Publicado em 2023 Nov 17. doi:10.15585/mmwr.mm7246e1
5. World Health Organization (WHO): Data on syphilis. Accessed November 20, 2024.
Sinais e sintomas da sífilis congênita
Muitos pacientes são assintomáticos ao nascimento.
Sífilis congênita precoce geralmente se manifesta durante os primeiros 3 meses de vida. As manifestações clínicas incluem erupções vesicobolhosas características ou um exantema macular, de cor cobre nas palmas das mãos e plantas dos pés, podendo ser mais claro ou mais escuro que a pele adjacente. Outros achados cutâneos incluem lesões papulares ao redor do nariz e da boca e na área da fralda, bem como lesões petequiais. Linfadenopatia generalizada, trombocitopenia, anemia hemolítica e hepatoesplenomegalia ocorrem com frequência. O lactente pode ter insuficiência de crescimento e apresentar secreção nasal mucopurulenta ou sanguinolenta característica causando rinorreia sifilítica.
Algumas crianças desenvolvem meningite, coroidite, hidrocefalia ou convulsões, e outras podem ainda ter retardo mental.
Nos primeiros 8 meses de vida, surge osteocondrite (condroepifisite), especialmente em ossos longos e arcos costais, podendo provocar pseudoparalisia dos membros com alterações ósseas radiológicas características.
Esta foto mostra exantema vesiculobuloso na palma da mão, axila e face de um recém-nascido com sífilis congênita.
Sífilis congênita tardia geralmente se manifesta após o 2º ano de vida e causa úlcera gomosa, com tendência ao envolvimento de nariz, septo e palato duro, e lesões periostais provocam a chamada tíbia em lâmina de sabre e bossa nos ossos parietais e frontal. Deficiência intelectual, paresia juvenil e tabes dorsalis podem se desenvolver.
Pode ocorrer atrofia óptica, que, algumas vezes, leva a cegueira. A lesão ocular mais comum é a ceratite intersticial e ocorre, com frequência, como resultado da cicatrização da córnea.
A surdez neurossensorial é geralmente progressiva e pode surgir em qualquer idade.
Dentes incisivos de Hutchinson, molares “em amora”, fissuras periorais (rágades) e desenvolvimento anormal da maxila resultando na chamada face de “buldogue” são sequelas características, porém raras.
A osteoperiostite da tíbia leva à lâmina de sabre característica nesse paciente com sífilis congênita.
A osteoperiostite da tíbia leva à lâmina de sabre característica nesse paciente com sífilis congênita.
Imagem cedida por cortesia de Robert Sumpter via the Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.
Ceratite intersticial se manifesta com diferentes graus de opacificação e neovascularização corneanas. A neovascularização aparece como as áreas levemente rosadas na periferia da córnea entre as posições 11 horas e 1 hora.
Ceratite intersticial se manifesta com diferentes graus de opacificação e neovascularização corneanas. A neovasculariz
© Springer Science+Business Media
Esta foto mostra deformidade em forma triangular dos incisivos superior direito e inferior esquerdo causada pela sífilis congênita.
Esta foto mostra deformidade em forma triangular dos incisivos superior direito e inferior esquerdo causada pela sífil
Imagem cedida por cortesia de Robert E. Sumpter via the Public Health Image Library of the Centers for Disease Control and Prevention.
Diagnóstico da sífilis congênita
Sífilis congênita precoce: exame físico; microscopia de campo escuro ou coloração das lesões, placenta ou cordão umbilical; testes sorológicos da mãe e do neonato; possivelmente análise do líquido cefalorraquidiano (LCR).
Sífilis congênita tardia: avaliação clínica, testes sorológicos da mãe e do recém-nascido
Sífilis congênita precoce
A suspeita diagnóstica de sífilis congênita precoce baseia-se usualmente na sorologia materna, realizada de rotina no início da gestação e repetida no terceiro trimestre e no parto, caso existam fatores de risco. Os neonatos de mães com evidência sorológica de sífilis devem ser submetidos a exame completo, as lesões de pele ou de mucosa examinadas em microscópio de campo escuro ou coloração imunofluorescente e teste de anticorpos séricos não treponêmicos quantitativos (p. ex., reagina plasmática rápida [RPR], Venereal Disease Research Laboratory [VDRL]). O sangue de cordão não é utilizado para testes sorológicos, porque os resultados são menos sensíveis e menos específicos. A placenta ou o cordão umbilical deve ser analisado em microscópio de câmara escura ou coloração fluorescente para anticorpos, se dispónível.
Lactentes e crianças pequenas com sinais clínicos da doença ou testes sorológicos sugestivos também devem ser submetidos a punção lombar com análise do LCR para contagem de células, VDRL e proteínas; hemograma completo com contagem de plaquetas; testes hepáticos; radiografia dos ossos longos; e outros testes conforme clinicamente indicados (avaliação oftalmológica, radiografias de tórax, neuroimagens e resposta auditiva do tronco encefálico).
A sífilis pode causar muitas anormalidades diferentes nas radiografia dos ossos longos, incluindo
Reações periosteais
Osteíte difusa ou localizada
Metafisite
A osteíte às vezes é descrita como alterações difusas do corpo ósseo com aspecto de “roído por traça”. A metafisite comumente se manifesta como faixas radiolúcidas ou densas que podem alternar-se, conferindo aspecto de “sanduíche” ou “talo de aipo”. O sinal de Wimberger consiste em erosões simétricas da tíbia proximal medial, mas também pode haver erosões na metáfise dos outros ossos longos. Formação excessiva de calos nas extremidades dos ossos longos já foi descrita. Muitos recém-nascidos afetados têm mais de um desses achados.
© Springer Science+Business Media
O diagnóstico é confirmado pela visualização dos espiroquetas ao microscópio, a partir de amostras do neonato ou da placenta. A interpretação diagnóstica baseada na sorologia neonatal pode ser complicada pela transferência placentária dos anticorpos IgG maternos, o que pode levar a um teste positivo na ausência de infecção. No entanto, um título neonatal de anticorpos não treponêmicos > 4 vezes maior que o título materno normalmente não resultaria de transferência passiva, e o diagnóstico é considerado confirmado ou altamente provável. A doença materna adquirida tardiamente na gestação pode ser transmitida antes que os anticorpos se desenvolvam. Portanto, nos neonatos portadores de títulos baixos, porém com manifestações clínicas típicas, a sífilis também é considerada altamente provável. Em neonatos sem sinais da doença ou com sorologia baixa ou negativa, considera-se a sífilis possível; a abordagem subsequente depende dos vários fatores maternos e neonatais (ver Acompanhamento).
A utilidade dos ensaios fluorescentes para IgM antitreponema, que não é transferido pela placenta, é controversa, mas esses ensaios são utilizados para detectar infecção neonatal. Qualquer teste não treponêmico positivo deve ser confirmado com um teste treponêmico específico para excluir resultados falso-positivos, mas o teste confirmatório não deve atrasar o tratamento em um recém-nascido sintomático ou neonato com alto risco de infecção.
Sífilis congênita tardia
O diagnóstico da sífilis congênita tardia é por história clínica, achados distintivos do exame físico e sorologia positiva (ver também Exames diagnósticos para sífilis).
A tríade de Hutchinson da ceratite intersticial, incisivos de Hutchinson e surdez envolvendo o 8º par craniano são diagnósticos. Algumas vezes, os testes sorológicos padrão não treponêmicos para sífilis (VDRL e RPR) são negativos, mas o teste de absorção de anticorpo antitreponêmico fluorescente (FTA-ABS) é positivo. O diagnóstico deve ser considerado nos casos de surdez sem explicação, deterioração intelectual progressiva ou ceratite.
Acompanhamento
Deve-se avaliar os títulos de anticorpos não treponêmicos, a cada 2 a 3 meses, de todos os lactentes soropositivos e daqueles cujas mães foram soropositivas, até que os testes se tornem não reagentes ou os títulos decresçam 4 vezes. Nos neonatos tratados com sucesso e não infectados, os títulos dos anticorpos não treponemais tornam-se geralmente não reagentes até os 6 meses. O anticorpo treponema adquirido passivamente pode estar presente por mais tempo, provavelmente 15 meses. É importante lembrar que seja utilizado o mesmo teste específico não treponêmico para monitorar os títulos nas mães, neonatos, neonatos e crianças maiores ao longo do tempo.
Se os testes não treponêmicos permanecerem reagentes depois dos 6 aos 12 meses de idade ou os títulos aumentarem, os lactentes devem ser reavaliados (incluindo punção lombar para análise do LCR, hemograma completo com contagem de plaquetas, radiografias de ossos longos e outros testes que tiverem indicação clínica).
Tratamento da sífilis congênita
Penicilina parenteral
Tratamento pré-natal
Gestantes nos estágios iniciais da sífilis recebem uma dose única de penicilina G benzatina (benzilpenicilina benzatina é utilizada em alguns países e nos Estados Unidos se a penicilina G benzatina não estiver disponível) (1). Nas fases tardias da sífilis ou da neurossífilis, deve-se seguir o esquema terapêutico apropriado para não gestantes (ver Sífilis latente tardia ou terciária). Ocasionalmente, após aplicação da medicação, pode ocorrer a grave reação de Jarisch-Herxheimer, levando ao aborto espontâneo. Os pacientes alérgicos a penicilina devem ser dessensibilizados e depois tratados com penicilina.
Uma ultrassonografia deve ser realizada quando a sífilis é diagnosticada na segunda metade da gravidez e uma segunda dose de penicilina pode ser benéfica se forem encontradas anormalidades fetais.
Após o tratamento adequado, os resultados de testes não treponêmicos diminuem 4 vezes em 6 a 12 meses na maioria dos pacientes e tornam-se negativos em 2 anos em quase todos os pacientes. Falha de tratamento ou reinfecção deve ser considerada em pacientes que apresentarem um aumento ≥ 4 vezes nos títulos após o tratamento, sustentado por > 2 semanas.
A eritromicina não é adequada para a mãe nem para o feto e, portanto, não é recomendada. A tetraciclina é contraindicada
Sífilis congênita precoce
O tratamento é indicado para crianças com sífilis confirmada ou altamente provável e para crianças com possível sífilis se a mãe com sífilis confirmada ou possível se encaixar em qualquer um dos seguintes critérios:
Não tratado
Estado do tratamento desconhecido
Tratada < 30 dias antes do parto
Tratada de modo inadequado (um regime sem penicilina)
Evidências maternas de recorrência ou reinfecção (≥ aumento de 4 vezes nos títulos maternos)
Parceiro(a) recentemente diagnosticado(a) com sífilis
Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de 2021 diretrizes de tratamento das IST recomenda penicilina G cristalina aquosa IV ou penicilina G procaína IM por 10 dias. Se ≥ 1 dia de tratameto é perdido, todo o curso deve ser repetido. Em neonatos com possível sífilis, cujas mães não foram tratadas de forma adequada, mas que estão clinicamente bem e apresentaram avaliação completa inteiramente negativa, uma única dose intramuscular de penicilina benzatina é uma opção terapêutica alternativa em circunstâncias selecionadas — mas somente se todos os componentes da avaliação forem negativos e houver garantia de seguimento (2).
Lactentes maiores e crianças com diagnóstico recente de sífilis congênita
Antes de iniciar o tratamento, deve-se fazer análise do LCR. O CDC recomenda que qualquer criança com sífilis congênita tardia seja tratada com penicilina G cristalina aquosa IV durante 10 dias. Uma única dose de penicilina G benzatina IM também pode ser administrada após a conclusão da terapia IV. Alternativamente, se uma avaliação completa é totalmente negativa e a criança é assintomática, penicilina G benzatina IM uma vez por semana durante 3 semanas pode ser utilizada.
Muitos pacientes não revertem para soronegatividade, mas diminuem em 4 vezes os títulos para anticorpos da reagina (p. ex., VDRL). Os pacientes devem ter acompanhamento e testes realizados a cada 3 meses para garantir que a resposta sorológica apropriada à terapia tenha ocorrido e que não haja nenhuma indicação de recidiva. Pacientes que não apresentarem uma diminuição de 4 vezes após 12 a 18 meses devem ser avaliados para neurossífilis com análise do LCR e retratados.
A ceratite intersticial é geralmente tratada com corticoide e gotas de atropina após consultar o oftalmologista. Pacientes com perda auditiva neurossensorial devem ser tratados em colaboração com um otorrinolaringologista e podem se beneficiar de penicilina mais um corticoide. Não há avaliação criteriosa dos corticoides nessas condições.
Referências sobre tratamento
1. American College of Obstetricians and Gynecologists: Screening for Syphilis in Pregnancy, Practice Advisory. April 2024.
2. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Sexually Transmitted Infections Treatment Guidelines 2021. Sífilis congênita.
Prevenção da sífilis congênita
As gestantes devem ser testadas rotineiramente para sífilis na primeira consulta pré-natal e, se morarem em uma comunidade com altas taxas de sífilis ou tiverem algum fator de risco para sífilis, devem ser testadas novamente no terceiro trimestre e no momento do parto (1). Na vasta maioria dos casos, o tratamento adequado durante a gestação cura a mãe e o feto. Entretanto, em alguns casos, o tratamento tardio da sífilis na gestação elimina a infecção, mas não alguns sinas da doença que aparecem ao nascimento. O tratamento da mãe < 4 semanas antes do parto pode não erradicar a infecção fetal.
Quando a sífilis congênita é diagnosticada, os outros membros da família devem ser avaliados para evidências físicas e sorológicas da infecção. O retratamento da mãe em gestações subsequentes é necessário apenas se os títulos serológicos sugerem recorrência ou reinfecção. Mulheres que se mantêm soropositivas após tratamento adequado devem ter sido reinfectadas e devem ser reavaliadas. Uma mãe soronegativa e sem lesões, mas que teve contato sexual com uma pessoa portadora de sífilis, deve ser tratada, pois há uma grande probabilidade de ela ter adquirido sífilis.
Referência sobre prevenção
1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Sexually Transmitted Diseases: State Statutory and Regulatory Language Regarding Prenatal Syphilis Screenings in the United States. Accessed December 12, 2024.
Pontos-chave
As manifestações clínicas da sífilis são classificadas como congênita precoce (do nascimento aos 2 anos de idade) e congênita tardia (após os 2 anos de idade).
Se a sífilis não for tratada durante a gestação, o risco de transmissão da sífilis primária ou secundária materna é alto (> 60%); o risco de transmissão de sífilis latente ou terciária não tratada é menor (< 40%).
Diagnosticar clinicamente e por testes sorológicos da mãe e do recém-nascido; microscopia de campo escuro das lesões cutâneas e, às vezes, amostras da placenta e do cordão umbilical podem ajudar a diagnosticar precocemente a sífilis congênita.
Tratar com penicilina parenteral.
