A sepse neonatal é uma infecção bacteriana invasiva que ocorre durante o período neonatal. Os sinais são múltiplos, inespecíficos e incluem diminuição da atividade espontânea, ausência de sucção vigorosa, apneia, bradicardia, instabilidade térmica, desconforto respiratório, vômitos, diarreia, distensão abdominal, nervosismo, convulsões e icterícia. O diagnóstico baseia-se em exame físico e cultura bacteriana. O tratamento inicial é com ampicilina mais gentamicina ou cefotaxima, substituídos por antibióticos organismo-específicos tão logo possível.
(Ver também Sepse e choque séptico em adultos e Visão geral das infecções neonatais.)
A sepse neonatal ocorre em 1 a 4/1.000 nascidos vivos (1). Os fatores de risco incluem:
Infecção materna ou febre intraparto, incluindo colonização por estreptococo do grupo B e infecção intra-amniótica
Lactentes com baixo peso ao nascer (BPN)
Baixa classificação de Apgar e/ou reanimação neonatal
Sexo masculino (2)
Baixo nível socioeconômico tem sido associado a maior incidência e mortalidade resultantes de sepse neonatal (3, 4).
Referências gerais
1. Shane AL, Sánchez PJ, Stoll BJ. Neonatal sepsis. Lancet. 2017;390(10104):1770-1780. doi:10.1016/S0140-6736(17)31002-4
2. Murthy S, Godinho MA, Guddattu V, Lewis LES, Nair NS. Risk factors of neonatal sepsis in India: A systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2019;14(4):e0215683. Publicado em 2019 Abr 25. doi:10.1371/journal.pone.0215683
3. Bech CM, Stensgaard CN, Lund S, et al. Risk factors for neonatal sepsis in Sub-Saharan Africa: a systematic review with meta-analysis. BMJ Open. 2022;12(9):e054491. Publicado em 2022 Set 1. doi:10.1136/bmjopen-2021-054491
4. Bohanon FJ, Nunez Lopez O, Adhikari D, et al. Race, Income and Insurance Status Affect Neonatal Sepsis Mortality and Healthcare Resource Utilization. Pediatr Infect Dis J. 2018;37(7):e178-e184. doi:10.1097/INF.0000000000001846
Etiologia da sepse neonatal
O início da sepse neonatal pode ser
Precocemente (≤ 3 dias após o nascimento)
Tardia (> 3 dias)
Sepse neonatal de início precoce
A sepse neonatal de início precoce deve-se geralmente a organismos adquiridos intraparto. Muitos lactentes têm sintomas nas primeiras 6 horas do nascimento.
A maioria dos casos é causada por estreptococos do grupo B (EGB) e organismos Gram-negativos entéricos (predominantemente Escherichia coli). Culturas vaginais ou retais de gestantes com uma gestação a termo mostram taxas de colonização por estreptococos do grupo B de aproximadamente 18% (1, 2). Até 50% dos seus lactentes também são colonizados (3). A densidade da colonização dos recém-nascidos determina o risco de doenças invasivas de início precoce, que é significativamente maior quando a colonização é intensa. Embora apenas 1 a 2/100 desses lactentes colonizados desenvolvam doença invasiva por estreptococos do grupo B, a maioria deles apresenta a doença nas primeiras 6 horas de vida. Sepse por Haemophilus influenzae não tipável também foi identificada em neonatos, especialmente em prematuros.
Outros casos tendem a ser provocados por bacilos entéricos Gram-negativos (p. ex., Klebsiella spp) e certos organismos Gram-positivos [Listeria monocytogenes, enterococos (p. ex., Enterococcus faecalis, E. faecium), estreptococos do grupo D (p. ex., Streptococcus bovis), estreptococos alfa-hemolíticos e estafilococos]. Além disso, S. pneumoniae, H. influenzae tipo b e, menos comumente, Neisseria meningitidis foram isolados. Gonorreia não tratada na gravidez pode resultar em N. gonorrhoeae como patógeno na sepse neonatal (4).
Certas infecções virais (p. ex., herpes simples disseminado, enterovírus, adenovírus, vírus sincicial respiratório) podem manifestar-se tanto nos casos de sepse de início precoce quanto tardio.
Sepse neonatal de início tardio
A sepse neonatal de acometimento tardio é geralmente adquirida do meio ambiente (ver Infecção neonatal adquirida em hospital). Os estafilococos respondem por 30 a 60% dos casos de início tardio e devem-se mais frequentemente a instrumentos intravasculares (particularmente catéteres na artéria vascular central). E. coli é cada vez mais reconhecida como uma causa significativa da sepse de início tardio, especialmente em lactentes com peso extremamente baixo. O isolamento de Enterobacter cloacae ou Cronobacter sakazakii no sangue ou no líquido cefalorraquidiano pode ser causado por alimentos contaminados. Equipamentos respiratórios contaminados são suspeitos nos casos de surtos de pneumonia ou sepse por Pseudomonas aeruginosa adquiridos em hospital.
Embora a triagem universal e a profilaxia intraparto com antibióticos para streptococos do grupo B tenham diminuído de modo significativo a doença de início precoce por causa desse organismo, a taxa de sepse por estreptococos do grupo B de início tardio permaneceu inalterada, o que é consistente com a hipótese de que a doença de início tardio é geralmente adquirida do meio ambiente.
O papel dos anaeróbios (particularmente Bacteroides fragilis) em sepse de início tardio não está claro, embora casos de morte tenham sido atribuídos a bacteremia por Bacteroides.
Candida spp são causas cada vez mais importantes de sepse de início tardio, particularmente em lactentes com muito baixo peso ao nascer.
Certas infecções virais (p. ex., herpes simples disseminado, enterovírus, adenovírus, vírus sincicial respiratório) podem manifestar-se tanto nos casos de sepse de início precoce quanto tardio.
Referências sobre etiologia
1. Kwatra G, Cunnington MC, Merrall E, et al. Prevalence of maternal colonisation with group B streptococcus: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2016;16(9):1076-1084. doi:10.1016/S1473-3099(16)30055-X
2. Russell NJ, Seale AC, O'Driscoll M, et al. Maternal Colonization With Group B Streptococcus and Serotype Distribution Worldwide: Systematic Review and Meta-analyses. Clin Infect Dis. 2017;65(suppl_2):S100-S111. doi:10.1093/cid/cix658
3. Prevention of Group B Streptococcal Early-Onset Disease in Newborns: ACOG Committee Opinion Summary, Number 782. Obstet Gynecol. 2019;134(1):1. doi:10.1097/AOG.0000000000003335
4. Shane AL, Sánchez PJ, Stoll BJ. Neonatal sepsis. Lancet. 2017;390(10104):1770-1780. doi:10.1016/S0140-6736(17)31002-4
Fisiopatologia da sepse neonatal
Sepse neonatal de início precoce
Certos fatores perinatais maternos e obstétricos aumentam o risco, particularmente da sepse neonatal de início precoce:
Ruptura prematura de membranas (RPM) que ocorre ≥ 18 horas antes do nascimento
Infecção intra-amniótica materna (que mais comumente se manifesta como febre materna um pouco antes ou durante o parto com leucocitose materna, taquicardia, sensibilidade uterina e/ou líquido amniótico fétido)
Colonização por estreptococos do grupo B
A disseminação hematogênica e transplacentária da infecção materna ocorre na transmissão de certos vírus (p. ex., rubéola, citomegalovírus), protozoários (p. ex., Toxoplasma gondii) e treponemas (p. ex., Treponema pallidum). Alguns patógenos bacterianos (p. ex., L. monocytogenes, Mycobacterium tuberculosis) podem alcançar o feto por via transplacentária, mas a maioria é adquirida por via ascendente no útero ou durante o trabalho de parto e o parto devido ao contato com o fluido vaginal infectado.
Embora a intensidade da colonização materna seja diretamente relacionada com o risco de doença invasiva para o neonato, muitas mães com colonização de baixa densidade dão à luz crianças com colonização de alta densidade e que, portanto, estão sob risco. O líquido amniótico contaminado com mecônio ou vérnix caseoso promove o crescimento de streptococos do grupo B e E. coli. Portanto, os poucos organismos na cúpula vaginal são capazes de proliferar rapidamente após RPM, possivelmente contribuindo para esse paradoxo. Os microrganismos geralmente alcançam a circulação sanguínea do feto por aspiração ou deglutição de líquido amniótico contaminado, causando bacteremia.
A via ascendente da infecção ajuda a explicar fenômenos como a alta incidência de RPM em infecções neonatais, o significado da inflamação anexial (amnionite está mais comumente associada à sepse neonatal do que a placentite central), o maior risco de infecção em gestações gemelares no feto que ocupa a posição mais próxima ao colo do útero e as características bacteriológicas da sepse neonatal de início precoce, que refletem a flora da cúpula vaginal materna.
Sepse neonatal de início tardio
O fator de risco mais importante na sepse de início tardio é:
Outros fatores de risco incluem:
Uso prolongado de catéter intravascular
Doenças associadas (que podem ser, entretanto, motivo para uso de procedimentos invasivos)
Exposição aos antibióticos (que dão lugar a cepas bacterianas resistentes)
Hospitalização prolongada
Equipamentos ou soluções IV ou enterais contaminados
Organismos gram-positivos (p. ex., estafilococo coagulase-negativo e Staphylococcus aureus) podem ser adquiridos do meio ambiente ou da pele do paciente. Bactérias entéricas gram-negativas são geralmente derivadas da flora endógena do paciente, que pode estar alterada pelo uso antecedente de antibióticos ou por albergar organismos resistentes transferidos das mãos dos profissionais da área (o principal meio de disseminação) ou equipamentos contaminados. Portanto, situações que aumentam a exposição a essas bactérias (p. ex., aglomeração, pessoal de enfermagem inadequado, assepsia inconsistente das mãos) resultam em taxas mais altas de infecção hospitalar.
Os fatores de risco da sepse por Candida incluem uso prolongado (> 10 dias) de catéteres centrais IV, nutrição parenteral, uso anterior de antibióticos (especialmente cefalosporinas de terceira geração) e patologia abdominal.
O foco inicial da infecção pode estar no trato urinário, nos seios paranasais, na orelha média, nos pulmões ou no trato gastrointestinal e pode mais tarde disseminar para meninges, rins, ossos, articulações, peritônio e pele.
Sinais e sintomas da sepse neonatal
Os sinais iniciais da sepse neonatal são frequentemente sutis e não específicos e não distinguem os microrganismos (inclusive virais). Os sinais precoces particularmente comuns incluem os seguintes:
Diminuição da atividade espontânea
Sucção menos vigorosa
Anorexia
Apneia
Bradicardia
Instabilidade térmica (hipo ou hipertermia)
A febre está presente em < 10% dos neonatos; porém, quando mantida (p. ex., por > 1 hora), geralmente indica infecção (1). Ver também Febre em recém-nascidos e crianças. Pode haver instabilidade térmica em vez de febre. Outros sinais e sintomas incluem disfunções respiratórias, distúrbios neurológicos (p. ex., convulsões, irritabilidade), icterícia (especialmente se ocorrer nas primeiras 24 horas de vida sem incompatibilidade dos grupos sanguíneos Rh ou ABO e com níveis de bilirrubina direta maiores do que o esperado), vômitos, diarreia e distensão abdominal.
Sinais específicos de um órgão infectado podem apontar exatamente o local originário ou metastático.
A maioria dos neonatos com infecção por streptococos do grupo B de início precoce (e muitos com L. monocytogenes) apresenta-se com desconforto respiratório de difícil diferenciação com a síndrome do desconforto respiratório.
Eritema periumbilical, secreção ou sangramento sem diátese hemorrágica sugerem onfalite (a infecção impede a obstrução dos vasos umbilicais).
Coma, convulsões, opistótono ou abaulamento da fontanela sugerem meningite, encefalite ou abscesso cerebral.
Diminuição dos movimentos espontâneos de uma extremidade, edema e articulação quente, eritematosa ou dolorida indicam osteomielite ou artrite séptica.
Distensão abdominal inexplicada pode indicar peritonite ou enterocolite necrosante (particularmente quando acompanhada de diarreia sanguinolenta e leucócitos nas fezes).
Vesículas cutâneas, úlceras orais e hepatoesplenomegalia (particularmente com coagulação intravascular disseminada) podem indicar herpes simples disseminado.
A infecção por estreptococos do grupo B de início precoce pode manifestar-se com pneumonia fulminante. Frequentemente ocorrem complicações obstétricas (particularmente parto prematuro, RPM ou infecção intra-amniótica). A infecção por estreptococos do grupo B de início precoce manifesta-se na maioria dos neonatos afetados dentro de 6 horas após o nascimento; muitos tiveram uma pontuação Apgar diminuída ao nascer. Meningite também pode estar presente, embora não seja comum.
Já na infecção por estreptococos do grupo B de acometimento tardio (em > 3 dias a 12 semanas), a meningite costuma estar presente. A forma tardia da infecção por estreptococos do grupo B geralmente não está associada a fatores de risco perinatais ou colonização cervical materna demonstrável e pode ser adquirida pós-parto.
Referência sobre sinais e sintomas
1. Hofer N, Müller W, Resch B. Neonates presenting with temperature symptoms: role in the diagnosis of early onset sepsis. Pediatr Int. 2012;54(4):486-490. doi:10.1111/j.1442-200X.2012.03570.x
Diagnóstico da sepse neonatal
História e exame físico, incluindo histórico materno.
Hemocultura, cultura do liquor e, às vezes, cultura de urina
Hemograma, marcadores inflamatórios e marcadores de função do sistema orgânico
O diagnóstico precoce da sepse neonatal é importante e requer atenção para os fatores de risco (particularmente nos neonatos com baixo peso) e alto índice de suspeita quando qualquer neonato se afasta dos padrões normais nas primeiras semanas de vida. A Neonatal Early-Onset Sepsis Risk Prediction (Predição de Risco de Sepse Neonatal de Início Precoce) é uma calculadora de risco clínico para neonatos ≥ 34 semanas de idade gestacional ao nascimento que é validada para uso em locais com alta disponibilidade de recursos. Outras ferramentas de previsão de risco podem ser mais aplicáveis em países de baixa e média renda (1, 2, 3).
Neonatos com sinais clínicos de sepse devem ser submetidos a hemograma completo, diferencial com esfregaço, marcadores inflamatórios (p. ex., proteína C-reativa, procalcitonina), hemocultura, cultura de urina (não necessária para a avaliação da sepse de início precoce) e punção lombar (PL), se clinicamente viável, o mais rápido possível. Neonatos com sintomas respiratórios devem submeter-se a radiografia de tórax. O diagnóstico é confirmado pela presença do organismo patogênico em culturas. Outros exames podem ter resultados anormais e, embora não sejam necessariamente diagnósticos de sepse, podem ajudar a avaliar o grau da doença e o envolvimento do sistema orgânico. Lactantes devem receber terapia antimicrobiana empíricade amplo espectro.
Neonatos que parecem bem são tratados com base em vários fatores, como discutido abaixo em Prevenção da sepse neonatal.
Contagem diferencial de leucócitos e esfregaço
A contagem total de leucócitos e a contagem de banda absoluta em neonatos são preditores ruins da sepse de início precoce. Entretanto, uma proporção elevada de leucócitos polimorfonucleares imaturos:totais > 0,16 é sensível, e valores abaixo desse ponto de corte têm alto valor preditivo negativo. Contudo, a especificidade é baixa e muitos neonatos a termo têm uma proporção elevada. Os valores obtidos após 6 horas de vida têm maior probabilidade de ser anormais e clinicamente úteis do que aqueles obtidos logo após o nascimento.
A contagem de plaquetas pode cair horas ou dias antes do aparecimento do quadro clínico da sepse, porém mais frequentemente permanece elevada até um dia depois que o neonato adoece. Essa queda é, às vezes, acompanhada de outros achados da coagulação intravascular disseminada (CIVD) (p. ex., aumento dos produtos de degradação da fibrina, diminuição do fibrinogênio, razão normalizada internacional (RNI) prolongada). Dado o momento dessas alterações, a contagem de plaquetas normalmente não é útil para avaliar se um neonato apresenta sepse.
Em virtude do grande número de bactérias circulantes, elas podem ser visualizadas dentro dos PMN ou associadas a eles, aplicando coloração pelo gram, azul de metileno ou acridina laranja à película inflamatória sobrenadante.
Independentemente dos resultados do hemograma completo ou da avaliação do LCR, todos os recém-nascidos com suspeita de sepse (p. ex., aqueles que parecem enfermos, estão febris ou hipotérmicos) devem iniciar os antibióticos logo após as culturas (p. ex., sangue e líquido cefalorraquidiano [se possível]) serem colhidas.
Punção lombar
Existe um risco de agravamento da hipóxia durante uma PL em neonatos já hipoxêmicos. Mas a PL deve ser realizada no neonato com suspeita de sepse assim que as condições do neonato permitirem (ver também Diagnóstico da meningite bacteriana neonatal). Sinais de meningite bacteriana incluem contagem elevada de leucócitos, glicose baixa e proteína elevada. Oxigênio suplementar é administrado antes da PL e durante o procedimento para prevenir hipóxia.
Hemoculturas
Os vasos umbilicais são fre-quentemente contaminados por microrganismos presentes no coto umbilical, especialmente após algumas horas, portanto a hemocultura dos vasos venosos umbilicais pode não ser confiável. Portanto, hemocultura deve ser obtida por venopunção, preferencialmente em 2 locais periféricos. Embora a preparação ideal da pele antes da coleta de material para hemocultura em neonatos não esteja definida, os médicos podem aplicar um líquido contendo iodo e deixar o local secar. Alternativamente, se necessário, o sangue obtido logo após a colocação de um catéter arterial umbilical também pode ser utilizado para a cultura.
O sangue deve seguir cultura para microrganismos aeróbios e anaeróbios. Mas a quantidade mínima de sangue por frasco de hemocultura é 1,0 mL; se for obtido < 2 mL, tudo deve ser colocado em um único frasco de hemocultura para organismos aeróbios. Se houver suspeita quanto à associação catéter e sepse, deve-se dirigir a cultura para o catéter além do sangue periférico.
Candida spp cresce nas hemoculturas e nas placas de ágar sangue; mas, se a suspeita recair sobre outros fungos, deve-se utilizar um meio de cultura para fungos. Para outras espécies diferentes da Candida, as hemoculturas para fungos precisam de 4 a 5 dias de incubação antes de tornar-se positiva e pode ser negativa mesmo nos casos de doenças obviamente disseminadas. Provas de colonização (pele, boca e fezes) podem ser úteis enquanto se aguarda o resultado da cultura. Neonatos com candidemia devem ser submetidos à punção lombar (PL) para identificar meningite por Candida. Deve-se realizar oftalmoscopia indireta com dilatação da pupila para identificar lesões da retina por cândida. A ultrassonografia renal é utilizada para detectar micetoma renal.
Urinálise e cultura de urina
O exame de urina só é necessário para a avaliação à procura de sepse de início tardio. Amostras de urina devem ser obtidas por catéter ou aspiração suprapúbica, e não de bolsas de coleta. Embora somente a cultura seja capaz de fornecer o diagnóstico, a existência de ≥ 5 leucócitos por campo de grande aumento na urina ou qualquer microrganismo presente em amostra recente de urina corada pelo gram levanta a suspeita de infecção do trato urinário (ITU). Ausência de piúria não afasta uma ITU.
Outros testes para infecção e inflamação
Numerosos testes são frequentemente anormais na sepse e foram avaliados como possíveis marcadores precoces. Em geral, porém, a sensibilidade tende a ser baixa até a fase tardia da doença e a especificidade tem se revelado subótima. Os biomarcadores não são considerados úteis para determinar quando iniciar antibióticos contra sepse neonatal por causa de seu baixo valor preditivo positivo; contudo, podem desempenhar um papel adjuvante na determinação de quando pode ser aceitável interromper os antibióticos se as culturas permanecerem negativas na suspeita de sepse de início precoce.
Reagentes de fase aguda são proteínas produzidas pelo fígado sob influência da IL-1, quando a inflamação está presente. A mais estudada destas é a proteína C-reativa quantitativa. Em geral, considera-se uma concentração ≥ 1 mg/dL (9,52 nmol/L) (medida por nefelometria) anormal. Níveis elevados ocorrem em 6 a 8 horas depois do desenvolvimento de sepse e alcançam o pico em 1 dia. A sensibilidade das medições de proteína C-reativa é mais alta se medida após 6 a 8 horas de vida.
A procalcitonina está surgindo como um marcador reagente de fase aguda para sepse neonatal. Embora a procalcitonina pareça ser mais sensível do que a proteína C-reativa, ela é menos específica (4). Uma combinação de biomarcadores, que inclui a procalcitonina e a proteína C reativa, pode revelar-se mais útil na determinação da duração da antibioticoterapia (5).
Referências sobre diagnóstico
1. Escobar GJ, Puopolo KM, Wi S, et al. Stratification of risk of early-onset sepsis in newborns ≥ 34 weeks' gestation. Pediatrics. 2014;133(1):30-36. doi:10.1542/peds.2013-1689
2. Kuzniewicz MW, Walsh EM, Li S, Fischer A, Escobar GJ. Development and Implementation of an Early-Onset Sepsis Calculator to Guide Antibiotic Management in Late Preterm and Term Neonates. Jt Comm J Qual Patient Saf. 2016;42(5):232-239. doi:10.1016/s1553-7250(16)42030-1
3. Russell NJ, Stöhr W, Plakkal N, et al. Patterns of antibiotic use, pathogens, and prediction of mortality in hospitalized neonates and young infants with sepsis: A global neonatal sepsis observational cohort study (NeoOBS). PLoS Med. 2023;20(6):e1004179. Publicado em 2023 Jun 8. doi:10.1371/journal.pmed.1004179
4. Pontrelli G, De Crescenzo F, Buzzetti R, et al. Accuracy of serum procalcitonin for the diagnosis of sepsis in neonates and children with systemic inflammatory syndrome: A meta-analysis. BMC Infect Dis. 2017;17(1):302. doi:10.1186/s12879-017-2396-7
5. Stocker M, van Herk W, El Helou S, et al. C-reactive protein, procalcitonin, and white blood count to rule out neonatal early-onset sepsis within 36 hours: A secondary analysis of the neonatal procalcitonin intervention study. Clin Infect Dis. 2021;73(2):e383–e390. doi:10.1093/cid/ciaa876
Tratamento da sepse neonatal
Terapia antimicrobiana
Terapia de suporte
Uma vez que a sepse pode manifestar-se com sinais clínicos inespecíficos e seus efeitos podem ser devastadores e a maioria dos casos é bacteriana, recomenda-se antibioticoterapia empírica rápida; posteriormente, os fármacos serão reajustados de acordo com a sensibilidade e o local da infecção. Em geral, se nenhuma fonte de infecção é identificada clinicamente, a criança parece bem e as culturas são negativas, os antibióticos podem ser interrompidos após 48 horas (até 72 horas em neonatos pré-termo pequenos).
Medidas gerais de suporte, incluindo manobras respiratórias e hemodinâmicas, adicionam-se à antibioticoterapia.
Antimicrobianos
Na sepse de início precoce, a terapia inicial deve incluir ampicilina mais um aminoglicosídeo (p. ex., gentamicina). Se houver suspeita de meningite, a cefotaxima pode ser combinada com, ou substituir, o aminoglicosídeo se houver suspeita de que a causa da meningite é um organismo gram-negativo.
A ampicilina é ativa contra organismos como estreptococos do grupo B, enterococos e Listeria. A gentamicina atua sinergicamente contra esses organismos e também trata muitas infecções gram-negativas. Cefalosporinas de terceira geração fornecem uma cobertura adequada para a maioria dos patógenos gram-negativos. Ceftriaxona é contraindicada em neonatos hiperbilirrubinêmicos ou naqueles que recebem soluções IV contendo cálcio. Assim que o microrganismo for identificado, os antibióticos poderão ser trocados.
Na sepse de início tardio, lactentes que anteriormente estavam bem, oriundos da comunidade, internados pela presunção de sepse de início tardio também devem receber ampicilina mais gentamicina ou ampicilina mais cefotaxima. Se houver suspeita de meningite por gram-negativo, podem-se utilizar ampicilina, cefotaxima e um aminoglicosídio. Nas sepses de início tardio adquiridas em ambiente hospitalar, o tratamento inicial deve incluir vancomicina (ativa contra S. aureus meticilina-resistente) mais um aminoglicosídeo. Se a P. aeruginosa é prevalente no berçário, pode ser utilizada ceftazidima, cefepima ou piperacilina/tazobactam em vez de um aminoglicosídeo, dependendo das suscetibilidades locais.
Os neonatos previamente tratados com uma série completa de 7 a 14 dias de aminoglicosídio e que necessitem de novo tratamento devem receber um aminoglicosídio diferente ou uma cefalosporina de 3ª geração.
Se houver suspeita de estafilococos coagulase-negativos (p. ex., devido a catéter mantido por > 72 horas) ou isolados do sangue ou qualquer outro líquido normalmente estéril e considerados patogênicos, recomenda-se terapia inicial para sepse tardia com vancomicina. Entretanto, se o organismo for sensível a nafcilina, tanto cefazolina como nafcilina podem substituir a vancomicina. A remoção de uma suposta fonte do microrganismo (geralmente um catéter intravascular) é necessária para cura da infecção, uma vez que os estafilococos coagulase-negativos podem ser protegidos por um biofilme (cobertura que estimula a aderência do microrganismo ao catéter).
Como a Candida pode demorar 2 a 3 dias para crescer em hemocultura, o início empírico da terapia com desoxicolato de anfotericina B e a remoção do catéter infectado antes das culturas confirmarem a infecção fúngica pode salvar a vida da criança.
A terapia antiviral deve ser iniciada quando o vírus do herpes simples, o vírus varicela-zóster e o citomegalovírus estiverem no diagnóstico diferencial.
Outros tratamentos
A exsanguinotransfusão é utilizada em neonatos gravemente enfermos (particularmente hipotensos e com acidose metabólica). O objetivo é aumentar os níveis de imunoglobulinas circulantes, diminuir as endotoxinas circulantes e aumentar os níveis de hemoglobina (com níveis mais elevados de 2,3-difosfoglicerato) e melhorar a perfusão. Contudo, as evidências para apoiar essa terapia são mistas e insuficientes para recomendar seu uso (1).
O plasma fresco congelado pode ajudar a reverter as deficiências de opsoninas termoestáveis e termolábeis que ocorrem em neonatos de baixo peso ao nascer, embora não haja estudos controlados sobre seu uso, e os riscos associados à transfusão devem ser considerados (2).
As transfusões de granulócitos (ver Leucócitos) foram utilizadas em neonatos sépticos e granulocitopênicos, mas não melhoraram o resultado de forma convincente.
Fatores estimuladores de colônias recombinantes [fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF) e fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF)] aumentam o número e a função de neutrófilos em neonatos com suposta sepse, porém não foi verificado benefício em neonatos com grave neutropenia, havendo necessidade de mais estudos.
Referências sobre tratamento
1. Mathias S, Balachander B, Bosco A, Britto C, Rao S. The effect of exchange transfusion on mortality in neonatal sepsis: a meta-analysis. Eur J Pediatr. 2022;181(1):369-381. doi:10.1007/s00431-021-04194-w
2. Sokou R, Parastatidou S, Konstantinidi A, et al. Fresh frozen plasma transfusion in the neonatal population: A systematic review. Blood Rev. 2022;55:100951. doi:10.1016/j.blre.2022.100951
Prognóstico da sepse neonatal
A taxa de mortalidade geral da sepse de início precoce é de 18% (a da infecção por estreptococos do grupo B de início precoce é de 2 a 10%) e a da sepse de início tardio é de até 12% (menor para sepse de início tardio adquirida na comunidade versus no hospital). A mortalidade na sepse de início tardio depende muito do organismo causador.
Lactentes com choque séptico têm uma taxa de mortalidade mais alta (até 40%), enquanto aqueles com baixo ou muito baixo peso ao nascer têm maior mortalidade e piores desfechos do neurodesenvolvimento (1).
Referência sobre prognóstico
1. Giannoni E, Agyeman PKA, Stocker M, et al. Neonatal Sepsis of Early Onset, and Hospital-Acquired and Community-Acquired Late Onset: A Prospective Population-Based Cohort Study. J Pediatr. 2018;201:106-114.e4. doi:10.1016/j.jpeds.2018.05.048
Prevenção da sepse neonatal
Neonatos que parecem bem podem estar em risco de infecção por estreptococos do grupo B. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e a Academia Americana de Pediatria (AAP) recomendam atualmente o manejo desses lactentes com base em vários fatores (1, 2), incluindo:
Presença de infecção materna intra-amniótica
Se a profilaxia materna para estreptococos do grupo B foi indicada e administrada adequadamente
Idade gestacional e a duração da ruptura das membranas
Se não houver infecção intra-amniótica nem indicação para profilaxia de EGB, nenhum teste ou tratamento é indicado.
E se infecção intra-amniótica está presente ou é fortemente suspeita, neonatos pré-termo e a termo devem ser submetidos à hemocultura no nascimento e a antibioticoterapia empírica de amplo espectro deve ser iniciada. Os testes também devem incluir a contagem de leucócitos diferencial e proteína C-reativa em 6 a 12 horas de vida. Tratamento adicional depende da evolução clínica e dos resultados dos exames laboratoriais.
E se profilaxia para estreptococos do grupo B maternos foi indicada e administrada de forma adequada (isto é, penicilina, ampicilina ou cefazolina administrada IV por ≥ 4 horas), os neonatos devem ser observados no hospital durante 48 horas; exames e tratamento só são feitos caso haja desenvolvimento de sintomas. Pacientes ≥ 37 semanas de gestação selecionados que têm cuidadores confiáveis e pronto acesso a acompanhamento podem receber alta depois de 24 horas.
Se profilaxia adequada para EGB não foi administrada, os lactentes são observados no hospital durante 36 a 48 horas sem terapia antimicrobiana. Se membranas rompidas ≥ 18 horas antes do nascimento ou a idade gestacional é < 37 semanas, recomenda-se hemocultura, hemograma com diferencial e, algumas vezes, nível de proteína C-reativa no nascimento e/ou com 6 a 12 horas de vida. A evolução clínica e os resultados dos exames laboratoriais orientam o tratamento.
Abordagens alternativas para estratificar o risco de neonatos com relação à sepse de início precoce, com base em fatores de risco maternos e no exame seriado do recém-nascido, estão sendo implementadas de forma mais ampla.
Não foi demonstrado que administrar imunoglobulina IV para aumentar a resposta imunológica do neonato ajude a prevenir ou tratar a sepse.
Indicações maternas para profilaxia contra estreptococos do grupo B
Todas as gestantes devem ser rastreadas para colonização por estreptococos do grupo B entre a 35ª e a 37ª semana de gestação, utilizando cultura vaginal e retal (3).
Mulheres com rastreamento positivo para EGB e/ou bacteriúria por EGB a qualquer momento durante a gravidez atual devem receber profilaxia antibiótica quando o trabalho de parto começar ou as membranas se romperem. A profilaxia antibiótica não é necessária para pacientes que tiveram cesárea antes do início do trabalho de parto e antes da ruptura das membranas.
Mulheres com teste negativo para estreptococos do grupo B devem receber antibióticos intraparto se já deram à luz a um lactente com doença invasiva por estreptococos do grupo B.
Mulheres cujo estado de estreptococos do grupo B é desconhecido (p. ex., porque não foram testadas ou os resultados não estão disponíveis) devem receber antibióticos intraparto se ≥ 1 dos seguintes fatores estão presentes:
< 37 semanas de gestação
Ruptura das membranas por ≥ 18 horas
Temperatura intraparto ≥ 38° C
Teste de amplificação de ácido nucleico (NAAT) intraparto positivo para EGB (para pacientes com NAAT intraparto negativo para EGB, a profilaxia antibiótica deve ser administrada se outros fatores de risco se desenvolverem)
História de teste positivo para estreptococos do grupo B em gestação anterior
Mulheres que tiveram teste positivo para estreptococos do grupo B em uma gestação têm 50% de probabilidade de colonização por estreptococos do grupo B em uma gestação subsequente (4).
Os antibióticos normalmente utilizados incluem penicilina, ampicilina ou cefazolina e devem ser administrados IV por ≥ 4 horas antes do parto. A seleção deve levar em consideração os padrões locais de resistência antimicrobiana ao estreptococos do grupo B.
Referências sobre prevenção
1. Brady MT, Polin RA. Prevention and management of infants with suspected or proven neonatal sepsis. Pediatrics. 2013;132:166-8. doi:10.1542/peds.2013-1310
2. Polin RA and the Committee on Fetus and Newborn.Management of neonates with suspected or proven early-onset bacterial sepsis. Pediatrics. 2012;129:1006-1015. doi:10.1542/peds.2012-0541
3. Prevention of Group B Streptococcal Early-Onset Disease in Newborns: ACOG Committee Opinion, Number 797 [correção publicada em Obstet Gynecol. 2020 Apr;135(4):978-979. doi: 10.1097/AOG.0000000000003824]. Obstet Gynecol. 2020;135(2):e51-e72. doi:10.1097/AOG.0000000000003668
4. Puopolo KM, Lynfield R, Cummings JJ, et al. Management of infants at risk for group B streptococcal disease. Pediatrics. 2019;144(2):e20191881. doi:10.1542/peds.2019-1881
Pontos-chave
A sepse neonatal pode ser de início precoce (≤ 3 dias do nascimento) ou tardio (após 3 dias).
A sepse de início precoce deve-se geralmente a organismos adquiridos intraparto, e os sintomas se manifestam em 6 horas do nascimento.
Sepse de início tardio geralmente é adquirida do ambiente e é mais provável em neonatos pré-termo, particularmente aqueles com hospitalização prolongada, uso de catéteres IV ou ambos.
Os sinais iniciais são frequentemente sutis e não específicos, e febre está presente em < 10% dos neonatos.
Fazer hemoculturas e culturas do LCS e, para sepse de início tardio, realizar também cultura de urina.
Tratar sepse de início precoce com ampicilina mais gentamicina (e/ou cefotaxima se há suspeita de meningite gram-negativa) substituídas por fármacos organismo-específicos tão logo possível.
Administrar profilaxia intraparto anti-estreptococos do grupo B (EGB) para mulheres em risco de transmitir estreptococos do grupo Bao neonato.
