A fibrose cística é uma doença hereditária das glândulas exócrinas que afeta, primariamente, os sistemas gastrointestinal e respiratório. Ela leva a doença pulmonar crônica, insuficiência pancreática exócrina, doença hepatobiliar e eletrólitos anormalmente elevados no suor. O diagnóstico é feito pelo teste do suor ou identificação de 2 variantes genéticas causadoras de fibrose cística em pacientes com resultado positivo no teste de rastreamento neonatal ou com características clínicas típicas. O tratamento é de suporte por meio de atendimento multidisciplinar agressivo, além de corretores e potenciadores de pequenas moléculas voltados ao defeito da proteína reguladora de condutância transmembrana da fibrose cística.
A fibrose cística (FC) é uma doença genética potencialmente fatal, que, nos Estados Unidos, ocorre em aproximadamente 1 a cada 3.300 nascimentos de crianças brancas, 1 a cada 15.300 de crianças negras e 1 a cada 32.000 de crianças asiático-americanas, conforme dados de 2021 (1). Há aproximadamente 40.000 pessoas vivendo com FC nos Estados Unidos e cerca de 105.000 pessoas foram diagnosticadas com FC em 94 países em todo o mundo (2). Como o tratamento e a expectativa de vida melhoraram, cerca de 60% dos pacientes nos Estados Unidos com FC são agora adultos.
Referências gerais
1. Cystic Fibrosis Foundation Patient Registry 2021 Annual Data Report Bethesda, Maryland 2025 Cystic Fibrosis Foundation. Accessed July 30, 2025.
2 Cystic Fibrosis Foundation: About Cystic Fibrosis. Accessed July 30, 2025.
Etiologia da fibrose cística
A fibrose cística é herdada de modo autossômico recessivo e cerca de 4% (1 em cada 27) das pessoas brancas são portadoras do gene (1). O gene responsável pela FC está localizado no braço longo do cromossomo 7. Ele codifica uma proteína associada à membrana denominada regulador de condutância transmembrana em fibrose cística (CFTR, na sigla em inglês ). O variante do gene mais comum, F508del, ocorre em cerca de 85% dos alelos da fibrose cística; já foram identificadas > 2000 variantes do gene do CFTR menos comuns (2).
CFTR é um canal de cloreto regulado pelo monofosfato de adenosina cíclica (cAMP), que regula o transporte de cloreto, sódio e bicarbonato através das membranas epiteliais. É expresso em múltiplos órgãos, incluindo o trato respiratório, pâncreas, intestino e glândulas sudoríparas (ver Fisiopatologia da fibrose cística). Várias ouras funções são consideradas prováveis. A doença só se manifesta em pessoas homozigotas (i.e., variantes patogênicas bialélicas). Indivíduos heterozigotos podem apresentar alterações sutis no transporte de eletrólitos epiteliais, mas clinicamente não são afetados.
As variantes CFTR podem envolver mutações frameshift (uma deleção ou inserção em uma sequência de DNA que muda a maneira como a sequência é lida) ou nonsense (de terminação). Essas variantes foram divididas em 6 classes com base na maneira como a variante afeta a função ou o processamento da proteína CFTR (3). Considera-se que pacientes com as variantes classe I, II ou III têm um genótipo mais grave que resulta em pouca ou nenhuma função da proteína CFTR; considera-se que pacientes com 1 ou 2 variantes classe IV, V ou V têm um genótipo mais leve que resulta em função CFTR residual. Contudo, não há correlação direta entre variantes específicas e manifestações da doença, de modo que testes clínicos (isto é, das funções orgânicas), em vez de genotipagem, são considerados um guia melhor para o prognóstico.
Referências sobre etiologia
1. Zvereff VV, Faruki H, Edwards M, Friedman KJ: Cystic fibrosis carrier screening in a North American population. Genet Med 16(7):539-546, 2014. doi: 10.1038/gim.2013.188
2. Grasemann H, Ratjen F: Cystic Fibrosis. N Engl J Med 389(18):1693-1707, 2023. doi:10.1056/NEJMra2216474
3. Ong T, Ramsey BW: Cystic Fibrosis: A Review. JAMA 329(21):1859-1871, 2023. doi:10.1001/jama.2023.8120
Fisiopatologia da fibrose cística
Quase todas as glândulas exócrinas são afetadas com distribuição variável em grau de gravidade. As glândulas podem:
Torna-se obstruído por muco viscoso no lúmen (pâncreas, glândulas intestinais, ductos biliares intra-hepáticos, vesícula biliar e glândulas submaxilares)
Aparência histológica anormal e produção excessiva de secreções (traqueobrônquicas e glândulas de Brunner)
Aparência histológica normal, mas secreção excessiva de sódio e cloreto (glândulas sudoríparas, parótidas e pequenas glândulas salivares)
Source: National Heart, Lung, and Blood Institute; National Institutes of Health; U.S. Department of Health and Human Services.
Respiratória
Ao nascimento, os pulmões geralmente apresentam histologia normal; a maioria dos pacientes desenvolve sinais ou sintomas de doença pulmonar, que se inicia no lactente ou precocemente na infância. Rolha de muco e infecção crônica bacteriana, acompanhada de resposta inflamatória pronunciada, danificam as vias respiratórias, levando finalmente a bronquiectasia e insuficiência respiratória. O curso clínico da doença é caracterizado por exacerbações episódicas com infecção e declínio progressivo da função pulmonar.
A lesão pulmonar começa provavelmente com obstruções difusas nas pequenas vias respiratórias, por secreções mucosas espessas. Secundariamente à obstrução e à infecção, ocorrem bronquiolites e rolhas purulentas nas vias respiratórias. Inflamação crônica secundária à liberação de proteases e citocinas pró-inflamatórias pelas células nas vias respiratórias também contribui para lesão pulmonar. As alterações nas vias respiratórias são mais comuns do que as do parênquima e o enfisema não é proeminente. Cerca de 40% dos pacientes apresentam hiperreatividade brônquica que pode responder parcialmente ou não responder aos broncodilatadores (1, 2).
Em pacientes com doença pulmonar avançada, a hipoxemia crônica leva à hipertrofia muscular das artérias pulmonares, hipertensão pulmonar e hipertrofia do ventrículo direito.
Os pulmões da maioria dos pacientes são colonizados por bactérias patogênicas. No início do curso, Staphylococcus aureus é o patógeno mais comum, mas à medida que a doença progride, Pseudomonas aeruginosa, incluindo cepas resistentes a múltiplos fármacos, é frequentemente isolado. Uma variante mucoide da P. aeruginosa está exclusivamente associada à fibrose cística e resulta em prognóstico pior do que P. aeruginosa não mucoide.
Nos Estados Unidos, a prevalência de S. aureus resistente à meticilina (SARM) nas vias respiratórias é de aproximadamente 25% (3). Pacientes cronicamente infectados com SARM geralmente apresentam declínio mais rápido da função pulmonar e menores taxas de sobrevida do que os não infectados.
Nos Estados Unidos, a colonização pelo complexo Burkholderia cepacia ocorre em cerca de 1,2% dos pacientes em 2023 e pode estar associada à deterioração pulmonar mais rápida (4).
As micobactérias não tuberculosas, incluindo o complexo Mycobacterium avium e M. abscessus, são potenciais agentes patogênicos respiratórios. Diferenciar infecção de colonização pode ser um desafio.
Outros patógenos respiratórios comuns são Stenotrophomonas maltophilia, Achromobacter xylosoxidans e Aspergillus spp.
Bactérias anaeróbicas e vírus respiratórios comuns estão frequentemente presentes no trato respiratório dos pacientes com FC, mas seu papel na progressão da doença não está bem estabelecido.
Gastrointestinal
O pâncreas, os intestinos e o sistema hepatobiliar são frequentemente afetados. A função do pâncreas exócrino fica comprometida em aproximadamente 85% dos pacientes (5). Uma exceção é um subconjunto de pacientes com certas variantes CFTR de função residual (ou seja, classe IV, V ou VI), nos quais a função pancreática é preservada. Pacientes com insuficiência pancreática apresentam má absorção de gorduras, vitaminas lipossolúveis e proteínas, o que leva à esteatorreia, desnutrição e déficit de crescimento em crianças. O fluido duodenal apresenta viscosidade anormalmente aumentada, ausência ou diminuição da atividade enzimática e redução da concentração de bicarbonato; a tripsina e a quimotripsina fecais também estão ausentes ou diminuídas. Disfunção pancreática endócrina é menos comum, mas a baixa tolerância à glicose ou diabetes mellitus está presente em aproximadamente 20% dos adolescentes e em até 50% dos adultos (6).
A doença hepática relacionada à fibrose cística (incluindo esteatose hepática) ocorre em aproximadamente 30% dos pacientes (7). O envolvimento do ducto biliar com estase e tampão biliar leva a fibrose hepática. Cerca de 3 a 4% dos pacientes progridem para cirrose multinodular irreversível com varizes e hipertensão portal, geralmente até os 12 anos de idade. A falência hepatocelular é um evento raro e tardio. Há aumento da incidência de colelitíase, geralmente assintomática.
Secreções intestinais anormalmente viscosas podem causar íleo meconial em neonatos e, às vezes, rolha meconial do colo. Crianças mais velhas e adultos também podem ter obstipação intermitente ou crônica e obstrução intestinal.
Outros problemas gastrointestinais incluem intussuscepção, vólvulo, prolapso retal, abscesso periapendicular, pancreatite, maior risco de câncer do trato hepatobiliar e neoplasia do trato GI (incluindo o pâncreas), refluxo gastroesofágico, esofagite e maior prevalência da doença de Crohn e doença celíaca.
Outros
A infertilidade ocorre em aproximadamente 98% dos homens adultos, decorrente de desenvolvimento anômalo ou ausência congênita do canal deferente, ou ainda de outras formas de azoospermia obstrutiva (8). No entanto, a produção de espermatozoides é normalmente preservada. Nas mulheres, a fertilidade diminui um pouco secundária à viscosidade das secreções cervicais, embora muitas mulheres portadoras possam ter gestaçãoes a termo. O desfecho da gestação tanto para a mãe como para o neonato está relacionado com a saúde materna.
Outras complicações incluem rinossinusite crônica, osteopenia/osteoporose, depressão, ansiedade, dor crônica, apneia obstrutiva do sono, outros distúrbios do sono, cálculos renais, doença renal crônica dependente de diálise (possivelmente relacionada a tratamentos, bem como à FC), anemia ferropriva, perda auditiva neurossensorial e zumbido causados pela exposição a medicamentos ototóxicos (especialmente aminoglicosídeos) e artralgias/artrites episódicas.
Referências sobre fisiopatologia
1. Levine H, Cohen-Cymberknoh M, Klein N, et al: Reversible airway obstruction in cystic fibrosis: Common, but not associated with characteristics of asthma. J Cyst Fibros 15(5):652-659, 2016. doi:10.1016/j.jcf.2016.01.003
2. McCuaig S, Martin JG: How the airway smooth muscle in cystic fibrosis reacts in proinflammatory conditions: implications for airway hyper-responsiveness and asthma in cystic fibrosis. Lancet Respir Med 1(2):137-147, 2013. doi:10.1016/S2213-2600(12)70058-9
3. Chmiel JF, Aksamit TR, Chotirmall SH, et al: Antibiotic management of lung infections in cystic fibrosis. I. The microbiome, methicillin-resistant Staphylococcus aureus, gram-negative bacteria, and multiple infections. Ann Am Thorac Soc 11(7):1120-1129, 2014. doi:10.1513/AnnalsATS.201402-050AS
4. Cystic Fibrosis Foundation: Patient Registry: 2023 Patient Registry and Annual Data Report. September 2024. Accessed August 7, 2025.
5. Ritivoiu ME, Drăgoi CM, Matei D, et al: Current and Future Therapeutic Approaches of Exocrine Pancreatic Insufficiency in Children with Cystic Fibrosis in the Era of Personalized Medicine. Pharmaceutics 15(1):162, 2023. doi:10.3390/pharmaceutics15010162
6. Mason KA, Marks BE, Wood CL, Le TN: Cystic fibrosis-related diabetes: The patient perspective. J Clin Transl Endocrinol 26:100279, 2021. doi:10.1016/j.jcte.2021.100279
7. Coman DE, Vincent C, Lavoie A, Bilodeau M, Hercun J: A82 PREVALENCE AND NON-INVASIVE SCREENING FOR CYSTIC FIBROSIS RELATED LIVER DISEASE IN A COHORT FOLLOWED AT A CYSTIC FIBROSIS REFERENCE CENTER. J Can Assoc Gastroenterol 6(Suppl 1):44-45, 2023. doi:10.1093/jcag/gwac036.082
8. Cystic Fibrosis Foundation: Fertility in Men with CF. Accessed July 30, 2025.
Sinais e sintomas da fibrose cística
Respiratória
Infecções recorrentes ou crônicas que se manifestam com tosse, produção de escarro e sibilância são comuns. A tosse é o sintoma crônico mais comum, frequentemente acompanhada de produção de expectoração. Com a evolução da doença, surgem retrações intercostais, respiração com músculos acessórios, deformidade em barril do tórax, dedos em baqueta, cianose e menor tolerância a exercícios. O envolvimento do trato respiratório superior pode incluir polipose nasal e rinossinusite crônica ou episódios recorrentes de sinusite aguda.
As complicações pulmonares incluem pneumotórax, infecção por micobactérias não tuberculosas, hemoptise, aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) e cor pulmonale (insuficiência cardíaca direita decorrente de hipertensão pulmonar).
Gastrointestinal
Íleo meconial decorrente de obstrução do íleo por mecônio viscoso pode ser o primeiro sinal e está presente em cerca de 20% dos neonatos afetados pela FC (1). Manifesta-se tipicamente com distensão abdominal, vômitos e dificuldade para eliminar o mecônio. Alguns lactentes também podem desenvolver perfuração intestinal, com sinais de peritonite e choque. Lactentes com a síndrome da rolha de mecônio têm retardo na eliminação do mecônio. Eles podem apresentar sinais semelhantes a obstrução ou sintomas transitórios muito leves que passam despercebidos. Nos recém-nascidos que não apresentam íleo meconial, a doença pode ser precedida de atraso na recuperação do peso e ganho de peso inadequado nas 4 a 6 semanas de vida.
Ocasionalmente, lactentes desnutridos, alimentados especialmente com fórmulas hipoalergênicas ou soja, podem apresentar edema generalizado secundário a má absorção proteica.
A insuficiência pancreática aparece cedo e pode ser progressiva. As manifestações incluem eliminação frequente de fezes esteatorreicas (fezes volumosas, fétidas, oleosas); abdome volumoso; e padrão de crescimento deficiente com tecido subcutâneo e musculatura escassos, apesar do apetite normal ou voraz. Manifestações clínicas podem ocorrer secundariamente às deficiências de vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. Para informações adicionais, ver Visão geral das vitaminas.
Pode ocorrer prolapso retal em lactentes e crianças pequenas não tratados devido à combinação de pressão intra-abdominal aumentada pela tosse e esforço para evacuar fezes volumosas.
O refluxo gastroesofágico é relativamente comum em crianças e adultos.
A obstipação é outro problema comum entre pacientes com FC. Além disso, pacientes de todas as idades estão em risco de desenvolver síndrome de obstrução intestinal distal, que é caracterizada por episódios recorrentes e às vezes crônicos de obstrução parcial ou completa do intestino delgado ou grosso. Tanto a obstipação quanto a síndrome de obstrução intestinal distal provavelmente ocorrem devido ao acúmulo de secreções mucosas espessadas no intestino. Os sintomas incluem dor abdominal tipo cólica, mudança no padrão das fezes, diminuição do apetite e, às vezes, vômitos.
Outros
No verão, a sudorese excessiva e a febre podem provocar episódios de desidratação hiponatrêmica/hipoclorêmica e falência circulatória. Em climas áridos, os lactentes podem apresentar alcalose metabólica crônica. A formação de cristais de sais e a pele com sabor salgado são altamente sugestivas de fibrose cística.
Crianças podem apresentar distúrbios do sono devido à baixa qualidade e eficiência do sono (2). Causas dos distúrbios do sono podem incluir tosse noturna, dor crônica, distúrbios respiratórios do sono e apneia do sono.
Os adolescentes têm crescimento e início puberal retardados.
Referência sobre sinais e sintomas
1. Sathe M, Houwen R: Meconium ileus in Cystic Fibrosis. J Cyst Fibros 16 Suppl 2:S32-S39, 2017. doi:10.1016/j.jcf.2017.06.007
2. Reiter J, Breuer O, Cohen-Cymberknoh M, Forno E, Gileles-Hillel A: Sleep in children with cystic fibrosis: More under the covers. Pediatr Pulmonol 57(8):1944-1951, 2022. doi:10.1002/ppul.25462
Diagnóstico da fibrose cística
Triagem para recém-nascidos
Também pode ser sugerido por resultado de rastreamento pré-natal positivo, história familiar ou apresentação sintomática
Confirmado por teste de suor que mostra cloreto elevado no suor em 2 ocasiões
A identificação de 2 variantes causadoras de fibrose cística (1 em cada cromossomo) é consistente com o diagnóstico
Raramente pode ser confirmado, em casos atípicos, pela demonstração de anormalidades no transporte de íons pelo epitélio nasal ou medições da corrente do intestino anormal
A maioria dos casos de fibrose cística é inicialmente identificada por rastreamento neonatal, onde esses testes estão disponíveis e são bem utilizados. Em regiões onde o rastreamento neonatal não está amplamente disponível, os pacientes às vezes podem não ser oficialmente diagnosticados com FC até a adolescência ou início da idade adulta. Apesar dos avanços nos exames genéticos, o teste de cloreto no suor continua sendo o padrão para confirmar o diagnóstico de fibrose cística na maioria dos casos por causa de sua sensibilidade e especificidade, simplicidade e disponibilidade (1).
Triagem para recém-nascidos
O rastreamento universal de FC em recém-nascidos é um procedimento padrão nos Estados Unidos (2). Nos Estados Unidos, o rastreamento neonatal obrigatório para fibrose cística foi responsável por um aumento na detecção de fibrose cística para 54,1% de todos os novos diagnósticos e 85,1% dos diagnósticos entre aqueles com menos de 6 meses de idade (3). O rastreamento baseia-se na concentração sanguínea elevada do tripsinogênio imunorreativo (TIR). O rastreamento neonatal nos Estados Unidos tem sido associado a melhores desfechos incluindo melhora do estado nutricional até os 10 anos de idade, aumento mais rápido da função pulmonar e idade mais avançada na infecção crônica por P. aeruginosa (4).
Existem 2 métodos para acompanhamento de um nível elevado de TIR. Em um dos métodos, realiza-se uma segunda dosagem de TIR que, se também estiver elevada, é seguida por um teste de DNA para mutação no gene CFTR (também chamado de método TIR-TIR-DNA), seguido de um teste do cloreto no suor (2). No outro método, mais comumente utilizado, um nível elevado de TIR é seguido diretamente por teste de DNA para mutação no gene CFTR; se 1 ou 2 variantes forem identificadas, realiza-se então o teste do cloreto no suor (também chamado de método TIR-DNA). O método IRT-IRT-DNA tem maior sensibilidade que o método IRT-DNA (5).
Neonatos com rastreamento neonatal positivo ou teste genético pré-natal devem idealmente ser submetidos ao teste de cloreto no suor até as 4 semanas de idade, para garantir que quaisquer manifestações associadas da doença sejam detectadas precocemente e tratadas rapidamente (6).
Teste do cloreto no suor
Para realizar o teste, a sudorese localizada é estimulada com iontoforese de pilocarpina e a concentração de cloreto no suor coletado é medida. Embora a concentração de cloreto no suor aumente ligeiramente com a idade, o teste do suor pode ser realizado em quase todas as idades:
Normal: ≤ 30 mEq/L (≤ 30 mmol/L) (FC é improvável.)
Intermediário: 30 a 59 mEq/L (30 a 59 mmol/L) (FC é possível.)
Anormal: ≥ 60 mEq/L (≥ 60 mmol/L) (esse resultado é consistente com FC)
O teste não deve ser realizado antes de 48 horas de vida e é idealmente feito entre 2 e 4 semanas de idade. Uma amostra adequada de suor (> 75 mg em papel de filtro ou > 15 mcL em microtubos capilares) é difícil de obter antes das 2 semanas de idade. Resultados falso-negativos são raros, mas podem ocorrer na presença de edema e hipoproteinemia ou com coletas de quantidades inadequadas de suor. Os resultados falso-positivos geralmente estão ligados a erros técnicos. A elevação transitória de cloreto no suor pode resultar de privação psicossocial (p. ex., crianças que sofrem abusos, negligenciadas) e pode ocorrer em pacientes com anorexia nervosa. Deve-se confirmar o teste do suor positivo com um segundo teste do suor ou a identificação de 2 mutações causadoras da fibrose cística.
Resultados intermediários de teste do suor
Um pequeno subgrupo de pacientes tem fenótipo leve ou parcial de fibrose cística e valores do cloreto no suor que estão persistentemente em uma faixa intermediária ou mesmo normal. Além disso, há pacientes com manifestações em um único órgão, como pancreatite crônica ou recorrente, bronquiectasia isolada ou ausência congênita bilateral de ducto deferente, junto com achados sugestivos de função CFTR anormal. Esses pacientes não atendem aos critérios para o diagnóstico de fibrose cística e são classificados como portadores de doença relacionada à CFTR. Em alguns casos, o diagnóstico da FC pode ser confirmado pela identificação de 2 mutações genéticas (variantes) causadoras da fibrose cística, 1 em cada cromossomo. Se 2 variantes que causam FC não são identificadas, avaliações subsidiárias poderão ser úteis para complementar o diagnóstico, como testes de função pancreática e imagem pancreática, TC de tórax de alta resolução, TC dos seios da face, testes de função pulmonar, avaliação urogenital em homens e lavado broncoalveolar, incluindo avaliação da flora microbiana.
Testes diagnósticos adicionais potencialmente úteis incluem análise genética de CFTR e medição da diferença do potencial transepitelial nasal (com base em observações do aumento de reabsorção de sódio através do epitélio, que é relativamente impermeável ao cloreto nos pacientes com fibrose cística) e medição das correntes intestinais.
Síndrome metabólica relacionada ao CFTR e triagem positiva para FC, diagnóstico inconclusivo
Lactentes com resultado de rastreamento neonatal positivo e evidências de possível disfunção da CFTR, mas que não atendem aos critérios diagnósticos para FC, são classificados como tendo síndrome metabólica relacionada com a CFTR, também chamado rastreamento positivo para FC, diagnóstico inconclusivo (CFSPID, na sigla em inglês). Diagnostica-se CRMS/CFSPID em lactentes com rastreamento neonatal positivo, são assintomáticos e têm qualquer um dos seguintes (7):
Concentrações de cloreto no suor no intervalo intermediário e 0 ou 1 variante que causa fibrose cística
Concentrações de cloreto no suor no intervalo normal e 2 variantes para CFTR , das quais pelo menos 1 tem consequências fenotípicas incertas
A maioria das crianças com CRMS/CFSPID permanece saudável, mas ao longo do tempo < 10% desenvolverão sintomas (p. ex., doença pulmonar) e atenderão aos critérios para o diagnóstico de FC ou doença relacionada com a FC (1). Deve-se avaliar e monitorar regularmente os pacientes com CRMS/CFSPID em um centro de tratamento para fibrose cística.
Exames pancreáticos
Por ocasião do diagnóstico, a função pancreática pode ser realizada pela medida da concentração fecal da elastase pancreática humana. Medição da elastase pancreática humana pode ser realizada mesmo na presença de enzimas pancreáticas exógenas. Devem ser realizadas medições seriadas de enzimas pancreáticas aproximadamente a cada 6 a 12 meses em lactentes que inicialmente têm função pancreática suficiente e que são portadores de 2 variantes "graves" para detectar a progressão para insuficiência pancreática (8).
Avaliação respiratória
Realizam-se radiografias de tórax nos casos de deterioração ou exacerbações pulmonares e rotineiramente a cada 1 ou 2 anos. TC do tórax de alta resolução pode ser útil na definição mais precisa da extensão da lesão pulmonar e na verificação de anormalidades sutis das vias respiratórias. Radiografias e TC do tórax podem revelar hiperinsuflação, impactação mucoide e brônquios com paredes espessadas como os primeiros achados. As alterações subsequentes incluem áreas de infiltrado, atelectasias e adenopatia hilar. Com a evolução da doença, ocorrem atelectasia segmentar ou lobar, formação de cisto, bronquiectasia e hipertrofia da artéria pulmonar e do ventrículo direito. São características as opacificações ramificadas e digitiformes que representam substância mucoide concentrada de brônquios dilatados.
TC dos seios da face é indicada a pacientes com sintomas significativos ou pólipos nasais e àqueles em que a cirurgia endoscópica dos seios da face está sendo cogitada. Esses estudos quase sempre mostram opacificação persistente dos seios paranasais, sugerindo rinossinusite crônica.
Essa radiografia de tórax mostra colapso do lobo inferior direito. Os achados são típicos de FC, mas não são específicos.
Essa radiografia de tórax mostra colapso do lobo inferior direito. Os achados são típicos de FC, mas não são específico
By permission of the publisher. From Berman L: Atlas of Anesthesia: Critical Care. Edited by R Miller (series editor) and RR Kirby. Philadelphia, Current Medicine, 1997.
Essa radiografia de tórax de um homem com fibrose cística revela acentuação das marcas pulmonares sugestivas de bronquiectasia.
Essa radiografia de tórax de um homem com fibrose cística revela acentuação das marcas pulmonares sugestivas de bronqui
PHOTOSTOCK-ISRAEL/SCIENCE PHOTO LIBRARY
Essa TC mostra brônquios significativamente dilatados em todo o pulmão. Os achados são típicos de FC, mas não são específicos.
Essa TC mostra brônquios significativamente dilatados em todo o pulmão. Os achados são típicos de FC, mas não são espec
By permission of the publisher. From Berman L: Atlas of Anesthesia: Critical Care. Edited by R Miller (series editor) and RR Kirby. Philadelphia, Current Medicine, 1997.
Os testes de função pulmonar são os melhores indicadores do estado clínico e da resposta ao tratamento. Em pacientes com mais de 5 anos de idade, deve-se fazer uma espirometria rotineiramente e sempre que houver suspeita de declínio clínico. Em lactentes, pode-se monitorar a condição respiratória utilizando uma técnica de compressão toracoabdominal de volume elevado, que produz uma curva fluxo-volume parcial. Em crianças de 3 a 6 anos de idade, pode-se utilizar o procedimento de washout de respiração múltipla para determinar um índice de desobstrução pulmonar como uma medida da não homogeneidade da ventilação (9).
Testes de função pulmonar feitos por espirometria indicam:
Redução da capacidade de força vital (CFV), volume expiratório forçado em um 1 segundo (FEV1), fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% de volume expirado (FEF25-75) e relação FEV1/CFV
Aumento no volume residual e a proporção entre o volume residual e a capacidade total do pulmão
Fazer a triagem de culturas de orofaringe ou escarro devem ser realizadas pelo menos 4 vezes/ano, especialmente em pacientes ainda não colonizados com P. aeruginosa. Broncoscopia/lavado broncoalveolar são indicados quando é importante definir precisamente a flora microbiana das vias respiratórias inferiores do paciente (p. ex., para escolher o antibiótico) ou para remover plugues de muco espessado.
Triagem de portadores
A triagem de portadores de fibrose cística está disponível nos Estados Unidos e é recomendada para casais que estão planejando uma gestação ou buscando cuidados pré-natais. Se o casal for portador de uma variante do CFTR, o feto será submetido a rastreamento pré-natal mediante biópsia da vilosidade coriônica ou amniocentese. Nesses casos, o aconselhamento pré-natal é complicado pela ampla variabilidade fenotípica da FC e pelas informações incompletas sobre as consequências clínicas das muitas variantes do CFTR identificadas pela triagem. O teste confirmatório com análise de cloreto no suor é geralmente realizado em lactentes com rastreamento genético materno positivo ou inconclusivo, a fim de estabelecer o diagnóstico.
Referências sobre diagnóstico
1. Green DM, Lahiri T, Raraigh KS, et al: Cystic Fibrosis Foundation Evidence-Based Guideline for the Management of CRMS/CFSPID. Pediatrics 153(5):e2023064657, 2024. doi:10.1542/peds.2023-064657
2. McGarry ME, Raraigh KS, Farrell P, et al: Cystic Fibrosis Newborn Screening: A Systematic Review-Driven Consensus Guideline from the United States Cystic Fibrosis Foundation. Int J Neonatal Screen 11(2):24, 2025. doi:10.3390/ijns11020024
3. Cystic Fibrosis Foundation: Patient Registry. 2023 Annual Data Report Bethesda, Maryland. September 2024. Accessed August 7, 2025
4. Rosenfeld M, Ostrenga J, Cromwell EA, et al: Real-world Associations of US Cystic Fibrosis Newborn Screening Programs With Nutritional and Pulmonary Outcomes. JAMA Pediatr 176(10):990-999, 2022. doi:10.1001/jamapediatrics.2022.2674
5. Sontag MK, Lee R, Wright D, Freedenberg D, Sagel SD: Improving the Sensitivity and Positive Predictive Value in a Cystic Fibrosis Newborn Screening Program Using a Repeat Immunoreactive Trypsinogen and Genetic Analysis. J Pediatr 175:150-158.e1, 2016. doi:10.1016/j.jpeds.2016.03.046
6. Cystic Fibrosis Foundation: Newborn Screening for CF. Accessed July 30, 2025.
7. Cystic Fibrosis Foundation: CFTR-Related Metabolic Syndrome (CRMS). Accessed July 30, 2025.
8. Abu-El-Haija M, Uc A, Werlin SL, et al: Nutritional Considerations in Pediatric Pancreatitis: A Position Paper from the NASPGHAN Pancreas Committee and ESPGHAN Cystic Fibrosis/Pancreas Working Group. J Pediatr Gastroenterol Nutr 67(1):131-143, 2018. doi:10.1097/MPG.0000000000002023
9. Stanojevic S, Davis SD, Retsch-Bogart G, et al: Progression of lung disease in preschool patients with cystic fibrosis. Am J Respir Crit Care Med 195:1216–1225, 2017. doi: 10.1164/rccm.201610-2158OC
Tratamento da fibrose cística
Suporte multidisciplinar abrangente
Antibióticos, medicamentos inaláveis para secreções finas das vias respiratórias e manobras físicas para clarificar as secreções das vias respiratórias
Inalação com broncodilatadores e, às vezes, glicocorticoides para os responsivos
Em geral, suplementação com vitaminas e enzimas pancreáticas
Dieta com alto teor calórico (às vezes exigindo alimentação suplementar por sonda enteral)
Em pacientes com variantes específicas, moduladores de CFTR que consistem em um potenciador de CFTR ou a combinação de corretores de CFTR e um potenciador de CFTR
Medidas adjuvantes (p. ex., cirurgia, transplante hepático)
Terapia intensiva e abrangente deve ser orientada por um médico experiente que faz parte de uma equipe interdisciplinar que inclui outros médicos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, fisioterapeutas respiratórios, profissionais de saúde mental, farmacêuticos e assistentes sociais. Os objetivos da terapia são manutenção de estado nutricional adequado, prevenção ou tratamento agressivo pulmonar e outras complicações, estimulação de atividade física e provisão de suporte psicossocial adequado. O regime de tratamento é complexo e pode levar até 2 horas por dia. Com suporte apropriado, a maioria dos pacientes pode ajustar-se aos ambientes doméstico e escolar, de acordo com a idade.
Tratamento de manifestações respiratórias
O tratamento de manifestações pulmonares deve concentrar-se na prevenção da obstrução das vias respiratórias e na profilaxia e controle das infecções pulmonares. Nos Estados Unidos, a profilaxia contra infecções pulmonares envolve a manutenção da imunidade contra coqueluche, Haemophilus influenzae, varicela, Streptococcus pneumoniae e sarampo; vacinação anual contra influenza; e vacinação apropriada contra COVID-19.
Em pacientes expostos à influenza, pode-se utilizar um inibidor da neuraminidase (p. ex., oseltamivir) profilaticamente ou nos primeiros sinais da infecção. A administração de nirsevimabe, ou, quando não disponível, de palivizumabe, a lactentes com FC pode oferecer proteção adicional contra infecção do vírus respiratório sincicial. Os dados clínicos sobre medicamentos de prevenção do VSR em pacientes com FC são limitados; portanto, julgamento clínico cuidadoso é necessário antes de sua administração.
A inalação a longo prazo diária com alfadornase (desoxirribonuclease humana recombinante) ou com soro fisiológico hipertônico a 7% é recomendada (1, 2); demonstrou desacelerar a taxa do declínio na função pulmonar e diminuir a frequência das exacerbações do trato respiratório (3).
Recomenda-se medidas de desobstrução das vias respiratórias consistindo em drenagem postural, percussão, vibração e tosse assistida (fisioterapia torácica) no momento do diagnóstico, devendo ser realizada com regularidade. Em pacientes mais velhos, medidas alternativas de desobstrução das vias respiratórias, como ciclos ativos de respiração controlada, drenagem autogênica (autogerenciada), dispositivos de pressão expiratória positiva e terapia com colete (envolvendo oscilação da parede torácica em alta frequência), podem ser eficazes. Exercícios aeróbicos regulares são recomendados quando possível para ajudar na desobstrução das vias respiratórias. Para pacientes com apneia obstrutiva do sono, pressão positiva contínua das vias respiratórias pode ser benéfica.
Para pacientes com obstrução reversível das vias respiratórias, podem ser administrados broncodilatadores inaláveis. Glicocorticoides por inalação geralmente não são eficazes. Indica-se terapia com oxigênio para pacientes com insuficiência pulmonar grave e hipoxemia.
Às vezes utilizam-se expectorantes orais, mas dados limitados corroboram sua eficácia. Supressores da tosse devem ser desencorajados.
Os glicocorticoides orais são indicados a lactentes com bronquiolite prolongada e a pacientes com broncospasmo refratário, aspergilose broncopulmonar alérgica ou complicações inflamatórias (p. ex., artrite, vasculite). O uso a longo prazo de corticoterapia em dias alternados pode diminuir o declínio da função pulmonar; mas, por causa dos efeitos colaterais relacionados aos corticosteroides, não é indicada para uso rotineiro. Pacientes que recebem glicocorticoides devem ser monitorados de perto quanto a sinais de diabetes e retardo do crescimento linear. A aspergilose broncopulmonar alérgica é adicionalmente tratada com um antifúngico oral ou IV; a duração do tratamento pode, às vezes, ser prolongada.
Ibuprofeno administrado durante vários anos, em dose suficiente para se alcançar concentração plasmática máxima entre 50 e 100 mcg/mL (242,4 e 484,8 micromol/L), diminui o ritmo de declínio da função pulmonar, especialmente em crianças entre 5 e 13 anos. A dose apropriada deve ser personalizada com base nos estudos farmacocinéticos.
A rinossinusite crônica pode ser tratada com irrigação nasal com soro fisiológico, irrigação nasal isotônica de baixa pressão, nebulização intranasal com alfa-dornase e/ou antibióticos tópicos sinonasais. A cirurgia dos seios da face pode ser útil nos casos refratários ao tratamento conservador. Recomenda-se spray intranasal de glicocorticoide para tratar a rinite alérgica.
Ventilação com pressão positiva não invasiva por via nasal ou por máscara facial, pode ser benéfica em pacientes com insuficiência respiratória aguda adequadamente selecionados. Ventilação mecânica ou oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) geralmente não é indicada para insuficiência respiratória crônica em estágio terminal, a menos que seja utilizada como ponte para transplante pulmonar ou em pacientes com estado basal bom ou moderado nos quais se desenvolvem complicações respiratórias agudas reversíveis.
O pneumotórax pode ser tratado com drenagem por toracostomia com dreno em tórax fechado. Toracotomia aberta ou toracoscopia com ressecção de bolhas pleurais e abrasão mecânica das superfícies pleurais são eficazes no tratamento de pneumotórax recorrente.
A hemoptise leve a moderada é tratada com antibióticos (oral/aerossol ou IV dependendo da gravidade da hemoptise e da gravidade da infecção) e desobstrução das vias respiratórias. Trata-se hemoptise maciça ou recorrente com embolização das artérias bronquiais ou, raramente, com ressecção pulmonar local.
Moduladores de CFTR
Indicam-se medicamentos corretores e potenciadores de CFTR para cerca de 90% das variantes portadas por pacientes com FC. Moduladores de CFTR não estão disponíveis para pacientes com mutações frameshift e nonsense classe I.
Ivacaftor é um medicamento de pequenas moléculas administrado por via oral para terapia de manutenção, que potencializa o canal iônico CFTR em pacientes com variantes específicas no CFTR. Pode-se utilizar em pacientes com 1 mês de idade ou mais que são portadores de pelo menos 1 cópia de uma variante específica potencializada pelo ivacaftor.
Lumacaftor, tezacaftor e elexacaftor são medicamentos orais de moléculas pequenas que corrigem parcialmente o CFTR defeituoso alterando o enovelamento da proteína em pacientes portadores da variante F508del ou de outras variantes específicas.
Pode-se administrar uma combinação de lumacaftor e ivacaftor para pacientes de 1 ano de idade ou mais que são portadores de 2 cópias da variante F508del.
Pode-se administrar a combinação de tezacaftor e ivacaftor para pacientes de 6 anos de idade ou mais portadores de 2 cópias da variante F508del ou de outras variantes especificadas.
Pode-se administrar a combinação tripla de elexacaftor, tezacaftor e ivacaftor a pacientes com 2 ou mais anos de idade portadores de pelo menos 1 cópia da variante F508del ou 1 cópia de certas variantes raras (4, 5).
Outra combinação tripla de vanzacaftor, tezacaftor e ivacaftor deuterado está disponível, podendo ser administrada a pacientes com 6 ou mais anos de idade portadores de pelo menos 1 cópia da variante F508del ou 1 cópia de certas variantes raras (6).
Esses medicamentos podem melhorar a função pulmonar, aumentar o peso, melhorar a função pancreática exócrina, diminuir a frequência das exacerbações pulmonares e hospitalizações, melhorar a qualidade de vida e reduzir e, às vezes, normalizar as concentrações de cloreto no suor (7). As indicações para ivacaftor, lumacaftor/ivacaftor, tezacaftor/ivacaftor e elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor baseiam-se nas variantes do CFTR e na idade do paciente e estão sujeitas a alteração conforme novos dados de ensaios clínicos randomizados que sustentem a ampliação das indicações. Embora todos esses medicamentos possam ser úteis, o ivacaftor, isoladamente ou em combinação com elexacaftor e tezacaftor, é considerado uma terapia moduladora altamente eficaz.
Tratamento e prevenção de infecções
Para exacerbações pulmonares leves, deve-se administrar um curso curto de antibióticos com base na cultura e testes de sensibilidade. Os medicamentos de escolha para estafilococo sensível à meticilina são uma penicilina penicilinase-resistente (p. ex., dicloxacilina), uma cefalosporina (p. ex., cefalexina) ou sulfametoxazol/trimetoprima. Eritromicina, amoxicilina/ácido clavulânico, tetraciclina ou linezolida podem ser utilizados. Para pacientes colonizados por S. aureus (SARM) resistente à meticilina, um curso de sulfametoxazol/trimetoprima oral, clindamicina, linezolida ou tetraciclina pode ser eficaz. Para pacientes infectados por P. aeruginosa, um curso curto de tobramicina ou aztreonam inalável (p. ex., 4 semanas) e/ou uma fluoroquinolona oral (p. ex., 2 a 3 semanas) pode ser eficaz. As fluoroquinolonas podem exigir dosagem ajustada, mas foram utilizadas com segurança em crianças pequenas (8).
Para exacerbações pulmonares moderadas a graves, especialmente naqueles pacientes colonizados com P. aeruginosa, é recomendável antibioticoterapia IV. Os pacientes costumam exigir internação hospitalar, mas alguns cuidadosamente selecionados podem receber com segurança parte da terapia em casa. Administram-se combinações de tobramicina aminoglicosídeo (ou, às vezes, amicacina) mais uma cefalosporina, penicilina de amplo espectro, fluoroquilona ou monobactam com atividade antipseudomonal por via intravenosa, geralmente por 2 semanas. Doses mais altas podem ser necessárias para alcançar as concentrações séricas necessárias para a eficácia. Por causa do aumento na depuração renal em pacientes com FC, podem ser necessárias doses mais altas de algumas penicilinas para alcançar níveis séricos adequados. Para pacientes infectados por SARM, pode-se adicionar vancomicina ou linezolida ao esquema IV.
A erradicação de infecção crônica por P. aeruginosa é difícil. No entanto, verificou-se que a antibioticoterapia precoce quase no mesmo momento em que as vias respiratórias são inicialmente infectadas por P. aeruginosa pode ser eficiente na erradicação do organismo por algum tempo. Em pacientes cronicamente colonizados por P. aeruginosa, antibióticos administrados por inalação (p.ex., tobramicina) melhoram os parâmetros clínicos e possivelmente reduzem a carga bacteriana nas vias respiratórias (9). O uso de longo prazo de terapia alternativa com tobramicina ou aztreonam inalável juntamente com azitromicina oral contínua (todos os meses) administrada 3 vezes por semana pode ser eficaz para melhorar ou estabilizar a função pulmonar e diminuir a frequência das exacerbações pulmonares.
Pacientes com infecção clinicamente significativa por micobactérias não tuberculosa podem exigir terapia a longo prazo com uma combinação de antibióticos orais, inaláveis e IV.
Tratamento de manifestações gastrointestinais
A obstrução intestinal neonatal pode, às vezes, ser aliviada com enemas contendo contraste radiopaco hiper ou iso-osmolar; em algumas ocasiões, pode ser necessária a enterostomia cirúrgica para remover o mecônio viscoso do lúmen intestinal. Após o período neonatal, os episódios de obstrução intestinal parciais (síndrome do intestino distal obstruído) podem ser tratados com enemas contendo um contrate radiopaco hiper ou iso-osmolar ou acetilcisteína ou com administração oral de uma solução balanceada para lavagem intestinal. Esses enemas geralmente agem aumentando o volume do conteúdo intestinal. Se enemas hiperosmolares são utilizados, a alta osmolalidade atrai fluido para o lúmen intestinal e promove a evacuação. Substâncias capazes de provocar amolecimento fecal, como sulfossuccinato de dioctil sódio (docusate) ou lactulose, podem também ajudar na prevenção desses episódios.
O ácido ursodesoxicólico, um ácido biliar hidrofílico, é utilizado com frequência em pacientes com hepatopatia causada pela fibrose cística, mas há pouca evidência quanto à sua eficiência em evitar a progressão da estase biliar para cirrose.
Reposição das enzimas pancreáticas deve ser feita em todas as refeições e lanches para pacientes com insuficiência pancreática. As preparações enzimáticas mais eficientes são as de pancrelipases contidas em microesferas ou microcomprimidos com revestimento sensível ao pH entérico. Para recém-nascidos, as cápsulas são abertas e o conteúdo é misturado com alimentos ácidos. Após a infância, utiliza-se uma dosagem baseada no peso. Altas doses devem ser evitadas porque foram associadas à colonopatia fibrosante. Nos pacientes que necessitam de doses enzimáticas elevadas, a supressão ácida com o uso de bloqueador de H2 ou inibidor da bomba de prótons pode melhorar a eficiência enzimática.
A terapia nutricional inclui calorias e proteínas suficientes para promover o crescimento normal — podem ser necessárias ingestões 30–50% superiores às ingestões nutricionais recomendadas habituais para compensar o aumento do gasto energético associado à taquipneia, à má absorção e a um estado inflamatório crônico decorrente do aumento da responsividade imunológica (ver tabela Recomendações nutricionais de referência para alguns macronutrientes). A dietoterapia também inclui ingestão normal a alta total de gordura para aumentar a densidade calórica da dieta, suplemento multivitamínico miscível em água no dobro da dose diária recomendada, suplementação com vitamina D3 (colecalciferol) em pacientes com deficiência ou insuficiência de vitamina D e suplementação de sal durante a infância e períodos de estresse térmico e sudorese aumentada. Lactentes que recebem antibióticos de amplo espectro e pacientes com hepatopatia e hemoptise devem receber suplementação adicional de vitamina K. Os lactentes portadores de má absorção grave devem receber mamadeiras contendo hidrolisados proteicos e triglicerídios de cadeia média em vez de leite integral modificado. Suplementos de polímeros de glicose e triglicerídeos de cadeia média também podem ser utilizados para aumentar a ingestão de calorias.
Para pacientes que não conseguem manter um estado nutricional adequado, a suplementação enteral por meio de gastrostomia ou jejunostomia pode melhorar o crescimento normal e estabilizar a função pulmonar (ver Visão geral do suporte nutricional). Estimulantes de apetite podem ser úteis para melhorar o crescimento de algumas crianças.
Tratamento de outras manifestações
Diabetes relacionado com fibrose cística (DRFC) é causado por insuficiência de insulina e compartilha as características dos diabetes tipos 1 e 2. Insulina é o único tratamento recomendado. O tratamento inclui regime de insulina, aconselhamento nutricional, programa de orientações de autocuidado do diabetes e monitoramento das complicações microvasculares. O plano de tratamento deve ser colocado em prática em conjunto por um endocrinologista e um nutricionista experientes no tratamento tanto da FC como do diabetes.
Pacientes com sintomas de insuficiência cardíaca direita devem ser tratados com diuréticos, restrição de sal e oxigênio.
O hormônio de crescimento humano recombinante (rhGH) é raramente utilizado, mas pode melhorar a função pulmonar, aumentar a altura, o peso e o conteúdo mineral ósseo, e reduzir a taxa de internação.
Pode-se indicar cirurgia para bronquiectasia ou atelectasia localizada que não respondem à terapia medicamentosa, pólipos nasais, rinossinusite crônica, sangramento de varizes esofágicas secundário à hipertensão portal, doenças da vesícula biliar e obstrução intestinal por vólvulo ou intussuscepção que não podem ser removidos por tratamento conservador.
O transplante de fígado pode ser bem-sucedido em pacientes com hepatopatia terminal.
Em geral, é necessário discutir o transplante pulmonar. Com relação ao transplante, os pacientes precisam ponderar as vantagens de uma sobrevida mais longa com um transplante contra a incerteza de, uma vez feito o transplante, continuarem enfermos. O transplante bilateral de pulmão de doador falecido e o transplante lobar de doador vivo têm sido realizados com sucesso em pacientes com doença pulmonar avançada. O transplante combinado de fígado e pulmão tem sido realizado para pacientes com doença hepática e pulmonar em estágio terminal.
O transplante pulmonar bilateral deve ser considerado para pacientes com doença pulmonar grave. Entre os adultos com FC, a sobrevida média pós-transplante é 9,5 anos (10).
Referências sobre tratamento
1. Flume PA, O'Sullivan BP, Robinson KA, et al. Cystic fibrosis pulmonary guidelines: chronic medications for maintenance of lung health. Am J Respir Crit Care Med 2007;176(10):957-969. doi:10.1164/rccm.200705-664OC
2. Mogayzel PJ Jr, Naureckas ET, Robinson KA, et al. Cystic fibrosis pulmonary guidelines. Chronic medications for maintenance of lung health. Am J Respir Crit Care Med 2013;187(7):680-689. doi:10.1164/rccm.201207-1160oe
3. Stahl M, Wielpütz MO, Ricklefs I, et al. Preventive Inhalation of Hypertonic Saline in Infants with Cystic Fibrosis (PRESIS). A Randomized, Double-Blind, Controlled Study. Am J Respir Crit Care Med 2019;199(10):1238-1248. doi:10.1164/rccm.201807-1203OC
4. Heijerman HGM, McKone EF, Downey DG, et al. Efficacy and safety of the elexacaftor plus tezacaftor plus ivacaftor combination regimen in people with cystic fibrosis homozygous for the F508del mutation: a double-blind, randomised, phase 3 trial [correção publicada em Lancet 2020 May 30;395(10238):1694]. Lancet 2019;394(10212):1940-1948. doi:10.1016/S0140-6736(19)32597-8
5. Middleton PG, Mall MA, Dřevínek P, et al. Elexacaftor-Tezacaftor-Ivacaftor for Cystic Fibrosis with a Single Phe508del Allele. N Engl J Med 2019;381(19):1809-1819. doi:10.1056/NEJMoa1908639
6. Keating C, Yonker LM, Vermeulen F, et al. Vanzacaftor-tezacaftor-deutivacaftor versus elexacaftor-tezacaftor-ivacaftor in individuals with cystic fibrosis aged 12 years and older (SKYLINE Trials VX20-121-102 and VX20-121-103): results from two randomised, active-controlled, phase 3 trials. Lancet Respir Med 2025;13(3):256-271. doi:10.1016/S2213-2600(24)00411-9
7. Taylor-Cousar JL, Robinson PD, Shteinberg M, Downey DG. CFTR modulator therapy: transforming the landscape of clinical care in cystic fibrosis. Lancet 2023;402(10408):1171-1184. doi:10.1016/S0140-6736(23)01609-4
8. Patel K, Goldman JL. Safety Concerns Surrounding Quinolone Use in Children. J Clin Pharmacol 2016;56(9):1060-1075. doi:10.1002/jcph.715
9. Mogayzel PJ Jr, Naureckas ET, Robinson KA, et al. Cystic Fibrosis Foundation pulmonary guideline. pharmacologic approaches to prevention and eradication of initial Pseudomonas aeruginosa infection. Ann Am Thorac Soc 2014;11(10):1640-1650. doi:10.1513/AnnalsATS.201404-166OC
10. Chambers DC, Cherikh WS, Goldfarb SB, et al. The International Thoracic Organ Transplant Registry of the International Society for Heart and Lung Transplantation: Thirty-fifth adult lung and heart-lung transplant report-2018; Focus theme: Multiorgan Transplantation. J Heart Lung Transplant 2018;37(10):1169-1183. doi:10.1016/j.healun.2018.07.020
Prognóstico para fibrose cística
A evolução é muito dependente do comprometimento pulmonar. A deterioração da função pulmonar ao longo do tempo, geralmente caracterizada por bronquiectasias progressivas, leva à debilitação e acaba aumentando o risco de morte, geralmente devido a uma combinação de insuficiência respiratória e cor pulmonale.
O prognóstico melhorou constantemente ao longo das últimas 5 décadas, principalmente por causa do diagnóstico precoce e tratamento agressivo antes do início das alterações pulmonares irreversíveis. A mediana da idade ao morrer em 2023 foi de 36,9 anos. Contudo, nos Estados Unidos, a mediana da sobrevivência predita para crianças nascidas em 2023 é de 68 anos de idade. A sobrevivência de longo prazo é significantemente maior nos pacientes sem insuficiência pancreática (1). Os desfechos também são afetados pelo perfil da variante do CFTR, genes modificadores, microbiologia das vias respiratórias, sexo, temperatura ambiente, exposição a poluentes do ar (incluindo fumaça de cigarro), adesão aos tratamentos prescritos e status socioeconômico. O VEF1 ajustado para idade e sexo é o melhor previsor da sobrevida. Se os desfechos de saúde com a terapia com modulador da CFTR forem sustentados, a expectativa de vida pode aumentar ainda mais.
Assistência terminal
Os pacientes e suas famílias devem ter conversas empáticas sobre o prognóstico e as preferências quanto aos cuidados ao longo do curso da doença, especialmente se a função pulmonar diminuir progressivamente (2).
Pacientes com FC devem ter acesso adequado a informações e oportunidades para tomar decisões importantes sobre suas vidas, incluindo participação ativa na tomada de decisões de fim da vida.
Cuidados paliativas, incluindo o gerenciamento adequado dos sintomas, devem ser oferecidas para garantir uma morte digna e tranquila. Uma estratégia útil para os pacientes considerarem é aceitar, quando necessário, um tratamento agressivo integral por tempo limitado, mas concordar antecipadamente com parâmetros que indiquem quando interromper as medidas agressivas (ver Decisões de não reanimar (DNR) e decisões médicas portáveis).
Referências sobre prognóstico
1. Cystic Fibrosis Foundation. Understanding Changes in Life Expectancy. Accessed July 31, 2025.
2. Kavalieratos D, Georgiopoulos AM, Dhingra L, et al. Models of Palliative Care Delivery for Individuals with Cystic Fibrosis: Cystic Fibrosis Foundation Evidence-Informed Consensus Guidelines. J Palliat Med 2021;24(1):18-30. doi:10.1089/jpm.2020.0311
Pontos-chave
A fibrose cística é causada pela presença de 2 variantes do gene que produz uma proteína chamada regulador de condutância transmembrana em fibrose cística (CFTR ), que regula o transporte de cloreto de sódio e bicarbonato através das membranas epiteliais.
As principais complicações envolvem os pulmões, com danos nas vias respiratórias de pequeno e grosso calibre, inflamação crônica e infecções bacterianas crônicas e recorrentes, particularmente por Pseudomonas aeruginosa.
Outras consequências importantes incluem insuficiência pancreática, o que leva à má absorção de nutrientes e vitaminas com consequente prejuízo no crescimento e desenvolvimento e, em pacientes idosos, um risco de desenvolver diabetes.
Medidas de desobstrução das vias respiratórias (p. ex., drenagem postural, percussão, vibração, tosse assistida) mucolíticos e hidratantes das vias respiratórias são frequentemente iniciados na primeira infância; recomenda-se exercício aeróbico regular.
Os medicamentos que corrigem ou potencializam o CFTR (moduladores do CFTR ) podem melhorar os resultados de saúde dos pacientes que apresentam certas variantes do CFTR .
Antibióticos são administrados no início de qualquer exacerbação pulmonar; a escolha dos medicamentos pode basear-se na cultura e em testes de sensibilidade.
A dieta deve ser suplementada com enzimas pancreáticas, vitaminas em altas doses e 30 a 50% mais calorias derivadas principalmente da gordura.
Informações adicionais
Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.
Cystic Fibrosis Foundation: Age-specific care guidelines for cystic fibrosis
Cystic Fibrosis Foundation: Clinical Care Guidelines
Green DM, Lahiri T, Raraigh KS, et al. Cystic Fibrosis Foundation Evidence-Based Guideline for the Management of CRMS/CFSPID. Pediatrics 2024;153(5):e2023064657. doi:10.1542/peds.2023-064657

