Fibrose hepática

PorTae Hoon Lee, MD, Icahn School of Medicine at Mount Sinai
Reviewed ByMinhhuyen Nguyen, MD, Fox Chase Cancer Center, Temple University
Revisado/Corrigido: jan. 2024 | modificado mar. 2024
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Visão Educação para o paciente

Fibrose hepática é uma cicatrização exuberante em que excesso de tecido conjuntivo acumula-se no fígado. A matriz extracelular é produzida em excesso e insuficientemente degradada. O gatilho é a lesão crônica, especialmente se esta tiver componente inflamatório. A fibrose não causa qualquer sintoma, mas pode provocar hipertensão portal (a cicatrização altera o fluxo sanguíneo próximo do fígado) ou cirrose (a cicatrização resulta na alteração da arquitetura normal do fígado e disfunção hepática). O diagnóstico baseia-se em exames de sangue, técnicas de imagem e, algumas vezes, biópsia hepática. O tratamento envolve a correção da causa de base, sempre que possível.

Na fibrose hepática, existe excessivo acúmulo de tecido conjuntivo no fígado; este tecido representa a cicatrização em resposta à lesão celular hepática crônica e repetida. Comumente, a fibrose progride, altera a arquitetura hepática e, por fim, a função hepática, na tentativa de regeneração dos hepatócitos e de reparo ao dano tecidual. Quando essa alteração é difusa, a cirrose é diagnosticada.

Etiologia da fibrose hepática

Vários tipos de lesão hepática podem causar fibrose (ver tabela Distúrbios e medicamentos que podem causar fibrose hepática). A lesão hepática aguda autolimitada (p. ex., hepatite viral aguda A), mesmo quando fulminante, não necessariamente distorce o andaime arquitetural e por isso não causa fibrose avançada, a despeito da perda de hepatócitos. Em fases iniciais, a fibrose hepática pode regredir se a causa for reversível (p. ex., nos casos de eliminação viral). Depois de meses a anos de lesão crônica ou recorrente, a fibrose torna-se permanente. O desenvolvimento da fibrose é mais acelerado quando há mecanismos de obstrução biliar.

Tabela
Tabela

Fisiopatologia da fibrose hepática

A fibrose inicia-se pela ativação de células estelares perivasculares (células de Ito, armazenadoras de gordura). Essas e outras células vizinhas proliferam-se, tornando-se células contráteis, denominadas miofibroblastos. Essas células aumentam a produção da matriz extracelular anormal (que consiste em colágeno, outras glicoproteínas e glicanos) e de proteínas da matriz celular. Células de Kupffer (macrófagos residentes), hepatócitos lesionados, plaquetas e agregados leucocitários. Como resultado, liberam espécies reativas de oxigênio e mediadores inflamatórios (p. ex., fator de crescimento derivado das plaquetas, fatores de crescimento transformadores e fator de crescimento de tecido conjuntivo). Assim, a ativação de células estelares resulta na matriz extracelular anormal, tanto em quantidade quanto na composição. Quando se perde o equilíbrio entre a produção e degradação da matriz extracelular, a fibrose progride.

Os miofibroblastos, estimulados pela endotelina 1, contribuem para o aumento da resistência da veia porta e aumentam a densidade da matriz anormal. Tratos fibrosos aglomeram-se nos ramos aferentes portais venosos e nas veias hepáticas aferentes, gerando um bypass pelos hepatócitos e limitando o aporte hepatocitário de sangue. Dessa forma, a fibrose contribui para haver isquemia hepatocitária (causando disfunção hepatocelular) e hipertensão portal. A extensão da isquemia e da hipertensão portal determina quanto o fígado será afetado. Por exemplo, a fibrose hepática congênita afeta os ramos portais, poupando o parênquima. O resultado é hipertensão portal sem disfunção hepatocelular.

Sinais e sintomas da fibrose hepática

A fibrose hepática não causa sintomas. Os sintomas podem resultar de doença que causa fibrose ou, depois que a fibrose progride para cirrose, de complicações da hipertensão portal. Esses sintomas são icterícia, sangramento varicoso, ascite e encefalopatia portossistêmica. Cirrose pode resultar em insuficiência hepática e insuficiência hepática potencialmente fatal.

Diagnóstico da fibrose hepática

  • Avaliação clínica

  • Às vezes, exames sanguíneos e/ou exames de imagem não invasivos

  • Algumas vezes, biópsia hepática

Suspeita-se de fibrose hepática se os pacientes têm doença hepática crônica conhecida (p. ex., hepatite viral crônica C [VHC] e hepatite B crônica [VHB], doença hepática alcoólica, esteato-hepatite associada à disfunção metabólica [EHADM, anteriormente conhecida como esteato-hepatite não alcoólica]) ou se os resultados dos testes hepáticos são anormais; nesses casos, os testes são feitos para verificar fibrose e, se a fibrose está presente, para determinar sua gravidade (estágio). Conhecer o estágio da fibrose pode orientar as decisões médicas. Por exemplo, triagem para carcinoma hepatocelular e para varizes gastroesofágicas é indicada se a cirrose está confirmada, mas geralmente não é indicada para fibrose leve ou moderada. A avaliação do grau de fibrose hepática ajuda a prever o prognóstico dos pacientes com hepatite viral crônica. No entanto, desde a ampla disponibilidade dos antivirais de ação direta, saber o grau de fibrose tornou-se muito menos importante para decidir quando iniciar a terapia antiviral.

Os testes utilizados para estadiar a fibrose incluem exames de imagem convencionais, exames de sangue, biópsia hepática e exames de imagem não invasivos mais recentes que avaliam a rigidez do fígado.

Exames de imagem convencionais: os exames de imagem convencionais incluem ultrassonografia, TC e RM. Esses testes podem detectar evidências de cirrose e hipertensão portal, como nodularidade na superficie hepática, esplenomegalia e varizes. No entanto, não são sensíveis para a fibrose moderada ou mesmo avançada e podem falhar em detectar algumas causas de cirrose se esplenomegalia e varizes estão ausentes. Embora a fibrose possa aparecer como ecogenicidade alterada na ultrassonografia ou heterogeneidade do sinal no TC, esses resultados são inespecíficos e podem indicar somente gordura do parênquima hepático.

Avaliação por imagem não invasiva da fibrose: tecnologias acústicas mais recentes podem aumentar a precisão da ultrassonografia e RM para detectar fibrose ou cirrose precoce; elas incluem

Para esses testes, as vibrações acústicas são aplicadas ao abdome com uma sonda. A rapidez com que essas vibrações são transmitidas ao longo do tecido hepático indica a rigidez (isto é, fibrose) do fígado. Entretanto, algumas outras condições além da fibrose também aumentam a rigidez hepática, incluindo hepatite ativa grave, aumento da pressão cardíaca direita e estado pós-prandial. Além disso, essas técnicas não foram adequadamente validadas na gestação, na resposta virológica sustentada após tratamento para o VHC e em doenças hepáticas raras. Portanto, normalmente não se recomenda o uso dessas técnicas em pacientes com uma dessas doenças. Para melhorar a avaliação da fibrose, outras técnicas (p. ex., RM com ponderação em T1, mensuração tridimensional por ultrassonografia) estão em desenvolvimento e aguardando validação nos diferentes contextos clínicos.

A biópsia hepática continua sendo o padrão ouro para o diagnóstico e estadiamento da fibrose hepática e para o diagnóstico da doença hepática subjacente que causa fibrose. No entanto, a biópsia hepática é invasiva, o que resulta em um risco de 10 a 20% de complicações menores (p. ex., dor pós-procedimento) e risco de 0,5 a 1% de complicações graves (p. ex., sangramento significativo) (1). Além disso, a biópsia hepática é limitada pelo erro de amostragem e concordância imperfeita entre observadores na interpretação dos resultados histológicos. Assim, a biópsia hepática nem sempre pode ser feita. Em geral, biópsia hepática não é feita apenas para o estadiamento da fibrose hepática, a menos que exames não invasivos não ajudem a estabelecer o diagnóstico (p. ex., porque diferentes exames não invasivos produzem resultados discordantes) ou para ensaios clínicos.

O sistema de estadiamento METAVIR (metanálise dos dados histológicos na hepatite viral) avalia as alterações inflamatórias (atividade histológica) e o nível de fibrose da seguinte forma (2):

Atividade histológica

  • A0 = nenhuma atividade

  • A1 = atividade leve

  • A2 = atividade moderada

  • A3 = atividade grave

Fibrose

  • F0 = sem fibrose

  • F1 = fibrose portal sem septos

  • F2 = fibrose portal com septos raros

  • F3 = múltiplos septos sem cirrose

  • F4 = cirrose

Exames de sangue estão incluídos em modelos clínicos [p. ex., índice APRI, escore BARD, escore FIB-4, classificação de fibrose por doença do fígado gorduroso não alcoólica (DFGNA), que combinam testes comumente disponíveis (AST, ALT, contagem de plaquetas, albumina, RNI) com dados demográficos e informações clínicas [p. ex., idade, índice de massa corporal (IMC), diabetes/glicemia em jejum prejudicada]. Alguns painéis comercialmente disponíveis [p. ex., FibroTest (conhecido como Fibrosure nos Estados Unidos), Hepascore, European Liver Fibrosis Panel (ELF)] combinam marcadores indiretos (p. ex., bilirrubina sérica) e marcadores diretos (p. ex., pró-colágeno tipos I e III, ácido hialurônico) da função hepática. Marcadores diretos são substâncias envolvidas na patogênese da deposição de matriz extracelular ou citocinas que induzem a deposição de matriz extracelular. Esses painéis são mais bem utilizados para distinguir entre 2 níveis de fibrose: ausente a mínimo versus moderado a grave; eles não diferenciam com precisão os graus de fibrose moderada a grave. Portanto, se houver suspeita de fibrose, uma abordagem é começar com um desses painéis e então fazer as novas avaliações por testes de imagem não invasivos da fibrose, reservando a biópsia hepática como um último recurso.

Combinações de exames de sangue e exames de imagem podem melhorar a avaliação da fibrose. Exemplos incluem o escore FAST (FibroScan- AST), que combina FibroScan e níveis séricos de AST; escore MAST (MRI-AST), que combina a fração de gordura com densidade de prótons da RM (MRI-PDFF), MRE e níveis séricos de AST; e o MEFIB, que combina MRE e o índice Fibrosis-4 (FIB-4) (3). Essas ferramentas foram desenvolvidas para avaliação da fibrose hepática na esteato-hepatite associada a disfunção metabólica (EHADM, previamente conhecida como doença do fígado gorduroso não alcoólica).

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. Thomaides-Brears HB, Alkhouri N, Allende D, et al: Incidence of complications from percutaneous biopsy in chronic liver disease: A systematic review and meta-analysis. Dig Dis Sci 67(7):3366-3394, 2022. doi: 10.1007/s10620-021-07089-w

  2. 2. Bedossa P, Poynard T: An algorithm for the grading of activity in chronic hepatitis C. The METAVIR Cooperative Study Group. Hepatology 24(2):289-293, 1996. doi: 10.1002/hep.510240201

  3. 3. Kim BK, Tamaki N, Imajo K, et al: Head-to-head comparison between MEFIB, MAST, and FAST for detecting stage 2 fibrosis or higher among patients with NAFLD. J Hepatol 77(6):1482-1490, 2022. doi: 10.1016/j.jhep.2022.07.020

Tratamento da fibrose hepática

  • Tratamento da causa

Uma vez que a fibrose é um sinal de agressão hepática, o tratamento geralmenteconcentra-se na causa (removendo a base da lesão hepática). Esse tratamento pode incluir antivirais para eliminar o vírus da hepatite B ou o vírus da hepatite C na hepatite viral crônica, abstinência alcoólica na doença hepática alcoólica, perda ponderal em pacientes com esteato- hepatite não alcoólica (EHADM, anteriormente conhecida como esteato-hepatite não alcoólica/EHNA), remoção de metais pesados, como ferro na hemocromatose ou cobre na doença de Wilson, e descompressão das vias biliares na obstrução biliar. Esses tratamentos podem evitar a progressão da fibrose e, em alguns pacientes, também inverter algumas das alterações fibróticas.

O tratamento visando a regressão da fibrose geralmente é muito tóxico para uso a longo período (p. ex., corticoides, penicilamina) ou não tem eficácia comprovada (p. ex., colchicina, silimarina do cardo-mariano). Outros tratamentos antifibróticos estão em estudo, especialmente para EHADM (p. ex., glitazona, vitamina E, agonista do GLP-1, agonista do PPAR, agonista do FXR, inibidor da caspase, inibidores de SK1). O café foi associado a um menor risco de cirrose em metanálises, mas são necessários estudos adicionais.

Pontos-chave

  • Lesão hepática aguda autolimitada (p. ex., devido à hepatite A viral aguda), mesmo quando fulminante, tende a não causar fibrose.

  • As causas mais comuns de fibrose hepática são hepatite B e C, esteato- hepatite associada à disfunção metabólica e doença hepática relacionada ao uso de álcool.

  • A fibrose só causa sintomas se progredir para cirrose.

  • A biópsia hepática, embora imperfeita, é o exame diagnóstico padrão-ouro, porém cada vez mais tem sido suplantada por alternativas não invasivas.

  • Testes não invasivos, como elastografia transitória e elastografia por ressonância magnética, estão se tornando cada vez mais importantes.

  • Tratar a causa da fibrose.

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