(Ver também Visão geral das doenças glomerulares Visão geral das doenças glomerulares A característica das doenças glomerulares é a proteinúria, que muitas vezes está no intervalo nefrótico (≥ 3 g/dia). Doenças glomerulares são classificadas com base nas alterações urinárias... leia mais .)
Etiologia da síndrome nefrótica
A síndrome nefrótica ocorre em qualquer idade, mas é mais prevalente em crianças (primariamente, doença de lesões mínimas), na maioria das vezes entre os 1½ e 4 anos de idade. As síndromes nefróticas congênitas Síndromes nefróticas congênitas As síndromes nefróticas congênitas infantis são aquelas que se manifestam durante o primeiro ano de vida. Incluem esclerose mesangial difusa e síndrome nefrótica do tipo finlandês. (Ver também... leia mais surgem durante o primeiro ano de vida. Em idades mais jovens (< 8 anos), os meninos são mais afetados do que as meninas, mas ambos os sexos são igualmente afetados em idades mais velhas. As causas diferem de acordo com a idade (ver tabela ) e podem ser primárias ou secundárias (ver tabela ).
As causas primárias mais comuns são:
As causas secundárias são responsáveis por < 10% na infância, mas por > 50% dos casos em adultos, mais comumente:
A amiloidose Amiloidose Amiloidose é qualquer de um grupo de condições distintas caracterizadas por deposição extracelular de fibrilas insolúveis compostas de proteínas mal agregadas. Essas proteínas podem se acumular... leia mais é uma causa não reconhecida e responsável por 4% dos casos.
Nefropatia associada ao HIV Nefropatia associada ao HIV A nefropatia associada ao HIV é caracterizada por achados clínicos semelhantes aos da glomerulosclerose segmentar focal e os achados de biópsia mostrando glomerulopatia colapsante (uma variante... leia mais é um tipo de glomerulosclerose focal e segmentar que ocorre em pacientes com aids.
Fisiopatologia da síndrome nefrótica
A proteinúria decorre de alterações das células endoteliais dos capilares, membrana basal glomerular, ou podócitos, que normalmente filtram as proteínas séricas seletivamente de acordo com o tamanho e a carga.
O mecanismo da lesão dessas estruturas é desconhecido nas doenças glomerulares primárias ou secundárias, mas as evidências sugerem que as células T regulam positivamente um fator de permeabilidade circulante ou negativamente um fator inibidor de permeabilidade em resposta a imunógenos e citoquinas não identificados. Outros possíveis fatores incluem defeitos hereditários em proteínas que fazem parte integral dos diafragmas divisores do glomérulo, ativação do complemento provocando a lesão de células epiteliais glomerulares e a perda dos grupos carregados negativamente ligados a proteínas da MBG e células epiteliais glomerulares.
Complicações da síndrome nefrótica
Essa doença resulta em perda urinária de proteínas macromoleculares, primariamente albumina, mas também opsoninas, imunoglobulinas, eritropoetina, transferrina, proteínas ligadoras de hormônios (incluindo tireoglobulina e proteína ligadora de vitamina D) e antitrombina III. A deficiência dessas e outras proteínas contribui para diversas complicações (ver tabela ); outros fatores também desempenham um papel.
Sinais e sintomas da síndrome nefrótica,
Os sintomas primários incluem anorexia, mal-estar e urina espumosa causada pela alta concentração de proteínas.
A retenção de líquidos pode causar
Dispneia (derrame pleural ou edema laríngeo)
Artralgia (hidrartrose)
Podem surgir sinais correspondentes, incluindo edema e ascite. O edema pode obscurecer os sinais da perda muscular e causar linhas brancas paralelas nos leitos das unhas (linhas de Muehrcke).
Outros sinais e sintomas são atribuíveis às várias complicações da síndrome nefrótica (ver tabela ).
Diagnóstico da síndrome nefrótica
Relação proteína/creatinina ≥ 3 em amostra aleatória de urina ou proteinúria ≥ 3 g/24 horas
Testes sorológicos e biópsia renal, a não ser que a causa seja clinicamente evidente
Suspeita-se do diagnóstico em pacientes com edema e proteinúria no exame de urina, confirmado pela dosagem de proteínas urinárias em 24 horas. A causa pode ser sugerida pela história clínica (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico Lúpus eritematoso sistêmico (LES) O lúpus eritematoso sistêmico é um distúrbio inflamatório, crônico e multissistêmico, de provável etiologia autoimune e que ocorre predominantemente em mulheres jovens. As manifestações comuns... leia mais , pré-eclâmpsia Pré-eclâmpsia e eclampsia Pré-eclâmpsia é o ressurgimento ou agravamento da hipertensão e proteinúria após 20 semanas de gestação. Eclâmpsia é a ocorrência de convulsões generalizadas e inexplicadas em mulheres com pré-eclâmpsia... leia mais , câncer Visão geral sobre câncer O câncer é uma proliferação desregulada das células. Suas principais características são Ausência de diferenciação celular Invasão local do tecido adjacente Metástase, que se dissemina para... leia mais ); quando a causa não é clara, indicam-se exames sorológicos adicionais e biópsia renal.
Exame de urina
O achado de proteinúria significativa (3 g de proteína em uma amostra de urina de 24 horas) é diagnóstico (excreção normal < 150 mg/dia). Alternativamente, a relação proteína/creatinina em uma amostra aleatória de urina estima as gramas de proteína/1,73 m2 de superfície corpórea em uma amostra de 24 hora (p. ex., valores de 40 mg de proteína/dL e 10 mg de creatinina/dL [884 micromol/L] em uma amostra de urina aleatória são equivalentes ao encontro de 4 g/1,73 m2 em uma amostra de 24 horas).
A utilização de amostra pontual de urina para determinação da relação proteína/creatinina pode ser menos confiável quando a excreção de creatinina for extremamente alta (p. ex., durante treinamento atlético) ou baixa (p. ex., caquexia). Entretanto, esses cálculos baseados em amostras aleatórias geralmente são preferíveis ao da coleta de 24 horas, porque a coleta aleatória é mais conveniente e menos tendente a erro (p. ex., devido à falta de adesão); testes mais convenientes facilitam o monitoramento das mudanças que ocorrem durante o tratamento.
Além da proteinúria, o exame de urina pode demonstrar cilindros (hialinos, granulares, gordurosos, serosos ou de células epiteliais). Lipidúria, a presença de lipídios livres ou lipídios dentro das células tubulares (corpos de gordura ovais), dentro de cilindros (cilindros gordurosos), ou como glóbulos livres, sugere uma doença glomerular que causa síndrome nefrótica. O colesterol urinário pode ser detectado pela microscopia simples e demonstra um padrão de cruz de malta sob luz polarizada; a coloração com Sudan deve ser utilizada para demonstrar a presença de triglicerídios.
Exames adicionais na síndrome nefrótica
Os testes auxiliares ajudam a caracterizar a gravidade e as complicações.
As concentrações de ureia e creatinina variam de acordo com o grau de disfunção renal.
A albumina sérica geralmente é < 2,5 g/dL (25 g/L).
As concentrações totais de colesterol e triglicerídios estão tipicamente elevadas.
Rotineiramente, não é necessário dosar as concentrações de alfa e gamaglobulinas, imunoglobulinas, proteínas ligadoras de hormônios, ceruloplasmina, transferrina e componentes do complemento, mas também seus níveis podem estar baixos.
Exames para causas secundárias da síndrome nefrótica
O papel dos testes para causas secundárias da síndrome nefrótica (ver tabela ) é controverso porque o resultado pode ser mínimo. Os exames são mais bem escolhidos conforme indicados pelo quadro clínico. Os exames podem incluir:
Glicose sérica e hemoglobina glicosilada (HbA1C)
Anticorpos antinucleares
Eletroforese de proteínas sérica e urinária
Crioglobulinas
Fator reumatoide
Níveis de complemento (C3, C4)
Os resultados dos exames podem alterar o tratamento e evitar a necessidade de biópsia. Por exemplo, a demonstração de crioglobulinas sugere crioglobulinemia mista (p. ex., de doenças inflamatórias crônicas como lúpus eritematoso sistêmico Lúpus eritematoso sistêmico (LES) O lúpus eritematoso sistêmico é um distúrbio inflamatório, crônico e multissistêmico, de provável etiologia autoimune e que ocorre predominantemente em mulheres jovens. As manifestações comuns... leia mais , síndrome de Sjögren Síndrome de Sjögren A síndrome de Sjögren é um distúrbio inflamatório sistêmico e crônico relativamente comum, autoimune, de causa desconhecida. É caracterizada por xerostomia, xeroftalmia e outras mucosas (síndrome... leia mais , ou infecção pelo vírus da hepatite C Hepatite C, crônica A hepatite C é uma causa comum de hepatite crônica. Muitas vezes, ela é assintomática até ocorrerem manifestações de doença hepática crônica. O diagnóstico é confirmado pelo resultado positivo... leia mais ), ao passo que a demonstração de proteínas monoclonais ou eletroforese de proteínas séricas ou urinárias sugere gamopatia monoclonal (p. ex., mieloma múltiplo Mieloma múltiplo É uma neoplasia dos plasmócitos que produz imunoglobulina monoclonal e invade e destrói o tecido ósseo adjacente. As manifestações comuns incluem lesões líticas nos ossos que provocam dor e/ou... leia mais ), em especial nos pacientes > 50 anos de idade que têm anemia Visão geral da diminuição da eritropoiese Anemia [diminuição do número de eritrócitos, hemoglobina ou hematócrito] pode resultar da diminuição da produção de eritrócitos (eritropoiese), do aumento da destruição dos eritrócitos, da perda... leia mais .
Em adultos, indica-se a biópsia renal Biópsia renal A biópsia do trato urinário exige especialista treinado (nefrologista, urologista ou radiologista intervencionista). As indicações para biópsia diagnóstica incluem síndrome nefrítica ou nefrótica... leia mais para o diagnóstico da causa subjacente da síndrome nefrótica idiopática. A síndrome nefrótica idiopática em crianças provavelmente decorre da doença de lesões mínimas Doença com alterações mínimas A doença de lesões mínimas provoca início abrupto de edema e proteinúria maciça, principalmente em crianças. A função renal é tipicamente normal. O diagnóstico é baseado nos achados clínicos... leia mais e geralmente assume-se esta presunção sem realização de biópsia, a menos que o paciente não melhore com o tratamento com corticoides. Os achados específicos da biópsia são discutidos nas entidades individuais a seguir.
Tratamento da síndrome nefrótica
Tratamento da doença causal
Inibição da angiotensina
Restrição de sódio
Estatinas
Diuréticos para sobrecarga excessiva de líquidos
Raramente, nefrectomia
Tratamento da doença causadora da síndrome nefrótica
O tratamento das doenças de base pode incluir o tratamento imediato de infecções (p. ex., endocardite estafilocócica, malária, sífilis, esquistossomose) e suspensão de fármacos [p. ex., ouro, penicilamina, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)]; estas medidas podem curar a síndrome nefrótica em casos específicos.
Tratamento da proteinúria
Os inibidores da angiotensina [utilizando inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), ou bloqueadores dos receptores de angiotensina II (BRAs)] são indicados para reduzir a pressão sistêmica e intraglomerular e a proteinúria. Podem exacerbar ou causar hiperpotassemia Hiperpotassemia A hiperpotassemia consiste na concentração sérica de potássio > 5,5 mEq/L (> 5,5 mmol/L), normalmente resultante de menor excreção renal de potássio ou movimento anormal do potássio para... leia mais em pacientes com insuficiência renal moderada a grave.
Não se recomenda restrição de proteínas por causa da falta de demonstração do efeito sobre a progressão da doença.
Tratamento de edema
A restrição de sódio (< 2 g de sódio ou ao redor de 100 mmol/dia) é recomendada para pacientes com edema sintomático.
Os diuréticos de alça são geralmente necessários para controlar o edema, mas podem agravar insuficiência renal preexistente e hipovolemia, hiperviscosidade e hipercoagulabilidade, devendo, portanto, ser utilizados apenas se a restrição de sódio é ineficaz ou se há evidências de sobrecarga de líquidos intravasculares. Em casos graves da síndrome nefrótica, infusão IV de albumina seguida por um diurético de alça também pode ser administrados para controlar o edema.
Tratamento de dislipidemia
Indicam-se estatinas para o controle da dislipidemia Dislipidemia Dislipidemia é elevação de colesterol e triglicerídeos no plasma ou a diminuição dos níveis de HDL (high-density lipoprotein) (HDL-C) que contribuem para a aterosclerose. As causas podem... leia mais .
Recomenda-se a limitação da ingestão de gorduras saturadas e colesterol para auxiliar o controle da dislipidemia.
Tratamento de hipercoagulabilidade
Anticoagulantes são indicados para tromboembolia, mas há poucos dados para apoiar sua utilização na prevenção primária.
Tratamento do risco de infecção
Todos os pacientes devem ser vacinados contra pneumococos se não for contraindicado.
Nefrectomia para a síndrome nefrótica
Raramente é necessária a nefrectomia bilateral na síndrome nefrótica grave devido à hipoalbuminemia persistente. O mesmo resultado pode algumas vezes ser obtido através da embolização das artérias renais com coils, evitando assim a cirurgia em pacientes de alto risco. Diálise Hemodiálise Na hemodiálise, o sangue do paciente é bombeado para dentro de um dialisador contendo 2 compartimentos de líquidos configurados como feixes de fibras capilares ocas ou como sanduíches de folhas... leia mais é utilizada conforme necessário.
Prognóstico da síndrome nefrótica
O prognóstico varia de acordo com a causa. Ocorrem remissões completas espontaneamente ou com tratamento. O prognóstico é geralmente favorável em doenças que respondem aos corticoides.
Em todos os casos, o prognóstico pode ser agravado pela presença dos seguintes:
Infecção
Hipertensão
Uremia significativa
Hematúria
Tromboses das veias cerebrais, pulmonares, periféricas, ou renais
A taxa de reincidência é alta em pacientes com transplante de rins Transplante de rim O transplante renal é o tipo mais comum de transplante de órgão sólido. (Ver também Visão geral do transplante.) A indicação primária para o transplante renal é Insuficiência renal terminal... leia mais com glomerulosclerose segmentar focal Glomerulosclerose segmentar focal Glomerulosclerose segmentar focal é a esclerose mesangial dispersa (segmentar) que começa em alguns, mas não em todos, os glomérulos e com o tempo envolve todos os glomérulos. Em geral, é idiopática... leia mais , nefropatia por immunoglobulina A (IgA) Nefropatia por imunoglobulina A Nefropatia por imunoglobulina A é a deposição de imunocomplexos de IgA nos glomérulos, que se manifesta como hematúria, proteinúria e, geralmente, insuficiência renal lentamente progressiva... leia mais ou glomerulonefrite membranoproliferativa Glomerulonefrite membranoproliferativa A glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) é caracterizada por um padrão de lesão glomerular na microscopia óptica, incluindo hipercelularidade e espessamento da membrana basal glomerular... leia mais (em especial, a do tipo 2).
Pontos-chave
A síndrome nefrótica é mais comum em crianças pequenas, normalmente é idiopática e, na maioria das vezes, é uma doença com alterações mínimas.
Em adultos, a síndrome nefrótica é geralmente secundária, mais frequentemente a diabetes ou pré-eclâmpsia.
Considerar a síndrome nefrótica em pacientes, especialmente crianças pequenas, com ascite ou edema inexplicável.
Confirmar a síndrome nefrótica encontrando a relação de proteína/creatinina ≥ 3 em amostra aleatória de urina ou proteína urinária ≥ 3 g/24 horas.
Fazer testes para causas secundárias e biópsia renal seletivamente, com base nos achados clínicos.
Supor doença de lesões mínimas se uma criança com síndrome nefrótica idiopática melhora após o tratamento com corticoides.
Tratar o distúrbio causador com terapia específica para a doença.
Administrar inibição da angiotensina, restrição de sódio e, muitas vezes, diuréticos e/ou estatinas para tratar proteinúria, edema e hiperlipidemia.