Nefropatia diabética

Doença renal em estágio terminal

PorFrank O'Brien, MD, Washington University in St. Louis
Revisado/Corrigido: jun 2023
Visão Educação para o paciente

A nefropatia diabética corresponde a esclerose e fibrose glomerulares causadas por alterações metabólicas e hemodinâmicas do diabetes mellitus. Manifesta-se como albuminúria lentamente progressiva com agravamento da insuficiência renal e hipertensão. O diagnóstico se faz com base em história, exame físico, exame de urina e relação albumina/creatinina urinária. O tratamento é realizado por meio de controle glicêmico estrito, inibidores da angiotensina [usando inibidores da enzima conversora de angiotensina [ECA], e/ou bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRAs)] e controle da pressão arterial e dos lipídios.

(Ver também Complicações do diabetes mellitus: nefropatia diabética.)

A nefropatia diabética é a causa mais comum da síndrome nefrótica em adultos. A nefropatia diabética é a causa mais comum da síndrome nefrótica e doença renal em estágio terminal nos Estados Unidos, correspondendo a 80% dos casos. A prevalência da insuficiência renal é provavelmente cerca de 40% em pacientes com diabetes mellitus tipo 1. A prevalência da insuficiência renal em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 geralmente é indicada como 20 a 30%, mas esse número é provavelmente baixo. A falência renal é particularmente comum em certos grupos étnicos, como negros, mexicano-americanos, polinésios e indígenas Pima. Outros fatores de risco incluem:

  • Duração e grau da hiperglicemia

  • Hipertensão

  • Dislipidemia

  • Tabagismo

  • Certos polimorfismos que afetam o eixo renina-angiotensina-aldosterona

  • História familiar de nefropatia diabética

  • Variáveis genéticas (número diminuído de glomérulos)

Como o diabetes tipo 2 está presente durante anos antes de ser reconhecido, a nefropatia geralmente desenvolve-se em < 10 anos após o diagnóstico do diabetes.

A doença renal em estágio terminal (DRET) geralmente leva 10 anos após o desenvolvimento da nefropatia.

Fisiopatologia da nefropatia diabética

A patogênese inicia-se com doença de pequenos vasos. A fisiopatologia é complexa, envolvendo glicosilação de proteínas, liberação influenciada por hormônios de citocinas (p. ex., fator de crescimento transformador beta), deposição de matriz mesangial e alteração da hemodinâmica glomerular. A hiperfiltração, uma anormalidade funcional precoce, é apenas um fator preditivo relativo da falência renal.

A hiperglicemia causa a glicosilação das proteínas glomerulares, que pode ser responsável pela proliferação de células mesangiais e expansão da matriz e lesão vascular endotelial. A membrana basal glomerular torna-se classicamente espessada.

Lesões de glomerulosclerose difusa ou nodular intercapilar são distintas; as áreas da glomerulosclerose nodular podem ser chamadas de lesões de Kimmelstiel-Wilson. Observa-se uma hialinose significativa das arteríolas aferentes e eferentes, assim como podem estar presentes aterosclerose, fibrose intersticial e atrofia tubular. Apenas a expansão da matriz mesangial parece se correlacionar à progressão da doença renal para estágio terminal.

Descrições da nefropatia diabética
Nefropatia diabética (proliferação de células mesangiais e expansão da matriz)
Nefropatia diabética (proliferação de células mesangiais e expansão da matriz)
A proliferação de células mesangiais e a expansão da matriz com lesão endotelial se manifestam aqui como espessamento d... leia mais

Imagem fornecida por Agnes Fogo, MD, e the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (ver www.ajkd.org).

Nefropatia diabética (nódulos)
Nefropatia diabética (nódulos)
A formação de nódulos acelulares dentro da matriz mesangial é uma característica distintiva da nefropatia diabética (co... leia mais

Imagem fornecida por Agnes Fogo, MD, e the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (ver www.ajkd.org).

Nefropatia diabética (hialinose)
Nefropatia diabética (hialinose)
Hialinose tanto das arteríolas aferentes como das eferentes.

Imagem fornecida por Agnes Fogo, MD, e the American Journal of Kidney Diseases' Atlas of Renal Pathology (ver www.ajkd.org).

A nefropatia diabética inicia-se com hiperfiltração glomerular (aumento da taxa de filtração glomerular); a taxa de filtração glomerular normaliza-se com a lesão renal inicial e hipertensão leve, que se agrava ao longo do tempo. A seguir, observa-se microalbuminúria, excreção urinária de albumina com limites entre 30 e 300 mg de albumina/dia. A albumina urinária nessas concentrações é denominada microalbuminúria porque a detecção de proteinúria nas fitas de imersão no exame de urina de rotina necessita de > 300 mg de albumina/dia para ser detectada. A microalbuminúria progride para macroalbuminúria (proteinúria > 300 mg/dia com curso variável), geralmente ao longo de anos. Síndrome nefrótica (proteinúria 3 g/dia) precede a doença renal em estágio terminal, em média, por cerca de 3 a 5 anos, mas esse estágio também é altamente variável.

Outras alterações do trato urinário comumente ocorrem na nefropatia diabética que pode acelerar o declínio da função renal, incluindo necrose papilar, acidose tubular renal tipo IV e infecções do trato urinário. Na nefropatia diabética, os rins geralmente são normais ou aumentados de tamanho (> 10 a 12 cm de comprimento).

Sinais e sintomas da nefropatia diabética

Nefropatia diabética é assintomática nos estágios iniciais. Microalbuminúria constante é o sinal mais precoce da doença. A hipertensão e algum grau de edema postural acabam se desenvolvendo na maioria dos pacientes não tratados.

Nos estágios tardios, os pacientes podem desenvolver sinais e sintomas da uremia (p. ex., náuseas, vômitos, anorexia) mais precocemente [isto é, com taxa de filtração glomerular (TFG) mais elevada] que os pacientes sem a doença, possivelmente porque a associação da lesão de órgão-alvo em decorrência de diabetes (p. ex., neuropatia) e da insuficiência renal agrava os sintomas.

Diagnóstico da nefropatia diabética

  • Triagem anual de todos os pacientes com diabetes através de exame de urina aleatório com determinação da relação albumina/creatinina

  • Exame de urina para pesquisa de sinais de outras alterações renais (p. ex., hematúria, cilindros hemáticos)

Suspeita-se do diagnóstico em pacientes com diabetes que apresentam proteinúria, particularmente se apresentam retinopatia diabética (indicando doença de pequenos vasos) ou fatores de risco de nefropatia diabética. Outras alterações renais devem ser consideradas na presença de um dos seguintes:

  • Proteinúria maciça com história curta de diabetes

  • Ausência de retinopatia diabética

  • Proteinúria maciça de início rápido

  • Hematúria macroscópica

  • Cilindros hemáticos

  • Declínio rápido na taxa de filtração glomerular (TFG)

  • Rim de tamanho pequeno

Proteína urinária

Os pacientes são testados quanto à presença de proteinúria por meio de exame de urina de rotina; se a proteinúria for evidente, o exame para microalbuminúria é desnecessário em razão de o paciente já apresentar macroalbuminúria sugestiva de doença renal diabética. Para os pacientes sem proteinúria no exame de urina, deve-se calcular a relação albumina/creatinina em uma amostra de urina de jato médio colhida pela manhã. Uma relação 30 mg/g ( 34 mg/mmol) indica microalbuminúria se presente em pelo menos 2 de 3 amostras em um período de 3 a 6 meses e que não pode ser explicada por infecção ou exercício.

Alguns especialistas recomendam que a microalbuminúria seja medida em uma amostra de urina de 24 hora, mas esta abordagem é menos conveniente e muitos pacientes têm dificuldade de colher adequadamente a urina. A amostra de urina aleatória e a relação albumina/creatinina superestima a microalbuminúria da coleta de 24 hora em até 30% dos pacientes > 65 anos em razão da produção de creatinina reduzida devido à perda da massa muscular. Resultados imprecisos podem também ocorrer em pacientes muito musculares ou que foram submetidos a exercícios vigorosos antes da coleta da urina.

Para a maioria dos pacientes com diabetes e que apresentam proteinúria, o diagnóstico é clínico. A biópsia renal pode confirmar o diagnóstico, mas raramente é necessária.

Triagem

Os pacientes com diabetes tipo 1 sem conhecimento de doença renal devem ser rastreados para proteinúria e, caso ausente no exame de urina de rotina, para microalbuminúria, iniciando-se 5 anos após o diagnóstico e pelo menos uma vez/ano a seguir.

Os pacientes com diabetes tipo 2 devem ser triados no momento do diagnóstico e, a seguir, anualmente.

Tratamento da nefropatia diabética

  • Manutenção da Hb glicosilada (HbA1C) 7,0

  • Controle agressivo da pressão arterial (PA), iniciando-se com inibidores de angiotensina

  • Tratamento da dislipidemia

Controle de glicose no sangue

O tratamento primário inclui o controle rigoroso da glicemia (HbA1C) para manter a hemoglobina glicosilada 7,0; a manutenção da euglicemia reduz a microalbuminúria, mas pode não retardar a evolução da doença, uma vez que esta já esteja estabelecida.

Controle da pressão arterial

O controle da glicose também deve ser acompanhado de controle rigoroso da pressão arterial para < 130/80 mmHg, embora alguns especialistas agora recomendem pressão arterial < 140/90 mmHg. Alguns sugerem que a pressão arterial deve ser de 110 a 120/65 a 80 mmHg, particularmente em pacientes com excreção de proteínas > 1 g/dia; entretanto, outros afirmam que os valores de pressão arterial < 120/85 mmHg estão associados a aumento da mortalidade cardiovascular e insuficiência cardíaca.

A inibição da angiotensina é o primeiro tratamento. Assim, inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), ou bloqueadores do receptor da angiotensina II são os anti-hipertensivos de escolha; reduzem a PA e a proteinúria e retardam a evolução da nefropatia diabética. Os inibidores da ECA geralmente são mais baratos, mas os BRAs podem ser usados como uma alternativa se os inibidores da ECA causarem tosse persistente. O tratamento deve ser iniciado quando a microalbuminúria for detectada independentemente de haver hipertensão; alguns especialistas recomendam que os fármacos sejam utilizados antes do surgimento de sinais de doença renal.

São necessários diuréticos para a maioria dos pacientes em associação à inibição da angiotensina para atingir níveis adequados de pressão arterial. A dose deve ser diminuída caso se desenvolva hipotensão ortostática ou elevação da creatinina sérica em mais de 30%.

Bloqueadores de canais de cálcio não di-hidropiridínicos (diltiazem e verapamil) também são antiproteinúricos e renoprotetores e são alternativas razoáveis para pacientes com hiperpotassemia ou outras contraindicações a inibidores da ECA ou bloqueadores do receptor de angiotensina e podem ser usados se a proteinúria não diminuir significativamente ao se atingir o nível adequado de pressão arterial.

Em comparação, bloqueadores dos canais de cálcio di-hidropiridínicos (p. ex., nifedipino, felodipino, anlodipino) não reduzem a proteinúria, embora sejam adjuvantes úteis para o controle da pressão arterial e possam ser cardioprotetores em combinação com inibidores da ECA. Os inibidores da ECA e os bloqueadores do canal de cálcio não di-hidropiridínicos apresentam maior efeito antiproteinúria e renoprotetor quando utilizados associadamente e seu efeito antiproteinúria é ampliado pela restrição de sódio. Bloqueadores não di-hidropiridínicos dos canais de cálcio devem ser usados com cautela em pacientes que estejam recebendo betabloqueadores por causa do potencial de agravamento da bradicardia.

Dislipidemia

A dislipidemia também deve ser tratada.

Estatinas devem ser utilizadas como terapia de primeira linha para o tratamento da dislipidemia em pacientes com nefropatia diabética porque reduzem a mortalidade cardiovascular e proteína urinária.

Outros tratamentos

A restrição alimentar de proteínas causa resultados mistos. A American Diabetes Association recomenda que os indivíduos com diabetes e nefropatia evidente façam restrição para 0,8 a 1,2 g de proteína/kg/dia. Restrição proteica significativa não é recomendada.

Inibidores de SGLT 2 também deve ser administrado para pacientes com diabetes tipo 2, mas não aqueles com diabetes tipo 1 ou aqueles com TFGe < 20 mL/minuto. A inibição do transportador de glicose de sódio mostrou reduzir a progressão da doença renal (1, 2, 3).

Suplementação de vitamina D, tipicamente com colecalciferol (vitamina D3).

Bicarbonato de sódio, administrado para manter uma concentração de bicarbonato sérica > 22 mEq/L (22 mmol/L), pode retardar a progressão da doença em pacientes com doença renal crônica e acidose metabólica.

Os tratamentos para edema podem incluir:

  • Restrição dietética de sódio (p. ex., < 2 g/dia)

  • Restrição de líquidos

  • Diuréticos de alça, conforme necessário, com titulação cuidadosa para evitar hipovolemia

Transplante de rim

O transplante de rim com ou sem transplante simultâneo ou subsequente de transplante de pâncreas é uma opção para pacientes com insuficiência renal em estágio terminal. A taxa de sobrevida em 5 anos para pacientes com diabetes mellitus tipo 2 que receberam transplante de rim é de quase 77% comparada à de 88% para pacientes que não têm diabetes. As taxas de sobrevivência do aloenxerto renal são > 97% e 77% entre os receptores de transplante de doadores vivos e falecidos, respectivamente, em 5 anos (4, 5).

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Heerspink HJL, Stefánsson BV, Correa-Rotter R, et al: Dapagliflozin in patients with chronic kidney disease. N Engl J Med 383(15):1436-1446, 2020. doi: 10.1056/NEJMoa202481

  2. 2. Perkovic V, Jardine MJ, Neal B, et al: Canagliflozin and renal outcomes in type 2 diabetes and nephropathy.  N Engl J Med 13;380(24):2295-2306, 2019. doi: 10.1056/NEJMoa1811744

  3. 3. Zinman B, Wanner C, Lachin JM, et al: Empagliflozin, cardiovascular outcomes, and mortality in type 2 diabetes.  N Engl J Med 373(22):2117-2128, 2015. doi: 10.1056/NEJMoa1504720

  4. 4. National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases (NIDDK): Transplantation. Acessado em 19 de maio de 2023.

  5. 5. Harding JL, Pavkov M, Wang Z, et al: Long-term mortality among kidney transplant recipients with and without diabetes: A nationwide cohort study in the USA. BMJ Open Diabetes Res Care 9(1):e001962, 2021. doi: 10.1136/bmjdrc-2020-001962

Prognóstico da nefropatia diabética

O prognóstico é bom para os pacientes tratados e monitorados de modo meticuloso. Esses cuidados geralmente são difíceis na prática e a maioria dos pacientes perde lentamente a função renal; mesmo a pré-hipertensão (pressão arterial de 120 a 139/80 a 89 mmHg) ou a hipertensão em estágio 1 (pressão arterial de 140 a 159/90 a 99 mmHg) podem acelerar a lesão. A doença aterosclerótica sistêmica (acidente vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio, doença arterial periférica) eleva a mortalidade.

Pontos-chave

  • A nefropatia diabética é muito comum, assintomática até tarde, e deve ser considerada em todos os pacientes diabéticos.

  • Triagem periódica para todos os pacientes diabéticos com exame de urina e, se não houver proteinuria, calcular a relação albumina/creatinina em uma amostra de urina de jato médio colhida pela manhã.

  • Trarar a pressão arterial agressivamente geralmente começando com inibidores de angiotensina.

  • Tratar o aumento da albuminúria com inibição da angiotensina.

  • Controlar a glicose para manter HbA1C em ≤ 7,0.

  • Tratar a dislipidemia com estatina.

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. American Diabetes Association: informações sobre diabetes, da avaliação do risco à defesa para que sejam disponibilizados cuidados de saúde adequados e acessíveis a todos os que têm risco de diabetes.

quizzes_lightbulb_red
Test your KnowledgeTake a Quiz!
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS
Baixe o aplicativo  do Manual MSD!ANDROID iOS