Os retrovírus são vírus de RNA com invólucro, definidos por seu mecanismo de replicação via transcrição reversa para produzir cópias de DNA que integram o genoma da célula hospedeira. Diversos retrovírus, incluindo os 2 tipos do HIV e 2 tipos do vírus T-linfotrópico humano (HTLV — Infecções por HTLV), causam doenças graves em pessoas.
O HIV-1 causa a maioria das infecções pelo HIV no mundo todo, mas o HIV-2 provoca a maioria dos casos em partes da África Ocidental. Em determinadas áreas da África Ocidental, ambos os microrganismos são prevalentes e podem coinfectar os pacientes. HIV-2 parece ser menos virulento do que o HIV-1.
O HIV-1 originou-se na África Central na primeira metade do século XX, quando um vírus intimamente relacionado com chimpanzés foi transmitido para o homem. A disseminação epidêmica no globo começou no final da década de 1970 e a aids foi reconhecida em 1981.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima (1) que, em 2017, cerca de 36,9 milhões de pessoas, incluindo 1,8 milhão de crianças (< 15 anos), viviam com o HIV em todo o mundo; do total, cerca de 25,7 milhões vivem na África subsaariana. Cerca de 25% das pessoas que portam o HIV não foram diagnosticadas. Entre as pessoas que sabiam que estavam infectadas, 79% tinham acesso ao tratamento. Em 2017, cerca de 940.000 pessoas morreram de doenças relacionadas com a aids em todo o mundo (70% na África subsaariana), em comparação com 1,9 milhão em 2004 e 1,4 milhão em 2010. Em 2017, cerca de 1,8 milhão de pessoas, incluindo 180.000 crianças, foram infectadas pelo HIV recentemente, em comparação com 3,4 milhões de novas infecções em 1996. A maioria das novas infecções (95%) ocorre nos países em desenvolvimento; mais da metade em mulheres na África subsaariana. Em muitos países da África subsaariana, a incidência de infecção pelo HIV está diminuindo acentuadamente em relação às taxas muito altas de uma década antes; no entanto, ainda existem lacunas importantes para atender a estratégia para acabar rapidamente com a epidemia de aids em 2030 da Organização Mundial da Saúde.
Nos Estados Unidos, em 2015, a estimativa era de que 1,1 milhão de pessoas com ≥ 13 anos de idade vivia com infecção pelo HIV; o HIV não foi diagnosticado em cerca de 15% dessas pessoas. No geral, o número de novos casos diminuiu em 19% de 2005 a 2014. Em 2016, foram diagnosticados 39.782 casos. Mais de dois terços (67% ou 26.570) das novas infecções ocorreram em homens gays e bissexuais. Entre homens gays e bissexuais, o número de novas infecções foi de 10.223 em homens negros/afro-americanos, 7.425 em homens hispânicos/latinos e 7.390 em homens brancos (2).
Aids
A aids é definida como um ou mais dos seguintes:
-
Infecção por HIV que leva a qualquer uma de certas doenças [ver Doenças definidoras da aids (3)]
-
Contagem de CD4+ para T-linfócitos (células auxiliares) de < 200/mcL
-
Percentual de células CD4+ de ≤ 14%
As doenças definidoras da aids são
-
Infecções oportunistas graves
-
Certos cânceres (p. eg., sarcoma de Kaposi, linfoma não Hodgkin), nos quais há predisposição a defeitos de imunidade mediada por células
-
Disfunção neurológica
Referências gerais
-
1. UNAIDS.org: Fact Sheet: Latest Statistics on the Status of the aids epidemic.
-
2. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): HIV in the United States: At a Glance.
-
3. Selik RM, Mokotoff ED, Branson, B, et al: Revised Surveillance Case Definition for HIV Infection—United States, 2014. MMWR63(RR03):1–10, 2014.
Transmissão
A transmissão do HIV requer contato com secreções fisiológicas — especificamente sangue, sêmen, secreção vaginal, leite materno, saliva, exsudatos de lesões, ou lesões de pele e de mucosas — que contenham virions HIV livres ou células infectadas. A transmissão é mais provável com os altos níveis de vírions que são típicos durante a infecção primária, mesmo quando essas infecções são assintomáticas. A transmissão por saliva ou gotículas produzidas por tosse ou espirros, embora possível, é extremamente improvável.
O HIV não é transmitido por contato casual não sexual que ocorra no trabalho, na escola, ou no domicílio.
Em geral, a transmissão é
Transmissão sexual do HIV
Práticas sexuais como felação e cunilíngua parecem ter risco relativamente baixo, mas não são absolutamente seguras (ver tabela Risco de transmissão do HIV por várias atividades sexuais). O risco não aumenta significativamente se o sêmen ou as secreções vaginais forem ingeridos. Contudo, feridas abertas na boca podem aumentar o risco.
As práticas sexuais mais arriscadas são aquelas que produzem trauma na mucosa, tipicamente o ato sexual. A relação sexual anal é a de maior risco. A inflamação da mucosa facilita a transmissão do HIV; as doenças sexualmente transmissíveis, como gonorreia, infecção por clamídia, tricomoníase e, principalmente, aquelas que produzem ulceração (p. ex., cancroide, herpes, sífilis), aumentam o risco várias vezes. Outras práticas que causam trauma na mucosa incluem fisting (inserir a maior parte ou toda a mão no reto ou na vagina) e uso de brinquedos sexuais. Quando usadas durante a relação sexual com um parceiro infectado pelo HIV e/ou com múltiplos parceiros sexuais concomitantes, essas práticas aumentam o risco de transmissão do HIV.
Em heterossexuais, o risco estimado por ato sexual é cerca de 1/1.000; mas o risco é maior em:
A circuncisão parece reduzir o risco de infecção pelo HIV em homens em cerca de 50% por meio da remoção da mucosa peniana (parte inferior do prepúcio), que é mais susceptível a infecções pelo HIV do que o epitélio escamoso queratinizado, estratificado, que recobre o resto do pênis.
Evidências recentes mostram que pessoas infectadas pelo HIV nas quais a terapia antirretroviral reduziu a carga viral abaixo do nível atualmente detectável (vírus suprimido) não transmitem sexualmente o vírus a seus parceiros. Vírus indetectável é igual a vírus intransmissível.
Risco de transmissão do HIV por várias atividades sexuais
Transmissão relacionada com agulhas e instrumentos
O risco de transmissão do HIV após a penetração na pele de um instrumento médico contaminado com sangue infectado é de cerca de 1/300, em média, sem profilaxia antirretroviral pós-exposição. Profilaxia imediata provavelmente reduz o risco de < 1/1.500. O risco parece ser maior se a lesão for profunda ou o sangue estiver inoculado (p. ex., com agulha oca contaminada). O risco também aumenta com agulhas com luz e nas punções das artérias e veias em comparação às agulhas rombas ou outros objetos penetrantes recobertos de sangue, pelo maior volume de sangue que pode ser transferido. Assim, compartilhar agulhas que penetraram na veia de outros usuários de drogas injetáveis é uma atividade de risco muito alto.
O risco de transmissão de pessoas contaminadas na equipe médica, que tomam precauções apropriadas com relação a pacientes não infectados, não está claro, mas parece ser mínimo. Na década de 1980, um dentista transmitiu HIV para ≥ 6 de seus pacientes por meios desconhecidos. Contudo, investigações extensas de pacientes tratados por outros médicos infectados pelo HIV incluindo cirurgiões, identificaram outros poucos casos.
Transmissão materna
O HIV pode ser transmitido da mãe para o filho
Sem tratamento, o risco de transmissão ao nascimento é cerca de 25 a 35%.
O vírus é excretado no leite materno, e o aleitamento pelas mães infectadas com HIV não tratadas pode transmiti-lo para cerca de 10 a 15% dos lactentes que anteriormente escaparam da infecção.
Pode-se reduzir significativamente a transmissão tratando as mães positivas para HIV com antirretrovirais durante a gestação, o trabalho de parto e o aleitamento (no Brasil, o Ministério da Saúde não recomenda que mães soropositivas para HIV amamentem).
Cesariana e tratamento do lactente por várias semanas após o nascimento também reduzem o risco.
Como muitas gestantes positivas para HIV são tratadas ou tomam fármacos profiláticos, a incidência da aids em crianças está diminuindo em muitos países (ver Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) em lactentes e crianças).
Transmissão relacionada com transfusões e transplantes
O rastreamento dos doadores de sangue com testes tanto para anticorpos contra o HIV como para o RNA do HIV minimizaram o risco de transmissão por meio de transfusões. O risco atual de transmissão do HIV por hemotransfusão é provavelmente < 1/2.000.000 por unidade transfundida nos Estados Unidos. Mas em muitos países em desenvolvimento, onde o sangue e os hemoderivados não são monitorados para o HIV o risco de infecção por HIV via transfusão permanece alto.
Raramente, o HIV foi transmitido por transplante de órgãos de doadores soropositivos. A infecção ocorreu em transplantados de rim, fígado, coração, pâncreas, osso, pele — todos os quais contêm sangue— mas a triagem para HIV reduziu significativamente o risco de transmissão. A transmissão do HIV é ainda mais improvável com o transplante de córnea, osso liofilizado e tratado com etanol, osso congelado fresco sem medula, tendão ou fáscia liofilizada ou dura-máter irradiada ou liofilizada.
A transmissão do HIV é possível por inseminação artificial com esperma de doadores HIV-positivo. Alguns casos da infecção ocorreram no início dos anos de 1980, antes da triagem ter sido introduzida.
Nos Estados Unidos, a lavagem de esperma é considerada um método eficaz para reduzir o risco de inseminação por parceiro de um dador conhecido de esperma HIV-positivo.
Epidemiologia
O HIV se dissemina em 2 padrões epidemiologicamente distintos:
Na maioria dos países, ocorrem os dois padrões, mas o primeiro padrão predomina nos países desenvolvidos; o segundo padrão predomina na África, América do Sul e sul da Ásia.
Em áreas onde a transmissão heterossexual é dominante, a infecção pelo HIV segue as rotas comerciais, de transporte e de migração econômica para cidades, disseminando-se secundariamente para áreas rurais. Na África, em particular no sul, a epidemia de HIV mata milhões de adultos jovens, deixando milhões de órfãos. Os fatores que perpetuam a disseminação incluem
Mas por meio de esforços internacionais, em 2016, cerca de 19,5 milhões vivendo com HIV tiveram acesso ao tratamento antirretroviral, reduzindo drasticamente as mortes e a transmissão em muitos países.
Muitas infecções oportunistas que complicam o HIV são reativações de infecções latentes. Assim, fatores epidemiológicos que determinam a probabilidade de patógenos latentes influenciam também o risco de infecções oportunistas específicas. Em muitos países em desenvolvimento, o predomínio de tuberculose e toxoplasmose latentes na população geralmente é mais alto do que nos países desenvolvidos. Aumentos dramáticos na tuberculose e encefalite por toxoplasmose reativadas acompanharam a epidemia de imunossupressão induzida pelo HIV nesses países. De forma similar nos Estados Unidos, a coccidioidomicose, comum no sudoeste norte-americano, e a histoplasmose, comum no centro-oeste norte-americano, têm aumentado por causa de infecção pelo HIV.
A infecção pelo herpes-vírus humano tipo 8, que causa o sarcoma de Kaposi, é comum em homens homossexuais e bissexuais, mas incomum em outros pacientes com HIV nos Estados Unidos e na Europa. Assim, nos Estados Unidos, > 90% dos pacientes com aids que desenvolveram o sarcoma de Kaposi são homens homossexuais ou bissexuais.
Fisiopatologia
O HIV adere e penetra nas células T hospedeiras via moléculas de CD4+ e receptores de quimiocina (ver figura Ciclo de vida simplificado do HIV). Após a adesão, o RNA do HIV e várias enzimas que codificam o HIV são liberadas na célula hospedeira.
A replicação viral requer que a transcriptase reversa, (uma polimerase de DNA dependente de RNA) copie o RNA do HIV produzindo o DNA pró-viral; essa mecanismo de cópia está sujeito a erros, resultando em mutações frequentes e, portanto, novos genótipos do HIV. Essas mutações facilitam a replicação de HIV que resiste ao controle do sistema imunitário do hospedeiro e dos antirretrovirais.
O DNA pró-viral entra no núcleo da célula hospedeira e é integrado ao DNA do hospedeiro, em um processo que envolve a integrase, outra enzima do HIV. A cada divisão celular, o DNA proviral integrado é duplicado ao longo do DNA do hospedeiro. Subsequentemente, o DNA proviral do HIV pode ser transcrito para o RNA viral do HIV e transferido para proteínas do HIV tal como as glicoproteínas 41 e 120 do invólucro. Essas proteínas do HIV são agrupadas em vírions do HIV na membrana interna da célula hospedeira e germinam da superfície celular dentro de um invólucro da membrana celular humana modificada. Cada célula hospedeira pode produzir milhares de virions.
Após a germinação, a protease, outra enzima do HIV cliva as proteínas virais, convertendo o virion imaturo em um maduro, o virion infeccioso.
Ciclo de vida simplificado do HIV
Linfócitos CD4+ infectados produzem > 98% dos vírions HIV plasmáticos. Uma parcela de linfócitos CD4+ infectados constitui um reservatório de HIV que pode ser reativado (p. ex., se o tratamento antiviral for suspenso).
Vírions possuem uma meia-vida plasmática de cerca de 6 horas. Em infecções moderadas a graves pelo HIV cerca de 108 a 109 vírions são criados e destruídos diariamente. Com essa alta replicação viral, a alta frequência de erros de transcrição por transcriptase reversa de HIV resulta em muitas mutações, aumentando a chance de desenvolvimento de cepas resistentes à imunidade do hospedeiro e aos fármacos.
Sistema imunitário
Duas consequências importantes da infecção pelo HIV são
Linfócitos CD4 + estão envolvidos na imunidade mediada por células e, em menor grau, humoral. A depleção de CD4+ pode resultar de:
Linfócitos CD4+ infectados possuem uma meia-vida de cerca de 2 dias, que é muito menor que a dos linfócitos CD4+ não infectados. As taxas de destruição de linfócitos T CD4+ estão relacionadas com o nível plasmático de HIV. De maneira característica, durante a infecção inicial ou primária, os níveis de HIV são maiores (> 106 cópias/mL) e a contagem de linfócitos CD4+ circulantes cai rapidamente.
A contagem normal de CD4+ é cerca de 750/mcL e a imunidade é minimamente afetada se a contagem for > 350/mcL. Se a contagem cai abaixo de cerca de 200/mcL, a perda da imunidade mediada por células permite que uma variedade de patógenos oportunistas se reativem a partir de estados latentes e causem doença clínica.
A imunidade humoral também é afetada. A hiperplasia de células B em linfonodos causa linfadenopatia e aumento de secreção de anticorpos contra antígenos previamente encontrados, levando, muitas vezes, à hiperglobulinemia. Níveis totais de anticorpos (especialmente IgG e IgA) e títulos contra antígenos encontrados previamente podem ser raramente altos. Contudo, a resposta dos anticorpos a novos antígenos (p. ex., em vacinas) reduz-se à medida que a contagem de CD4+ diminui.
A elevação anormal da ativação imunitária pode ser causada em parte pela absorção dos componentes das bactérias intestinais. A ativação imunitária contribui para a depleção de CD4+ e para a imunossupressão por mecanismos que permanecem obscuros.
Outros tecidos
O HIV também infecta células não linfoides monocíticas (p. eg., células dendríticas na pele, macrófagos, micróglia cerebral) e células do cérebro, trato genital, coração e rins, causando doença nos sistemas de órgãos correspondentes.
As cepas de HIV em vários compartimentos, como o sistema nervoso (cérebro e líquor) e o trato genital (sêmen), são geneticamente distintas das encontradas no plasma, sugerindo que elas foram selecionadas ou se adaptaram a esses compartimentos anatômicos. Dessa maneira, nesses compartimentos os níveis e padrões de resistência do HIV podem variar de modo independente daqueles no plasma.
Progressão da doença
Durante as primeiras semanas da infecção primária, há respostas imunitárias celulares e humorais:
-
Humoral: anticorpos contra o HIV são mensuráveis em poucas semanas após a infecção primária; contudo, os anticorpos não conseguem controlar completamente a infecção pelo HIV porque as formas mutantes de HIV geradas não podem ser controladas pelos anticorpos anti-HIV atuais do paciente.
-
Celular: a imunidade mediada por células é um meio mais importante de controlar os níveis elevados da viremia (geralmente mais de 106 cópias/mL) inicialmente. Mas a rápida mutação dos antígenos virais que são alvo da citotoxicidade mediada pelos linfócitos subverte o controle do HIV em todos, exceto em um pequeno percentual de pacientes.
Níveis de vírions de HIV no plasma, expressos como números de cópias/mL do RNA do HIV, estabilizam-se após cerca de 6 meses em um nível (ponto crítico) que varia amplamente entre os pacientes, mas com média de 30.000 a 100.000/mL (4,2 a 5 log10/mL). Quanto maior esse ponto crítico, mais rápida a queda de CD4+ para níveis que prejudiquem intensamente a imunidade (< 200/mcL) e resultem nas infecções oportunistas e nas neoplasias definidoras de aids.
O risco e a gravidade de infecções oportunistas, aids e cânceres relacionados com a aids são determinados por 2 fatores:
O risco de infecções oportunistas específicas aumenta abaixo do limiar da contagem de CD4 de 200/mcL para algumas infecções e de 50/mcL para outras, como no seguinte:
-
Contagem de CD4 < 200/mcL: maior risco de pneumonia por Pneumocystis jirovecii, encefalite toxoplasmática emeningite criptocócica
-
Contagem de CD4 < 50/mcL: maior risco de infecção por citomegalovírus (CMV) e complexo Mycobacterium avium (MAC)
Para cada aumento 3 vezes maior (0,5 log10) no RNA de HIV plasmático em pacientes não tratados, o risco de progressão para aids ou morte nos próximos 2 ou 3 anos aumenta em cerca de 50%.
Sem tratamento, o risco de progressão da infecção pelo HIV para aids é de cerca de 1 a 2% ao ano nos primeiros 2 a 3 anos de infecção e de cerca de 5 a 6% ao ano nos anos seguintes. Com o tempo, quase invariavelmente a infecção evolui para aids em pacientes não tratados.
Sinais e sintomas
Infecção inicial pelo HIV
Inicialmente, a infecção primária pelo HIV pode ser assintomática ou causar sintomas inespecíficos transitórios (síndrome retroviral aguda).
A síndrome retroviral aguda começa, em geral, em 1 a 4 semanas de infecção e dura 3 a 14 dias. Os sinais e sintomas muitas vezes são confundidos com mononucleose infecciosa ou síndromes virais benignas inespecíficas e podem apresentar febre, mal-estar, fadiga, vários tipos de dermatite, faringite, artralgia, linfadenopatia generalizada e meningite séptica.
Após o desaparecimento dos primeiros sintomas, muitos pacientes, mesmo sem tratamento, não apresentam sintomas, ou somente sintomas discretos, intermitentes e inespecíficos, por um período de tempo muito variável (2 a 15 anos).
Os sintomas durante esse período relativamente assintomático refletem tanto efeitos diretos do HIV quanto infecções oportunistas. Os mais comuns são os seguintes:
Citopenias assintomáticas, leves a moderadas (p. ex., leucopenia, anemia, trombocitopenia), também são comuns. Alguns pacientes apresentam consumpção progressiva (que pode estar relacionada com anorexia e aumento do catabolismo decorrente das infecções) e febre baixa ou diarreia.
Piora da infecção pelo HIV
Quando a contagem de CD4 cai para < 200/mcL, os sintomas inespecíficos podem se agravar e uma sucessão de doenças definidoras da aids se desenvolvem (ver Doenças definidoras da aids).
Em pacientes com infecção pelo HIV certas síndromes são comuns e podem requerer diferentes considerações (ver tabela Manifestações comuns da infecção pelo HIV em sistemas de órgãos). Alguns pacientes apresentam neoplasias (p. ex., sarcoma de Kaposi, linfomas de células B) que ocorrem com mais frequência, são excepcionalmente graves ou têm características únicas em pacientes com infecção pelo HIV (ver Cânceres comuns em pacientes infectados pelo HIV). Em outros, podem ocorrer disfunções neurológicas.
Avaliação pode detectar infecções que normalmente não ocorrem na população em geral, como
-
Infecção por Cryptococcus neoformans
-
Outras infecções fúngicas
Infecções que também ocorrem na população em geral, mas que sugerem aids se sua gravidade for incomum ou têm recorrência frequente, são
Manifestações comuns da infecção por HIV em sistemas orgânicos
Síndrome |
Causa |
Avaliação diagnóstica |
Tratamento |
Sintomas/comentários/comentários |
Cardíaco |
||||
Lesão direta viral nos miócitos cardíacos |
Ecocardiografia |
Antirretrovirais |
Sintomas de insuficiência cardíaca |
|
GI |
||||
Candidíase, CMV ou herpes-vírus simples |
Esofagoscopia com biópsia de úlcera |
Tratamento da causa |
Disfagia, anorexia |
|
Gastrenterite ou colite |
Salmonella intestinal, MAC,Cryptosporidium, (criptosporidiose), Cyclospora (ciclosporíase), CMV,microsporídiosCystoisospora (Isospora) belli, (cistoisosporíase) ou Clostridium difficile |
Culturas e coloração de fezes ou biópsia, mas a determinação da causa pode ser difícil |
Para todos, tratamento de suporte para os sintomas, tratamento da causa e início imediato de antirretrovirais, como a seguir: |
Diarreia, perda ponderal, cólica abdominal |
Colecistite ou colangite |
CMV, Cryptosporidium, Cyclospora ou microsporídios |
Ultrassonografia ou endoscopia |
Antirretrovirais para Cryptosporidium, Cyclospora e microsporídios |
Pode causar dor ou obstrução |
Vírus do herpes simples Verrugas genitais ou câncer anal induzido pelo HPV
|
Exame Coloração de Gram e cultura Biópsia |
Tratamento da causa |
Alta incidência em homens homossexuais infectados pelo HPV por meio de relações sexuais anais receptivas |
|
Lesão hepatocelular por hepatites virais, infecções oportunistas ou toxicidade do fármaco antiviral |
TB, MAC, CMV, ou peliose (bartonelose) Hepatite B crônica ou hepatite C crônica, que podem piorar pelo HIV |
Necessário diferenciar da hepatite em razão do uso de fármacos antirretrovirais ou outros fármacos Algumas vezes, a biópsia hepática é necessária |
Tratamento da causa |
Sintomas de hepatite (p. ex., anorexia, náuseas, vômitos, icterícia) |
Ginecológica |
||||
Candidíase vaginal |
Candida |
Podem ser mais graves e recorrentes |
||
Doença inflamatória pélvica |
Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis ou outros patógenos usuais |
Podem ser mais graves, não típicos e de difícil tratamento |
||
Hematológico |
||||
Anemia |
Multifatorial: supressão de medula induzida pelo HIV Destruição periférica imunomediada Anemia decorrente de doença crônica Infecções, em particular parvovírus humano B-19 e MAC ou histoplasmose disseminados Cânceres |
Para infecção por parvovírus B19, exame de medula óssea (para verificar a presença de eritroblastos multinucleados) ou PCR sérico ou da médula óssea |
Tratamento da causa Transfusão, conforme necessário Eritropoetina para anemia por causa de fármacos antineoplásicos ou zidovudina se for grave o suficiente para justificar transfusão e se o nível de eritropoetina for < 500 mU/l IGIV para parvovírus |
Parvovírus pode produzir anemia aguda grave |
Trombocitopenia imunitária, toxicidade por fármacos, supressão de medula óssea induzida pelo HIV destruição periférica imunomediada, infecções ou câncer |
Hemograma, sangramento, TTP, amostra de sangue periférico, biópsia de medula óssea, ou fator de von Willebrand |
Antirretrovirais IGIV em caso de sangramento ou no pré-operatório Possivelmente IgG anti-Rho (D), vincristina, danazol, ou interferona Esplenectomia, quando grave e intratável |
Frequentemente assintomática e pode ocorrer em outras infecções assintomáticas pelo HIV |
|
Supressão de medula induzida pelo HIV destruição periférica imunomediada, infecções, câncer, toxicidade por fármacos |
Para neutropenia grave (< 500/mcL) acompanhada por febre, utilizar imediatamente antibióticos de amplo espectro Se fármaco-induzida, empregar granulócitos ou fatores estimulantes de colônia de granulócitos-macrófagos |
— |
||
Neurológico |
||||
Comprometimento cognitivo leve a grave com ou sem deficit motor |
Lesão cerebral direta pelo vírus |
HIV RNA no líquor TC ou RM para verificar atrofia cerebral (não é específica) |
Fármacos antirretrovirais podem reverter a lesão e melhorar a função, embora níveis baixos da disfunção cognitiva costumem persistir, mesmo em pacientes tratados |
A evolução para demência é incomum nos pacientes tratados |
Paralisia ascendente |
Síndrome de Guillain-Barré ou polirradiculopatia por CMV |
RM da medula espinal Exame de líquor |
Tratamento de polirradiculopatia por CMV Cuidado de suporte para síndrome de Guillain-Barré |
Pleocitose neutrofílica em pacientes com polirradiculopatia por CMV, possivelmente simulando meningite bacteriana |
Encefalite focal aguda ou subaguda |
Toxoplasma gondii (toxoplasmose) |
TC ou RM para verificar lesões com realce em anel, especialmente as próximas ao gânglio basal Teste de anticorpos do líquor (sensível, mas não específico) Testes de PCR para DNA de T. gondii no líquor Biópsia cerebral (raramente indicada) |
Pirimetamina, ácido folínico, sulfadiazina e possivelmente SMX-TMP (clindamicina, caso haja alergia à sulfa — Toxoplasmose : Tratamento de pacientes com aids ou outras doenças com comprometimento imunitário.) Frequentemente, terapia de manutenção por toda a vida |
Profilaxia primária com clindamicina e pirimetamina ou SMX-TMP (como para pneumonia por Pneumocystis ) indicada para pacientes com contagem de CD4 < 100/mcL e toxoplasmose prévia ou anticorpos positivos; pode ser interrompida se as contagens de CD4 diminuírem para > 200/mcL por ≥ 3 meses em resposta à terapia antirretroviral |
Encefalite subaguda |
Menos frequentemente, herpes-vírus simples ou vírus da varicela zóster |
PCR no líquor Resposta ao tratamento |
Fármacos antivirais |
CMV com frequência apresenta-se acompanhado por delirium, paralisia de par craniano, mioclonia, convulsões e consciência progressivamente comprometida Em geral, responde rapidamente ao tratamento |
Mielite ou polirradiculopatia |
CMV |
RM da medula espinal PCR no líquor |
Fármacos antivirais |
Simula a síndrome de Guillain-Barré |
Encefalite progressiva de substância branca somente |
Leucoencefalopatia multifocal progressiva por causa da reativação da infecção pelo vírus JC latente HIV |
RM do cérebro Exame de líquor |
Antirretrovirais para reverter a imunodeficiência (nenhum fármaco é eficaz para o vírus JC) |
Em geral, fatal em poucos meses Pode responder aos antirretrovirais |
Coccidioidomicose, Cryptococcus (criptococcose), Histoplasma (histoplasmose) ou Mycobacterium tuberculosis |
TC ou RM Colorações do líquor, testes de antígeno e cultura |
Tratamento da causa |
Melhores resultados com tratamento precoce |
|
Efeitos diretos do HIV ou do CMV, toxicidade do fármaco antiviral |
História Avaliação sensorial e motora |
Tratamento do agente causal ou suspensão do fármaco tóxico |
Muito comum Não é rapidamente reversível |
|
Oftalmológica |
||||
Retinite |
Retinoscopia direta |
Fármacos anti-CMV específicos |
Requer exame por especialista |
|
Oral |
||||
Candidíase oral |
Imunossupressão pelo HIV |
Exame |
Antifúngicos sistêmicos |
Pode ser indolor nas fases iniciais |
Úlceras intraorais |
Herpes-vírus simples ou estomatite aftosa |
Para úlceras aftosas, corticoides intralesionais ou sistêmicos e montelucaste e talidomida sistêmicos Para herpes, aciclovir |
Pode ser grave e resultar em desnutrição |
|
Flora bacteriana oral mista |
Exame |
Melhora da higiene e da nutrição Antibióticos |
Pode ser grave, com sangramento, edema e perda de dentes |
|
Massa intraoral indolor |
Sarcoma de Kaposi, linfoma ou tumores induzidos pelo HPV |
Biópsia |
Tratamento da neoplasia |
— |
Placas filiformes brancas e indolores na borda da língua (leucoplaquia pilosa oral) |
Exame |
Aciclovir |
Em geral, assintomático |
|
Pulmonar |
||||
Pneumonia subaguda (ocasionalmente aguda) |
Micobacteria, fungos como P. jirovecii, C. neoformans, H. capsulatum, Coccidioides immitis ou Aspergillus |
Oximetria de pulso Radiografia de tórax Testes cutâneos (podem ser falso-negativos em razão da anergia) Broncoscopia com colorações especiais e culturas das amostras do lavado broncoalveolar algumas vezes é necessária |
Tratamento da causa |
Possivelmente tosse, taquipneia e desconforto torácico na apresentação Hipóxia leve ou gradiente de oxigênio alvéolo-arterial aumentado pode ocorrer antes de evidência da pneumonia na radiografia |
Pneumonia aguda (ocasionalmente subaguda) |
Patógenos típicos, ou Haemophilus, Pseudomonas, Nocardia, ou Rhodococcus |
Em pacientes sabidamente com HIV ou com suspeita e pneumonia, patógenos oportunistas ou não habituais são excluídos |
Tratamento da causa |
Possivelmente tosse, taquipneia e desconforto torácico na apresentação |
Traqueobronquite |
Candida ou herpes-vírus simples |
— |
Tratamento da causa |
Possivelmente tosse, taquipneia e desconforto torácico na apresentação |
Pneumonia subaguda ou crônica ou adenopatia mediastinal |
Sarcoma de Kaposi ou linfoma de células B |
TC do tórax Broncoscopia |
Tratamento da causa |
Possivelmente tosse, taquipneia e desconforto torácico na apresentação |
Renal |
||||
Síndrome nefrótica ou insuficiência renal |
Lesão viral direta, resultando em glomeruloesclerose focal |
Biópsia renal |
Fármacos antirretrovirais ou inibidores da ECA possivelmente úteis |
Incidência aumentada em afro-americanos e pacientes com contagem diminuída de CD4 |
Disfunção tubular (glicosúria, proteinúria) |
Alguns fármacos antivirais |
Testes de urina e/ou sangue |
Redução da dose ou suspensão do antiviral |
— |
Pele |
||||
Vírus da varicela-zóster |
Aciclovir ou fármacos relacionados |
Comum Possível pródromo com dor ou formigamento leve a intenso antes das lesões de pele |
||
Úlceras por herpes simples |
Em geral, avaliação clínica |
Fármacos antivirais, se as lesões forem graves, extensas, persistentes, ou disseminadas |
Lesões atípicas de herpes simples que sejam extensas, graves, ou persistentes |
|
Sarcoptes scabiei |
Avaliação clínica e raspados |
Pode produzir lesões hiperceratóticas graves |
||
Nódulos ou pápulas violáceos ou vermelhos |
Sarcoma de Kaposi ou bartonelose |
Biópsia |
Antirretrovirais e tratamento da causa |
— |
Lesões cutâneas centralmente umbilicadas |
Criptococose ou molusco contagioso |
Podem ser os sinais de apresentação de criptococcemia |
||
Sistêmico |
||||
Sepse e choque séptico devido a infecções hospitalares por bacilos Gram-negativos e infecções estafilocócicas, infecções oportunistas disseminadas |
Bacilos Gram-negativos, Staphylococcus aureus, Candida, Salmonella, M. tuberculosis, MAC ou H. capsulatum |
Hemoculturas Exame da medula óssea |
Tratamento da causa |
— |
Síndrome consumptiva (perda ponderal substancial) |
Multifatorial, incluindo aids, infecções oportunistas relacionadas com a aids, neoplasias relacionadas com a aids e/ou hipogonadismo induzido pela aids |
Definida como perda ponderal de > 10% do peso corporal |
Antirretrovirais (o principal tratamento para essa síndrome) Tratamento das infecções subjacentes; tratamento do hipogonadismo induzido pela aids quando indicado Medidas para melhorar o apetite e a ingestão calórica |
— |
CMV = citomegalovírus; HPV = papilomavírus humano; IgIV = imunoglobulina IV; MAC = complexo Mycobacterium avium; SMX-TMP = sulfametoxazol-trimetoprima. |
Diagnóstico
Suspeita-se de infecção pelo HIV em pacientes com adenopatia generalizada, persistente e inexplicada ou com qualquer das doenças definidoras da aids (ver Doenças definidoras da aids). Também se pode suspeitar do vírus em pacientes de alto risco com sintomas que poderiam representar infecção primária aguda.
Exames diagnósticos
A detecção de anticorpos contra o HIV é sensível e específica, exceto durante as primeiras semanas após a infecção. Atualmente, recomenda-se imunoensaio de combinação de 4ª geração que detecta anticorpos tanto ao HIV-1 como ao HIV-2, assim como o antígeno p24 do HIV (a p24 é uma proteína estrutural do vírus). A versão laboratorial é provavelmente preferível àquela no ponto de cuidados para diagnosticar infecção precoce, mas ambas podem ser feitas rapidamente (em 30 minutos). Se o resultado do teste é positivo, fazem-se ensaio para diferenciar HIV-1 e HIV-2 e teste de RNA do HIV.
Ensaios para anticorpos de geração mais precoce por ELISA são altamente sensíveis, mas, como não testam o antígeno, não são positivos tão cedo quanto o teste de combinação de 4ª geração. Além disso, os resultados raramente são falso-positivos. Testes ELISA-positivos são, portanto, confirmados com um teste mais específico, como o Western blot. Porém, esses testes têm inconvenientes:
Novos testes nos locais de atendimento utilizando sangue ou saliva (p. ex., aglutinação de partículas, imunoconcentração, imunocromatografia) podem ser realizados rapidamente (em 15 minutos) e de forma simples, permitindo o teste em várias situações e a notificação imediata aos pacientes. Resultados positivos desses testes rápidos devem ser confirmados por exames de sangue convencionais (p. ex., ELISA com ou sem Western blot) em países desenvolvidos e repetição com um ou mais outros testes rápidos nos países em desenvolvimento. Testes negativos não precisam ser confirmados.
Caso se suspeite de infecção pelo HIV apesar de testes negativos para anticorpos (p. ex., durante as primeiras semanas após a infecção), o nível plasmático do RNA do HIV pode ser medido. Os métodos de amplificação de ácido nucleico utilizados são altamente sensíveis e específicos. Ensaios par RNA do HIV requerem tecnologia avançada, como transcriptase reversa de PCR (RT-PCR), que é sensível para níveis extremamente baixos de RNA do HIV. Dosar antígenos p24 do HIV por ELISA é menos sensível e específico do que detectar diretamente o RNA do HIV no sangue.
Monitoramento
Quando o HIV é diagnosticado, deve-se determinar:
Ambos são úteis para determinar o prognóstico e monitorar o tratamento.
A contagem de CD4 é calculada como produto de:
Utilizando os números acima, a contagem de células CD4 (4.000 x 0,3 x 0,2) é 240 células/mL, ou cerca de 1/3 da contagem de CD4 normal em adultos, que é cerca de 750 ± 250/mcL.
O nível plasmático de RNA de HIV (carga viral) reflete taxas de replicação do HIV. Níveis mais elevados de ponto crítico (níveis relativamente estáveis que ocorrem após a infecção primária) predizem o risco aumentado de declínio da contagem de CD4+ e de infecção oportunista, mesmo em pacientes assintomáticos.
Pode-se determinar o genótipo inicial do HIV usando uma amostra de sangue; a disponibilidade desse teste varia em cada região. Usa-se genotipagem do HIV para identificar mutações conhecidas por causarem resistência a certos antirretrovirais e para ajudar a selecionar um esquema farmacológico que pode ser eficaz para um paciente específico com infecção pelo HIV.
Estadiamento
A infecção por HIV pode ser estagiada com base na contagem de CD4. Em pacientes ≥ 6 anos de idade, os estágios são:
A contagem de CD4 após 1 a 2 anos de tratamento oferece indicação da recuperação imunitária final; a contagem de CD4 pode não voltar ao intervalo normal apesar da supressão prolongada do HIV.
Doenças relacionadas com o HIV
O diagnóstico de várias infecções oportunistas, tumores e outras síndromes que ocorrem em pacientes infectados pelo HIV é discutido em outra parte deste Manual. Muitos possuem aspectos únicos à infecção por HIV.
Anormalidades hematológicas (p. ex., citopenias, linfomas, cânceres) são comuns e aspiração e biópsia podem ser úteis para avaliar algumas síndromes. Igualmente, podem auxiliar no diagnóstico de infecções disseminadas provocadas por MAC, M. tuberculosis, Cryptococcus, Histoplasma, parvovírus humano B19, P. jirovecii e Leishmania. A maioria dos pacientes apresenta medula normocelular ou hipercelular, apesar da citopenia periférica, refletindo destruição periférica. Em geral, as reservas de ferro permanecem normais ou aumentadas, refletindo anemia de doença crônica (um defeito na reutilização de ferro). Plasmocitose leve à moderada, agregados linfoides, aumento no número de histiócitos e alterações displásicas nas células hematopoiéticas são comuns.
A diferenciação das síndromes neurológicas associadas ao HIV se faz por punção lombar com análise do líquor e TC ou RM contrastada (ver tabela Manifestações comuns da infecção pelo HIV de acordo com o sistema de órgãos).
Triagem de HIV
Deve-se oferecer testes de triagem para anticorpos ou a combinação mais recente de testes de antígeno/anticorpos rotineiramente para adultos e adolescentes, sobretudo gestantes, independentemente de seus riscos percebidos. Para indivíduos em maior risco, em especial aqueles sexualmente ativos, com múltiplos parceiros, que não praticam sexo seguro, o teste deve ser repetido cada 6 a 12 meses. Esse teste é confidencial e disponibilizado, geralmente gratuitamente, em muitas instituições públicas e privadas ao redor do mundo.
Prognóstico
Risco de aids, morte, ou ambos, é prognosticado por
Para cada aumento de 3 vezes (0,5 log10) na carga viral, a mortalidade nos próximos 2 a 3 anos aumenta cerca de 50%. Morbidade e mortalidade associadas ao HIV variam pela contagem de CD4, com a maioria dos óbitos relacionada com os casos de HIV ocorrendo nas contagens < 50/mcL. Porém, com tratamento efetivo, os níveis de RNA de HIV caem a níveis indetectáveis, a contagem de CD4 muitas vezes aumenta dramaticamente e o risco de morte e doença cai, mas permanece mais alta do que para pessoas na mesma faixa etária não infectadas pelo HIV.
Outro fator prognóstico menos bem compreendido é o nível de ativação imunitária como determinado pela avaliação da expressão dos marcadores da ativação em linfócitos CD4 e CD8. A ativação, que pode ser causada pelo extravasamento de bactérias ao longo da mucosa do cólon danificada pelo HIV é um forte indicador prognóstico, mas não é usada clinicamente porque esse teste não está amplamente disponível e a terapia antirretroviral muda o prognóstico, tornando o teste menos importante.
Um subgrupo de pessoas infectadas pelo HIV (denominado não progressores a longo prazo) permanece assintomático com contagem de CD4 alta e baixos níveis de HIV no sangue sem tratamento antirretroviral. Normalmente, essas pessoas apresentam vigorosas respostas humoral e celular às cepas infectantes de HIV de acordo com ensaios in vitro. A especificidade dessa resposta eficaz é demonstrada pelo seguinte: quando essas pessoas adquirem uma infecção secundária por uma segunda cepa do HIV à qual sua resposta imunitária não é tão eficaz, elas se convertem a um padrão mais típico de progressão. Assim, sua resposta extraordinariamente eficaz à primeira cepa não se aplica à segunda cepa. Esses casos fornecem fundamentos teóricos para o aconselhamento de pessoas infectadas pelo HIV de que elas ainda devem evitar o máximo possível a exposição à infecção secundária pelo HIV através de sexo sem proteção ou compartilhamento de seringas.
Considera-se que a cura da infecção pelo HIV não é possível e, portanto, o tratamento medicamentoso por toda a vida é necessário. Deve-se orientar os pacientes vivendo com infecção pelo HIV a tomar regularmente os seus antirretrovirais. Um caso de possível cura foi amplamente documentado em um lactente no qual replicação competente do HIV foi transitoriamente erradicada após cerca de 15 meses da terapia antirretroviral. No entanto, a replicação do HIV retornou subsequentemente. Em uma grande ensaio clínico internacional, o risco de infecção oportunista ou morte por qualquer causa, particularmente decorrente de doença coronariana prematura, eventos cerebrovasculares ou doenças hepáticas e renais, foi significativamente maior quando a terapia antirretroviral era tomada episodicamente (orientada pela contagem de CD4) do que quando tomada continuamente (1).
Referência sobre prognóstico
-
1. Strategies for Management of Antiretroviral Therapy (SMART) Study Group, El-Sadr WM, Lundgren J, et al: CD4+ count-guided interruption of antiretroviral treatment. N Engl J Med 30;355 (22):2283–96, 2006.
Tratamento
-
Combinações de antirretrovirais [terapia antirretroviral (TARV), às vezes chamada TARV altamente ativa (HAART) ou TARV combinada (TARVc)]
-
Quimioprofilaxia para infecções oportunistas em pacientes de alto risco
Como as complicações relacionadas com a doença podem ocorrer em pacientes não tratados com contagens de CD4 elevadas e como antirretrovirais menos tóxicos foram desenvolvidos, o TARV é agora recomendado para quase todos os pacientes. Os benefícios da TARV superam os riscos em todos os grupos de pacientes e cenários que foram cuidadosamente estudados. No estudo Strategic Timing of AntiRetroviral Treatment (STARVT), 5.472 pacientes que não receberam tratamento para infecção pelo HIV e contagens de CD4 > 350 células/mcL foram randomizados para começar a TARV imediatamente (início imediato) ou adiar a TARV até que sua contagem de CD4 diminuísse para < 250 células/mcL (início adiado). O risco de eventos relacionados com aids (p. ex., TB, sarcoma de Kaposi, linfomas malignos) e eventos não relacionados com aids (p. ex., câncer não associado à aids e doença cardiovascular) foi menor no grupo de início imediato (1).
Alguns excepcionais pacientes podem controlar a infecção pelo HIV sem tratamento; eles mantêm contagens normais de CD4 e níveis sanguíneos do HIV muito baixos (aqueles sem progressão da doença a longo prazo) ou contagem normal de CD4 e níveis sanguíneos indetectáveis do HIV (controladores de elite) Esses pacientes podem não exigir TARV, mas estudos para determinar se tratá-los é útil não foram feitos e seriam difíceis porque há poucos desses pacientes e eles provavelmente continuam bem sem tomar TARV por longos períodos.
Terapia antirretroviral: princípios gerais
O objetivo da TARV é
Baixa resposta da contagem de CD4 é mais provável se a contagem de CD4 no início do tratamento for baixa (especialmente se < 50/mcL) e/ou o nível de RNA do HIV for alto. Contudo, melhora acentuada é provável mesmo em pessoas com imunossupressão avançada. Um aumento na contagem de CD4 se correlaciona a uma diminuição acentuada no risco de infecções oportunistas, outras complicações e morte. Com a restauração imunitária, mesmo as complicações para as quais não existe tratamento (p. ex., disfunção cognitiva induzida pelo HIV) ou que foram consideradas previamente intratáveis (p. ex., leucoencefalopatia multifocal progressiva) podem melhorar. Cânceres (p. ex., linfoma e sarcoma de Kaposi) e a maioria das infecções oportunistas também evoluem melhor.
TARV geralmente pode alcançar seus objetivos se os pacientes tomarem os fármacos > 95% das vezes. Contudo, manter esse grau de adesão é difícil. A supressão parcial (falha em diminuir os níveis séricos para níveis indetectáveis) pode selecionar mutações acumuladas do HIV únicas ou múltiplas que tornam os vírus completa ou parcialmente resistentes a um único fármaco ou toda uma classe de fármacos. A menos que o tratamento subsequente utilize fármacos de outras classes às quais o HIV continue sensível, é mais provável que o tratamento falhe.
Pacientes com infecções oportunistas mais agudas se beneficiam do TARV precoce (iniciado durante o tratamento da infecção oportunista). Mas para algumas infecções oportunistas, como meningite tuberculosa ou meningite criptocócica, evidências sugerem que o TARV deve ser adiado até que a primeira fase da terapia antimicrobiana para estas infecções esteja concluída.
O sucesso do TARV é avaliado pela medida dos níveis plasmáticos virais de RNA de HIV a cada 8 a 12 semanas nos primeiros 4 a 6 meses ou até o nível de RNA de HIV tornar-se indetectável e a cada 3 a 6 meses a partir de então. Níveis elevados de HIV são as primeiras evidências de falha terapêutica e podem preceder em meses uma queda da contagem de CD4+. Manter os pacientes com esquemas medicamentosos falhos faz com mutantes do HIV sejam selecionados e que sejam mais resistentes aos fármacos. Mas em comparação ao HIV do tipo selvagem, esses mutantes parecem ser menos capazes de reduzir a contagem de CD4, e os esquemas terapêuticos falhos costumam ser mantidos quando nenhum esquema totalmente supressor pode ser encontrado.
Se o tratamento falhar, métodos para medir a sensibilidade ao fármaco (resistência) determinam a sensibilidade da cepa dominante de HIV a todos os fármacos disponíveis. Os testes genotípicos e fenotípicos estão disponíveis e podem ajudar os médicos a selecionar um novo esquema que deve conter pelo menos 2 e, de preferência, 3 antirretrovirais aos quais a cepa do HIV é menos suscetível. A cepa dominante do HIV no sangue dos pacientes retirados da terapia antirretroviral pode reverter ao tipo selvagem (suscetível) depois de meses a anos, porque os mutantes resistentes se replicam mais lentamente e são substituídos pelo tipo selvagem. Assim, se os pacientes não foram tratados recentemente, a extensão total da resistência pode não estar aparente por meio do teste de resistência, mas quando o tratamento termina, as cepas com mutações resistentes muitas vezes ressurgem da latência e novamente substituem a cepa do HIV do tipo selvagem.
Muitos pacientes que vivem com infecção pelo HIV tomam esquemas complexos envolvendo vários fármacos para controlar o nível de RNA do HIV (carga viral), mas, muitas vezes, nenhum teste convencional de resistência ao RNA do HIV foi feito quando o tratamento viral falhava. Com a disponibilidade de novos fármacos coformulados para o HIV muitos pacientes poderiam se beneficiar da simplificação do seu regime de TARV, orientados por testes de genótipo no arquivo de DNA do HIV (GenoSure Archive). O arquivo do genótipo de DNA do HIV fornece dados sobre a resistência do HIV-1 a antirretrovirais quando testes convencionais de resistência ao RNA do HIV não podem ser feitos porque os pacientes têm baixo nível plasmático de RNA do HIV (< 500 cópias/mL). O teste do genótipo de arquivo de DNA do HIV analisa o DNA pró-viral do HIV-1 arquivado integrado e não integrado nas células do hospedeiro. O teste amplifica o DNA do HIV-1 associado a células a partir de células infectadas em amostras de sangue total, então usa uma tecnologia de sequenciamento de última geração para analisar a região da polimerase do HIV-1. O valor preditivo positivo dos resultados de testes de resistência no arquivo de DNA do HIV pode permitir que os médicos identifiquem mutações resistentes ao HIV antes não identificadas e selecionem um esquema potencialmente mais simples com fármacos coformulados (≥ 2 fármacos em um único comprimido).
Síndrome inflamatória de reconstituição imunitária (IRIS)
Algumas vezes, pacientes que iniciam a TARV experimentam deterioração clínica, embora os níveis de HIV no sangue estejam suprimidos e a contagem de CD4 aumente, como uma reação imunitária às infecções oportunistas subclínicas ou a antígenos microbianos residuais após o tratamento eficaz de infecções oportunistas. A IRIS geralmente ocorre nos primeiros meses do tratamento, mas algumas vezes é tardia. A IRIS pode complicar praticamente quaisquer infecções oportunistas e mesmo tumores (p. ex., sarcoma de Kaposi), mas costuma ser autolimitada ou responde a breves esquemas de corticoides.
A IRIS se apresenta de duas formas:
IRIS paradoxal geralmente ocorre nos primeiros meses do tratamento e costuma desaparecer espontaneamente. Se não desaparecer, corticosteroides, administrados por curto período de tempo, geralmente são eficazes. É mais provável que a IRIS paradoxal cause sintomas e é mais provável que os sintomas sejam graves quando começa-se a TARV logo após o início do tratamento de uma infecção oportunista. Assim, para algumas infecções oportunistas, adia-se a TARV até que o tratamento da infecção oportunista reduza ou elimine a infecção.
Em pacientes com IRIS não mascarada, trata-se a infecção oportunista recém-identificada com antimicrobianos. Às vezes quando os sintomas são graves, também usam-se corticosteroides. Normalmente, quando IRIS não mascarada ocorre, a TARV é mantida. Uma exceção é a meningite criptocócica. Então a TARV é temporariamente interrompida até a infecção ser controlada.
Pode ser difícil determinar se a deterioração clínica é causada por falha no tratamento, IRIS ou ambas, sendo necessária a avaliação da persistência de infecções ativas por meio de culturas.
Interrupção da terapia antirretroviral
A interrupção da TARV costuma ser segura se todos os fármacos forem interrompidos simultaneamente, mas os níveis dos fármacos metabolizados lentamente (p. ex., a nevirapina) podem permanecer elevados e, assim, aumentar o risco de resistência. A interrupção pode ser necessária para o tratamento de doenças concomitantes ou se a toxicidade do fármaco for intolerável ou precisar ser avaliada. Após a interrupção, determinar quais fármacos são responsáveis pela toxicidade, reintroduzindo-as como monoterapia, por poucos dias, é um procedimento seguro, na maioria das vezes. Nota: a exceção mais importante é o abacavir; pacientes que apresentaram febre ou exantema durante exposição prévia ao abacavir podem desenvolver reações de hipersensibilidade intensa potencialmente fatal com a reexposição. O risco de uma reação adversa ao abacavir é 100 vezes mais alto em pacientes com HLA-B*57: 01, que pode ser detectado por um exame genético.
Tratamento no final da vida
Embora a expectativa de vida para pessoas com aids tenha aumentado de forma dramática em razão da terapia antirretroviral, muitos pacientes sofrem agravamento e morrem. A morte pode ser decorrente de:
-
Incapacidade de tomar a TARV de forma sistemática, resultando em imunossupressão progressiva
-
Ocorrência de infecções oportunistas e neoplasias incuráveis
-
Insuficiência hepática decorrente de hepatite B ou C
-
Envelhecimento acelerado e transtornos relacionados com a idade
-
Os tipos de câncer não relacionados com a aids que ocorrem em uma taxa mais alta em pacientes com infecção pelo HIV bem controlada
A morte raramente é súbita; dessa forma, os indivíduos dispõem de tempo para fazerem planos. Todavia, esses planos devem ser registrados precocemente, com instruções claras sobre o tratamento no final da vida. Outros documentos legais, incluindo procurações e testamentos, devem ser providenciados. Esses documentos são particularmente importantes para pacientes homossexuais para proteção do espólio e dos direitos (incluindo visitas e tomadas de decisão) dos parceiros.
À medida que os pacientes se aproximam do final da vida, os médicos devem prescrever fármacos para aliviar dores, anorexia, agitação e outros sintomas desconfortáveis. A grande perda ponderal de muitas pessoas nos últimos estágios da aids torna fundamental o cuidado com a pele. O suporte abrangente dos programas de casas de apoio é uma excelente opção para muitos pacientes que enfrentam a morte em razão da AIDS, uma vez que os provedores de apoio geralmente referendam decisões individuais e fornecem cuidados para pessoas que queiram e estejam em condições de recebê-los, geralmente no domicílio do paciente.
Referência sobre o tratamento
-
1. INSIGHT START Study Group, Lundgren JD, Babiker AG, et al: Initiation of antiretroviral therapy in early asymptomatic HIV infection. N Engl J Med 373 (9):795–807, 2015. doi: 10.1056/NEJMoa1506816.
Prevenção
As vacinas contra HIV são difíceis de serem desenvolvidas por causa da extrema mutabilidade das proteínas de superfície do HIV que resultam em grande diversidade de tipos antigênicos. Mas há várias vacinas experimentais sendo estudadas e algumas mostraram ser promissoras em ensaios clínicos. No momento, não há uma vacina eficaz contra a aids.
Prevenção da transmissão
Os microbicidas vaginais (incluindo antirretrovirais) inseridos antes do contato sexual, até agora, provaram-se ineficazes e alguns parecem aumentar o risco de as mulheres, talvez por comprometerem as barreiras naturais ao HIV.
As medidas eficazes incluem:
-
Educação pública: A orientação é eficaz e parece ter diminuído as taxas de infecção em alguns países, em especial na Tailândia e na Uganda. Evitar práticas sexuais inseguras é a medida mais relevante, uma vez que o contato sexual é responsável pela maioria dos casos (ver tabela Risco de transmissão do HIV por várias atividades sexuais).
-
Práticas sexuais seguras: práticas sexuais seguras entre um paciente infectado pelo HIV cuja infecção não foi viralmente suprimida e os parceiros que não estão infectados pelo HIV são essenciais para impedir a propagação da infecção. A menos que se saiba que o parceiro infectado pelo HIV tem uma infecção viralmente suprimida (i. e., carga viral indetectável) e o relacionamento permanece monogâmico, práticas sexuais seguras são essenciais. As pessoas com supressão viral que portam HIV não transmitem o vírus sexualmente aos seus parceiros (vírus indetectável é igual a vírus intransmissível) (1). Práticas de sexo seguro também são aconselháveis para parceiros HIV-positivos e não viralmente suprimidos; sexo sem proteção entre pessoas infectadas pelo HIV que são viralmente não suprimidas pode expor o indivíduo a cepas do HIV resistentes ou mais virulentas e a outras viroses (p. ex., citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, herpes-vírus simples, hepatite B) que causam doença grave em pacientes com aids, bem como à sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Preservativos oferecem a melhor proteção. Lubrificantes à base de óleo não devem ser usados porque podem dissolver o látex, aumentando o risco de falha do preservativo. (Ver também the CDC's information on HIV Transmission.)
-
Conscientização de usuários de drogas parenterais: conscientização quanto ao risco de compartilhar agulhas é importante, mas é mais eficiente quando aliada ao fornecimento de agulhas estéreis e ao tratamento da dependência de drogas e à reabilitação.
-
Testes confidenciais de infecção pelo HIV: testes devem ser oferecidos, de rotina, a adultos e adolescentes em praticamente todos os pontos de atendimento de saúde. Para facilitar os testes de rotina, alguns estados americanos não exigem mais consentimento por escrito ou aconselhamento extensivo pré-teste.
-
Aconselhamento para gestantes:transmissão materno-infantil foi praticamente eliminada por meio de testes de HIV, tratamento com TARV e, nos países desenvolvidos, o uso de substitutos ao leite materno. Se o teste para HIV em gestantes for positivo, o risco da transmissão materno-fetal deve ser explicado. Gestantes que não aceitam o tratamento imediato contra a infecção pelo HIV devem ser encorajadas a aceitar a terapia para proteger o feto, aproximadamente a partir da 14ª semana de gestação. A terapia de combinação é normalmente utilizada porque é mais eficaz do que a monoterapia e menos provável que resulte em resistência farmacológica. Alguns antirretrovirais podem ser tóxicos ao feto ou à mãe e devem ser evitados. Se as mulheres atendem os critérios para a TARV, elas devem iniciar uma terapia sob medida para sua história e estágio de gestação e continuar durante toda a gestação. Parto cesariano também pode reduzir o risco de transmissão. Independentemente do esquema pré-parto usado ou do tipo de parto, todas as mulheres infectadas por HIV devem receber zidovudina IV durante o trabalho de parto e após o nascimento; os recém-nascidos devem receber zidovudina oral, que é mantida durante 6 semanas após o parto (ver também Prevenção da transmissão perinatal). Algumas mulheres escolhem interromper a gestação porque o HIV pode ser transmitido no útero ao feto ou por outras razões.
-
Triagem do sangue e órgãos: a transmissão por transfusão de sangue ainda é remotamente possível nos Estados Unidos, porque testes para anticorpos podem ser falso-negativos no período inicial da infecção. Atualmente, a triagem do sangue para ambos, anticorpo e antígeno p24, é obrigatória nos Estados Unidos e é possível que diminua ainda mais o risco de transmissão. Para reduzi-lo ainda mais, pede-se que pessoas com fatores de risco de infecção pelo HIV e mesmo aquelas com anti-HIV negativo em exames recentes não doem sangue ou órgãos para transplante. A FDA emitiu o esboço de uma orientação para o diferimento da doação de sangue, incluindo o adiamento por 12 meses após o contato sexual mais recente para homens que fizeram sexo com outro homem e para mulheres que tiveram relações sexuais com um homem que fez sexo com outro homem (ver Revised Recommendations for Reducing the Risk of HIV Transmission by Blood and Blood Products). Mas o uso de testes de triagem sensíveis ao HIV e o diferimento dos dadores de órgãos, sangue e hemoderivados não foram implementados de forma sistemática nos países em desenvolvimento.
-
Profilaxia pré-exposição com antirretrovirais (PrEP): na PrEP, as pessoas que não estão infectadas pelo HIV, mas têm alto risco (p. ex., ter um parceiro sexual infectado pelo HIV) tomam um fármaco antirretroviral diariamente para reduzir o risco de infecção. A combinação de tenofovir disoproxil fumarato mais entricitabina (TDF/FTC) pode ser usada. O uso da PrEP não elimina a necessidade de utilizar outros métodos de redução do risco de infecção pelo HIV incluindo a utilização de preservativos e evitar comportamentos de alto risco (p. ex., compartilhar agulhas). Não há dados conclusivos sobre crianças de mães HIV-negativo que tomam PrEP com TDF/FTC durante a gestação, mas atualmente nenhum efeito adverso foi descrito nas crianças nascidas de mulheres infectadas pelo HIV tratadas com TDF/FTC. O uso da PrEP para reduzir o risco de infecção por HIV em usuários de drogas injetáveis está sendo estudado. Para as recomendações atuais do CDC, ver Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP).
-
A circuncisão masculina: em jovens africanos, a circuncisão mostrou reduzir o risco de contrair infecção pelo HIV de parceiros do sexo feminino durante o sexo vaginal em cerca de 50%; é provável que a circuncisão masculina seja similarmente eficaz em outros lugares. Não se sabe se a circuncisão masculina reduz a transmissão do HIV a partir de homens HIV-positivos a mulheres ou reduz o risco de contrair o HIV de um parceiro infectado.
-
Precauções universais: médicos e odontologistas devem usar luvas em situações que possam envolver contato com mucosas ou líquidos corporais de qualquer paciente e devem receber orientações de como evitar acidentes com agulhas. Pessoas que cuidam do paciente em casa devem usar luvas, caso suas mãos sejam possivelmente expostas a líquidos corporais. Superfícies ou instrumentos contaminados por sangue ou outros líquidos corporais devem ser limpos e desinfetados. Desinfetantes efetivos incluem calor, peróxido, alcoóis, fenólicos e hipoclorito (alvejante). O isolamento de pacientes infectados pelo HIV não é necessário, a menos que indicado por causa de uma infecção oportunista (p. ex., tuberculose). Não foram estabelecidas orientações para prevenir a transmissão de profissionais de saúde infectados para os pacientes.
-
Tratamento da infecção pelo HIV: o tratamento com TARV reduz o risco de transmissão
Profilaxia pós-exposição
As possíveis consequências da exposição ao HIV motivaram a elaboração de políticas e procedimentos, particularmente no tratamento preventivo, para diminuir o risco de infecção dos profissionais de saúde.
O tratamento preventivo é indicado após
Secreções fisiológicas como saliva, urina, lágrimas, secreção nasal, vômitos ou suor não são considerados potencialmente infectantes, a menos que eles sejam visivelmente sanguinolentos.
Após a exposição inicial ao sangue, a área exposta é imediatamente limpa com água e sabão nas exposições da pele e com antissépticos nas feridas. Se as mucosas forem expostas, a área deve ser enxaguada com grande quantidade de água.
Devem ser documentados:
O tipo de exposição é definido por
O risco de infecção é cerca de 0,3% (1:300) após exposição percutânea típica e cerca de 0,09% (1:1100) após a exposição da mucosa. Esses riscos variam, refletindo a quantidade de HIV transferido para a pessoa com a lesão; a quantidade de HIV transferida é alterada por vários fatores, como a carga viral da fonte e o tipo de agulha (p. ex., oca ou sólida). No entanto, esses fatores não são mais considerados nas recomendações sobre profilaxia pós-exposição (PEP).
A fonte é qualificada como sendo conhecida ou desconhecida. Se a fonte é desconhecida (p. ex., uma agulha na rua ou em um recipiente de descarte de resíduos hospitalares), o risco deve ser avaliado com base nas circunstâncias da exposição (p. ex., se a exposição ocorreu em um local onde o uso de drogas injetáveis é constante, se uma agulha descartada foi utilizada em um centro de tratamento de dependência química). Se a fonte é conhecida, mas o estado do HIV não é, avalia-se a fonte pelos fatores de risco do HIV e considera-se a profilaxia (ver tabela Recomendações para profilaxia pós-exposição).
Recomendações de profilaxia pós-exposição (PEP)
Status da infecção da fonte |
Profilaxia |
HIV-positivo (infecção pelo HIV sintomática ou assintomática, aids, soroconversão aguda ou carga viral conhecida ou desconhecida) |
PEP with ≥ 3 fármacos antirretrovirais |
Status desconhecido da fonte do HIV ou fonte desconhecida |
Geralmente, não há justificativa para PEP*; contudo, considera-se a PEP se a fonte tem fatores de risco de HIV ou é provável que o ambiente envolva exposição a pessoas infectadas pelo HIV |
HIV-negativo (baseado em testes de anticorpos ou ensaios de amplificação de ácidos nucleicos) |
Não há indicação de PEP |
*A PEP é opcional e deve ser baseada em uma decisão individualizada entre a pessoa exposta e o médico. Se a PEP for oferecida e introduzida e, caso se determine, mais tarde, que a fonte é HIV-negativa, a PEP deve ser suspensa. |
|
PEP = profilaxia pós-exposição. |
|
Adaptado da Organização Mundial da Saúde: Orientações sobre a profilaxia pós-exposição para HIV e o uso da profilaxia com cotrimoxazol para infecções relacionadas com o HIV entre adultos, adolescentes e crianças: Recomendações para uma abordagem de saúde pública—suplemento de dezembro de 2014 para as diretrizes consolidadas de 2013 sobre a utilização de fármacos antirretrovirais para tratar e prevenir infecção por HIV. |
O objetivo é iniciar a PEP assim que possível, logo após a exposição, se houver indicação de profilaxia. O CDC recomenda iniciar a PEP em 24 a 36 horas após a exposição; um intervalo mais longo após a exposição requer a orientação de um especialista.
Determina-se o uso da PEP pelo risco de infecção; diretrizes recomendam a terapia antirretroviral com ≥ 3 antirretrovirais administrados por 28 dias. Os fármacos devem ser cuidadosamente selecionados para minimizar os efeitos adversos e oferecer um esquema posológico conveniente e, assim, incentivar a conclusão da PEP. Os regimes de escolha são uma combinação de 2 INTRNs e um inibidor da integrase, que pode ser o raltegravir ou o dolutegravir. Em pacientes em idade potencialmente fértil, o raltegravir é preferido porque o dolutegravir pode ser teratogênico durante o primeiro trimestre da gestação — isso está sob investigação epidemiológica. Regimes alternativos são 2 INTRNs mais um IP. Para recomendações detalhadas, ver no site do CDC. Updated Guidelines for Antiretroviral Postexposure Prophylaxis After Sexual, Injection Drug Use, or Other Nonoccupational Exposure to HIV—United States, 2016 e dolutegravir-alert.pdf">Interim Statement Regarding Potential Fetal Harm from Exposure to Dolutegravir – Implications for HIV Post-exposure Prophylaxis (PEP).
Se a fonte do vírus for conhecidamente — ou suspeita de ser — resistente a ≥ 1 antirretroviral, um especialista em terapia antirretroviral e transmissão de HIV deve ser consultado. Porém, os médicos não devem adiar a PEP esperando a consulta a um especialista ou os testes de suscetibilidade ao fármaco. Além disso, os médicos devem providenciar a avaliação imediata e o aconselhamento pessoal e não adiar o acompanhamento do tratamento.
Prevenção de infecções oportunistas
(Ver também the United States Public Health Service and the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America’s Guidelines for Prevention and Treatment of Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents.)
Quimioprofilaxia eficaz está disponível para muitas infecções oportunistas, reduzindo taxas de doenças por P. jirovecii, Candida, Cryptococcus, e MAC. Pode-se suspender a profilaxia em pacientes que experimentam reconstituição imunitária com a terapêutica e apresentam restauração da contagem de CD4+ para valores maiores por > 3 meses.
A profilaxia primária depende da contagem de CD4:
-
Uma contagem de CD4 < 200/mcL ou candidíase orofaríngea (ativa ou prévia): profilaxia contra pneumonia por P. jirovecii é recomendada. Uma dose dupla de sulfametoxazol-trimetoprima (SMX-TMP) é eficaz em ambos os casos, quando administrada uma vez ao dia ou 3 vezes por semana. Alguns efeitos adversos podem ser minimizados com esquema de 3 vezes por semana ou por aumento gradual da dose. Alguns pacientes que não toleram sulfametoxazol-trimetoprima (SMX-TMP) podem aceitar dapsona (100 mg, uma vez ao dia). Pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) têm risco de desenvolver hemólise grave com o uso de dapsona e, portanto, devem ser monitorados quanto à deficiência de G6PD antes de usar a dapsona. Para a minoria dos pacientes com efeitos adversos com ambos os fármacos (p. ex., febre, neutropenia, exantema), pode-se utilizar pentamidina inalatória (300 mg, 1 vez/mes) ou atovaquona (1.500 mg, uma vez ao dia)
-
Uma contagem de CD4 < 50/mcL: a profilaxia contra MAC disseminado consiste em azitromicina ou claritromicina; se nenhuma desses fármacos for tolerada, rifabutina pode ser usada. Azitromicina pode ser administrada semanalmente (2 cápsulas de 600 mg) e oferece proteção (70%) similar à da claritromicina em uso diário, além de não interagir com outros fármacos.
Se houver suspeita de tuberculose latente (baseado em testes cutâneos com tuberculina, ensaios de liberação de interferon-gama, exposição de alto risco, história pessoal de tuberculose ativa ou residência em uma região com alta prevalência de TB), independentemente da contagem de CD4, deve-se administrar para os pacientes isoniazida 5 mg/kg (até 300 mg) por via oral uma vez ao dia junto com piridoxina (vitamina B6) 10 a 25 mg por via oral uma vez ao dia durante 9 meses para evitar a reativação.
Para profilaxia primária contra algumas infecções fúngicas (p. ex., candidíase esofágica, meningite ou pneumonia criptocócica), o fluconazol oral, tomado todos os dias (100 a 200 mg, uma vez ao dia) ou semanalmente (400 mg), é eficaz; no entanto, seu uso é infrequente porque o custo por infecção prevenida é alto e o diagnóstico e o tratamento dessas doenças geralmente são eficazes.
A profilaxia secundária (depois de controlar a infecção inicial) é indicada se os pacientes apresentarem o seguinte:
-
Recorrência de candidíase oral, vaginal ou esofágica; coccidioidomicose; ou infecções criptocócicas: utiliza-se fluconazol.
-
Histoplasmose: itraconazol é usado.
-
Toxoplasmose latente: essa condição assintomática é indicada por anticorpos séricos (IgG) contra Toxoplasma gondii. Sulfametoxazol-trimetoprima (SMX-TMP) (em doses usadas para prevenir pneumonia por P. jirovecii) é utilizado para prevenir reativação e consequente encefalite por Toxoplasma. Infecção latente é menos comum (cerca de 15% em adultos) nos Estados Unidos em comparação com a Europa e países mais desenvolvidos (até 70 a 80% dos adultos).
-
Aspergilose (possivelmente)
Recomendações detalhadas para profilaxia de infecções fúngicas (incluindo Pneumocystis), virais, micobacterianas e por Toxoplasma estão disponíveis em www.aidsinfo.nih.gov/guidelines.
Imunização
As recomendações de 2018 do CDC para vacinação de pacientes infectados pelo HIV são:
-
Pacientes que não receberam a vacina pneumocócica conjugada (PCV13) ou a vacina pneumocócica polissacarídica (PPSV23) devem receber a PCV13 e então a PPSV23 ≥ 8 semanas após a PCV13.
-
Todos os pacientes devem ser vacinados contra a influenza anualmente.
-
Todos os pacientes devem ser vacinados contra hepatite B.
-
Pacientes com risco de hepatite A ou que buscam proteção contra a doença devem ser vacinados contra hepatite A.
-
Na idade apropriada, homens e mulheres devem ser vacinados contra o papilomavírus humano (HPV) para prevenir câncer cervical e anal relacionados ao HPV.
-
Adultos que não ainda não foram vacinados com a vacina meningocócica devem receber uma série primária de 2 doses de MenACWY ≥ 2 meses de intervalo.
-
Se as pessoas ainda não receberam a vacina contra tétano-difteria-coqueluche (Tdap), elas devem receber uma dose de Tdap, seguida de vacina de reforço contra tétano-difteria (dT) a cada 10 anos,
De modo geral, devem ser utilizadas vacinas inativadas. Essas vacinas são menos frequentemente eficazes em pacientes que são HIV-positivos do que naqueles que são HIV-negativos.
A vacina contra herpes-zóster (para impulsionar a imunidade a fim de impedir a reativação do herpes-zóster) pode ser útil para os adultos infectados pelo HIV. A vacina original contra o zóster, composta por vírus vivo, é contraindicada em pacientes com sistema imunitário enfraquecido e se a contagem de CD4 é < 200/mcL. Contudo, a vacina recombinante de zóster mais recente não é contraindicada em pacientes com HIV, mas ainda não foram feitas recomendações sobre seu uso nesses pacientes (ver CDC 2019 Adult Conditions Immunization Schedule).
Como as vacinas com vírus vivos são potencialmente perigosas para pacientes com imunossupressão grave, deve-se buscar a opinião de especialistas ao lidar com pacientes em risco de varicela primária; as recomendações variam (ver informações sobre vacinação em HIV em lactentes e crianças) e ver a tabela (Considerações sobre o uso de vacinas com vírus vivos em crianças com infecção pelo HIV).
Referência sobre prevenção
-
1. Rodger AJ, Cambiano V, Bruun T, et al: Sexual activity without condoms and risk of HIV transmission in serodifferent couples when the HIV-positive partner is using suppressive antiretroviral therapy. JAMA 316(2):171-81, 2016. doi: 10.1001/jama.2016.5148.
Pontos-chave
-
O HIV infecta os linfócitos CD4 + e, assim, interfere na imunidade celular e, em menor grau, na imunidade humoral.
-
O HIV é transmitido principalmente por contato sexual, exposição parenteral a sangue contaminado e por transmissão materna pré-natal e perinatal.
-
Mutações virais frequentes combinadas a comprometimento do sistema imunitário prejudicam significativamente a capacidade do corpo de eliminar a infecção por HIV.
-
Várias infecções oportunistas e neoplasias podem se desenvolver e são a causa habitual de morte em pacientes não tratados.
-
Diagnosticar por meio de sorologia e monitorar medindo a carga viral e a contagem de CD4.
-
Tratar com uma combinação de antirretrovirais, que podem restaurar a função imunitária para quase normal na maioria dos pacientes se eles tomam os fármacos de forma sistemática.
-
Aconselhar periodicamente os pacientes que vivem com o HIV sobre sexo seguro, importância da atividade física regular, dieta saudável e controle do estresse.
-
Usar profilaxia antirretroviral pré-exposição e pós-exposição quando indicado.
-
Administrar profilaxia primária contra infecções oportunistas com base na contagem de CD4.