Emergências comportamentais

PorMichael B. First, MD, Columbia University
Revisado/Corrigido: mai. 2022 | modificado dez. 2022
Visão Educação para o paciente

Pacientes que se apresentam com graves mudanças de humor, pensamento ou comportamento e aqueles que experimentam efeitos adversos graves de fármacos que potencialmente ameacem a vida necessitam de avaliação e tratamento urgentes. Muitas vezes, médicos não especialistas são os primeiros a prover atendimento para pacientes ambulatoriais e pacientes internados em unidades clínicas, mas, sempre que possível, tais casos também devem ser avaliados por um psiquiatra.

Quando humor, pensamento ou comportamento do paciente está muito diferente do normal ou desorganizado, a avaliação deve, inicialmente, determinar se o paciente é

  • Ameaça para si mesmo

  • Ameaça para outros

A ameaça a si mesmo pode incluir incapacidade de cuidar de si (resultando em autonegligência) ou comportamento suicida. A autonegligência é particularmente preocupante em pacientes com transtornos psicóticos, demência ou transtorno por abuso de substâncias, pois sua capacidade de obter alimentos, vestimentas e proteção apropriada dos eventos climáticos está comprometida.

Pacientes que representam uma ameaça para terceiros incluem aqueles que

  • São ativamente violentos (isto é, agridem ativamente funcionários, arremessam e quebram coisas)

  • Parecem beligerantes e hostis (isto é, potencialmente violentos)

  • Não parecerem ameaçadores para o examinador e funcionários, mas expressam a intenção de causar dano a outra pessoa (p. ex., cônjuge, vizinho, figura pública)

Também é importante identificar os cuidadores que não podem de maneira segura e adequada cuidar de seus dependentes.

Causas

Pacientes agressivos e violentos são frequentemente psicóticos e têm diagnósticos como abuso de substâncias, esquizofrenia, transtorno psicótico breve, transtorno delirante ou mania aguda. Outras causas incluem distúrbios físicos que provocam delirium agudo (ver Áreas a serem abrangidas na avaliação psiquiátrica inicial), demência e intoxicação por álcool ou outras substâncias, sobretudo, metanfetamina, cocaína e algumas vezes fenciclidina (PCP) e “fármacos de balada” (p. ex., 3,4-metilenodioximetanfetamina [MDMA]).

História prévia de violência ou agressão é um forte preditor de episódios futuros.

Princípios gerais

Em geral, o manejo das emergências comportamentais ocorre simultaneamente com a avaliação, em particular para distúrbios físicos (ver Avaliação médica do paciente com sintomas mentais); é um erro supor que a causa do comportamento anormal seja um transtorno mental ou intoxicação, mesmo em pacientes com diagnóstico psiquiátrico conhecido ou com odor etílico. Como, muitas vezes, o paciente está incapaz ou relutante para fornecer história clara, outras fontes indiretas de informação (p. ex., membros da família, amigos, assistentes sociais, registros médicos) devem ser identificadas e consultadas imediatamente.

Dicas e conselhos

  • Não supor que a causa do comportamento anormal seja um transtorno mental ou intoxicação, mesmo em pacientes com diagnóstico psiquiátrico conhecido ou com odor etílico.

O médico deve estar ciente de que a violência do paciente pode ser direcionada para a equipe de tratamento e outros pacientes.

Pacientes ativamente violentos devem ser inicialmente contidos por

  • Meios físicos

  • Fármacos (contenção química)

  • Ambos

Estas intervenções são realizadas para evitar lesões em pacientes e outras pessoas e para permitir a avaliação da causa do comportamento (p. ex., obtendo os sinais vitais e fazendo exames de sangue). Depois que o paciente foi contido, monitoramento atento, algumas vezes envolvendo observação constante por um cuidador treinado, é necessário. Pacientes clinicamente estáveis podem ser colocados em um ambiente seguro de seclusão. Embora os médicos devam estar cientes das questões legais relativas ao tratamento involuntário (ver também Questões regulatórias quanto ao uso de contenções físicas em pacientes agressivos e violentos), essas questões não devem postergar intervenções que possam salvar vidas.

Pacientes potencialmente violentos exigem medidas para controlar a situação. Medidas que podem ajudar a reduzir a agitação e a agressividade incluem

  • Levar os pacientes para um ambiente calmo e tranquilo (p. ex., uma sala de reclusão, quando disponível)

  • Remover objetos que possam ser utilizados para provocar danos a si mesmo ou a outros

  • Expressar preocupação empática pelo paciente e por suas queixas

  • Responder de maneira segura, mas apoiadora

  • Perguntar o que pode ser feito para resolver a causa da agitação ou agressividade

Falar diretamente — mencionando que os pacientes parecem furiosos ou agitados, perguntando se ele pretende machucar alguém — reconhece o sentimento deles e pode fornecer informações; isto não os torna mais propensos a agir.

Medidas contraproducentes incluem

  • Desafiar a validade dos medos e das queixas dos pacientes

  • Fazer ameaças (p. ex., chamar a polícia, confiná-los em um hospital psiquiátrico)

  • Falar de maneira condescendente

  • Tentar enganar os pacientes (p. ex., esconder remédios na comida, prometer que ele não será contido)

Segurança pública e da equipe

Quando pacientes hostis e agressivos são entrevistados, a segurança da equipe deve ser considerada. Muitos hospitais têm uma política de procurar por armas (manualmente, com detectores de metal ou ambos) em pacientes que se apresentam com comportamento alterado. Quando possível, os pacientes devem ser avaliados em uma área com recursos de segurança como câmeras de segurança, detectores de metal e salas de entrevista que são visíveis aos membros da equipe.

Pacientes que são hostis, mas ainda não violentos, geralmente não agridem os membros da equipe aleatoriamente; em vez disso, eles agridem aqueles que os irritam ou que parecem ameaçadores. As portas para as salas devem ser mantidas abertas. Os membros da equipe também podem evitar parecer ameaçadores sentando no mesmo nível dos pacientes. Os membros da equipe podem evitar irritar os pacientes não respondendo à hostilidade deles da mesma maneira, com comentários inflamados em voz alta ou com discussões. Se, apesar disso, os pacientes ficarem cada vez mais agitados e a violência parecer iminente, os membros da equipe devem simplesmente sair da sala e chamar mais pessoas para demonstração de força, o que, algumas vezes, intimida os pacientes. Normalmente, no mínimo, 4 ou 5 pessoas devem estar presentes (alguns, de preferência, jovens e do sexo masculino). Entretanto, a equipe não deve trazer faixas de contenção para a sala, a menos que elas definitivamente precisem ser utilizadas; ver as faixas de contenção pode agitar ainda mais os pacientes.

Ameaças verbais devem ser levadas a sério. Em muitos estados, quando um paciente expressa a intenção de ferir uma pessoa em particular, o médico avaliador deve avisar a vítima em potencial e notificar uma determinada instituição legal. As exigências específicas variam de estado para estado. Quase sempre, as regulamentações dos estados também exigem o relato de suspeitas de abuso de crianças, idosos e cônjuges.

Contenções físicas

O uso de contenções físicas é controverso e só deve ser considerado quando outros métodos tiverem falhado e o paciente continuar a representar risco significativo de lesão para si mesmo ou para os outros. As contenções podem ser necessárias para segurar o paciente por tempo suficiente para que fármacos sejam administrados, para que seja feita avaliação completa ou ambos. Como as contenções são aplicadas sem o consentimento do paciente, algumas questões legais e éticas devem ser consideradas (ver Questões regulatórias no uso de contenções físicas em pacientes agressivos e violentos).

Questões regulatórias no uso de contenções físicas em pacientes agressivos e violentos

O uso de contenções físicas deve ser considerado um último recurso, quando outras etapas não controlaram suficientemente comportamentos agressivos e potencialmente violentos. Quando as contenções são necessárias nessas situações, elas são legais em todos os estados, uma vez que seu uso seja adequadamente prescrito e documentado no prontuário médico do paciente. As contenções têm a vantagem de serem imediatamente removíveis, enquanto os fármacos podem alterar bastante os sintomas ou de uma maneira que retarde a avaliação.

O Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations Standards on Restraint and Seclusion fornece diretrizes para o uso de contenções no ambiente psiquiátrico. Eles afirmam que as contenções devem ser aplicadas sob a direção de um profissional licenciado (PL) autorizado pelas diretrizes hospitalares em conformidade com a legislação estadual para fazer isso. O PL deve avaliar o paciente na primeira hora de contenção. A ordem para manter as contenções dos adultos deve ser prescrita para até 4 horas de cada vez. O paciente deve ser avaliado pelo PL ou enfermeiro cadastrado durante o intervalo de 4 horas e antes dar prosseguimento à ordem de contenção. Após um intervalo de tempo mínimo, que é especificado por lei estadual norte-americana e não pode exceder 24 horas, o PL deve reavaliar o paciente pessoalmente antes de prosseguir com a ordem de contenção. Crianças com 9 a 17 anos de idade devem ser avaliadas a cada 2 horas, e aquelas < 9 anos, a cada hora.

Os padrões de acreditação hospitalar exigem que o paciente contido seja continuamente observado por um cuidador treinado. Imediatamente após a aplicação das contenções, o paciente deve ser monitorado para sinais de lesão; circulação, amplitude de movimentação, nutrição e hidratação, sinais vitais, higiene e eliminações também são monitorados. Também são avaliados bem-estar físico e mental e prontidão para interromper as contenções conforme apropriado. Essas avaliações devem ser feitas a cada 15 minutos.

Reclusão e contenções devem ser utilizadas simultaneamente apenas sob circunstâncias especiais e com monitoramento contínuo.

As contenções são utilizadas para

  • Impedir lesões claramente iminentes para o paciente ou para os outros

  • Impedir que o tratamento clínico do paciente seja significantemente prejudicado (p. ex., arrancando sondas ou acessos venosos) quando o consentimento para o tratamento foi fornecido

  • Impedir danos para as dependências físicas, membros da equipe ou outros pacientes

  • Evitar que pacientes que precisem de tratamento involuntário saiam (quando uma sala trancada não estiver disponível)

As contenções não devem ser utilizadas para

  • Punição

  • Conveniência dos membros da equipe (p. ex., para impedir que os pacientes perambulem)

É necessário cuidado com pacientes claramente suicidas, que podem utilizar as contenções como instrumento para o suicídio.

Procedimento

As contenções devem ser aplicadas apenas por membros da equipe adequadamente treinados nas técnicas corretas e na proteção dos direitos e da segurança do paciente.

Primeiro, uma equipe adequada deve encontrar-se na sala e os pacientes informados de que as contenções deverão ser aplicadas. Os pacientes são encorajados a cooperar para evitar uma luta. Entretanto, uma vez que o médico determinou que as contenções sejam necessárias, não há negociação e os pacientes são informados de que elas serão aplicadas quer eles concordem ou não. Alguns efetivamente entendem e apreciam ter limites externos para seu comportamento.

Na preparação para a aplicação das contenções, uma pessoa é designada para cada extremidade e outra para a cabeça do paciente. Então, cada pessoa, simultaneamente, agarra a extremidade designada e coloca o paciente em decúbito dorsal; em geral, uma pessoa fisicamente preparada pode controlar uma extremidade até mesmo de pacientes grandes e violentos (uma vez que todas as extremidades sejam agarradas ao mesmo tempo). Todavia, mais uma pessoa é necessária para aplicar as contenções. Raramente, pacientes em pé, extremamente combativos, podem primeiro precisar ser prensados entre 2 colchões.

Contenções de couro são preferíveis. Uma contenção é aplicada em cada tornozelo e em cada punho e presa na estrutura do leito, não à grade. As contenções não são colocadas em volta do tórax, do pescoço ou da cabeça e mordaças (p. ex., para impedir cuspidas e xingamentos) são proibidas. Os pacientes que permanecem combativos mesmo com as medidas de restrição (p. ex., tentativa de virar o leito, morder ou cuspir) podem exigir contenção química.

Complicações

Pessoas agitadas ou violentas, trazidas para o hospital pela polícia, estão, com frequência, contidas (p. ex., com algemas). Ocasionalmente, pessoas jovens e saudáveis morrem nas contenções policiais antes ou logo após a chegada ao hospital. A causa, muitas vezes, não é clara, mas provavelmente envolve alguma combinação de esforço excessivo com desarranjo metabólico subsequente e hipertermia, uso de fármacos, aspiração de conteúdo estomacal no sistema respiratório, embolia em pessoas deixadas contidas por períodos longos e, às vezes, distúrbios clínicos graves subjacentes. A morte é mais provável se a pessoa for contida em posição com um ou ambos os pulsos algemados aos tornozelos no dorso (hobble position); este tipo de contenção pode provocar asfixia e deve ser evitado. Em razão dessas complicações, pacientes violentos, sob custódia da polícia, devem ser avaliados prontamente e de maneira abrangente e não repudiados como meros problemas sociocomportamentais.

Contenções químicas

A terapia medicamentosa, se utilizada, deve ter por objetivo controlar sintomas específicos.

Fármacos

Em geral, os pacientes podem ser rapidamente acalmados ou tranquilizados utilizando

  • Benzodiazepinas

  • Antipsicóticos (normalmente, um antipsicótico convencional, mas um fármaco de 2ª geração pode ser utilizado)

Esses fármacos são mais bem titulados e agem de modo mais rápido e confiável quando administrados IV (ver tabela Terapia medicamentosa para pacientes agitados ou violentos), mas pode ser necessária administração IM quando o acesso IV não puder ser obtido em pacientes que se debatem. As duas classes de fármacos são sedativos eficazes para pacientes agitados e violentos. As benzodiazepinas são provavelmente preferidas para superdosagens de fármacos estimulantes e para síndromes de abstinência de álcool e benzodiazepinas, e os anti- psicóticos são preferidos para exacerbações evidentes de transtornos mentais conhecidos. Algumas vezes, uma combinação dos dois fármacos é mais eficaz; quando doses altas de um fármaco não tiveram o efeito desejado, utilizar outra classe de fármaco em vez de continuamente aumentar a dose da primeira fármaco pode limitar os efeitos adversos.

Tabela
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Efeitos adversos das benzodiazepinas

Benzodiazepinas parenterais, particularmente nas doses algumas vezes necessárias para pacientes extremamente violentos, podem causar depressão respiratória. Manejo das vias respiratórias, com entubação e ventilação assistida, pode ser necessário. O antagonista benzodiazepina, flumazenil, pode ser utilizado, mas é necessário cuidado, pois, se a sedação for significativamente revertida, o problema comportamental original pode reaparecer.

As benzodiazepinas podem, às vezes, resultar em desinibição comportamental adicional.

Efeitos adversos de fármacos antipsicóticos

Antipsicóticos, sobretudo os antagonistas de receptores dopaminérgicos, tanto em doses terapêuticas como em tóxicas, podem ocasionar efeitos adversos extrapiramidais agudos (ver tabela Tratamento dos efeitos adversos agudos dos antipsicóticos), iincluindo distonia aguda e acatisia (sensação desconfortável de inquietação motora). Esses efeitos adversos podem ser proporcionais à doses e podem se resolver uma vez que o medicamento seja suspenso.

Diversos antipsicóticos, incluindo tioridazina, haloperidol, droperidol, olanzapina, risperidona e ziprasidona, podem causar síndrome do intervalo QT longo e, em última análise, aumentar o risco de arritmias fatais. Síndrome neuroléptica maligna também é uma possibilidade.

Para outros efeitos adversos, ver Efeitos adversos de fármacos antipsicóticos.

Tabela
Tabela

Considerações legais

Pacientes com alterações graves de humor, pensamento ou comportamento são quase sempre hospitalizados quando sua condição provavelmente vai se deteriorar sem intervenção psiquiátrica e quando alternativas apropriadas não estão disponíveis.

Consentimento e tratamento involuntário

Se um paciente recusa a hospitalização, o médico deverá decidir se o reterá contra a vontade. Fazê-lo pode ser necessário para garantir a segurança imediata do paciente, de outros ou para permitir que a avaliação seja completada e o tratamento seja implementado.

Critérios e procedimentos para hospitalização involuntária variam de acordo com a jurisdição. Em geral, a hospitalização involuntária requer que um médico ou psicólogo e outro médico, membro da família ou contato próximo confirmem que o paciente tem transtorno mental, é um perigo para si mesmo ou para outros e recusa tratamento voluntário. Os médicos devem obter o consentimento dos pais ou responsáveis para o tratamento medicamentoso dos filhos menores de idade.

Perigo para si mesmo inclui

Na maioria das jurisdições, o conhecimento da intenção em cometer o suicídio requer que o profissional de saúde atue imediatamente para evitar o suicídio, por exemplo, notificando a polícia ou outra agência responsável.

Perigo para os outros inclui

  • Expressar intenção homicida

  • Colocar os outros em perigo

  • Falhar em prover as necessidades ou segurança de dependentes em razão do transtorno mental

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