(Ver também Visão geral das doenças tubulointersticiais.)
Etiologia
A nefrite tubulointersticial pode ser primária, mas um processo semelhante pode ocorrer devido a lesão glomerular ou a doenças renovasculares.
A nefrite tubulointersticial primária pode ser
-
Aguda (ver tabela Causas da nefrite tubulointersticial aguda)
-
Crônica (ver tabela Causas da nefrite tubulointersticial crônica)
Nefrite tubulointersticial aguda
Nefrite tubolointersticial aguda (NTIA) envolve um infiltrado inflamatório e edema envolvendo o interstício renal, que geralmente se desenvolve em dias a meses. Mais de 95% dos casos resultam de infecção ou de reação alérgica a fármacos.
NTIA causa lesão renal aguda; casos graves, retardo de tratamento, ou a manutenção do fármaco agressor podem causar lesão permanente e doença renal crônica.
Síndrome renal-ocular, nefrite tubulointersticial aguda mais uveíte, também ocorre e é idiopática.
Nefrite tubulointersticial crônica
Nefrite tubulointersticial crônica (NTIC) origina-se quando a agressão tubular crônica causa infiltração intersticial gradual e fibrose, atrofia tubular e disfunção e uma deterioração gradual da função renal, em geral, ao longo de anos. O envolvimento glomerular concomitante (glomerulosclerose) é muito mais comum na NTIC do que na NTIA.
Causas da nefrite tubulointersticial crônica são múltiplas; incluem doenças de medicação imunitária, infecção, nefropatia de refluxo ou obstrutiva, fármacos e outras doenças. NTIC decorrente de toxinas, desarranjos metabólicos, hipertensão e doenças hereditárias resulta em doença simétrica e bilateral; quando a NTIC ocorre por outras causas, as cicatrizes renais podem ser desiguais e envolver apenas um dos rins. Algumas formas bem caracterizadas da NTIC são
Nefropatia de refluxo e mieloma podem causar lesão tubulointersticial, mas a patologia predominante nesses quadros é a doença glomerular.
Doenças renais císticas hereditárias são discutidas em outras partes.
Causas da nefrite tubulointersticial aguda
Causa |
Exemplos |
Fármacos* |
|
Antibióticos |
Agentes betalactâmicos (a causa mais comum) Ciprofloxacino Etambutol Indinavir Isoniazida Macrolídios Minociclina Rifampina Tetraciclina Sulfametoxazol/trimetoprima Vancomicina |
Anticonvulsivantes |
Carbamazepina Fenobarbital Fenitoína Valproato |
Diuréticos |
Bumetanida Furosemida Tiazídicos Triantereno |
Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) |
Diclofenaco Fenoprofeno Ibuprofeno Indometacina Naproxeno |
Outros |
Alopurinol Ácido aristolóquico† Captopril Cimetidina Interferon alfa Lansoprazol Mesalamina Omeprazol Ranitidina |
Distúrbios metabólicos |
|
Hiperoxalatúria |
|
Hiperuricosúria |
|
Infecção do parênquima renal |
|
Bacteriana |
Brucella sp (brucelose) Corynebacterium diphtheriae Legionella sp (infecções por Legionella) Leptospira sp (leptospirose) Mycobacterium sp Mycoplasma sp Rickettsia sp Salmonella sp Estafilococos Estreptococos Treponema pallidum (sífilis) Yersinia sp |
Fúngicas |
Candida sp |
Parasítica |
Toxoplasma gondii (toxoplasmose) |
Viral |
Poliomavírus |
Outras condições |
|
Idiopática com ou sem uveíte |
— |
Imunológica |
Nefrite intersticial associada a anticorpos antimembrana basal tubular (anti-TMB) Nefrite intersticial hipocomplementêmica idiopática Nefropatia por IgA Nefrite tubulointersticial relacionada à IgG4‡ Rejeição de transplante renal Lúpus eritematoso sistêmico (raro) |
Neoplásica |
Linfoma Mieloma |
*Foram listadas as mais comuns; existem > 120 fármacos implicados. |
|
†Presente em alguns fármacos fitoterápicos utilizados na medicina tradicional chinesa. |
|
‡Yamaguchi Y, Kanetsuna Y, Honda K, et al: Characteristic tubulointerstitial nephritis in IgG4-related disease. Hum Pathol 43(4):536-549, 2012. doi: 10.1016/j.humpath.2011.06.002. |
Causas da nefrite tubulointersticial crônica
Causa |
Exemplos |
Nefropatia dos Bálcans |
— |
Doenças císticas |
Doença cística adquirida |
Fármacos |
Analgésicos* Antineoplásicos (cisplatina, nitrosureia) Ervas chinesas (devido ao ácido aristolóquico†) Imunossupressores (ciclosporina*, tacrolimo) Lítio* |
Granulomatosa |
|
Hematológico |
|
Nefropatia hereditária associada à hiperuricemia e gota |
— |
Idiopática |
— |
Imunológica |
Rejeição de transplante renal Nefrite tubulointersticial relacionada à IgG4‡ |
Infecção |
Parênquima renal: Sistêmico |
Mecânica |
Uropatia obstrutiva |
Nefropatia mesoamericana§ |
–– |
Metabólica |
Hipopotassemia crônica Cistinose Hipercalcemia, hipercalciúria Hiperoxalúria Hiperuricemia*, hiperuricosúria |
Nefrite por radiação |
— |
Toxinas |
Ácido aristolóquico† Metais pesados (p. ex., arsênico, bismuto, cádmio, cromo, cobre, ouro, ferro, chumbo, mercúrio, urânio) |
Vascular |
Ateroembolismo Hipertensão Trombose da veia renal |
*Causas comuns. |
|
†Presente em alguns fármacos fitoterápicos utilizados na medicina tradicional chinesa. |
|
‡Yamaguchi Y, Kanetsuna Y, Honda K, et al: Characteristic tubulointerstitial nephritis in IgG4-related disease. Hum Pathol 43(4):536-549, 2012. doi: 10.1016/j.humpath.2011.06.002. |
|
§Correa-Rotter R, Wesseling C, Johnson RJ: CKD of unknown origin in Central America: The case for Mesoamerican nephropathy. Am J Kidney Dis63(3):506-520, 2014. doi: 10.1053/j.ajkd.2013.10.062. |
Referências gerais
-
Yamaguchi Y, Kanetsuna Y, Honda K, et al: Characteristic tubulointerstitial nephritis in IgG4-related disease. Hum Pathol 43(4):536-549, 2012. doi: 10.1016/j.humpath.2011.06.002.
-
Correa-Rotter R, Wesseling C, Johnson RJ: CKD of unknown origin in Central America: The case for Mesoamerican nephropathy. Am J Kidney Dis63(3):506-520, 2014. doi: 10.1053/j.ajkd.2013.10.062.
Sinais e sintomas
Nefrite tubulointersticial aguda
Os sinais e sintomas da nefrite tubulointersticial aguda podem ser inespecíficos e geralmente estão ausentes, a menos que ocorram sinais e sintomas de insuficiência renal. Muitos pacientes desenvolvem poliúria e noctúria (devido a defeito da concentração urinária e reabsorção de sódio).
O início dos sintomas da NTIA pode ser longo, até várias semanas após a exposição inicial ao tóxico, ou em até 3 a 5 dias depois da 2ª exposição; os períodos de latência extremos variam de 1 dia com rifampicina a 18 meses com um anti-inflamatório não esteroide (AINE). Febre e exantema urticariforme são características na fase inicial de NTIA induzida por fármacos, mas a tríade clássica descrita de febre, exantema e eosinofilia está presente em < 10% dos pacientes com NTIA induzida por fármacos. Dor abdominal, perda ponderal e aumento renal bilateral (causado por edema intersticial) também podem ocorrer e a febre pode enganosamente sugerir doença renal maligna ou doença renal policística. Edema periférico e hipertensão não são comuns, a menos que ocorra insuficiência renal.
Nefrite tubulointersticial crônica
Diagnóstico
Alguns achados clínicos e laboratoriais de rotina são específicos para nefrite tubulointersticial. Desse modo, deve-se suspeitar bastante da doença caso estejam presentes:
-
Sintomas ou sinais típicos
-
Fatores de risco, particularmente se houver uma relação temporal entre o início e o uso de um fármaco potencialmente causador
-
Exame de urina característico, particularmente piúria estéril
-
Proteinúria leve, geralmente < 1 g/dia (exceto com o uso de AINEs, que podem causar proteinúria de nível nefrótico, 3,5 g/dia)
-
Evidência de disfunção tubular (p. ex., acidose tubular renal, síndrome de Fanconi)
-
Defeitos de concentração desproporcional ao grau da insuficiência renal
Não é possível contar com a eosinofiluria para fazer ou excluir o diagnóstico. Outros exames (p. ex., de imagem) geralmente são necessários para diferenciar NTIA ou NTIC de outras doenças. Um diagnóstico clínico presuntivo da NTIA é muitas vezes feito com base nos resultados específicos mencionados acima, mas biópsia renal é necessária para estabelecer um diagnóstico definitivo.
Nefrite tubulointersticial aguda
Exame de urina que mostra sinais de inflamação renal ativa (sedimento urinário ativo) com presença de leucócitos, eritrócitos e cilindros de leucócitos, e a ausência de bactérias na cultura (piúria estéril) é típica; hematúria significativa e eritrócitos dismórficos são pouco comuns. Tradicionalmente considerava-se que a eosinofilúria sugerisse NTIA; mas a presença ou ausência de eosinófilos urinários não é particularmente útil no diagnóstico. A proteinúria geralmente é mínima, mas pode atingir níveis nefróticos quando combinada com NTIA e doença glomerular induzida por AINEs, ampicilina, rifampicina, interferona alfa, ou ranitidina.
Os achados em exames de sangue incluem hipopotassemia (defeito de reabsorção de potássio) e acidose metabólica não ânion-gap (defeito na reabsorção de bicarbonato tubular proximal ou excreção de ácido tubular distal).
Ultrassonografia, mapeamento radioisotópico, ou ambos podem ser necessários para diferenciar a nefrite tubulointersticial aguda de outras causas de lesão renal aguda quando a biópsia renal não é possível. Na NTIA, os rins podem estar muito aumentados e ecogênicos à ultrassonografia em razão da presença de células inflamatórias intersticiais e edema. Mapeamentos com radionuclídeos podem mostrar os rins absorvendo avidamente o gálio 67 ou leucócitos marcados por radionuclídeos. Mapeamentos positivos sugerem fortemente NTIA (e indicam que a necrose tubular aguda é menos provável), mas um mapeamento negativo não exclui o diagnóstico de NTIA.
A biópsia renal geralmente é reservada para pacientes com os seguintes achados:
Na nefrite tubulointersticial aguda, os glomérulos geralmente estão normais. O achado inicial é o edema intersticial, tipicamente seguido de infiltrado intersticial por linfócitos, plasmócitos, eosinófilos e alguns leucócitos polimorfonucleares. Em casos graves, observam-se células inflamatórias invadindo os espaços entre as células do revestimento tubular da membrana basal (tubulites); em outras amostras, podem ser encontradas reações granulomatosas secundárias à exposição a antibióticos betalactâmicos, sulfonamidas, micobactérias e fungos. A presença de granulomas não caseosos sugere sarcoidose. A imunofluorescência e a microscopia eletrônica raramente revelam alterações patognomônicas.
Nefrite tubulointersticial crônica
Os achados na NTIC geralmente são semelhantes aos da NTIA, apesar de hemácias e leucócitos na urina serem incomuns. Como a NTIC tem início insidioso e a fibrose intersticial é comum, os exames de imagem podem mostrar rins pequenos com evidências de cicatrizes e assimetria.
Na nefrite tubulointersticial crônica, geralmente não se realiza biópsia para fins diagnósticos, mas ajuda a caracterizar a natureza e a progressão da doença tubulointersticial. Os glomérulos variam de normais a completamente destruídos. Os túbulos podem estar ausentes ou atrofiados. O lúmen tubular varia de diâmetro, podendo mostrar dilatação significativa, com cilindros homogêneos. O interstício contém vários graus de células inflamatórias e fibrose. Áreas não cicatriciais parecem quase normais. Grosseiramente, os rins são pequenos e atróficos.
Prognóstico
Nefrite tubulointersticial aguda
Na NTIA induzida por fármacos, a função renal geralmente se recupera dentro de 6 a 8 semanas, quando o fármaco causador é interrompido, apesar ser comum algum grau de cicatrização residual. A recuperação pode ser incompleta, com uremia persistente acima de valores basais. O prognóstico é geralmente pior se a NTIA é causada por AINEs do que por outros fármacos. Quando a NTIA é causada por outros fatores, as alterações histológicas são geralmente reversíveis se a causa for reconhecida e removida; entretanto, alguns casos graves evoluem para fibrose e doença renal crônica. Independentemente da causa, a lesão irreversível é sugerida pelos seguintes itens:
Nefrite tubulointersticial crônica
Na NTIC, o prognóstico depende da causa e da capacidade de responder e interromper o processo, antes da ocorrência de fibrose irreversível. Várias causas genéticas (p. ex., doença renal policística), metabólicas (p. ex., cistinose) e tóxicas (p. ex., metais pesados) podem não ser modificáveis e, nestes casos, a NTIC geralmente evolui para doença renal em estágio terminal.
Tratamento
O tratamento tanto da NTIA como da NTIC é o das causas subjacentes.
Para nefrite tubulointersticial aguda de indução imunitária e algumas vezes NTIA induzida por fármacos, corticoides (p. ex., prednisona, 1 mg/kg, por via oral, uma vez ao dia com diminuição gradual ao longo de 4 a 6 semanas) podem acelerar a recuperação.
Para NTIA induzida por fármacos, os corticoides são mais eficazes quando administrados dentro de 2 semanas de parar os fármacos causadores. NTIA induzida por AINEs é menos responsiva do a corticoides do que NTIA induzida por outros fármacos. NTIA deve ser comprovada por biópsia antes de os corticoides serem iniciados.
O tratamento da nefrite tubulointersticial crônica geralmente é feito com medidas de suporte, como controle de pressão arterial e tratamento da anemia associada à doença renal. Em pacientes com NTIC e insuficiência renal progressiva, os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e os bloqueadores de receptor da angiotensina II podem diminuir a progressão da doença, mas não devem ser usados em conjunto por causa do risco de vício da hiperpotassemia e progressão acelerada da doença.
Pontos-chave
-
Há numerosas causas da nefrite tubulointersticial crônica e são muito mais diversificadas do que para nefrite tubulointersticial aguda (NTIA), geralmente causada por uma reação alérgica a um fármaco ou por uma infecção.
-
Os sintomas muitas vezes estão ausentes ou são inespecíficos, particularmente na NTIC.
-
Suspeitar do diagnóstico com base em fatores de risco e sedimento urinário, excluir outras causas usando imagiologia latente e, às vezes, confirmar o diagnóstico por biópsia.
-
Interromper os fármacos causadores, tratar quaisquer outras causas e fornecer tratamento de suporte.
-
Tratar a NTIA imunomediada e às vezes induzida por fármacos depois da comprovação por biópsia com corticoides (2 semanas depois da interrupção de qualquer fármaco causador).