Uropatia obstrutiva

(Obstrução do trato urinário)

PorGlenn M. Preminger, MD, Duke Comprehensive Kidney Stone Center
Revisado/Corrigido: mai 2022
Visão Educação para o paciente

Uropatia obstrutiva corresponde ao impedimento funcional ou estrutural do fluxo urinário normal, às vezes causando disfunção renal (nefropatia obstrutiva). Os sintomas, menos prováveis na obstrução crônica, podem incluir dor irradiada para os dermátomos de T11 a T12 e micção anormal (p. ex., dificuldade de urinar, anúria, noctúria e/ou poliúria). O diagnóstico baseia-se nos resultados de cateterismo vesical, cistouretroscopia e exame de imagem (p. ex., ultrassonografia, TC, pielografia), dependendo do nível da obstrução. O tratamento, dependendo da causa, pode demandar drenagem imediata, instrumentação, cirurgia (p. ex., endoscopia, litotripsia), tratamento hormonal, ou uma combinação destas modalidades.

A prevalência das uropatias obstrutivas, dependendo da causa, varia de 5 em 10.000 a 5 em 1.000. Essa condição apresenta distribuição bimodal. Na infância, decorre principalmente de anormalidades congênitas do trato urinário. A incidência diminui até os 60 anos de idade, quando se eleva novamente, em particular nos homens, em razão do aumento de incidência de hiperplasia prostática benigna (HPB) e câncer de próstata. No geral, a uropatia obstrutiva é responsável por cerca de 4% das doenças renais em estágio terminal. A hidronefrose é encontrada no exame pós-morte em 2 a 4% dos pacientes.

Etiologia da uropatia obstrutiva

Muitas doenças podem causar uropatia obstrutiva, que pode ser aguda ou crônica, parcial ou total e unilateral ou bilateral (ver tabela Causas da uropatia obstrutiva).

As causas mais comuns diferem de acordo com a idade:

A obstrução pode ocorrer em qualquer nível, dos túbulos renais (cilindros, cristais) ao meato uretral externo. Proximal à obstrução, os efeitos podem incluir aumento da pressão intraluminal, estase urinária, infecções do trato urinário ou a formação de cálculos (que também pode exacerbar ou provocar obstrução). A obstrução é muito mais comum em homens (geralmente devido a hiperplasia prostática benigna), mas estreitamento uretral adquirido e congênito e estenose do meato ocorrem tanto em homens como em mulheres. Nas mulheres, a obstrução uretral pode ser secundária a um tumor primário ou metastático, ou como resultado da formação de estenoses após radioterapia, cirurgia ou instrumentação urológica (geralmente dilatação repetida).

Tabela

Fisiopatologia da uropatia obstrutiva

Os achados patológicos consistem em dilatação dos dutos coletores e túbulos distais, e atrofia tubular crônica com lesão glomerular leve. A dilatação demora 3 dias para se desenvolver depois do início da uropatia obstrutiva; antes disto, o sistema coletor está relativamente não complacente e com menos probabilidade de se dilatar. Uropatia obstrutiva sem dilatação também pode ocorrer quando a fibrose ou um tumor retroperitoneal envolver os sistemas coletores, quando a uropatia obstrutiva é leve e a função renal não está alterada e na existência de uma pelve intrarrenal.

Nefropatia obstrutiva

A nefropatia obstrutiva é a disfunção renal (insuficiência renal, falência renal ou lesão tubulointersticial) que resulta da obstrução do trato urinário. O mecanismo envolve, entre muitos fatores, aumento da pressão intratubular, isquemia local, ou, geralmente, associada a infecção do trato urinário. Se a obstrução for bilateral, a nefropatia pode levar a insuficiência renal. A insuficiência renal raramente ocorre quando a obstrução é unilateral devido a espasmo autonômico mediado por vasos ou ureteral, que afeta o rim funcionante.

O momento e a taxa em que danos irreversíveis ao rim (ou rins) se desenvolve após a obstrução depende de fatores difíceis de prever. Para prevenir danos irreversíveis, deve-se diagnosticar as infecções do trato urinário e tratá-las o mais imediatamente possível.

Sinais e sintomas da uropatia obstrutiva

Os sinais e sintomas variam de acordo com local, grau e rapidez do estabelecimento da uropatia obstrutiva.

A dor é comum em razão de distensão da bexiga, do sistema coletor (isto é, ureter, pelve renal e cálices renais) ou da cápsula renal. Lesões na porção superior do ureter ou na pelve renal causam dor no flanco, ao passo que a obstrução na porção inferior do ureter causa dor que pode se irradiar para o testículo ou para os grandes lábios ipsilaterais. A distribuição da dor renal e ureteral geralmente acompanha T11 e T12. A dor pode ser intensa e acompanhada por náuseas e vômitos, na obstrução ureteral aguda completa (p. ex., cálculo ureteral obstrutivo). Uma grande sobrecarga de líquidos (p. ex., ingestão de bebidas alcoólicas ou cafeinadas, ou por diurese osmótica decorrente de um meio de contraste intravenoso) causa dilatação e dor se a produção de urina aumentar para um grau maior que a velocidade do fluxo através da área de obstrução.

A dor é tipicamente mínima ou ausente na uropatia obstrutiva parcial ou de desenvolvimento lento (p. ex. obstrução da junção ureteropiélica, tumor pélvico). A hidronefrose pode causar uma massa palpável no flanco, particularmente na hidronefrose severa na infância.

O volume urinário não diminui na obstrução unilateral, a menos que ocorra em um único rim funcionante (rim solitário). A anúria absoluta ocorre com a obstrução completa ao nível da bexiga ou da uretra. A obstrução parcial nesse nível pode causar dificuldade para urinar ou anormalidades no jato de urina. Na obstrução parcial, o débito urinário geralmente é normal e raramente está aumentado. Aumento do débito urinário com poliúria e noctúria ocorre se nefropatia subsequente causar alteração na capacidade de concentração renal e reabsorção de sódio. Nefropatia de longa duração também pode resultar em hipertensão.

A infecção pode causar disúria, piúria, urgência miccional e polaciúria, dor referida dos rins e ureteres, sensibilidade no ângulo costovertebral, febre e ocasionalmente sepse.

Causas da uropatia obstrutiva

  • Exame de urina e eletrólitos, nitrogênio da ureia sanguínea e creatinina

  • Cateterização vesical ou estimativa ultrassonográfica no leito do volume da bexiga após a micção, algumas vezes seguida de cistouretroscopia e cistouretrografia miccional para suspeita de obstrução uretral

  • Exames de imagem para suspeita de obstrução ureteral ou mais proximal ou para hidronefrose sem obstrução aparente

A uropatia obstrutiva deve ser considerada em todos os pacientes com qualquer uma das seguintes condições:

  • Diminuição ou ausência de débito urinário

  • Insuficiência renal inexplicada

  • Dor que sugere distensão do trato urinário

  • Padrão de oligúria e anúria alternando com poliúria

A história pode sugerir sintomas de hiperplasia benigna da próstata, câncer anterior (p. ex., próstata, rim, ureteral, bexiga, ginecológico, colorretal) ou urolitíase. Como o alívio precoce da obstrução geralmente leva ao melhor resultado, o diagnóstico deve ser feito o mais rapidamente possível.

Exame de urina e química sérica (eletrólitos, ureia e creatinina) devem ser feitos. Outros exames são realizados dependendo dos sintomas e do nível de obstrução presumido. A infecção associada à obstrução urinária é uma emergência e requer avaliação e tratamento imediatos.

Em um paciente assintomático com uropatia obstrutiva de longa duração, o exame de urina pode ser normal ou apresentar alguns cilindros, leucócitos ou eritrócitos. Deve-se considerar nefropatia obstrutiva bilateral em um paciente com lesão renal aguda e exame de urina normal.

Se os eletrólitos séricos indicarem insuficiência renal, a obstrução provavelmente é bilateral, grave, ou completa. Outros achados de obstrução bilateral e nefropatia podem incluir hiperpotassemia. A hiperpotassemia pode resultar de acidose renal tubular tipo 1 decorrente de secreção de íon de hidrogênio e potássio reduzida nos segmentos distais do néfron.

Avaliação da suspeita de obstrução uretral

Se o débito urinário estiver diminuído ou ausente, ou se existir uma bexiga distendida ou dor suprapúbica, realiza-se cateterismo vesical. Se o cateterismo resultar em fluxo normal de urina ou houver dificuldade na passagem da sonda, há suspeita de obstrução uretral (p. ex., aumento da próstata, estenose valvar ou uretral). Na ausência de distensão palpável da bexiga e incapacidade de urinar, a obstrução pode ser confirmada por ultrassonografia no leito para determinar o volume da bexiga após a micção; volume de > 50 mL (um pouco mais elevado em adultos mais velhos) sugere obstrução. Pacientes com esses resultados devem realizar cistouretroscopia e crianças, geralmente, devem ser submetidas à cistouretrografia miccional (ver Exames de imagem geniturinária.)

A uretrocistografia miccional diagnostica quase todas as obstruções uretrais e do colo vesical, assim como o refluxo vesicoureteral, mostrando adequadamente a anatomia e o volume de urina residual na bexiga após a micção (volume residual pós-miccional). É mais comumente feita em crianças para diagnosticar anormalidades anatômicas ou congênitas. No entanto, isso pode ser feito em adultos se houver suspeita de estenose uretral.

Se não houver sintomas de obstrução uretral ou se uretrocistoscopia e cistouretrografia miccional não mostrarem obstrução, presume-se que o local da obstrução esteja nos ureteres ou próximo a eles.

Avaliação da obstrução ureteral ou mais proximal

Os pacientes são submetidos a exames de imagem para detectar a presença e o local da obstrução. A escolha e a sequência de exames dependem do cenário clínico.

Ultrassonografia abdominal é o exame de escolha inicial na maioria dos pacientes sem anormalidades uretrais, para evitar as complicações alérgicas e tóxicas potenciais dos meios de contraste e permitir a avaliação de atrofia associada do parênquima renal. A ultrassonografia é o principal exame para detecção de hidronefrose. Entretanto, a taxa de resultados falso-positivos é de 25% se apenas os critérios mínimos (visualização do sistema coletor) forem considerados no diagnóstico. Ainda, a ausência de hidronefrose (e resultados falso-negativos) pode ocorrer se a obstrução for precoce (nos primeiros dias) ou leve, ou se houver fibrose ou tumor retroperitoneal que envolva o sistema coletor, prevenindo a dilatação do ureter.

TC é sensível para o diagnóstico da nefropatia obstrutiva e é utilizada quando não é possível comprovar a obstrução por ultrassonografia ou urografia intravenosa. TC helicoidal sem contraste é a modalidade de escolha para a obstrução devido a cálculo ureteral. Urografia por TC feita com e sem contraste é particularmente útil na avaliação de hematúria; o contraste aumenta a sensibilidade a anormalidades como cânceres, mas diminui a sensibilidade para cálculos. Afinamento do parênquima renal sugere obstrução mais crônica.

Ultrassonografia com Doppler duplex pode diagnosticar uropatia obstrutiva unilateral nos primeiros dias de obstrução aguda antes da dilatação do sistema coletor pela detecção do aumento do índice de resistência (um reflexo do aumento da resistência vascular renal) no rim afetado. Essa modalidade é menos útil em obesos e na obstrução bilateral, que não pode ser distinguida de doença renal intrínseca.

Urografia excretora (urografia por contraste, pielografia intravenosa, urografia intravenosa [UIV]) foi amplamente substituída por TC e RM (com e sem contraste). Entretanto, quando a TC não consegue identificar o nível da uropatia obstrutiva e quando a uropatia obstrutiva aguda parece ser causada por cálculo, descolamento de papila ou coágulo sanguíneo, pode-se indicar UIV ou pielografia retrógrada.

Pielografia anterógrada ou retrógrada é preferida a estudos que envolvam a administração vascular de meios de contraste em pacientes com uremia. Os exames retrógrados são realizados por cistoscopia, ao passo que os exames anterógrados necessitam de colocação de catéter percutâneo na pelve renal. Os pacientes com obstrução intermitente devem ser estudados quando apresentarem sintomas; de outro modo, a obstrução pode não ser identificada.

Mapeamentos com radionuclídeo também necessitam de alguma função renal, mas podem detectar obstrução sem uso de meios de contraste. Quando o rim é avaliado como não funcionante, o mapeamento com radionuclídeo pode determinar a perfusão e identificar parênquima renal funcionante. Em razão desse exame não detectar áreas específicas de obstrução, é utilizado principalmente em associação à renografia para avaliar hidronefrose sem obstrução aparente.

Pode-se usar RM com ou sem contraste quando é importante evitar radiação ionizante (p. ex., em crianças pequenas ou gestantes). No entanto, é inferior em precisão à ultrassonografia ou TC, particularmente na detecção de cálculos.

Avaliação da hidronefrose sem obstrução aparente

Exames podem ser necessários para determinar se a dor lombar ou no flanco é causada por obstrução em pacientes com hidronefrose, mas sem obstrução óbvia revelada em outros exames de imagem. Exames também podem ser realizados para detectar obstrução não reconhecida em pacientes com hidronefrose observada incidentalmente.

Na renografia com diuréticos administra-se um diurético de alça (p. ex., furosemida, 0,5 mg/kg, IV) antes de um mapeamento renal com radionuclídeo. O paciente deve apresentar função renal suficiente para responder ao diurético. Se houver obstrução, a velocidade de eliminação do radionuclídeo (ou do meio de contraste) durante a imagem renal é reduzida para uma meia-vida de > 20 minutos (normal < 15 minutos). Em casos raros, se o renograma for negativo ou duvidoso, mas o paciente for sintomático, um estudo de pressão de fluxo é realizado por via percutânea, com inserção de um catéter na pelve renal dilatada, seguida de perfusão com líquido na pelve a 10 mL/min.

Os pacientes são mantidos em pé. Se houver uropatia obstrutiva, apesar do aumento significativo do fluxo urinário, a velocidade de eliminação do radionuclídeo durante o mapeamento renal será retardada e haverá maior dilatação do sistema coletor e elevação da pressão na pelve renal para > 22 mmHg durante a perfusão.

Um renograma ou estudo de perfusão que causa dor similar à dor inicial do paciente é interpretado como positivo. Se o estudo de perfusão for negativo, a dor provavelmente apresenta causa não renal. Os resultados falso-positivos e falso-negativos são comuns em ambos os exames.

Prognóstico para uropatia obstrutiva

A maioria das obstruções pode ser corrigida, mas o atraso no tratamento pode causar lesão renal irreversível. O resultado varia dependendo da patologia subjacente, da existência ou inexistência de infecção do trato urinário e do grau e da duração da obstrução. Em geral, a lesão renal aguda decorrente de cálculo ureteral é reversível, com retorno adequado da função renal. Na uropatia obstrutiva crônica progressiva, a disfunção renal pode ser parcial ou completamente irreversível. O prognóstico piora se a uma infecção do trato urinário não for tratada.

Tratamento da uropatia obstrutiva

  • Alívio da obstrução

O tratamento consiste em eliminar a obstrução por cirurgia, instrumentação (p. ex., endoscopia, litotripsia), ou tratamento medicamentoso (p. ex., tratamento hormonal para câncer de próstata). A drenagem imediata da hidronefrose é indicada se a função renal estiver comprometida, se a infecção do trato urinário persistir, ou se a dor for incontrolável ou persistente. A drenagem imediata é indicada se a obstrução é acompanhada por infecção. Uropatia obstrutiva inferior pode necessitar de drenagem por sonda ou derivação urinária. O catéter ureteral de demora pode ser utilizado para drenagem aguda ou prolongada em pacientes selecionados.

A drenagem temporária com nefrostomia percutânea pode ser necessária em casos de uropatia obstrutiva grave, uma infecção do trato urinário ou cálculo.

O tratamento intensivo para uma infecção do trato urinário e insuficiência renal é imperativo.

No caso de hidronefrose sem obstrução evidente, deve-se considerar a cirurgia se o paciente apresentar dor e renograma diurético positivo. Entretanto, nenhum tratamento é necessário ao paciente assintomático com renograma negativo ou com renograma diurético positivo, mas com função renal normal.

Pontos-chave

  • As causas mais comuns em crianças são as anomalias congênitas; nos adultos jovens, os cálculos; e nos homens mais velhos, a hipertrofia prostática benigna.

  • As consequências podem incluir infecção renal e infecção.

  • A dor é comum quando os órgãos estão agudamente distendidos no trato superior geniturinário (comumente sentida no flanco) ou na bexiga (comumente sentida nos testículos, região suprapúbica ou lábios).

  • Suspeitar de uropatia obstrutiva quando os pacientes têm insuficiência renal inexplicável, diminuição da produção de urina, dor que sugere obstrução, oligúria ou anúria alternando com poliúria.

  • Para suspeita de obstrução do trato inferior, cateterização da bexiga, então considerar cistouretroscopia e, em casos selecionados, uretrocistografia miccional.

  • Para suspeita de obstrução do trato superior, fazer exames de imagem (p. ex., ultrassonografia abdominal, TC, ultrassonografia duplex Doppler, urografia excretora, RM).

  • Aliviar a obstrução prontamente, sobretudo em pacientes que também têm infecções do trato urinário.

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