Hipercalcemia

PorJames L. Lewis III, MD, Brookwood Baptist Health and Saint Vincent’s Ascension Health, Birmingham
Revisado/Corrigido: set 2021
Visão Educação para o paciente

A hipercalcemia consiste na concentração total de cálcio 10,4 mg/dL ( 2,60 mmol/L) ou cálcio iônico plasmático 5,2 mg/dL ( 1,30 mmol/L). As principais causas incluem hiperparatireoidismo, intoxicação por vitamina D e câncer. As características clínicas incluem poliúria, constipação, fraqueza muscular, confusão e coma. O diagnóstico se faz pela mensuração das concentrações plasmáticas de cálcio iônico e PTH. O tratamento para aumentar a excreção de cálcio e reduzir a reabsorção óssea de cálcio envolve solução fisiológica, diurese de sódio e fármacos como zoledronato.

(Ver também Visão geral dos distúrbios da concentração de cálcio.)

Etiologia da hipercalcemia

A hipercalcemia geralmente resulta de reabsorção óssea excessiva. Há muitas causas de hipercalcemia (ver tabela Principais causas de hipercalcemia), mas as mais comuns são

  • Hiperparatireoidismo

  • Câncer

Tabela

Fisiopatologia da hipercalcemia

Hiperparatireoidismo primário

O hiperparatireoidismo primário é uma doença generalizada resultante do excesso de produção de paratormônio (PTH, parathyroid hormone)por uma ou mais glândulas paratireoides. É, provavelmente, a causa de hipercalcemia mais comum, sobretudo entre pacientes que não estão hospitalizados. A incidência aumenta com a idade, sendo maior em mulheres na pós-menopausa. Também ocorre com grande frequência 3 décadas após irradiação do pescoço. Existem as formas familiar e esporádica.

O PTH eleva os níveis plasmáticos de cálcio aumentando sua absorção intestinal; mobilizando rapidamente o cálcio e o fosfato ósseos (reabsorção óssea); aumentando a reabsorção de cálcio pelo néfron distal; e estimulando a conversão da vitamina D em sua forma mais ativa, o calcitriol (o que aumenta o percentual de cálcio alimentar absorvido pelo intestino).

As formas familiares decorrentes de adenoma de paratireoide ocorrem em pacientes com outros tumores endócrinos (ver também Visão geral da neoplasia endócrina múltipla [NEM]). O hiperparatireoidismo primário causa hipofosfatemia e reabsorção óssea excessiva. Embora a hipercalcemia assintomática seja a apresentação mais frequente, a nefrolitíase também é comum, em particular quando a hipercalciúria decorre de hipercalcemia de longa duração. O exame histológico mostra adenoma de paratireoide em cerca de 85% dos pacientes com hiperparatireoidismo primário, apesar de algumas vezes ser difícil a diferenciação entre o adenoma e a glândula normal. Cerca de 15% dos casos decorrem de hiperplasia de 2 glândulas. O câncer de paratireoide ocorre em < 1% dos casos.

Hipercalcemia hipocalciúrica familiar

A síndrome de hipercalcemia hipocalciúrica familiar é transmitida como traço autossômico dominante. FHH envolve uma mutação inativadora do gene do receptor sensível ao cálcio CASR (mais comumente), GNA11, ou AP2S1 (peptídeos relacionados ao controle ou à expressão da CASR), resultando em concentrações mais elevadas de cálcio sérico sendo necessárias para inibir a secreção de PTH. A secreção subsequente de PTH induz a excreção de fosfato. Ocorre hipercalcemia persistente (em geral assintomática) e normalmente desde a juventude; concentrações normais ou discretamente elevadas de PTH; hipocalciúria e hipermagnesemia. A função renal é normal e a nefrolitíase é pouco comum. Entretanto, ocasionalmente ocorre pancreatite grave. Essa síndrome, que está associada à hiperplasia das paratireoides, não é tratada por paratireoidectomia subtotal.

Hiperparatireoidismo secundário

O hiperparatireoidismo secundário é mais comum em doença renal crônica avançada, quando a diminuição da formação da forma ativa da vitamina D nos rins e outros fatores levam à hipocalcemia e ao estímulo crônico da secreção de PTH. A hiperfosfatemia que se desenvolve em resposta à doença renal crônica também contribui. Depois de aberto o quadro de hiperparatireoidismo, pode ocorrer hipercalcemia ou normocalcemia. A sensibilidade da glândula paratireoide ao cálcio pode estar diminuída em decorrência da hiperplasia glandular pronunciada e da elevação do ponto de gatilho do cálcio (isto é, quantidade de cálcio necessário para reduzir a secreção de PTH).

Hiperparatireoidismo terciário

O hiperparatireoidismo terciário resulta de hipersecreção autônoma de PTH independentemente da concentração plasmática de cálcio. O hiperparatireoidismo terciário geralmente ocorre em pacientes com hiperparatireoidismo secundário de longa duração, como em pacientes no estágio final de insuficiência renal de vários anos de duração.

Câncer

O câncer é uma causa comum de hipercalcemia em pacientes hospitalizados. Apesar de haver vários mecanismos, as concentrações de cálcio elevadas em última instância ocorrem como resultado de reabsorção óssea.

A hipercalcemia humoral do câncer (isto é, hipercalcemia sem metástases ósseas ou com metástases mínimas) é mais comum em carcinoma de células escamosas, carcinoma de células renais, câncer de mama, câncer de próstata e câncer de ovário. Vários casos de hipercalcemia humoral de câncer foram anteriormente atribuídos à produção ectópica de PTH. Contudo, alguns desses tumores secretam um peptídeo relacionado com o PTH, que se liga a receptores tanto nos ossos como nos rins e mimetiza vários efeitos do hormônio, incluindo reabsorção óssea por osteoclastos.

Hipercalcemia osteolítica pode ser causada por tumores metastáticos sólidos (p. ex., cânceres de mama, próstata e câncer pulmonar de não pequenas células) ou cânceres hematológicos, na maioria das vezes mieloma múltipla, mas também certos linfomas e linfossarcomas. A hipercalcemia pode resultar de produção local de citocinas ou prostaglandinas ativadoras que estimulam os osteoclastos a reabsorver ossos, por meio de reabsorção óssea direta pelas células tumorais, ou ambos. Osteopenia difusa também pode ocorrer.

Toxicidade da vitamina D

A intoxicação por vitamina D pode ser causada por altas concentrações de vitamina D endógena 1,25(OH)2D]. Embora as concentrações plasmáticas sejam baixas na maioria dos pacientes com tumores sólidos, os pacientes com linfoma ou leucemia de células T têm concentrações elevadas decorrente da desregulação da enzima alfa 1 hidroxilase presente nas células tumorais. A vitamina D exógena em doses farmacológicas provoca reabsorção óssea excessiva, bem como aumento da reabsorção intestinal de cálcio, causando hipercalcemia e hipercalciúria.

Distúrbios granulomatosos

Doenças granulomatosas, como sarcoidose, tuberculose, lepra, beriliose, histoplasmose e coccidioidomicose, causam hipercalcemia e hipercalciúria. Na sarcoidose, a hipercalcemia e a hipercalciúria parecem decorrer da conversão não regulada de 25(OH)D para 1,25(OH) 2D, presumivelmente pela expressão da 1-alfa-hidroxilase em células mononucleares dentro dos granulomas sarcoides. De modo semelhante, foi descrito o aumento das concentrações plasmáticas de 1,25(OH)2D em pacientes com hipercalcemia e tuberculose ou silicose. Outros mecanismos devem colaborar para a hipercalcemia em algumas ocasiões, uma vez que a depressão de 1,25(OH) 2D ocorre em alguns pacientes com hipercalcemia e lepra.

Imobilização

A imobilização, particularmente em repouso completo e prolongado no leito, em pacientes de risco (ver tabela Principais causas de hipercalcemia), pode resultar em hipercalcemia decorrente de reabsorção óssea acelerada. A hipercalcemia se desenvolve dias a semanas após o início do repouso no leito. A reversão da hipercalcemia ocorre imediatamente com a sustentação de peso. Indivíduos jovens com múltiplas fraturas ósseas e pacientes com doença de Paget são particularmente suscetíveis à hipercalcemia, quando ficam em repouso no leito.

Hipercalcemia infantil idiopática

A hipercalcemia idiopática da infância (síndrome de Williams — ver tabela Síndromes de microdeleção) é uma doença esporádica extremamente rara com características faciais dismórficas, anormalidades cardiovasculares, hipertensão renovascular e hipercalcemia. Leva à nefrocalcinose em alguns pacientes. A causa da hipercalcemia é desconhecida.

Síndrome leite-álcali

Na síndrome leite-álcali, ingerem-se quantidades excessivas de cálcio e álcalis absorvíveis, geralmente durante o autotratamento com antiácidos à base de carbonato de cálcio para dispepsia ou para a prevenção de osteoporose, resultando em hipercalcemia, alcalose metabólica e insuficiência renal. A disponibilidade de fármacos eficazes para o tratamento de úlcera péptica e osteoporose reduziu muito a incidência dessa síndrome.

Sinais e sintomas da hipercalcemia

Na hipercalcemia leve, vários pacientes são assintomáticos. As manifestações clínicas da hipercalcemia incluem constipação, anorexia, náuseas e vômitos, dor abdominal e íleo. A alteração dos mecanismos de concentração renal causa poliúria, noctúria e polidipsia. A elevação do cálcio plasmático > 12 mg/dL (> 3,00 mmol/L) provoca labilidade emocional, confusão, delirium, psicose, estupor e coma. A hipercalcemia pode causar sintomas neuromusculares, incluindo fraqueza dos músculos esqueléticos. Hipercalciúria com nefrolitíase é comum.

Menos frequentemente, a hipercalcemia prolongada ou grave causa lesão renal aguda reversível ou irreversível por nefrocalcinose (precipitação de sais de cálcio no parênquima renal).

Na hipercalcemia grave observa-se encurtamento do intervalo QTc no ECG, podendo ocorrer arritmia, particularmente nos pacientes que tomam digoxina. Hipercalcemia > 18 mg/dL (> 4,50 mmol/L) pode causar choque, insuficiência renal e morte.

Diagnóstico da hipercalcemia

  • Concentração de cálcio total (e às vezes ionizado) no soro

  • Radiografia de tórax; dosagem de eletrólitos, ureia, creatinina, fosfato, PTH e fosfatase alcalina; imunoeletroforese de proteínas plasmáticas para determinar a causa

  • Algumas vezes, excreção urinária de cálcio com ou sem fosfato

O diagnóstico de hipercalcemia é feito por concentrações plasmáticas de cálcio > 10,4 mg/dL (> 2,60 mmol/L) ou cálcio ionizado plasmático > 5,2 mg/dL (> 1,30 mmol/L). Essa condição frequentemente é descoberta em exames laboratoriais de rotina.

O cálcio plasmático pode estar artificialmente elevado por níveis altos séricos de proteínas (ver tabela Achados clínicos e laboratoriais em algumas doenças causadoras de hipercalcemia). A hipercalcemia ionizada verdadeira também pode ser mascarada por baixas concentrações de proteínas plasmáticas. Quando as proteínas e a albumina forem anormais e houver suspeita de hipercalcemia iônica por conta de achados clínicos (p. ex., em decorrência dos sintomas de hipercalcemia), deve-se medir o cálcio plasmático.

Avaliação inicial

A avaliação inicial deve incluir

  • Revisão da história, em particular da concentração plasmática anterior de cálcio

  • Exame físico

  • Radiografia de tórax

  • Estudos laboratoriais, incluindo radiografia de tórax; medida de eletrólitos, ureia, creatinina, cálcio iônico, fosfato, PHT e fosfatase alcalina; imunoeletroforese de proteínas plasmáticas

A causa é aparente por história e exame físico em mais de 95% dos pacientes. Os pacientes sem causas evidentes de hipercalcemia depois dessa avaliação devem dosar o hormônio paratireóideo intacto e o cálcio urinário de 24 horas. Se não forem encontradas causas óbvias, cálcio sérico < 11 mg/dL (< 2,75 mmol/L) sugere hiperparatireoidismo ou outras causas não malignas, ao passo que cálcio sérico > 13 mg/dL (> 3,25 mmol/L) sugere câncer.

História de hipercalcemia assintomática há muitos anos ou em vários membros da família levanta a possibilidade de hipercalcemia hipercalciúrica familiar. O hiperparatireoidismo primário costuma ocorrer mais tarde na vida, mas pode estar presente vários anos antes da ocorrência dos sintomas.

As medidas das concentrações de PTH intacto ajudam a diferenciar hipercalcemia mediada por PTH (p. ex., causada por hiperparatireoidismo ou hipercalcemia hipercalciúrica familiar), na qual os níveis de PTH são elevados ou normais altos, da maioria das outras causas (independentes de PTH). Nas causas independentes de PTH, as concentrações geralmente são < 20 pg/mL (< 2,1 pmol/L)

A radiografia de tórax é particularmente útil, revelando a maioria das doenças granulomatosas, como tuberculose, sarcoidose e silicose, assim como câncer primário de pulmão e lesões líticas e de Paget nos ossos do ombro, nos arcos costais e na coluna torácica.

Radiografias de tórax e ossos (p. ex., crânio, membros) também podem evidenciar os efeitos do hiperparatireoidismo secundário nos ossos, mais comumente em pacientes sob diálise há muito tempo. Na osteíte fibrosa cística (em geral decorrente de hiperparatireoidismo primário), o aumento da atividade de osteoclastos pela estimulação excessiva por PTH causa rarefação óssea, com degeneração fibrosa e formação de cistos e nódulos fibrosos. Como as lesões ósseas características ocorrem apenas com lesão relativamente avançada, não se recomendam radiografias em pacientes assintomáticos. As radiografias tipicamente mostram cistos ósseos, aspecto heterogêneo do crânio e reabsorção de osso subperiosteal nas falanges e porção distal das clavículas.

Hiperparatireoidismo

No hiperparatireoidismo, o nível plasmático de cálcio raramente está > 12 mg/dL (> 3 mmol/L), mas o cálcio plasmático ionizado quase sempre está aumentado. Baixas concentrações de fosfato sugerem hiperparatireoidismo, em especial quando associadas à excreção renal elevada de fosfato. Quando o hiperparatireoidismo resulta em aumento do turnover ósseo, a fosfatase alcalina com frequência está elevada. O aumento do PTH intacto, em particular elevações inapropriadas (isto é, alta concentração na ausência de hipocalcemia) ou concentração normal-elevada inapropriada (isto é, apesar da hipocalcemia), é diagnóstico.

A excreção urinária de cálcio costuma estar normal ou alta no hiperparatireoidismo. Doença renal crônica sugere a presença de hiperparatireoidismo secundário, mas pode haver também hiperparatireoidismo primário. Em pacientes com doença renal crônica, concentrações plasmáticas elevadas de cálcio e normais de fosfato sugerem hiperparatireoidismo primário, ao passo que fosfato elevado sugere hiperparatireoidismo secundário.

Deve-se considerar neoplasia endócrina múltipla (NEM) em pacientes com hiperparatireoidismo primário. Hiperparatireoidismo primário é mais comum em mulheres, ocorre com mais frequência em pessoas de 30 a 50 anos e costuma se manifestar com uma única glândula anormal, enquanto a NEM ocorre de maneira proporcional em ambos os sexos, tipicamente ocorre em adultos mais jovens e, geralmente, se manifesta com múltiplas glândulas anormais, bem como adenomas da paratireoide recorrentes.

A necessidade de localização do tecido da paratireoide antes da cirurgia é controversa. Tomografia computadorizada de alta resolução, com ou sem biópsia dirigida por TC e imunoensaio da drenagem venosa da tireoide, ressonância nuclear magnética, ultrassonografia de alta resolução, angiografia de subtração digital e mapeamento com tálio 201-tecnécio 99 foram utilizados e são altamente precisos, mas não aumentaram a taxa de cura, habitualmente elevada, da paratireoidectomia realizada por um cirurgião experiente. O tecnécio 99 sestamibi, um agente radionuclídeo para imagem de paratireoide, é mais sensível e específico que os agentes anteriores e pode ser útil para identificar adenomas solitários.

Para hiperparatireoidismo residual ou reincidente após cirurgia inicial de paratireoide, é necessário exame de imagem que pode revelar glândulas paratireoides com função anormal em localizações não usuais no pescoço e mediastino. O tecnécio 99 sestamibi é provavelmente o exame de imagem mais sensível. A utilização de vários exames de imagem (ressonância nuclear magnética, TC ou ultrassonografia de alta resolução, além do tecnécio-99 sestamibi) antes de repetir a paratireoidectomia é necessária, em alguns casos.

Câncer

A dosagem do cálcio plasmático > 13 mg/dL (> 3 mmol/L) sugere outra causa de hipercalcemia diferente de hiperparatireoidismo. A excreção urinária de cálcio costuma ser normal ou alta em casos de câncer. Na hipercalcemia humoral do câncer, o PTH geralmente está diminuído ou indetectável, o fosfato está diminuído e alcalose metabólica, hipocloremia e hipoalbuminemia estão presentes. O PTH suprimido diferencia a hipercalcemia humoral do câncer do hiperparatireoidismo primário. A hipercalcemia humoral do câncer também pode ser diagnosticada com a detecção de peptídeo relacionado com o PTH no plasma.

Mieloma múltiplo é sugerido por anemia, azotemia e hipercalcemia simultâneas ou pela presença de gamopatia monoclonal. O mieloma é confirmado pelo exame da medula óssea.

Hipercalcemia hipocalciúrica familiar

A HHF é muito rara, mas deve ser considerada em pacientes com hipercalcemia e concentrações elevadas ou normais-elevadas de PTH. Diferencia-se a HHF do hiperparatireoidismo primário por

  • Idade precoce de início

  • Ausência de sintomas

  • Ocorrência frequente de hipermagnesemia

  • Hipercalcemia sem hipercalciúria em outros membros da família

  • Baixa excreção fracionada de cálcio, que é a proporção entre depuração de cálcio e depuração da creatinina (< 1% na HHF; 1 a 4% no hiperparatireoidismo primário)

  • PTH intacto normal ou alto

A alteração da regulação da retroalimentação das glândulas paratireoides pode ser responsável pelo nível de PTH intacto normal ou aumentado.

Testes para mutações dos genes CASR, GNA11 ou AP2S1 podem identificar a causa genética das formas autossômicas dominantes da doença que afeta uma dada família.

Síndrome leite-álcali

Além de uma história de aumento de ingestão de antiácidos contendo cálcio, a síndrome leite-álcali é reconhecida pela associação de hipercalcemia, alcalose metabólica e, ocasionalmente, azotemia e hipocalciúria. O diagnóstico pode ser confirmado se as concentrações plasmáticas de cálcio rapidamente voltarem ao normal quando a ingestão de cálcio e álcalis for interrompida, embora a insuficiência renal possa persistir se houver nefrocalcinose. As concentrações de PTH circulantes habitualmente estão suprimidas.

Outras causas

A intoxicação por vitamina D se caracteriza por concentrações elevadas de 25(OH)D. Na hipercalcemia decorrente de sarcoidose, de outras doenças granulomatosas e de alguns linfomas, as concentrações plasmáticas de 1,25(OH)2D podem estar elevadas.

Em outras causas endócrinas de hipercalcemia, como tireotoxicose e doença de Addison, os achados laboratoriais típicos das doenças subjacentes ajudam a estabelecer o diagnóstico. Se houver suspeita de doença óssea de Paget, solicitar inicialmente radiografias que podem revelar as alterações características.

Tabela

Tratamento da hipercalcemia

  • Fosfato oral para cálcio sérico < 11,5 mg/dL (< 2,9 mmol/L) com sintomas leves e sem doença renal

  • Solução fisiológica IV e furosemida para correção mais rápida e cálcio sérico elevado < 18 mg/dL (< 4,5 mmol/L)

  • Bifosfonatos ou outro redutores de cálcio para cálcio sérico de 11,5 a 18 mg/dL (3,7 a 5,8 mmol/L) e/ou sintomas moderados

  • Hemodiálise para cálcio plasmático > 18 mg/dL (> 5,8 mmol/L)

  • Remoção cirúrgica das glândulas paratireoides para hiperparatireoidismo primário moderado progressivo e, algumas vezes, para doença leve por hiperparatireoidismo

  • Restrição de fostato e ligadores e, às vezes, calcitriol para hiperparatireoidismo secundário

Há 4 estratégias principais para reduzir a concentração plasmática de cálcio:

  • Diminuir a absorção intestinal de cálcio

  • Aumentar a excreção urinária de cálcio

  • Diminuir a reabsorção óssea

  • Remover o excesso de cálcio por meio da diálise

O tratamento utilizado depende tanto do grau como da causa da hipercalcemia. Reposição de volume com soro fisiológico é um elemento essencial do tratamento.

Hipercalcemia leve

Na hipercalcemia leve [cálcio sérico < 11,5 mg/dL (< 2,9 mmol/L)], em que os sintomas são leves ou ausentes, o tratamento é adiado até o diagnóstico definitivo. Depois do diagnóstico, trata-se a causa subjacente.

Se os sintomas forem significativos, é necessário tratamento com o objetivo de reduzir as concentrações plasmáticas de cálcio. Pode-se utilizar fosfato por via oral. Quando tomado às refeições, o fosfato se liga a parte do cálcio, impedindo a sua absorção. A dose inicial é de 250 mg de fosfato elementar (como sal de sódio ou potássio) 4 vezes ao dia. A dose pode ser aumentada para 500 mg 4 vezes ao dia, se necessário, a menos que haja diarreia.

Outro tratamento é aumentar a excreção urinária de cálcio, administrando solução fisiológica isotônica associada a um diurético de alça. Inicialmente, 1 a 2 L de solução fisiológica são administrados, ao longo de 2 a 4 horas, a menos que haja insuficiência cardíaca significativa, pois quase todos os pacientes com hipercalcemia significativa são hipovolêmicos. Furosemida (20 a 40mg, IV a cada 2 ou 4 horas) é administrada conforme o necessário para manter o débito urinário em cerca de 250 mL/hora (monitorar a cada hora). Deve-se ter cuidado para evitar a depleção de volume. A frequência do monitoramento do potássio e magnésio é a cada 4 horas durante o tratamento e realiza-se reposição intravenosa para evitar hipopotassemia e hipomagnesemia. A concentração plasmática de cálcio começa a diminuir em 2 a 4 horas e chega a concentrações próximas às normais em 24 horas.

Hipercalcemia moderada

[A hipercalcemia moderada [cálcio plasmático > 11,5 mg/dL (< 2,88 mmol/L) e < 18 mg/dL (< 4,51 mmol/L)] pode ser tratada com soro fisiológico isotônico e diurético de alça, assim como no caso de hipercalcemia leve, ou, dependendo da causa, com fármacos que reduzem a reabsorção óssea (em geral bisfosfonatos, calcitonina ou, com menos frequência, plicamicina ou nitrato de gálio), corticoides ou cloroquina.

Os bisfosfonatos inibem os osteoclastos. São, geralmente, os fármacos de escolha para hipercalcemia associada ao câncer. Pode-se administrar zoledronato em dose única de 4 a 8 mg, IV, que reduz o cálcio sérico de modo eficaz em média por > 40 dias.

O pamidronato pode ser administrado para hipercalcemia associada ao câncer, como dose única de 30 a 90 mg, IV repetida apenas após 7 dias. Isso reduz o cálcio plasmático por 2 semanas.

Pode-se administrar ibandronato em dose única de 4 a 6 mg IV para a hipercalcemia associada a câncer; é eficaz por cerca de 14 dias.

Etidronato (7,5mg/kg, IV uma vez ao dia, por 3 a 5 dias) é utilizado no tratamento da doença de Paget e na hipercalcemia associada ao câncer. A dose de manutenção é de 20 mg/kg, por via oral uma vez ao dia, mas deve ser reduzida se a taxa de filtração glomerular for baixa.

O uso repetido de bisfosfonatos IV para tratar hipercalcemia associada a doenças ósseas metastáticas ou mieloma foi associado à osteonecrose da mandíbula. Alguns relatos sugerem que esse achado seja mais comum com zolendronato. Toxicidade renal foi descrita em pacientes recebendo zolendronato. Os bisfosfonatos orais (alendronato e risedronato) podem ser administrados para manter o cálcio nas concentrações normais, mas geralmente não são utilizados no tratamento de hipercalcemia agudamente.

Denosumabe, 120 mg, por via subcutânea, a cada 4 semanas com doses adicionais nos dias 8 e 15 do primeiro mês de tratamento, é um anticorpo monoclonal inibidor da atividade osteoclástica que pode ser utilizado para hipercalcemia associada a câncer que não responde aos bisfosfonatos. Cálcio e vitamina D são administrados conforme necessário para evitar hipocalcemia.

A calcitonina (tirocalcitonina) é um hormônio peptídico de ação rápida, normalmente secretado em resposta à hipercalcemia pelas células C da tireoide. A calcitonina parece reduzir a concentração plasmática de cálcio, inibindo a atividade dos osteoclastos. A dose de calcitonina de salmão de 4 a 8 UI/kg, por via subcutânea, a cada 12 horas, é segura. A calcitonina pode diminuir os níveis séricos de cálcio por 1 a 2 mg/dL em algumas horas. Sua utilidade no tratamento da hipercalcemia associada ao câncer é limitada em razão da curta duração de ação, com o desenvolvimento de taquifilaxia (muitas vezes após cerca de 48 horas) e pela falta de resposta em 40% dos pacientes. Entretanto, a combinação de calcitonina de salmão e prednisona pode controlar a concentração plasmática de cálcio por vários meses em alguns pacientes com câncer. Se a calcitonina deixar de funcionar, pode ser suspensa por 2 dias (enquanto se mantém a prednisona) e depois reiniciada.

Os corticoides (p. ex., prednisona 20 a 40 mg por via oral uma vez ao dia) podem ajudar a controlar a hipercalcemia como tratamento adjuvante, diminuindo a produção de calcitriol e, dessa forma, a absorção intestinal de cálcio na maioria dos pacientes com toxicidade pela vitamina D, hipercalcemia idiopática da infância e sarcoidose. Alguns pacientes com mieloma, linfoma, leucemia ou câncer metastático necessitam de 40 a 60 mg de prednisona, uma vez ao dia. Entretanto, > 50% desses pacientes não respondem aos corticoides e essa resposta, quando ocorre, demora vários dias; assim, geralmente é necessário outro tratamento.

Fosfato de cloroquina (500 mg por via oral uma vez ao dia) inibe a síntese de 1,25(OH)2D e reduz as concentrações séricas de cálcio em pacientes com sarcoidose. Os rastreamentos oftalmológicos de rotina (p. ex., exames de retina a cada 6 a 12 meses) são obrigatórios para detectar lesões da retina relacionadas à dose.

Plicamicina 25 mcg/kg, IV uma vez ao dia, em 50 mL de solução glicosada a 5%, durante 4 a 6 horas é eficaz em pacientes com hipercalcemia decorrente de câncer, mas pouco utilizada porque outros tratamentos são mais seguros.

Nitrato de gálio também é eficaz na hipercalcemia decorrente de câncer, mas pouco utilizado em virtude da toxicidade renal e da experiência clínica limitada.

Hipercalcemia grave

Na hipercalcemia grave [cálcio plasmático > 18 mg/dL (> 4,5 mmol/L) ou com sintomas graves], a hemodiálise com dialisado pobre em cálcio pode ser necessária em acréscimo aos outros tratamentos anteriores. Apesar de não haver uma maneira completamente satisfatória de corrigir a hipercalcemia grave em pacientes com insuficiência renal, a hemodiálise provavelmente é a mais segura e mais confiável no tratamento de curto prazo.

Fosfato intravenoso (fosfato dissódico ou monopotássico) só deve ser utilizado quando a hipercalcemia causar risco à vida e não responder a outros métodos e quando a hemodiálise em curto prazo não for possível. Não mais de 1 g deve ser administrado IV em 24 horas; em geral, 1 a 2 doses em 2 dias reduzem a concentração plasmática de cálcio em 10 a 15 dias. O resultado pode ser calcificação de tecidos moles e insuficiência renal aguda. (NOTA: a infusão IV de sulfato de sódio é ainda mais perigosa e menos eficaz que a infusão de fosfato e não deve ser utilizada.)

Hiperparatireoidismo

O tratamento do hiperparatireoidismo depende da gravidade.

Pacientes com hiperparatireoidismo primário assintomático sem indicação de cirurgia podem ser tratados de forma conservadora para garantir que as concentrações de cálcio permaneçam baixas. Os pacientes devem permanecer ativos (isto é, evitar imobilização que possa exacerbar a hipercalcemia), seguir uma dieta pobre em cálcio, beber líquidos para minimizar a chance de nefrolitíase e evitar fármacos que elevem a concentração plasmática de cálcio, como tiazídicos. A concentração plasmática de cálcio e a função renal devem ser monitoradas a cada 6 meses. A densidade mineral óssea deve ser monitorada a cada 12 meses. Entretanto, doença óssea subclínica, hipertensão e longevidade são motivos de preocupação. A osteoporose é tratada com bisfosfonatos.

Há indicação de cirurgia para os pacientes com hiperparatireoidismo sintomático ou progressivo. As indicações de cirurgia para pacientes com hiperparatireoidismo primário assintomático são controversas. A paratireoidectomia cirúrgica aumenta a densidade óssea e pode ter efeitos modestos sobre alguns sintomas de qualidade de vida, mas a maioria dos pacientes não apresenta deterioração progressiva nas anormalidades bioquímicas ou densidade óssea. Além disso, permanecem as preocupações relativas a hipertensão e longevidade. Vários especialistas recomendam a cirurgia nas seguintes circunstâncias:

  • Concentração plasmática de cálcio 1 mg/dL (0,25 mmol/L) acima dos limites superiores da normalidade

  • Calciúria > 400 mg/dia (> 10 mmol/dia)

  • Depuração de creatinina < 60 mL/min

  • Pico de densidade óssea no quadril, na coluna lombar e no rádio 2,5 desvios padrão abaixo dos controles (score T =2,5)

  • Idade < 50 anos

  • Possibilidade de má adesão no seguimento

A cirurgia consiste na remoção das glândulas adenomatosas. A concentração do hormônio paratireoide pode ser dosada antes e após a remoção da glândula presumidamente alterada, por meio de testes rápidos. Queda ≥ 50% 10 minutos após a remoção do adenoma, indica tratamento bem-sucedido. Em pacientes com doença em > 1 glândula, removem-se várias glândulas e uma porção de paratireoide de aspecto normal costuma ser reimplantada ao músculo esternocleidomastoideo ou na região subcutânea do antebraço. A criopreservação do tecido da paratireoide também é ocasionalmente realizada para um transplante autólogo posterior se ocorrer hipoparatireoidismo persistente.

Quando o hiperparatireoidismo for leve, as concentrações plasmáticas de cálcio diminuem para valores dentro do normal 24 a 48 horas após a cirurgia; a concentração plasmática de cálcio deve ser monitorada. Em pacientes com osteíte fibrosa cística grave, hipocalcemia sintomática e prolongada pós-operatória pode ocorrer, a menos que se administrem 10 a 20 g de cálcio elementar nos dias anteriores à cirurgia. Mesmo com administração de cálcio no pré-operatório, grandes doses de cálcio e vitamina D podem ser necessárias enquanto se repõe o cálcio ósseo.

Em pacientes que têm hipercalcemia grave com hiperparatireoidismo primário que não podem ser submetidos à paratireoidectomia, indica-se tratamento conservador. O cinacalcete, um agente calcimimético que aumenta a sensibilidade aos receptores sensíveis ao cálcio extracelular, pode reduzir os níveis de hormônio paratireóideo e de cálcio.

O hiperparatireoidismo dos pacientes com insuficiência renal costuma ser secundário. As medidas utilizadas no tratamento também podem ser usadas para prevenção. Um objetivo é evitar a hiperfosfatemia. O tratamento associa a restrição de fosfato alimentar a agentes ligadores de fosfato, como carbonato de cálcio ou sevelâmer. Apesar da utilização dos ligadores de fosfato, é necessária a restrição alimentar de fosfato. Compostos contendo alumínio foram usados para limitar as concentrações de fosfato, mas devem ser evitados, em especial nos pacientes em tratamento de longo prazo com diálise, para evitar acúmulo no osso, resultando em osteomalácia grave. A administração de vitamina D é potencialmente arriscada em caso de insuficiência renal porque pode aumentar a absorção do fosfato e contribuir para hipercalcemia; a administração requer monitoramento frequente dos níveis cálcio e do fosfato. O tratamento deve se limitar a pacientes portadores de:

  • Osteomalácia sintomática (não relacionada a alumínio)

  • Hiperparatireoidismo secundário

  • Hipocalcemia pós-paratireoidectomia

Embora o calcitriol oral seja, geralmente, administrado juntamente com cálcio oral para suprimir o hiperparatireoidismo secundário, os resultados são variáveis em pacientes com insuficiência renal em estado terminal. A forma parenteral de calcitriol, ou análogos de vitamina D como paricalcitol, pode ser melhor para prevenir o hiperparatireoidismo secundário nesses pacientes, em razão das concentrações plasmáticas de 1,25(OH)2D mais elevadas obtidas com a supressão direta da liberação de PTH. Osteomalacia simples pode responder ao calcitriol, 0,25 a 0,5 mcg, por via oral uma vez ao dia, ao passo que a correção da hipocalcemia pós-paratireoidectomia pode requerer administração prolongada de até 2 mcg de calcitriol, por via oral uma vez ao dia e 2 g de cálcio elementar/dia.

Calcimiméticos, cinacalcet, modulam o ponto de definição do receptor sensível ao cálcio nas células paratireoides e diminuem a concentração de PTH em pacientes sob diálise sem aumentar o cálcio sérico. Em pacientes com osteomalácia causada pelo consumo de grandes quantidades de ligadores de fosfato contendo alumínio, a remoção de alumínio com deferoxamina é necessária antes de se administrar calcitriol para melhorar as lesões ósseas.

Hipercalcemia hipocalciúrica familiar

Embora essa alteração resulte de tecido paratireoideo histologicamente anormal, a resposta à paratireoidectomia subtotal não é satisfatória. Como manifestações clínicas explícitas são raras, o tratamento medicamentoso não é indicado rotineiramente.

Pontos-chave

  • As causas mais comuns da hipercalcemia são hiperparatireoidismo e câncer.

  • As características clínicas incluem poliúria, constipação, anorexia e hipercalciúria com cálculos renais; pacientes com altas concentrações de cálcio podem ter fraqueza muscular, confusão e coma.

  • Fazer radiografia de tórax; medir eletrólitos, ureia, creatinina, cálcio iônico, fosfato, PTH (parathyroid hormone) e fosfatase alcalina, e fazer imunoeletroforese de proteínas plasmáticas.

  • Além de tratar a causa, tratar hipercalcemia leve (cálcio no soro < 11,5 mg/dL [< 2,9 mmol/L]) com fosfato oral ou soro fisiológico isotônica, além de um diurético de alça.

  • Na hipercalcemia moderada [cálcio sérico > 11,5 mg/dL (< 2,9 mmol/L) e < 18 mg/dL (< 4,5 mmol/L)], acrescentar bisfosfonato, corticoides e, algumas vezes, calcitonina.

  • Para hipercalcemia grave, hemodiálise pode ser necessária.

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