Visão geral da anemia hemolítica

PorEvan M. Braunstein, MD, PhD, Johns Hopkins University School of Medicine
Revisado/Corrigido: jun 2022
Visão Educação para o paciente

No final do ciclo normal de vida (cerca de 120 dias), os eritrócitos são removidos da circulação. Define-se hemólise como a destruição prematura e, consequentemente, um ciclo de vida mais curto dos eritrócitos (< 120 dias). A anemia acontece quando a produção da medula óssea não consegue mais compensar a diminuição da sobrevida dos eritrócitos; essa doença é chamada de anemia hemolítica. Se a medula puder compensar, a condição passa a ser chamada anemia hemolítica compensada.

Etiologia da anemia hemolítica

Pode-se classificar a hemólise pelo fato de ser

  • Extrínseca: de uma fonte fora dos eritrócitos; os distúrbios extrínsecos aos eritrócitos geralmente são adquiridos.

  • Intrínseca: decorrente de um defeito dentro dos eritrócitos; anomalias eritrocitárias intracelulares (ver tabela Anemias hemolíticas) costumam ser hereditárias.

Distúrbios extrínsecos dos eritrócitos

As causas dos distúrbios extrínsecos aos eritrócitos são

Organismos infecciosos podem causar anemia hemolítica por meio dos mecanismos a seguir:

  • Ação direta de toxinas (p. ex., Clostridium perfringens, estreptococos alfa ou beta-hemolíticos, meningococos)

  • Invasão e destruição dos eritrócitos pelo organismo (p. ex., Plasmodium ssp, Bartonella ssp, Babesia ssp)

  • Produção de anticorpos (p. ex., vírus de Epstein-Barr, micoplasma).

Anormalidades intrínsecas aos eritrócitos

Defeitos intrínsecos ao eritrócito que podem causar hemólise envolvem estas anormalidades:

  • Membrana eritrocitária

  • Metabolismo celular

  • Estrutura da hemoglobina

As alterações incluem as doenças da membrana celular (p. ex., esferocitose hereditária), doenças da membrana celular adquiridas (p. ex., hemoglobinuria noturna paroxística), doenças do metabolismo dos eritrócitos [p. ex., deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD)] e hemoglobinopatias (p. ex., doença falciforme e talassemias). Anomalias quantitativas e funcionais de certas proteínas da membrana dos eritrócitos (alfa e beta-espectrina, proteína 4.1, F-actina, anquirina) causam anemia hemolítica.

Tabela

Fisiopatologia da anemia hemolítica

A hemólise pode ser

  • Aguda

  • Crônica

  • Episódica

A hemólise também pode ser

  • Extravascular

  • Intravascular

  • Ambos

Processo normal de eritrócitos

Os eritrócitos senescentes perdem membranas e são removidos da circulação pelas células fagocíticas do baço, fígado, medula óssea e sistema reticuloendotelial. A quebra da hemoglobina ocorre nessas células primariamente pelo sistema da heme oxigenase. O ferro é conservado e reutilizado, a heme é degradada em bilirrubina, a qual é conjugada no fígado em bilirrubina glicuronida e excretada na bile.

Hemólise extravascular

A maior parte da hemólise patológica é extravascular e ocorre quando eritrócitos defeituosos ou anômalos são retirados da circulação pelo baço e pelo fígado. O baço contribui para a hemólise, destruindo levemente os eritrócitos anormais ou as células cobertas por anticorpos quentes. Um baço dilatado pode sequestrar até os eritrócitos normais. Os eritrócitos gravemente anormais ou aqueles revestidos por anticorpos frios ou complementos (C3) são destruídos dentro do baço e fígado, o que (por causa do seu grande fluxo sanguíneo) pode remover com eficiência as células danificadas. Na hemólise extravascular, o esfregaço de sangue periférico mostrará esferócitos ou aglutininas frias e aglutinação de eritrócitos se o sangue não for aquecido após a coleta.

Hemólise intravascular

É uma razão importante para destruição dos eritrócitos e ocorre quando a membrana da célula foi gravemente lesionada por diferentes mecanismos, incluindo

  • Fenômenos autoimunes

  • Trauma direto (p. ex., hemoglobinúria da marcha)

  • Tensão de cisalhamento (p. ex., valvas cardíacas com defeito mecânico)

  • Coagulação intravascular disseminada

  • Toxinas (p. ex., toxinas clostridiais, mordida de cobra venenosa)

A hemólise intravascular resulta em hemoglobinemia quando a quantidade de hemoglobina liberada no plasma excede a capacidade de ligação da hemoglobina da haptoglobina, proteína de ligação do plasma, normalmente ocorre em concentrações plasmáticas de aproximadamente 100 mg/dL (1,0 g/L). Portanto, a hemólise intravascular reduz a haptoglobina plasmática não ligada. Com hemoglobinemia, dímeros de hemoglobina não ligada são filtrados na urina e reabsorvidos nas células tubulares renais; quando a capacidade de reabsorção é excedida, ocorre a hemoglobinemia. O ferro é liberado da hemoglobina catabolizada e convertido em hemossiderina dentro das células tubulares; parte desse ferro é assimilada para reutilização e parte chega à urina quando as células tubulares se degradam.

Consequências da hemólise

A hiperbilirrubinemia não conjugada (indireta) e a icterícia acontecem quando a conversão da hemoglobina em bilirrubina excede a capacidade do fígado de conjugar e excretar a bilirrubina. O catabolismo da bilirrubina causa aumento de estercobilina nas fezes e urobilinogênio na urina e, às vezes, colelitíase.

O aumento da produção de eritropoietina pelos rins em resposta à anemia que se segue faz com que a medula óssea acelere a produção e a liberação de eritrócitos, resultando em uma reticulocitose.

Sinais e sintomas da anemia hemolítica

As manifestações sistêmicas das anemias hemolíticas lembram aquelas das outras anemias e incluem palidez, fadiga, tontura e fraqueza. Icterícia conjuntival e/ou icterícia podem ocorrer e pode haver esplenomegalia.

As crises hemolíticas (hemólise aguda, grave) são incomuns; podem ser acompanhadas de calafrios, febre, dores lombar e abdominal, prostração e choque. Hemoglobinúria faz com que a urina fique vermelha ou vermelho-amarronzada.

Diagnóstico da anemia hemolítica

  • Esfregaço de sangue periférico e contagem de reticulócitos

  • Bilirrubina sérica, desidrogenase láctica (DHL), haptoglobina e alanina aminotransferase (ALT)

  • Testes de antiglobulina (Coombs) e/ou triagem de hemoglobinopatias

Suspeitar hemólise nos pacientes com anemia e reticulocitose. Se houver suspeita de hemólise, examinar o esfregaço de sangue periférico e dosar bilirrubina sérica, DHL, haptoglobina e ALT. O esfregaço de sangue periférico e a contagem de reticulócitos são os exames mais importantes para o diagnóstico da hemólise. Teste de antiglobulina ou triagem de hemoglobinopatia [p. ex., cromatografia líquida de alto desempenho (HPLC)] podem ajudar a identificar a causa da hemólise. Entretanto, em alguns pacientes com anemia hemolítica autoimune, a contagem de reticulócitos não aumenta, o que leva a uma emergência hematológica que exige tratamento com transfusão sanguínea imediata.

Anormalidades morfológicas dos eritrócitos com frequência sugerem a presença e a causa da hemólise (ver tabela Alterações morfológicas dos eritrócitos nas anemias hemolíticas). A presença de esferócitos no esfregaço periférico sugere uma causa extravascular de hemólise, como anemia hemolítica autoimune ou esferocitose hereditária, enquanto a presença de esquistócitos ou outros eritrócitos fragmentados sugere uma causa intravascular como anemia hemolítica microangiopática (p. ex., PTT ou SHU, hemólise mecânica). Outros achados sugestivos incluem aumento dos níveis de DHL sérica e bilirrubina indireta com ALT normal e a presença de urobilinogênio urinário.

A hemólise intravascular é sugerida pelos fragmentos de eritrócitos (esquistócitos) no esfregaço periférico e pela diminuição dos níveis séricos de haptoglobina; no entanto, os níveis de haptoglobina podem reduzir em decorrência da disfunção hepatocelular e podem aumentar em razão da inflamação sistêmica. A hemólise intravascular é também sugerida pela hemossiderina urinária. A hemoglobina urinária, como hematúria e mioglobinúria, produz reação benzidina positiva no teste de fita urinária; ela pode ser diferenciada da hematúria pela ausência de eritrócitos no exame microscópico de urina. A hemoglobina livre pode deixar o plasma marrom-avermelhado, notado, muitas vezes, no sangue centrifugado; a mioglobina não.

Uma vez identificada a hemólise, procurar a etiologia. Para estreitar o diagnóstico diferencial das anemias hemolíticas

  • Considerar os fatores de risco (p. ex., localização geográfica, genética, doença subjacente)

  • Examinar no paciente por esplenomegalia

  • Fazer teste de antiglobulina direto (Coombs direto)

A maioria das anemias hemolíticas causa alterações em uma dessas variáveis e, assim, os resultados dos testes podem direcionar os exames adicionais.

Outros testes de laboratório que podem ajudar a discernir as causas da hemólise incluem:

  • Eletroforese quantitativa da hemoglobina

  • Ensaios enzimáticos do eritrócito

  • Citometria de fluxo

  • Aglutininas frias

  • Fragilidade osmótica

Teste direto da antiglobulina (Coombs direto)

Utiliza-se o teste direto da antiglobulina (Coombs direto) para determinar se existem anticorpos de ligação aos eritrócitos (IgG) ou ao complemento (C3) nas membranas dos eritrócitos. Os eritrócitos do paciente são incubados com anticorpos anti-IgG humana e C3. Se a IgG ou o C3 estiverem ligados às membranas dos eritrócitos, ocorre aglutinação — que configura resultado positivo. Um resultado positivo sugere a presença de autoanticorpos nos eritrócitos do paciente. Se o paciente recebeu transfusão nos últimos 3 meses, um resultado positivo também pode representar aloanticorpos contra os eritrócitos transfundidos (geralmente ocorrendo em uma reação hemolítica aguda ou tardia).

Teste indireto da antiglobulina (Coombs indireto)

Utiliza-se o teste de Coombs indireto para detectar anticorpos IgG contra eritrócitos no soro do paciente. O soro do paciente é incubado com um reagente para eritrócitos; a seguir o soro de Coombs (anticorpos contra IgG humana ou anti-IgG humana) é acrescentado. Se ocorrer aglutinação, anticorpos IgG (anticorpos ou aloanticorpos) contra eritrócitos estão presentes. Este teste é também utilizado para determinar a especificidade de um aloanticorpo.

Tabela

Tratamento da anemia hemolítica

Depende do mecanismo específico da hemólise.

Os corticoides são úteis no início do tratamento de hemólise autoimune causada por anticorpos quentes. Utilizam-se transfusões em pacientes com anemia sintomática ou quando há reticulocitopenia porque as células transfundidas resistem à destruição por mais tempo do que os eritrócitos do paciente.

A esplenectomia é benéfica em algumas situações, principalmente quando o sequestro esplênico for a causa principal da destruição de eritrócitos. Se possível, adia-se a esplenectomia por 2 semanas após a vacinação com:

Na doença da aglutinina fria, recomenda-se evitar o frio e, algumas vezes, o sangue será aquecido antes da transfusão. A substituição de folato é necessária para pacientes com hemólise crônica.

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