Visão geral da insuficiência cardíaca

(Insuficiência cardíaca congestiva)

PorNowell M. Fine, MD, SM, Libin Cardiovascular Institute, Cumming School of Medicine, University of Calgary
Reviewed ByJonathan G. Howlett, MD, Cumming School of Medicine, University of Calgary
Revisado/Corrigido: modificado out. 2025
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Visão Educação para o paciente

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica na qual o coração não é capaz de atender às demandas metabólicas do corpo devido a uma anormalidade cardíaca estrutural e/ou funcional, levando a baixo débito cardíaco, pressão de enchimento ventricular elevada ou ambos. A IC pode envolver a função sistólica e/ou diastólica, no coração esquerdo e/ou direito. A insuficiência ventricular esquerda tipicamente provoca falta de ar e fadiga; a insuficiência ventricular direita tipicamente desencadeia acúmulo de líquidos abdominal e periférico; ambos os ventrículos podem ser afetados em alguma proporção. O diagnóstico é inicialmente clínico, apoiado por radiografia de tórax, ecocardiografia, avaliação hemodinâmica e testes laboratoriais. O tratamento inclui educação do paciente, tratamento da(s) causa(s) da síndrome de IC, terapia farmacológica incluindo modulação neuro-hormonal, marca-passos/desfibriladores implantáveis, suporte circulatório mecânico e transplante cardíaco.

A insuficiência cardíaca afeta mais de 64 milhões de pessoas em todo o mundo (1). Nos Estados Unidos, há aproximadamente 6,7 milhões de pessoas com insuficiência cardíaca e aproximadamente 1 milhão de novos casos por ano; projeta-se que 8,7 milhões de pessoas terão insuficiência cardíaca até 2030 (2, 3).

(Veja também tabela Causas Comuns de Insuficiência Cardíaca em Crianças.)

Referências gerais

  1. 1. Savarese G, Becher PM, Lund LH, Seferovic P, Rosano GMC, Coats AJS. Global burden of heart failure: a comprehensive and updated review of epidemiology [published correction appears in Cardiovasc Res. 2023 Jun 13;119(6):1453. doi: 10.1093/cvr/cvad026.]. Cardiovasc Res. 2023;118(17):3272-3287. doi:10.1093/cvr/cvac013

  2. 2. Bozkurt B, Ahmad T, Alexander K, et al. HF STATS 2024: Heart Failure Epidemiology and Outcomes Statistics An Updated 2024 Report from the Heart Failure Society of America. J Card Fail. 2025;31(1):66-116. doi:10.1016/j.cardfail.2024.07.001

  3. 3. Virani SS, Alonso A, Benjamin EJ, et al. Heart Disease and Stroke Statistics-2020 Update: A Report From the American Heart Association. Circulation. 2020;141(9):e139-e596. doi:10.1161/CIR.0000000000000757

Fisiologia cardiovascular

Determinam-se contratilidade cardíaca (força e velocidade da contração), desempenho ventricular e demanda de oxigênio miocárdico por:

  • Pré-carga

  • Pós-carga

  • Disponibilidade do substrato (p. ex., oxigênio, ácidos graxos ou glicose)

  • Frequência e ritmo cardíacos

  • Quantidade do miocárdio viável

O débito cardíaco é igual ao volume de ejeção multiplicado pela frequência cardíaca, mas também é influenciado por retorno venoso, tônus vascular periférico e fatores neuro-humorais.

Pré-carga é a condição de carga do coração no final da sua fase de relaxamento e enchimento (diástole) um pouco antes da contração (sístole). A pré-carga representa o grau de estiramento da fibra no final da diástole e o volume diastólico final, que é influenciado por volume e pressão diastólica ventricular e composição da parede miocárdica. Tipicamente, a pressão diastólica final do VE, especialmente se estiver acima do normal, é uma medida confiável da pré-carga. Dilatação VE e HVE e alterações da distensibilidade miocárdica (complacência) modificam a pré-carga. A pré-carga não é idêntica a, mas é em grande parte uma função do estado volêmico intravascular do corpo.

Pós-carga é a força que resiste à contração da fibra miocárdica no início da sístole. Ela é determinada pela pressão, raio e espessura da parede da câmara do VE no momento da abertura da valva aórtica. Clinicamente, pressão arterial sistólica sistêmica no momento em que a valva aórtica se abre, ou logo após, se correlaciona com o pico sistólico de estresse da parede, aproximando-se da pós-carga.

O princípio de Frank-Starling descreve a relação entre pré-carga e desempenho cardíaco. Afirma que, normalmente, o desempenho sistólico (frequentemente estimado pelo volume sistólico) é proporcional à pré-carga dentro de intervalos fisiológicos normais (ver figura Princípio de Frank-Starling). Em pacientes com insuficiência cardíaca, o desempenho sistólico e a contratilidade miocárdica estão reduzidos quando comparados àqueles com um coração saudável na mesma pré-carga. É difícil medir a contratilidade clinicamente (porque exige cateterismo cardíaco com análise pressão/volume), mas é razoavelmente refletida pela fração de ejeção (FE), que é a porcentagem do volume diastólico final ejetado com cada contração (volume sistólico/volume diastólico final). Geralmente pode-se avaliar a FE de maneira adequada e não invasiva com ecocardiografia, imagem nuclear ou RM.

A relação força-frequência refere-se ao fenômeno em que a estimulação repetitiva de um músculo em certo intervalo de frequência resulta em aumento da força de contração. O músculo cardíaco normal nas frequências cardíacas típicas exibe uma relação força-frequência positiva, de modo que uma frequência mais alta causa uma contração mais forte (e maiores exigências de substrato correspondentes). Durante alguns tipos de insuficiência cardíaca, a relação força-frequência pode se tornar negativa, de modo que a contratilidade miocárdica diminui à medida que a frequência cardíaca aumenta acima de certa frequência.

Reserva cardíaca é a capacidade do coração de aumentar seu desempenho acima dos níveis de repouso em resposta a estresse emocional ou físico; o consumo de oxigênio corporal pode aumentar de 250 mL/minuto para 1.500 mL/minuto durante esforço máximo. O mecanismo inclui:

  • Aumento da frequência cardíaca

  • Aumento dos volumes de enchimento diastólico

  • Aumento da contratilidade e volume sistólico

  • Alterar seletivamente a resistência vascular sistêmica para direcionar o fluxo sanguíneo para certos órgãos (p. ex., músculo esquelético durante o exercício)

  • Aumento da extração tecidual de oxigênio (a diferença entre o teor de oxigênio no sangue arterial e no sangue venoso ou pulmonar misturado)

Em adultos jovens bem treinados, na vigência de esforço máximo, a frequência cardíaca pode aumentar de 55 a 70 bpm em repouso, para > 180 bpm; o débito cardíaco pode aumentar de 6 L/minuto para 25 L/minuto. Em repouso, o sangue arterial contém cerca de 18 mL oxigênio/dL de sangue e o sangue venoso misto ou arterial pulmonar contém cerca de 14 mL/dL. A extração de oxigênio é, portanto, cerca de 4 mL/dL. Quando a demanda aumenta, a extração de oxigênio pode aumentar para 12 a 14 mL/dL. Esses mecanismos também ajudam a compensar pela redução do fluxo de sangue tecidual na insuficiência cardíaca.

Princípio de Frank-Starling

Normalmente (curva superior), à medida que aumenta a pré-carga, o desempenho cardíaco também aumenta. Entretanto, a um determinado ponto, o desempenho alcança um platô e, em seguida, declina. Na insuficiência cardíaca (IC) decorrente de disfunção sistólica (curva inferior), toda a curva se desloca para baixo, refletindo a redução do desempenho cardíaco a uma determinada pré-carga e, à medida que a pré-carga aumenta, o desempenho cardíaco aumenta menos. Com o tratamento (curva média), há melhora do desempenho, embora ele não esteja normalizado.

Fisiopatologia da insuficiência cardíaca

Na insuficiência cardíaca, o coração pode não suprir os tecidos com a quantidade adequada de sangue para as necessidades metabólicas; a elevação relacionada ao coração da pressão venosa pulmonar ou sistêmica pode resultar na congestão de órgãos. Essa condição pode decorrer das alterações da função sistólica, diastólica ou, geralmente, de ambas. Embora uma anormalidade primária possa ser uma mudança na função do cardiomiócito, há também mudanças na rotação de colágeno da matriz extracelular. Os defeitos cardíacos estruturais (p. ex., congênitos, desordens valvares), anormalidades rítmicas (incluindo alta frequência cardíaca persistente) e altas demandas metabólicas (p. ex., decorrente de tireotoxicoses) também podem causar insuficiência cardíaca.

Classificação da insuficiência cardíaca

A insuficiência cardíaca pode ser classificada como primariamente insuficiência cardíaca esquerda ou direita, ou pela Definição e Classificação Universal da Insuficiência Cardíaca (1), que utiliza a fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

A distinção tradicional entre insuficiência ventricular esquerda e direita é um tanto enganosa, uma vez que o coração é uma bomba integrada e as alterações em uma câmara comprometem consequentemente todo o coração. Entretanto, esses termos indicam o ponto principal da patologia que acarretou a insuficiência cardíaca, podendo ser útil para avaliação inicial e tratamento. Outros termos comuns utilizados para diferenciar tipos e causas de insuficiência cardíaca incluem aguda ou crônica; débito alto ou baixo; dilatada ou não dilatada; e cardiomiopatia dilatada isquêmica, hipertensiva ou idiopática. O tratamento também difere a depender de a apresentação da insuficiência cardíaca ser aguda ou crônica.

Insuficiência VE

A insuficiência cardíaca ocorre mais comumente como resultado de disfunção ventricular esquerda (2). Como resultado, a Classificação Universal da Insuficiência Cardíaca categorizou a insuficiência cardíaca de acordo com fração de ejeção reduzida, preservada, minimamente reduzida e melhorada, com base na função sistólica do ventrículo esquerdo (1). Na insuficiência cardíaca esquerda, o débito cardíaco diminui e a pressão venosa pulmonar aumenta. À medida que a pressão capilar pulmonar excede a pressão oncótica das proteínas plasmáticas (cerca de 24 mmHg), o líquido extravasa dos capilares para o espaço intersticial e alvéolos, reduzindo a complacência pulmonar e aumentando o trabalho respiratório. A drenagem linfática aumenta, mas não consegue compensar o aumento do líquido pulmonar. O acúmulo intenso de líquido nos alvéolos (edema pulmonar) altera significativamente as relações ventilação-perfusão (V/Q). O sangue arterial pulmonar desoxigenado passa por alvéolos mal ventilados, diminuindo a oxigenação arterial sistêmica (pressão parcial de oxigênio arterial [PaO2]) e causando dispneia. Entretanto, pode ocorrer dispneia antes das alterações V/Q, provavelmente decorrente da elevação da pressão venosa pulmonar e do aumento do trabalho respiratório; porém, o mecanismo não está esclarecido.

Na insuficiência de VE grave ou crônica, desenvolvem-se de maneira característica derrames pleurais, agravando ainda mais a dispneia. A ventilação minuto aumenta; assim, a pressão parcial de dióxido de carbono arterial (PaCO2) diminui e o pH sanguíneo aumenta (alcalose respiratória). O edema intersticial intenso das pequenas vias respiratórias pode interferir na ventilação, elevando a PaCO2 — um sinal de insuficiência respiratória.

Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr)

Na ICFEr (também chamada IC sistólica), predomina a disfunção sistólica global do VE. O VE contrai-se mal e esvazia-se de maneira inadequada, levando a:

  • Aumento do volume e da pressão diastólicos

  • Diminuição da fração de ejeção (≤ 40%)

Ocorrem muitas alterações no uso e suprimento de energia, função eletrofisiológica e interação dos elementos contráteis, com anormalidades na modulação do cálcio intracelular e produção de monofosfato de adenosina cíclico (AMPc).

A disfunção sistólica predominante é comum na IC decorrente de infarto do miocárdio, miocardite e cardiomiopatia dilatada. A disfunção sistólica pode comprometer principalmente VE ou ventrículo direito; no entanto, a insuficiência VE muitas vezes conduz à insuficiência ventrículo direito.

Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp)

Na ICFEp (também conhecida como insuficiência cardíaca diastólica), o enchimento do VE está comprometido, resultando em:

  • Aumento da pressão diastólica final do VE em repouso ou durante esforços

  • Em geral, volume diastólico final do VE normal

A contratilidade global e, portanto, a fração de ejeção do VE permanecem normais (≥ 50%).

Entretanto, em alguns pacientes, restrição acentuada ao enchimento do VE pode causar volume diastólico final de VE inadequado e, portanto, causar baixos níveis de débito cardíaco e sintomas sistêmicos. O aumento da pressão atrial esquerda pode provocar congestão e hipertensão pulmonar.

A disfunção diastólica geralmente resulta de comprometimento do relaxamento ventricular (processo ativo), aumento da rigidez ventricular, valvopatia, pericardite constritiva. A isquemia miocárdica aguda é também a causa de disfunção diastólica. A resistência ao enchimento aumenta com a idade, refletindo tanto a disfunção de cardiomiócitos como perda de cardiomiócitos e aumento da deposição de colágeno intersticial; portanto, a disfunção diastólica é particularmente comum entre idosos. Presume-se que a disfunção diastólica seja predominante na cardiomiopatia hipertrófica, nas doenças com hipertrofia ventricular (p. ex., hipertensão e estenose aórtica significativa) e na infiltração de amiloide no miocárdio. Enchimento e função do VE também podem ser comprometidos, se o aumento excessivo da pressão no ventrículo direito deslocar o septo interventricular para a esquerda.

A disfunção diastólica é reconhecida como uma causa importante de IC. Aproximadamente 50% dos pacientes com insuficiência cardíaca têm ICFEp; a prevalência aumenta com a idade e em pacientes com diabetes (3). A ICFEp é uma síndrome sistêmica complexa, heterogênea e multiorgânica, frequentemente com múltiplas fisiopatologias concomitantes. Dados sugerem que múltiplas comorbidades (p. ex., obesidade, hipertensão, diabetes, doença renal crônica) levam à inflamação sistêmica, disfunção endotelial generalizada, disfunção microvascular cardíaca e, em última instância, alterações moleculares no coração que causam aumento da fibrose miocárdica e enrijecimento ventricular. Assim, embora a ICFEr esteja tipicamente associada à lesão miocárdica primária, a ICFEp pode estar associada à lesão miocárdica secundária devido a anormalidades na periferia.

Insuficiência cardíaca com fração de ejeção levemente reduzida (ICFElr)

IC com fração de ejeção levemente reduzida (ICFElr) é definida como uma fração de ejeção do VE de 41 a 49%. Não está claro se esse grupo é uma população distinta ou se consiste em uma mistura de pacientes com ICFEp ou ICFEr.

Insuficiência cardíaca com fração de ejeção melhorada (ICFEm)

Pacientes com IC cuja fração de ejeção do VE melhorou em mais de 10 pontos percentuais em relação ao valor anterior e que também mede mais de 40% são categorizados como tendo HFimpEF.

Insuficiência ventrículo direito

A insuficiência ventricular direita ocorre mais comumente como consequência ou em conjunto com a insuficiência ventricular esquerda. A insuficiência cardíaca direita isolada é observada muito menos comumente. Na insuficiência cardíaca que envolve disfunção do ventrículo direito (ver Insuficiência cardíaca direita), a pressão venosa sistêmica aumenta, causando extravasamento de líquido e edema consequente, principalmente nos tecidos dependentes (pés e tornozelos de pacientes ambulatoriais) e vísceras abdominais. O fígado é mais gravemente afetado, mas o estômago e intestino também se tornam congestionados; pode ocorrer acúmulo de líquidos na cavidade peritoneal (ascite). A insuficiência ventricular direita causa disfunção hepática moderada, geralmente com aumentos modestos da bilirrubina conjugada e não conjugada, TP (tempo de protrombina) e enzimas hepáticas [especialmente fosfatase alcalina e gamaglutamil transpeptidase (GGT)]. O fígado comprometido metaboliza menos aldosterona, contribuindo ainda mais para o acúmulo de líquido. A congestão venosa crônica das vísceras pode acarretar anorexia, má absorção de nutrientes e medicamentos, bem como enteropatia perdedora de proteína (caracterizada por diarreia e hipoalbuminemia profunda), perda de sangue gastrointestinal crônica e, raramente, infarto intestinal isquêmico.

Respostas à insuficiência cardíaca

Resposta miocárdica

Quando a contratilidade do ventrículo esquerdo está prejudicada, como ocorre na ICFEr, é necessária uma pré-carga maior para manter o débito cardíaco. Como resultado, os ventrículos são remodelados ao longo do tempo. Durante a remodelagem o VE torna-se menos ovoide e mais esférico, dilatado e hipertrofiado; o VD dilata-se e pode hipertrofiar-se. Inicialmente compensatória, a remodelação pode estar associada a desfechos adversos porque as alterações com o tempo aumentam a rigidez diastólica e a tensão da parede (isto é, desenvolve-se disfunção diastólica), comprometendo o desempenho cardíaco, especialmente durante o estresse físico. O aumento do estresse da parede aumenta a demanda de oxigênio e acelera a apoptose (morte celular programada) das células miocárdicas. Dilatação dos ventrículos pode também causar regurgitação da valva mitral ou tricúspide (decorrente de dilatação anular) com aumentos adicionais nos volumes diastólicos finais.

Resposta hemodinâmica

Com a redução do débito cardíaco, a entrega de oxigênio aos tecidos é mantida pelo aumento da extração de oxigênio do sangue e, às vezes, pelo deslocamento da curva de dissociação da oxi-hemoglobina (ver figura Curva de dissociação da oxi-hemoglobina) para a direita a fim de favorecer a liberação de oxigênio.

A redução do débito cardíaco com pressão arterial sistêmica mais baixa ativa os barorreflexos arteriais, aumentando o tônus simpático e diminuindo o tônus parassimpático. Como resultado, desenvolvem-se aumento da frequência cardíaca e contratilidade miocárdica, constrição de arteríolas de leitos vasculares selecionados, constrição venosa e retenção de sódio e água. Tais alterações compensam a redução do desempenho ventricular e ajudam a manter a homeostase hemodinâmica nos estágios iniciais da insuficiência cardíaca. Mas essas alterações compensatórias aumentam o trabalho cardíaco, pré e pós-carga, reduzem a perfusão coronariana e renal, provocam acúmulo de líquido que acarreta congestão, aumentam a excreção de potássio e podem causar necrose dos cardiomiócitos e arritmias.

Resposta renal

À medida que a função cardíaca se deteriora, diminui o fluxo sanguíneo renal devido a baixo débito cardíaco. Além disso, pressões venosas renais aumentam, levando à congestão venosa renal. Essas alterações resultam em diminuição na taxa de filtração glomerular e o fluxo sanguíneo dentro dos rins é redistribuído. A fração de filtração e o sódio filtrado diminuem, mas a reabsorção tubular aumenta, levando à retenção de sódio e água. O fluxo sanguíneo é redistribuído ainda mais para fora dos rins durante esforços, mas melhora durante repouso.

A diminuição da perfusão dos rins (e possivelmente a diminuição do estiramento sistólico arterial secundário ao declínio da função ventricular) ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona, aumentando a retenção de sódio e água, além dos tônus vascular renal e periférico. Esses efeitos são exacerbados pela ativação simpática intensa que acompanha a insuficiência cardíaca.

O sistema renina-angiotensina-aldosterona-vasopressina (ADH) desencadeia uma cascata de efeitos potencialmente deletérios. Angiotensina II piora a insuficiência cardíaca causando vasoconstrição, incluindo vasoconstrição renal eferente, e aumentando a produção de aldosterona, que intensifica a reabsorção de sódio no néfron distal e também provoca deposição de colágeno e fibroses miocárdica e vascular. A angiotensina II aumenta a liberação de noradrenalina, estimula a liberação vasopressina e deflagra a apoptose. A angiotensina II pode estar envolvida nas hipertrofias vascular e miocárdica, contribuindo, dessa forma, para o remodelamento do coração e da vasculatura periférica, piorando potencialmente a insuficiência cardíaca. A aldosterona pode ser sintetizada no coração e na vasculatura, independentemente da angiotensina II (talvez mediada por corticotropina, óxido nítrico, radicais livres e outros estímulos), podendo ter efeitos deletérios em tais órgãos.

A insuficiência cardíaca que causa disfunção renal progressiva (incluindo aquela causada por medicamentos utilizados para tratar a insuficiência cardíaca) contribui para o agravamento da insuficiência cardíaca e é denominada síndrome cardiorrenal.

Resposta neuro-humoral

Em condições de estresse, as respostas neuro-humorais ajudam a aumentar a função cardíaca e manter a pressão arterial e a perfusão dos órgãos. A ativação crônica dessas respostas é deletéria ao equilíbrio normal entre hormônios estimulantes do miocárdio e vasoconstritores e entre hormônios relaxantes do miocárdio e vasodilatadores.

O coração contém muitos receptores neuro-humorais (alfa-1, beta-1, beta-2, beta-3, angiotensina II tipo 1 [AT1] e tipo 2 [AT2], muscarínicos, endotelina, serotonina, adenosina, citocinas, peptídeos natriuréticos); o papel de todos esses receptores ainda não está totalmente definido. Nos pacientes com insuficiência cardíaca, receptores beta-1 (que constituem 70% dos beta receptores cardíacos) têm baixa regulação, provavelmente em resposta à ativação simpática intensa. O efeito da regulação negativa é o comprometimento da contratilidade do miócito e aumento da frequência cardíaca.

Os níveis plasmáticos de noradrenalina estão elevados, refletindo amplamente a estimulação do nervo simpático, uma vez que os níveis plasmáticos de adrenalina não estão elevados. Os efeitos deletérios envolvem vasoconstrição com aumento da pré e pós-carga, lesão miocárdica direta — incluindo apoptose — redução do fluxo sanguíneo renal e ativação de outros sistemas neuro-humorais — incluindo o sistema renina-angiotensina-aldosterona-vasopressina.

A vasopressina é liberada em resposta à queda da pressão arterial por vários estímulos neuro-hormonais. O aumento da vasopressina diminui a excreção renal de água livre, contribuindo, possivelmente, para a hiponatremia na insuficiência cardíaca. Há variação dos níveis de vasopressina em pacientes com insuficiência cardíaca e pressão arterial normal.

O peptídeo natriurético atrial (ANP) é liberado em resposta ao aumento do volume e da pressão atrial; o peptídeo natriurético tipo B (BNP) é secretado pelos ventrículos em resposta à distensão ventricular. Esses peptídeos intensificam a excreção renal de sódio; contudo, nos portadores de IC, o efeito é atenuado pela diminuição da pressão de perfusão renal, a regulação negativa do receptor e, talvez, o aumento da degradação enzimática. Além disso, níveis elevados de peptídeos natriuréticos exercem um efeito contrarregulador no sistema renina-angiotensina-aldosterona e na estimulação catecolaminérgica.

Como há disfunção endotelial na insuficiência cardíaca, existe produção mais baixa de vasodilatadores endógenos (p. ex., óxido nítrico e prostaglandinas) e produção mais elevada de vasoconstritores endógenos (p. ex., endotelina), aumentando, portanto, a pós-carga.

O coração insuficiente e outros órgãos produzem fator de necrose tumoral (TNF) alfa. Essa citosina aumenta o catabolismo e, possivelmente, é responsável pela caquexia cardíaca (perda de tecido magro 10%), a qual pode acompanhar a insuficiência cardíaca gravemente sintomática, e por outras alterações deletérias. O coração falhando também sofre alterações metabólicas com a maior utilização de ácidos graxos livres e menor utilização de glicose; essas alterações podem se tornar alvos terapêuticos.

Alterações com o envelhecimento

Alterações no coração e no sistema cardiovascular relacionadas à idade baixam o limiar para expressão da insuficiência cardíaca. O colágeno intersticial no miocárdio aumenta, o miocárdio endurece e o relaxamento miocárdico é prolongado. Essas alterações levam a uma redução significativa da função diastólica ventricular esquerda, mesmo em pessoas idosas saudáveis. Um declínio modesto na função sistólica também ocorre com o envelhecimento. Diminuição relacionada com a idade da capacidade de resposta vascular e miocárdica à estimulação beta-adrenergética posteriormente afeta a capacidade do sistema cardiovascular de responder ao aumento da demanda de trabalho.

Como resultado dessas alterações, o pico de capacidade para o exercício diminui significativamente (aproximadamente 8%/década após os 30 anos de idade), e o débito cardíaco no pico de exercício diminui mais modestamente. Esse declínio pode ser retardado por exercício físico regular. Portanto, os pacientes idosos são mais propensos que os mais jovens a desenvolver insuficiência cardíaca em resposta ao estresse de desordens sistêmicas ou insultos cardiovasculares relativamente moderados. Causadores de estresse incluem infecções (particularmente pneumonia), hipertireoidismo, anemia, hipertensão, isquemia miocárdica, hipóxia, hipertermia, insuficiência renal, cargas perioperatórias de líquidos IV, não adesão a regimes de medicamentos ou a dietas com baixo teor de sal e uso de certos medicamentos (especialmente AINEs).

Referências sobre fisiopatologia

  1. 1. Bozkurt B, Coats AJ, Tsutsui H, et al. Universal Definition and Classification of Heart Failure: A Report of the Heart Failure Society of America, Heart Failure Association of the European Society of Cardiology, Japanese Heart Failure Society and Writing Committee of the Universal Definition of Heart Failure. J Card Fail. Published online March 1, 2021. doi:10.1016/j.cardfail.2021.01.022

  2. 2. Heidenreich PA, Bozkurt B, Aguilar D, et al. 2022 AHA/ACC/HFSA Guideline for the Management of Heart Failure: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines [published correction appears in J Am Coll Cardiol. 2023 Apr 18;81(15):1551. doi: 10.1016/j.jacc.2023.03.002.]. J Am Coll Cardiol. 2022;79(17):e263-e421. doi:10.1016/j.jacc.2021.12.012

  3. 3. Campbell P, Rutten FH, Lee MM, Hawkins NM, Petrie MC. Heart failure with preserved ejection fraction: everything the clinician needs to know [published correction appears in Lancet. 2024 Mar 16;403(10431):1026. doi: 10.1016/S0140-6736(24)00494-X.]. Lancet. 2024;403(10431):1083-1092. doi:10.1016/S0140-6736(23)02756-3

Etiologia da insuficiência cardíaca

Fatores cardíacos e sistêmicos podem comprometer o desempenho cardíaco e provocar ou agravar a insuficiência cardíaca (ver tabela Causas da insuficiência cardíaca).

Tabela

Insuficiência do VE desenvolve-se caracteristicamente na cardiomiopatia isquêmica, hipertensão, insuficiência mitral, insuficiência aórtica, estenose aórtica, a maioria das formas das cardiomiopatias e cardiomiopatias congênitas (p. ex., defeito septal ventricular, persistência do canal arterial com grandes derivações).

Insuficiência do VD é mais comumente causada por insuficiência VE prévia (que aumenta a pressão venosa pulmonar e leva à hipertensão pulmonar, sobrecarregando assim o ventrículo direito) pneumopatia grave (denominada cor pulmonale). Outras causas são embolia pulmonar múltipla, infarto do VD, hipertensão arterial pulmonar, regurgitação da tricúspide, estenose da tricúspide, estenose mitral, estenose arterial pulmonar, estenose valvar pulmonar, doença oclusiva venosa pulmonar, cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito, ou doenças congênitas como anomalia de Ebstein ou síndrome de Eisenmenger. Algumas doenças imitam a insuficiência ventrículo direito, salvo que a função cardíaca pode ser normal, envolvendo sobrecarga de volume e aumento da pressão venosa sistêmica na policitemia ou transfusão excessiva, lesão renal aguda com retenção de sódio e água, obstrução de qualquer uma das veias cavas e hipoproteinemia devido a qualquer causa, resultando em baixa pressão de plasma oncótico e edema periférico.

A insuficiência biventricular é decorrente de doenças que comprometem todo o miocárdio (p. ex., miocardite viral, amiloidose e doença de Chagas) ou insuficiência VE de longa duração causando insuficiência ventrículo direito.

A insuficiência cardíaca de alto débito resulta da necessidade persistente de débito cardíaco elevado, que pode acabar resultando na incapacidade de um coração normal em manter débito adequado. Doenças que podem aumentar o débito cardíaco incluem anemia grave, doença hepática em estágio terminal, beribéri, tireotoxicose, doença de Paget avançada, fístula arteriovenosa e taquicardia persistente.

Cardiomiopatia é um termo geral que indica doença do miocárdio. Com mais frequência, o termo refere-se à doença primária do miocárdio ventricular, a qual não é provocada por alterações anatômicas congênitas, valvares, doenças vasculares sistêmica ou pulmonar, pericardiopatia isolada, doenças do sistema de condução ou nodal; ou doença coronariana epicárdica. O termo, às vezes, é utilizado para designar a etiologia (p. ex., cardiomiopatia isquêmica versus hipertensiva). A cardiomiopatia nem sempre conduz à insuficiência cardíaca sintomática. Em geral, é idiopática e classificada como cardiomiopatia dilatada congestiva, hipertrófica, infiltrativa-restritiva ou balonamento apical (também conhecida como cardiomiopatia de Takotsubo ou por estresse).

Estadiamento da insuficiência cardíaca

O consenso internacional define o sistema de estadiamento para insuficiência cardíaca (IC) para destacar a necessidade de prevenção da IC (1, 2):

  • A: alto risco de insuficiência cardíaca, mas nenhum sintoma ou anormalidade cardíaca funcional ou estrutural

  • B: anormalidades cardíacas estruturais ou funcionais, mas sem sintomas de insuficiência cardíaca

  • C: doença cardíaca estrutural com sintomas de insuficiência cardíaca

  • D: insuficiência cardíaca refratária exigindo terapias avançadas (p. ex., suporte circulatório mecânico, transplante cardíaco) ou cuidados paliativos

A gravidade clínica (ou classificação funcional) varia significativamente e costuma ser classificada de acordo com o sistema da New York Heart Association (NYHA) (ver tabela Classificação funcional de insuficiência cardíaca da New York Heart Association); os exemplos de atividade normal podem ser modificados para pacientes idosos e debilitados. Como a gravidade da insuficiência cardíaca tem uma variação muito ampla, alguns especialistas subdividem a classe III da NYHA em IIIA ou IIIB (3, 4). A Classe IIIB é geralmente reservada para pacientes que tiveram recentemente uma exacerbação de insuficiência cardíaca, embora a definição não seja padronizada.

Tabela
Tabela

Referências sobre estadiamento

  1. 1. Bozkurt B, Coats AJ, Tsutsui H, et al. Universal Definition and Classification of Heart Failure: A Report of the Heart Failure Society of America, Heart Failure Association of the European Society of Cardiology, Japanese Heart Failure Society and Writing Committee of the Universal Definition of Heart Failure. J Card Fail. Published online March 1, 2021. doi:10.1016/j.cardfail.2021.01.022

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  4. 4. Thibodeau JT, Mishkin JD, Patel PC, Mammen PP, Markham DW, Drazner MH. IIIB or not IIIB: a previously unanswered question. J Card Fail. 2012;18(5):367-372. doi:10.1016/j.cardfail.2012.01.016

Pontos-chave

  • Insuficiência cardíaca é a incapacidade do coração de fornecer aos tecidos sangue adequado para as necessidades metabólicas.

  • A insuficiência cardíaca afeta mais comumente o ventrículo esquerdo, mas pode envolver o direito ou ambos os ventrículos.

  • A insuficiência cardíaca é classificada com base na fração de ejeção do ventrículo esquerdo em insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida, minimamente reduzida, preservada ou melhorada.

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