Convulsões neonatais são descargas elétricas anormais no sistema nervoso central do neonato e geralmente se manifestam como alterações estereotipadas da atividade muscular ou autonômica. O diagnóstico é confirmado pelo eletroencefalograma (EEG), sendo indicados testes para condições causais. O tratamento depende da causa.
(Ver também Transtornos convulsivos em adultos.)
As convulsões ocorrem em 1 a 5/1.000 nascidos vivos, e a incidência aumenta em neonatos pré-termo e de baixo peso (1, 2).
As convulsões podem ser um problema neonatal grave e necessitam de avaliação imediata. A maioria das convulsões neonatais é focal, provavelmente porque no neonato a generalização da atividade elétrica é impedida por falta de mielinização e formação incompleta dos dendritos e sinapses cerebrais.
Alguns neonatos submetidos a eletroencefalograma (EEG) para avaliação dos sintomas de encefalopatia (p. ex., hipoatividade, diminuição das respostas) demonstram convulsões silenciosas clinicamente (≥ 20 segundos de atividade elétrica epileptiforme durante o EEG, mas sem qualquer atividade convulsiva clinicamente visível). Ocasionalmente, a atividade elétrica silenciosa clinicamente é contínua e persistente por > 20 minutos; nessa situação, é definida como estado elétrico epiléptico.
Referências gerais
1. Vasudevan C, Levene M. Epidemiology and aetiology of neonatal seizures. Semin Fetal Neonatal Med. 2013;18(4):185–191. doi:10.1016/j.siny.2013.05.008
2. Sandoval Karamian AG, DiGiovine MP, Massey SL. Neonatal Seizures. Pediatr Rev. 2024;45(7):381-393. doi:10.1542/pir.2023-006016
Etiologia dos transtornos convulsivos neonatais
A descarga elétrica anormal do sistema nervoso central (SNC) pode ser causada por
Processo intracraniano primário (p. ex., meningite, acidente isquêmico, encefalite, hemorragia intracraniana, tumor, malformação)
Problema sistêmico (p. ex., hipóxia isquêmica, hipoglicemia, hipocalcemia, hiponatremia, outras disfunções metabólicas)
As convulsões resultantes de processo intracraniano geralmente não podem ser diferenciadas, por seu aspecto clínico, das convulsões resultantes de um problema sistêmico (p. ex., focal versus generalizada).
Hipóxia isquêmica, a causa mais comum de convulsão neonatal, pode ocorrer antes, durante ou após o parto (ver Visão geral de distúrbios respiratórios perinatais). Tais convulsões podem ser graves e de difícil tratamento, mas tendem a diminuir em cerca de 3 a 4 dias. Quando a hipóxia neonatal é tratada com hipotermia terapêutica (geralmente resfriamento de todo o corpo), as convulsões podem ser menos graves, mas podem reaparecer durante o reaquecimento.
Acidente isquêmico é mais provável em neonatos com policitemia, trombofilia devido a uma genética ou hipotensão grave, mas também pode ocorrer mesmo na ausência de quaisquer fatores de risco. Os acidentes vasculares cerebrais ocorrem, tipicamente, na distribuição da artéria cerebral média ou, quando associados à hipotensão, em zonas limítrofes (isto é, regiões do cérebro também chamadas de zonas de fronteira, vascularizadas por 2 artérias). As convulsões por acidentes vasculares tendem a ser focais e podem provocar apneia.
Infecções neonatais como meningite e sepse podem provocar convulsões; em tais casos, as convulsões são geralmente acompanhadas de outros sinais e sintomas. Infecções intrauterinas também podem causar convulsões devido à transmissão materno-fetal. Estreptococos do grupo B e bactérias gram-negativas são causas comuns dessas infecções nos neonatos. Encefalite por citomegalovírus, herpes-vírus simples, vírus da rubéola, Treponema pallidum, Toxoplasma gondii, ou vírus da zica também podem causar convulsões.
Hipoglicemia é comum entre neonatos cujas mães têm diabetes, nos pequenos para a idade gestacional ou que apresentam hipóxia isquêmica ou outros estresses. As convulsões por hipoglicemia tendem a ser focais e variáveis. Hipoglicemia prolongada ou recorrente pode afetar o sistema nervoso central permanentemente.
Hemorragia intracraniana, incluindo hemorragia subaracnoide, intracerebral e intraventricular, pode causar convulsões. A hemorragia intraventricular, que ocorre mais comumente em neonatos pré-termo, é resultado de sangramento na matriz germinativa (uma região adjacente aos ventrículos e que dá origem aos neurônios e às células gliais durante o desenvolvimento).
A hipernatremia pode resultar de sobrecarga acidental, oral ou IV de cloreto de sódio.
Hiponatremia pode resultar de diluição [quando é administrada muita água por via oral ou IV, particularmente no contexto de hipovolemia, que, quando suficientemente grave, leva ao aumento dos níveis de hormônio antidiurético (ADH), apesar da baixa osmolaridade sérica (liberação de ADH não osmótica)] ou pode ocorrer seguinte à perda de sódio pelas fezes ou urina.
Hipocalcemia (nível sérico de cálcio < 7,5 mg/dL [< 1,87 mmol/L]) é geralmente acompanhada de nível sérico de fósforo de > 3 mg/dL (> 0,95 mmol/L) e também pode ser assintomática. Prematuridade e parto difícil são incluídos como fatores de risco de hipocalcemia. A hipocalcemia também pode ser uma manifestação da síndrome de DiGeorge (síndrome de deleção 22q11.2).
Hipomagnesemia é uma causa rara das convulsões, podendo ocorrer quando os níveis de magnésio no soro são < 1,4 mEq/L (< 0,7 mmol/L). A hipomagnesemia frequentemente ocorre com a hipocalcemia e deve ser lembrada em neonatos hipocalcêmicos se as convulsões continuarem após terapia adequada com o cálcio.
Erros inatos do metabolismo (p. ex., amino ou acidúria orgânica) podem causar convulsões neonatais. Raramente, a dependência de piridoxina causa convulsões; mas sempre deve ser considerada em neonatos com convulsões refratárias. A deficiência de piridoxina é prontamente tratada com piridoxina.
Malformações do SNC (p. ex., malformações cavernosas, malformações do desenvolvimento cortical) também podem causar convulsões.
Uso materal de substâncias recreacionais (p. ex., cocaína, heroína, diazepam) é um problema cada vez mais comum; as convulsões podem acompanhar a abstinência aguda após o nascimento.
Convulsões neonatais podem ter causas genéticas. Convulsões neonatais familiares benignas são uma doença dos canais de potássio herdada em um padrão autossômico dominante. Encefalopatia epiléptica infantil precoce (síndrome de Ohtahara) é uma doença rara associada a uma variedade de mutações.
Sinais e sintomas das convulsões neonatais
Convulsões neonatais são geralmente focais e podem ser difíceis de distinguir da atividade neonatal normal porque são sutis e podem, às vezes, manifestar-se como automatismos de mastigação ou movimentos de pedalar. A International League Against Epilepsy (ILAE) classifica as convulsões neonatais em 3 subtipos (1):
Motoras: automatismos (como os mencionados acima), clônicas, espasmos epilépticos, mioclônicas, tônicas
Não motoras: autonômicas, interrupção comportamental
Sequenciais
Nos subtipos motor e sequencial, manifestações comuns incluem abalos clônicos migratórios das extremidades, alternando com hemiconvulsões e convulsões subcorticais primitivas (que causam parada respiratória, movimentos de mastigação, desvio ocular persistente ou nistagmo e episódios de alteração do tônus muscular). As convulsões tônico-clônicas generalizadas são raras. No subtipo não motor, não há manifestações motoras diretas; esse subtipo é caracterizado por alterações autonômicas na frequência cardíaca, na pressão arterial ou nos padrões respiratórios, enquanto as crises de parada comportamental envolvem uma cessação súbita dos movimentos e da responsividade.
Clinicamente, a atividade elétrica da convulsão silenciosa está frequentemente presente após agravos hipóxico-isquêmicos (incluindo asfixia perinatal ou acidentes vasculares) e em neonatos com infecções do sistema nervoso central, especialmente após o tratamento inicial com anticonvulsivos, o que é mais provável de cessar as manifestações clínicas do que a atividade elétrica da convulsão.
Referência sobre sinais e sintomas
1. Yozawitz E. Neonatal Seizures. N Engl J Med. 2023;388(18):1692-1700. doi:10.1056/NEJMra2300188
Diagnóstico dos transtornos convulsivos neonatais
Eletroencefalografia (EEG)
Exames laboratoriais (p. ex., níveis séricos de glicose e eletrólitos, análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), culturas de sangue e urina; às vezes, testes genéticos)
Usualmente, imagem craniana
A avaliação começa com história familiar detalhada e exame físico.
Irritabilidade (alternando contrações e relaxamento de músculos opositores das extremidades) deve ser diferenciada da atividade de convulsão real. Essa irritabilidade é geralmente induzida por estímulos e pode cessar imobilizando-se a extremidade; em comparação, as convulsões ocorrem espontaneamente, e a atividade motora é sentida mesmo quando a extremidade é mantida imóvel.
EEG
EEG é essencial, e os tempos de registro talvez precisem ser prolongados, especialmente quando é difícil determinar se o neonato está tendo convulsões. EEG também é útil para monitorar a resposta ao tratamento.
Pode capturar períodos de sono ativo e tranquilo e, portanto, requerer ≥ 2 horas de registro. EEG normal com variação esperada durante os estágios do sono é um bom sinal prognóstico; EEG com anormalidades difusas graves (p. ex., tensão reprimida ou padrão de supressão de explosão) é ruim.
EEG no leito com monitoramento por vídeo durante ≥ 24 horas pode detectar convulsões elétricas contínuas clinicamente silenciosas, particularmente nos primeiros dias após uma lesão do sistema nervoso central.
Exames laboratoriais
Exames laboratoriais para avaliar distúrbios tratáveis subjacentes devem ser realizados imediatamente. Os testes incluem oximetria de pulso; medição da glicemia, sódio, potássio, cloreto, bicarbonato, cálcio e magnésio; punção lombar para análise do LCR (contagem de células e diferencial, glicose, proteína) e cultura; e urina e hemoculturas. Análise do LCR, cultura e culturas de urina e sangue são realizadas apenas quando a suspeita de sepse é alta ou outros exames são negativos.
A necessidade de outros exames metabólicos (p. ex., pH arterial, gases sanguíneos, bilirrubina sérica, aminoácidos ou ácidos orgânicos na urina) ou exames para detecção de drogas recreativas e ilícitas (transmitidas ao neonato por via transplacentária ou pelo aleitamento parental) depende da situação clínica.
Deve-se considerar teste genético em neonatos com convulsões recorrentes ou refratárias de causa indeterminada.
Exames de imagem
Exames de imagem costumam ser feitos, a menos que a causa seja imediatamente óbvia (p. ex., anormalidade de glicose ou eletrólitos). RM é preferível, mas pode não estar prontamente disponível; nesses casos, TC cefálica é feita.
Para recém-nascidos muito enfermos que não podem ser movidos para radiologia, a ultrassonografia craniana à beira do leito é uma opção; ela pode detectar hemorragia intraventricular, mas não subaracnoide. RM ou TC é feita quando os recém-nascidos estão estáveis.
TC cefálica pode detectar sangramento intracraniano e algumas malformações cerebrais. RM mostra as malformações mais claramente e pode detectar tecido isquêmico em algumas poucas horas do início.
Espectroscopia por ressonância magnética pode ajudar a determinar a extensão da lesão isquêmica ou identificar o acúmulo de certos neurotransmissores associados a uma doença metabólica subjacente.
Tratamento das convulsões neonatais
Tratamento da etiologia subjacente
Anticonvulsivantes
O tratamento das convulsões neonatais é direcionado primariamente à doença de base e, secundariamente, às convulsões.
Tratamento da causa
No caso de glicose sérica baixa, administra-se dextrose a 10% IV e monitora-se a glicemia; se necessário, faz-se infusão adicional, mas com cuidado para evitar hiperglicemia.
Para hipocalcemia, gluconato de cálcio a 10% é administrado por via IV; esse tratamento pode ser repetido para convulsões hipocalcêmicas persistentes. A infusão do gluconato de cálcio não deve exceder 0,5 mL/minuto (50 mg/min), sendo necessário monitoramento cardíaco contínuo durante a infusão. O extravasamento deve ser evitado, pois a pele pode necrosar.
Para hipomagnesemia, solução de sulfato de magnésio a 50% é administrada por via IM.
Infecções bacterianas são tratadas com antibióticos IV (a escolha do agente depende dos resultados de cultura e sensibilidade).
Encefalite herpética é tratada com aciclovir IV.
Encefalopatia hipóxico-isquêmica é tratada com hipotermia terapêutica por 72 horas.
Anticonvulsivantes
Anticonvulsivantes são utilizados a menos que as convulsões cessem rapidamente após a correção dos distúrbios reversíveis como hipoglicemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, hiponatremia ou hipernatremia.
Fenobarbital é o medicamento mais comumente utilizado; uma dose de ataque é administrada por via IV. Se as convulsões persistirem, doses menores podem ser administradas a cada 15 a 30 minutos até que as convulsões cessem ou até que a dose máxima seja atingida. Se as convulsões forem persistentes, a terapia de manutenção pode ser iniciada. O fenobarbital é mantido IV especialmente se as convulsões forem frequentes ou prolongadas. Quando o lactente está estável, pode ser administrado por via oral. Os níveis séricos terapêuticos do fenobarbital são de 20 a 40 mcg/mL (85 a 170 micromol/L), mas níveis mais altos são às vezes necessários pelo menos temporariamente (1).
Levetiracetam é utilizado para tratar convulsões neonatais porque é menos sedativo do que o fenobarbital. É administrada por via IV como uma dose de ataque e a terapia pode ser continuada por via IV ou oral a cada 12 horas. Os níveis terapêuticos não estão bem estabelecidos no neonato (1).
Fosfenitoina pode ser utilizada se as convulsões continuarem apesar do fenobarbital e levetiracetam. A dose de ataque é administrada por via IV ao longo de 30 minutos para evitar hipotensão e arritmias. Uma dose de manutenção pode ser iniciada a cada 12 horas e ajustada de acordo com a resposta clínica ou níveis séricos. A fenitoína oral tem baixa biodisponibilidade oral em lactentes e é geralmente evitada para uso de longo prazo (1).
Lorazepam IV pode ser inicialmente utilizado para convulsão prolongada ou convulsões resistentes e repetido em intervalos de 5 a 10 minutos, até 3 doses em cada período de 8 horas.
Neonatos que receberam anticonvulsivantes IV são observados atentamente; doses maiores das combinações dos medicamentos, particularmente lorazepam mais fenobarbital, podem resultar em depressão respiratória.
Não se sabe qual é a duração ideal da terapia de manutenção para nenhum dos medicamentos anticonvulsivantes; isso depende da etiologia subjacente das convulsões e da presença de fatores de risco para a recorrência das convulsões.
Referência sobre tratamento
1. Yozawitz E. Neonatal Seizures. N Engl J Med. 2023;388(18):1692-1700. doi:10.1056/NEJMra2300188
Prognóstico para doenças convulsivas neonatais
O prognóstico depende da etiologia:
Os resultados de longo prazo das crises neonatais são variáveis, variando de nenhuma anormalidade neurológica a atraso no desenvolvimento, deficiência intelectual e epilepsia (1).
A maioria dos neonatos com convulsões decorrentes de um distúrbio eletrolítico transitório (p. ex., hipocalcemia, hiponatremia) não apresenta problemas quando as convulsões desaparecem após a reversão do distúrbio e não são necessários medicamentos anticonvulsivantes de longo prazo.
Aqueles com hemorragia intraventricular grave têm alta taxa de morbidade.
Para convulsões idiopáticas ou convulsões decorrentes de malformações cerebrais, o início precoce está associado a resultados de neurodesenvolvimento piores.
Suspeita-se, mas não há comprovação, que convulsões neonatais prolongadas ou frequentes podem causar danos além daqueles causados pelo distúrbio subjacente, especialmente esclerose do hipocampo. Há preocupação de que o estresse metabólico da ativação neuronal prolongada provocado por convulsões longas pode levar a lesões cerebrais adicionais. Quando provocadas por lesões agudas no cérebro como hipóxia isquêmica, acidentes vasculares ou infecções, os neonatos podem apresentar uma série de convulsões, que tipicamente diminuem em cerca de 3 a 4 dias; se houver ocorrido lesão cerebral, essas convulsões podem reaparecer meses ou anos mais tarde. Convulsões de outras causas podem ser mais persistentes no período neonatal.
Referência sobre prognóstico
1. Westergren H, Finder M, Marell-Hesla H, Wickström R. Neurological outcomes and mortality after neonatal seizures with electroencephalographical verification. A systematic review. Eur J Paediatr Neurol. 2024;49:45-54. doi:10.1016/j.ejpn.2024.02.005
Pontos-chave
Convulsões neonatais geralmente ocorrem como uma reação a um evento sistêmico ou do sistema nervoso central (p. ex., hipóxia/isquemia, acidente vascular cerebral, hemorragia, infecção, doença metabólica, anormalidade estrutural do encéfalo).
As convulsões neonatais são geralmente focais e podem ser difíceis de reconhecer; manifestações comuns incluem movimentos bruscos clônicos migratórios das extremidades, movimentos de mastigação, desvio ocular persistente ou nistagmo, alterações episódicas no tônus muscular e distúrbios autonômicos.
A eletroencefalografia é essencial para o diagnóstico; testes laboratoriais e neuroimagem geralmente também são feitos para identificar a causa.
O tratamento é direcionado primeiro à causa subjacente, depois à cessação das crises.
Administrar fenobarbital ou levetiracetam se as convulsões não param quando a causa é corrigida; fosfenitoina e lorazepam podem ser acrescentados para convulsões persistentes.
