Transtornos convulsivos neonatais

PorM. Cristina Victorio, MD, Akron Children's Hospital
Revisado/Corrigido: mar 2023
Visão Educação para o paciente

Convulsões neonatais são descargas elétricas anormais no sistema nervoso central do recém-nascido e geralmente se manifestam como alterações estereotipadas da atividade muscular ou autonômica. O diagnóstico é confirmado pelo eletroencefalograma (EEG), sendo indicados testes para condições causais. O tratamento depende da causa.

(Ver também Transtornos convulsivos em adultos.)

As convulsões ocorrem em 1 a 5/1.000 nascidos vivos, e a incidência aumenta em recém-nascidos pré-termo e de baixo peso (1).

As convulsões podem ser um problema neonatal grave e necessitam de avaliação imediata. A maioria das convulsões neonatais é focal, provavelmente porque no recém-nascido a generalização da atividade elétrica é impedida por falta de mielinização e formação incompleta dos dendritos e sinapses cerebrais.

Alguns recém-nascidos submetidos a eletroencefalograma (EEG) para avaliação dos sintomas de encefalopatia (p. ex., hipoatividade, diminuição das respostas) demonstram convulsões silenciosas clinicamente (≥ 20 segundos de atividade elétrica epileptiforme durante o EEG, mas sem qualquer atividade convulsiva clinicamente visível). Ocasionalmente, a atividade elétrica silenciosa clinicamente é contínua e persistente por > 20 minutos; nessa situação, é definida como estado elétrico epiléptico.

Referência

  1. 1. Vasudevan C, Levene M: Epidemiology and aetiology of neonatal seizures. Semin Fetal Neonatal Med 18(4):185–191, 2013. doi: 10.1016/j.siny.2013.05.008

Etiologia dos transtornos convulsivos neonatais

A descarga elétrica anormal do sistema nervoso central pode ser causada por

  • Processo intracraniano primário (p. ex., meningite, acidente isquêmico, encefalite, hemorragia intracraniana, tumor, malformação)

  • Problema sistêmico (p. ex., hipóxia isquêmica, hipoglicemia, hipocalcemia, hiponatremia, outras disfunções metabólicas)

As convulsões resultantes de processo intracraniano geralmente não podem ser diferenciadas, por seu aspecto clínico, das convulsões resultantes de um problema sistêmico (p. ex., focal versus generalizada).

Hipóxia isquêmica, a causa mais comum de convulsão neonatal, pode ocorrer antes, durante ou após o parto (ver Visão geral de distúrbios respiratórios perinatais). Tais convulsões podem ser graves e de difícil tratamento, mas tendem a diminuir em cerca de 3 a 4 dias. Quando a hipóxia neonatal é tratada com hipotermia terapêutica (geralmente resfriamento de todo o corpo), as convulsões podem ser menos graves, mas podem reaparecer durante o reaquecimento.

Acidente isquêmico é mais provável em recém-nascidos com policitemia, trombofilia devido a uma genética ou hipotensão grave, mas também pode ocorrer mesmo na ausência de quaisquer fatores de risco. Os acidentes vasculares ocorrem, tipicamente, na vascularização da artéria cerebral média ou em zonas entre vasos, se houver associação com hipotensão. As convulsões por acidentes vasculares tendem a ser focais e podem provocar apneia.

Infecções neonatais como meningite e sepse podem provocar convulsões; em tais casos, as convulsões são geralmente acompanhadas de outros sinais e sintomas. Estreptococos do grupo B e bactérias gram-negativas são causas comuns dessas infecções nos recém-nascidos. Encefalite por citomegalovírus, herpes-vírus simples, vírus da rubeola, Treponema pallidum, Toxoplasma gondii, ou vírus da zica também podem causar convulsões.

Hipoglicemia é comum entre recém-nascidos cujas mães têm diabetes, nos pequenos para a idade gestacional ou que apresentam hipóxia isquêmica ou outros estresses. As convulsões por hipoglicemia tendem a ser focais e variáveis. Hipoglicemia prolongada ou recorrente pode afetar o sistema nervoso central permanentemente.

Hemorragia intracraniana, incluindo hemorragia subaracnoide, intracerebral e intraventricular, pode causar convulsões. A hemorragia intraventricular, que ocorre mais comumente em prematuros, é resultado de sangramento na matriz germinativa (uma região adjacente aos ventrículos e que dá origem aos neurônios e às células gliais durante o desenvolvimento).

A hipernatremia pode resultar de sobrecarga acidental, oral ou IV de cloreto de sódio.

Hiponatremia pode resultar de diluição [quando é administrada muita água por via oral ou IV, particularmente no contexto de hipovolemia, que, quando suficientemente grave, leva ao aumento dos níveis de hormônio antidiurético (ADH), apesar da baixa osmolaridade sérica (liberação de ADH não osmótica)] ou pode ocorrer seguinte à perda de sódio pelas fezes ou urina.

Hipocalcemia (nível sérico de cálcio < 7,5 mg/dL [< 1,87 mmol/L]) é geralmente acompanhada de nível sérico de fósforo de > 3 mg/dL (> 0,95 mmol/L) e também pode ser assintomática. Prematuridade e parto difícil são incluídos como fatores de risco de hipocalcemia. A hipocalcemia também pode ser uma manifestação da síndrome de DiGeorge (síndrome de deleção 22q11.2).

Hipomagnesemia é uma causa rara das convulsões, podendo ocorrer quando os níveis de magnésio no soro são < 1,4 mEq/L (< 0,7 mmol/L). A hipomagnesemia frequentemente ocorre com a hipocalcemia e deve ser lembrada em neonatos hipocalcêmicos se as convulsões continuarem após terapia adequada com o cálcio.

Erros inatos do metabolismo (p. ex., amino ou acidúria orgânica) podem causar convulsões neonatais. Raramente, a dependência de piridoxina causa convulsões; mas sempre deve ser considerada em recém-nascidos com convulsões refratárias. A deficiência de piridoxina é prontamente tratada com piridoxina.

Malformações do sistema nervoso central também podem causar convulsões.

Uso materal de substâncias recreacionais (p. ex., cocaína, heroína, diazepam) é um problema cada vez mais comum; as convulsões podem acompanhar a abstinência aguda após o nascimento.

As convulsões neonatais podem ser familiares e algumas até genéticas. Convulsões neonatais familiares benignas são uma doença dos canais de potássio herdada em um padrão autossômico dominante. Encefalopatia epiléptica infantil precoce (síndrome de Ohtahara) é uma doença rara associada a uma variedade de mutações.

Sinais e sintomas das convulsões neonatais

Convulsões neonatais são geralmente focais e podem ser difíceis de distinguir da atividade neonatal normal porque podem se manifestar como movimentos de mastigação ou de bicicleta. São comuns os movimentos bruscos clônicos migratórios das extremidades, alternando com hemiconvulsões e convulsões subcorticais primitivas (que causam parada respiratória, movimentos de mastigação, desvio ocular persistente ou nistagmo e episódios de alteração da tonicidade muscular). As convulsões tônico-clônicas generalizadas são raras.

Clinicamente, a atividade elétrica da convulsão silenciosa está frequentemente presente após agravos hipóxico-isquêmicos (incluindo asfixia perinatal ou acidentes vasculares) e em recém-nascidos com infecções do sistema nervoso central, especialmente após o tratamento inicial com anticonvulsivos, o que é mais provável de cessar as manifestações clínicas do que a atividade elétrica da convulsão.

Diagnóstico dos transtornos convulsivos neonatais

  • Eletroencefalografia (EEG)

  • Exames laboratoriais (p. ex., níveis séricos de glicose e eletrólitos, análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), culturas de sangue e urina; às vezes, testes genéticos)

  • Usualmente, imagem craniana

A avaliação começa com história familiar detalhada e exame físico.

Irritabilidade (alternando contrações e relaxamento de músculos opositores das extremidades) deve ser diferenciada da atividade de convulsão real. Essa irritabilidade é geralmente induzida por estímulos e pode cessar imobilizando-se a extremidade; em comparação, as convulsões ocorrem espontaneamente, e a atividade motora é sentida mesmo quando a extremidade é mantida imóvel.

EEG

EEG é essencial, e os tempos de registro talvez precisem ser prolongados, especialmente quando é difícil determinar se o recém-nascido está tendo convulsões. EEG também é útil para monitorar a resposta ao tratamento.

Pode capturar períodos de sono ativo e tranquilo e, portanto, requerer 2 horas de registro. EEG normal com variação esperada durante os estágios do sono é um bom sinal prognóstico; EEG com anormalidades difusas graves (p. ex., tensão reprimida ou padrão de supressão de explosão) é ruim.

EEG no leito com monitoramento por vídeo durante ≥ 24 horas pode detectar convulsões elétricas contínuas clinicamente silenciosas, particularmente nos primeiros dias após uma lesão do sistema nervoso central.

Exames laboratoriais

Testes laboratoriais para pesquisar doenças tratáveis subjacentes devem ser feitos imediatamente; os testes incluem oximetria de pulso, avaliação dos níveis plasmáticos de glicose, sódio, potássio, cloreto, bicarbonato, cálcio e magnésio; e punção lombar para análise do líquido cefalorraquidiano (contagem de células e diferencial, glicose, proteínas) e cultura. Realiza-se também hemocultura e urocultura.

Dependendo da situação clínica, pode haver necessidade de outros exames metabólicos (p. ex., pH arterial, gasometria, bilirrubina sérica, aminoácidos urinários ou orgânicos) ou testes para substâncias de uso recreacional comuns (transferidas para o recém-nascido pela placenta ou pelo leite materno).

Deve-se considerar teste genético em crianças com convulsões recorrentes ou refratárias de causa indeterminada.

Exames de imagem

Exames de imagem costumam ser feitos, a menos que a causa seja imediatamente óbvia (p. ex., anormalidade de glicose ou eletrólitos). RM é preferível, mas pode não estar prontamente disponível; nesses casos, TC cefálica é feita.

Para recém-nascidos muito enfermos que não podem ser movidos para radiologia, pode-se fazer ultrassonografia craniana no leito; ela pode detectar hemorragia intraventricular, mas não subaracnoidea. RM ou TC é feita quando os recém-nascidos estão estáveis.

TC cefálica pode detectar sangramento intracraniano e algumas malformações cerebrais. RM mostra as malformações mais claramente e pode detectar tecido isquêmico em algumas poucas horas do início.

Espectroscopia por ressonância magnética pode ajudar a determinar a extensão da lesão isquêmica ou identificar o acúmulo de certos neurotransmissores associados a uma doença metabólica subjacente.

Tratamento das convulsões neonatais

  • Tratamento da causa

  • Anticonvulsivantes

O tratamento das convulsões neonatais é direcionado primariamente à doença de base e, secundariamente, às convulsões.

Tratamento da causa

No caso de glicose sérica baixa, administra-se dextrose a 10%, 2 mL/kg IV monitorando-se a glicemia; se necessário, faz-se infusão adicional, mas com cuidado para evitar hiperglicemia.

Na hipocalcemia, administra-se gliconato de cálcio a 10%, 1 mL/kg IV (9 mg/kg do elemento cálcio), repetindo-se a dose se a convulsão hipocalcêmica persistir. A infusão do gliconato de cálcio não deve exceder 0,5 mL/minuto (50 mg/min), sendo necessário monitoramento cardíaco contínuo durante a infusão. O extravasamento deve ser evitado, pois a pele pode necrosar.

Para hipomagnesemia, faz-se aplicação IM de solução de sulfato de magnésio a 50%, na dose de 0,2 mL/kg (100 mg/kg).

As infecções bacterianas são tratadas com antibióticos.

Encefalite por herpes é tratada com aciclovir.

Anticonvulsivantes

Anticonvulsivantes são utilizados a menos que as convulsões cessem rapidamente após a correção dos distúrbios reversíveis como hipoglicemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, hiponatremia ou hipernatremia.

Fenobarbital ainda é o mais comumente utilizado; administra-se uma dose de ataque de 15 a 20 mg/kg IV. Se as convulsões continuarem, podem ser administrados 5 a 10 mg/kg IV a cada 15 ou 30 minutos até que as convulsões cessem ou até que no máximo 40 mg/kg tenham sido administrados. Se as convulsões são persistentes, a terapia de manutenção é iniciada cerca de 24 horas mais tarde, na dose de 1,5 a 2 mg/kg a cada 12 horas, e aumentada para 2,5 mg/kg a cada 12 horas, tendo-se por base a clínica ou o EEG ou os níveis séricos dos fármacos. O fenobarbital é mantido IV especialmente se as convulsões forem frequentes ou prolongadas. Quando a criança está estável, fenobarbital pode ser administrado por via oral em 3 a 4 mg/kg, uma vez ao dia. Os níveis séricos terapêuticos do fenobarbital são de 20 a 40 mcg/mL (85 a 170 micromol/L), mas níveis mais altos são às vezes necessários pelo menos temporariamente.

Levetiracetam é utilizado para tratar convulsões neonatais porque é menos sedativo do que o fenobarbital. É administrado IV como uma dose de ataque de 20 a 60 mg/kg, IV administrada em 2 a 5 mg/kg/min, e a terapia pode ser mantida como 10 a 30 mg/kg, IV a cada 12 horas. Os níveis terapêuticos não estão bem estabelecidos nos neonatais.

Fosfenitoina pode ser utilizada se as convulsões continuarem apesar do fenobarbital e levetiracetam. A dose de ataque é 20 mg PE (equivalentes em fenitoína)/kg IV. É administrada ao longo de 30 minutos para evitar hipotensão ou arritmias. A dose de manutenção pode ser iniciada com 2 a 3 mg PE/kg a cada 12 horas e ajustada de acordo com a resposta clínica e laboratorial. Para a fenitoína, os níveis séricos terapêuticos em neonatos são 8 a 15 mcg/mL (32 a 60 micromol/L).

Lorazepam pode ser inicialmente utilizado para convulsão prolongada ou convulsões resistentes na dose de 0,1 mg/kg IV e repetido em intervalos de 5 a 10 minutos, até 3 doses em cada período de 8 hora, para convulsões resistentes.

Neonatos que receberam anticonvulsivantes IV são observados atentamente; doses maiores das combinações dos fármacos, particularmente lorazepam mais fenobarbital, podem resultar em depressão respiratória.

Não se sabe qual é a duração ideal da terapia de manutenção para nenhum dos fármacos anticonvulsivantes; isso depende da etiologia subjacente das convulsões e da presença de fatores de risco para a recorrência das convulsões.

Prognóstico para doenças convulsivas neonatais

O prognóstico depende da etiologia:

  • Cerca de 50% dos recém-nascidos com convulsões por hipóxia isquêmica desenvolvem-se normalmente.

  • A maioria dos neonatos com convulsões decorrentes de um distúrbio eletrolítico transitório (p. ex., hipocalcemia, hiponatremia) não apresenta problemas quando as convulsões desaparecem após a reversão do distúrbio e não são necessários fármacos anticonvulsivantes de longo prazo.

  • Aqueles com hemorragia intraventricular grave têm alta taxa de morbidade.

  • Para convulsões idiopáticas ou convulsões decorrentes de malformações, o início precoce está associado a resultados de neurodesenvolvimento piores.

Suspeita-se, mas não há comprovação, que convulsões neonatais prolongadas ou frequentes podem causar danos além daqueles causados pelo distúrbio subjacente. Há preocupação de que o estresse metabólico da ativação neuronal prolongada provocado por convulsões longas pode levar a lesões cerebrais adicionais. Quando provocadas por lesões agudas no cérebro como hipóxia isquêmica, acidentes vasculares ou infecções, os neonatos podem apresentar uma série de convulsões, que tipicamente diminuem em cerca de 3 a 4 dias; se houver ocorrido lesão cerebral, essas convulsões podem reaparecer meses ou anos mais tarde. Convulsões de outras causas podem ser mais persistentes no período neonatal.

Pontos-chave

  • Convulsões neonatais geralmente ocorrem como uma reação a um evento sistêmico ou do sistema nervoso central (p. ex., hipóxia/isquemia, acidente vascular encefálico, hemorragia, infecção, doença metabólica, anormalidade estrutural do encéfalo).

  • As convulsões neonatais são geralmente focais e podem ser difíceis de reconhecer. São comuns os movimentos bruscos clônicos migratórios das extremidades, movimentos de mastigação, desvio ocular persistente ou nistagmo e episódios de alteração da tonicidade muscular.

  • Eletroencefalografia (EEG) é essencial para o diagnóstico; testes laboratoriais e neuroimagens são feitos para identificar a causa.

  • O tratamento é direcionado para a causa.

  • Administrar fenobarbital ou levetiracetam se as convulsões não param quando a causa é corrigida; fosfenitoina e lorazepam podem ser acrescentados para convulsões persistentes.

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