Princípios gerais da intoxicação

PorGerald F. O’Malley, DO, Grand Strand Regional Medical Center;
Rika O’Malley, MD, Grand Strand Medical Center
Reviewed ByDiane M. Birnbaumer, MD, David Geffen School of Medicine at UCLA
Revisado/Corrigido: modificado abr. 2025
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Visão Educação para o paciente

Intoxicação é o contato com uma substância que produz toxicidade. Os sintomas variam, mas certas síndromes comuns sugerem exposição a tipos particulares de venenos. A intoxicação é geralmente um diagnóstico clínico, mas testes laboratoriais estão disponíveis e são clinicamente úteis para determinados agentes tóxicos. O tratamento é de suporte para a maioria dos casos de intoxicação; antídotos específicos são administrados para certas substâncias. A prevenção engloba rotular nitidamente os frascos que contêm os fármacos e não deixar os tóxicos ao alcance das crianças.

Intoxicação é comumente decorrente da ingestão, mas pode ser resultante de injeções, inalação ou exposição da superfície corporal (p. ex., pele, olhos, mucosas). A toxicidade da maioria das substâncias em casos de intoxicação depende da dose. A dose é determinada pela concentração ao longo do tempo. A toxicidade pode ser o resultado da exposição a excessivas quantidades de substâncias normalmente não tóxicas ou a substâncias que são venenosas em todas as doses. A intoxicação se diferencia da hipersensibilidade (reação imunomediada) e das reações idiossincráticas (reação inesperada em uma pessoa individual), que são imprevisíveis e não relacionadas com a dose, assim como da intolerância (reação não imunomediada a uma dose de uma substância que geralmente é uma dose não tóxica), que são previsíveis e dependentes da dose. As reações de intolerância são geralmente menos graves do que as reações de hipersensibilidade ou idiossincráticas.

As pessoas frequentemente se preocupam e procuram aconselhamento médico quando expostas a uma substância não alimentar por ingestão ou outras vias (p. ex., inalação de vapores químicos). Muitos produtos comumente utilizados não são tóxicos, mas algumas exposições podem causar toxicidade grave, até mesmo com risco de vida, dependendo da substância, via de exposição, dose e características do paciente. Os pacientes devem ser orientados a entrar em contato com o centro local de referência sobre intoxicações para obter aconselhamento sobre uma possível intoxicação e/ou procurar atendimento de emergência. Nos Estados Unidos, informações sobre venenos estão disponíveis nos America's Poison Centers (1-800-222-1222) e PoisonHelp.org.

Envenenamento acidental é comum em crianças pequenas que são curiosas e ingerem qualquer coisa indiscriminadamente apesar do gosto e do odor ruins; em geral, apenas uma única substância está envolvida, mas a ingestão de múltiplas substâncias deve ser considerada. A intoxicação acidental pode ocorrer em idosos por causa de confusão, deficiência visual, condições de saúde mental ou polifarmácia (uso simultâneo de múltiplos medicamentos, muitas vezes prescrito por vários médicos) (ver também Problemas relacionados a medicamentos em idosos).

A intoxicação intencional por tentativa de suicídio é comum em crianças maiores, adolescentes e adultos; múltiplos fármacos e drogas ilícitas, incluindo álcool, benzodiazepinas e paracetamol e outros medicamentos de venda livre (MVL) podem estar envolvidos.

Ocasionalmente, as pessoas são envenenadas ou drogadas por alguém que deseja matá-las ou incapacitá-las (p. ex., para estuprá-las ou roubá-las). Fármacos utilizados para prejudicar pessoas (p. ex., escopolamina, benzodiazepinas, gama-hidroxibutirato) tendem a ter propriedades sedativas, amnésicas ou ambas. Em alguns raros casos, pais envenenam seus próprios filhos por razões psiquiátricas não bem esclarecidas ou pelo desejo de causar doença e obter atenção médica (uma doença denominada transtorno factício imposto a outro [anteriormente chamada síndrome de Munchausen por procuração]).

Após a exposição, os venenos podem passar pelo trato gastrointestinal (GI) ou ser absorvidos diretamente nos tecidos ou na circulação. Podem ser metabolizados ou excretados. Ocasionalmente, comprimidos (p. ex., ácido acetilsalicílico, ferro, fármacos entérico-recobertos) formam grandes concreções no trato gastrointestinal (bezoar), onde tendem a permanecer, continuando a serem absorvidos e causando toxicidade.

Sinais e sintomas da intoxicação

Sinais e sintomas de envenenamento variam de acordo com a substância (ver tabela Sintomas e tratamento de intoxicações específicas). Pacientes envenenados com a mesma substância também podem apresentar diferentes sintomas (1). Entretanto, 6 grupos de sintomas (síndromes tóxicas ou toxidromes) ocorrem comumente, podendo sugerir toxicidade causada por classes particulares de substâncias (ver tabela Síndromes tóxicas comuns). Pacientes que ingerem múltiplas substâncias podem apresentar sintomas característicos de uma única substância, mas frequentemente apresentam uma combinação de sintomas difíceis de atribuir a uma única substância.

Tabela
Tabela

Os sintomas tipicamente começam logo após a exposição, mas com certos venenos ocorrem tardiamente. O atraso pode ocorrer porque apenas um metabólito é tóxico, em vez da substância-mãe (p. ex., metanol, etilenoglicol, hepatotoxinas). A ingestão de hepatotoxinas (p. ex., paracetamol, ferro e cogumelo Amanita phalloides) pode causar insuficiência hepática aguda que pode acontecer poucos dias após a ingestão. Com metais ou solventes hidrocarbonetos, os sintomas ocorrem tipicamente somente após exposição crônica à toxina.

Em geral, toxinas ingeridas e absorvidas causam sintomas sistêmicos. Substâncias cáusticas e corrosivas prejudicam principalmente as mucosas do trato gastrointestinal (GI), causando estomatite, enterite ou perfuração. Algumas toxinas (p. ex., álcool, hidrocarbonetos) causam odores característicos ao hálito. O contato da pele com toxinas pode causar vários sintomas agudos cutâneos (p. ex., exantema, dor, bolhas); a exposição crônica pode causar dermatites.

Toxinas inaladas produzem sintomas e danos às vias respiratórias superiores se forem solúveis em água (p. ex., cloro, amônia) e sintomas e danos às vias respiratórias inferiores (parênquima pulmonar) e edema pulmonar não cardiogênico se forem menos solúveis em água (p. ex., fosgênio). Inalação de monóxido de carbono, cianeto ou sulfeto de hidrogênio pode causar isquemia dos órgãos ou parada cardíaca ou respiratória. O contato dos olhos com as toxinas (sólidas, líquidas ou vapores) pode danificar córnea, esclera e cristalino, causando dor nos olhos, rubor e perda de visão.

Algumas substâncias (p. ex., cocaína, fenciclidina, anfetamina) podem causar grave agitação, resultando às vezes em hipertermia, acidose e rabdomiólise.

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Holstege CP, Borek HA. Toxidromes. Crit Care Clin. 2012;28(4):479-498. doi:10.1016/j.ccc.2012.07.008

Diagnóstico de intoxicação

  • Principalmente história e exame físico, incluindo história de todas as fontes disponíveis (paciente e outros que possam ter observado a exposição do paciente a uma toxina)

  • Às vezes, testes laboratoriais direcionados para substâncias específicas

O primeiro passo para o diagnóstico do envenenamento é avaliar a condição geral do paciente. A intoxicação grave pode requerer rápida intervenção para tratar comprometimento das vias respiratórias ou colapso cardiopulmonar.

Na apresentação clínica, pode-se saber que ocorreu intoxicação. Ela deve ser suspeitada se os pacientes tiverem sintomas inexplicáveis, especialmente alteração de consciência (que pode variar de agitação, sonolência a coma). Se ocorrer autoenvenenamento proposital em adultos, múltiplas substâncias precisam ser suspeitadas.

A história é frequentemente a ferramenta mais valiosa de diagnóstico. Farmácia e registros médicos podem fornecer indicações úteis. É importante coletar o máximo de informações possível sobre a exposição para tentar identificar a substância (ou às vezes múltiplas substâncias), via de exposição (p. ex., ingestão, inalação), quantidade e tempo de exposição. Como muitos pacientes (p. ex., crianças pré-verbais, adultos com ideação suicida ou em surto psicótico, pacientes com alteração de consciência) não conseguem fornecer informações confiáveis, recomenda-se interrogar amigos, familiares e equipes de resgate. Mesmo pacientes nos quais se pode confiar, às vezes, relatam incorretamente o tempo de ingestão da substância. Às vezes, as pessoas que estavam no local onde a exposição ocorreu podem fornecer informações sobre indícios que auxiliam na condução do cuidado ao paciente (p. ex., frascos de medicamentos parcialmente vazios, uma carta de suicídio, evidências de uso de drogas recreativas). Em locais de trabalho com potencial de envenenamento, outros trabalhadores e supervisores devem ser interrogados. Todos os produtos químicos industriais precisam ter um informativo a respeito dos dados da segurança (IRDS) prontamente disponível no local de trabalho; o IRDS fornece informação detalhada acerca da toxicidade e de qualquer tratamento específico.

Em muitas regiões do mundo, informações a respeito de químicos industriais e domésticos podem ser obtidas em centros de controle de intoxicações. A consulta aos centros é estimulada, pois ingredientes, medidas de primeiros socorros e antídotos impressos nas embalagens dos produtos são às vezes imprecisos ou antiquados. Também, o recipiente pode ter sido substituído ou a embalagem alterada. Os centros de controle de intoxicações devem estar aptos a auxiliar a identificação de comprimidos desconhecidos com base em sua aparência. Eles possuem também acesso rápido a toxicologistas. O número do telefone do centro mais perto é frequentemente relacionado com outros números de emergência na página frontal da lista telefônica local (1-800-222-1222, nos Estados Unidos). Mais informações estão disponíveis em America's Poison Centers.

Às vezes, o exame físico detecta sinais que sugerem tipos particulares de substâncias (p. ex., toxidromes [ver tabela Síndromes tóxicas comuns]; hálito; presença de drogas ou medicações tópicas, marcas de agulha, sugerindo uso de drogas injetáveis; estigmas de uso crônico de álcool).

Mesmo que se saiba que um paciente está envenenado, uma alteração da consciência devido a outras causas (p. ex., infecção do sistema nervoso central, traumatismo craniano, hipoglicemia, acidente vascular cerebral, encefalopatia hepática, encefalopatia de Wernicke) também deve ser considerada. Tentativa de suicídio precisa sempre ser pensada em crianças maiores, adolescentes e adultos que ingeriram uma droga ou medicamento (ver Comportamento suicida e Comportamento suicida em crianças e adolescentes). Além disso, crianças e adolescentes frequentemente compartilham comprimidos e substâncias encontradas; deve-se fazer uma investigação rigorosa para identificar outros pacientes potencialmente intoxicados entre companheiros de brincadeiras e irmãos.

Exames laboratoriais

Na maioria dos casos, os exames laboratoriais para substâncias específicas são limitados. Testes padronizados, facilmente disponíveis de urina ou sangue para identificar drogas de abuso comuns (denominadas “triagem toxicológica”) são qualitativos, não quantitativos. Esses testes podem fornecer resultados falso-positivos ou falso-negativos, e só analisam um limitado número de substâncias. O exame de urina para rastreamento de drogas é usado com mais frequência, mas tem valor limitado e geralmente detecta classes de drogas ou medicamentos ou metabólitos em vez de substâncias específicas. Por exemplo, identificação de opioides na urina por imunoensaio não detecta fentanil ou metadona, mas reage com pequenas quantidades de morfina ou análogos da codeína. O teste utilizado para identificar cocaína detecta um metabólito em vez da própria droga. Além disso, a presença de uso abusivo de fármacos não necessariamente indica que o fármaco causou os sinais e sintomas do paciente (isto é, um paciente que tenha tomado recentemente um opioide pode, na verdade, estar obnubilado em razão de uma encefalite, não por causa do fármaco).

Dicas e conselhos

  • Um exame de urina positivo para uma droga de abuso específica não indica necessariamente que a droga causou os sinais e sintomas do paciente (isto é, um paciente que tenha tomado recentemente um opioide pode, na verdade, estar obnubilado em razão da encefalite, em vez da droga).

Para a maioria das substâncias, os níveis séricos não podem ser determinados facilmente ou não auxiliam no controle do tratamento. Para algumas substâncias (p. ex., paracetamol, ácido acetilsalicílico, monóxido de carbono, digoxina, ferro, lítio, metanol, fenobarbital, fenitoína, teofilina), os níveis séricos podem auxiliar na orientação do tratamento. Muitos especialistas recomendam dosar os níveis de paracetamol em todos pacientes com ingestão misturada de produtos devido ao fato de que o consumo de paracetamol ser comum, frequentemente assintomático durante as fases iniciais, e causar séria toxicidade tardia, a qual pode ser prevenida por antídoto. Para algumas substâncias, outros exames de sangue [p. ex., TP (tempo de protrombina) para overdose por varfarina, níveis de metaemoglobina para certas substâncias] ajudam a orientar o tratamento.

Se após a melhora inicial os níveis séricos de uma substância ou os sintomas de intoxicação aumentarem e persistirem inusitadamente por longo período, deve-se suspeitar de bezoar, isto é, preparação de liberação continuada, ou reexposição (repetidas exposições às escondidas de uma droga de uso recreativo).

Em pacientes com alteração da consciência ou sinais vitais anormais ou que ingeriram certas substâncias, os exames laboratoriais podem incluir eletrólitos séricos, ureia, creatinina, glicose, estudos de coagulação e gasometria venosa (GV). Outros exames (p. ex., osmolalidade sérica, nível de metemoglobina, nível de monóxido de carbono, TC de crânio) podem ser indicados em caso de suspeita de alguns venenos ou em algumas situações clínicas.

Para certas intoxicações (p. ex., por ferro, chumbo, arsênio, outros metais, ou pacotes de cocaína ou outras drogas ilícitas ingeridas ou inseridas em cavidades corporais com o propósito de contrabandear as drogas ou ocultá-las dos agentes da lei [uma prática chamada de body packing]), estudos radiográficos, como radiografias simples ou tomografia computadorizada, podem mostrar a presença e a localização das substâncias ingeridas.

Para intoxicações com medicamentos ou drogas que têm efeito cardiovascular ou com substância desconhecida, indica-se eletrocardiograma (ECG) e monitoramento cardíaco.

Tratamento da intoxicação

  • Cuidados de suporte

  • Prevenir a absorção (p. ex., carvão ativado para intoxicações orais)

  • Aumentar a excreção (p. ex., diálise)

  • Mitigar a toxicidade (p. ex., controlar efeitos cardiovasculares)

  • Às vezes, antídotos específicos

Pacientes com intoxicação grave podem necessitar de ventilação assistida ou tratamento do colapso cardiovascular. Pacientes com a consciência comprometida podem necessitar de monitoramento ou internação. A discussão do tratamento de intoxicações específicas, abaixo e nas tabelas Antídotos específicos comuns, Diretrizes para terapia de quelação e Sintomas e tratamento de intoxicações específicas, é geral e não inclui complexidades e detalhes específicos. Recomenda-se consulta a centro de controle de intoxicações para qualquer caso, exceto aqueles de caráter leve e mais rotineiro.

Estabilização inicial

  • Manter vias respiratórias, respiração, circulação

  • Naloxona IV

  • Glicose e tiamina IV

  • Líquidos IV algumas vezes vasopressores

Deve-se manter as vias respiratórias, respiração e circulação em pacientes com suspeita de intoxicação sistêmica. Os pacientes sem pulso ou sem pressão arterial precisam de reanimação cardiopulmonar de emergência.

Se tiverem apneia ou vias respiratórias comprometidas (p. ex., material estranho na orofaringe, diminuição do reflexo orofaríngeo), os pacientes devem receber ventilação assistida e uma dose de naloxona IV. Se o paciente não tiver uma resposta rápida à naloxona, um tubo endotraqueal deve ser inserido (ver Intubação traqueal). Se os pacientes têm depressão respiratória ou hipóxia, administra-se suplementação de oxigênio ou ventilação mecânica conforme necessário.

Naloxona IV (adultos, adolescentes e crianças ≥ 5 anos ou > 20 kg: 0,4 a 2 mg a cada 2 a 3 minutos, conforme necessário, até uma dose total máxima de 10 mg; lactentes e crianças < 5 anos ou ≤ 20 kg: 0,1 mg/kg em crianças, pode ser repetido a cada 2 a 3 minutos até que a resposta desejada seja alcançada) deve ser administrada imediatamente, mantendo o suporte das vias respiratórias em pacientes com apneia ou depressão respiratória grave. Em pacientes com dependência de opioides, naloxona pode precipitar a síndrome de abstinência, mas a abstinência é preferível à depressão respiratória grave. Se a depressão respiratória continuar apesar do uso de naloxona, deve-se proceder a intubação endotraqueal com ventilação mecânica contínua. Se a naloxona atenuar a depressão respiratória, os pacientes devem ser monitorados; havendo recorrência, deve-se tratá-los com outra quantidade de naloxona IV ou intubação traqueal e ventilação mecânica. O uso contínuo de baixa dose de naloxona em infusão para manter a respiração sem precipitar a suspensão foi sugerido, mas na verdade é difícil de executar.

Dextrose IV (50 mL de uma solução a 50% para adultos, 5 a 10 mL/kg de uma solução a 10% em lactentes e crianças, 2 a 4 mL/kg de uma solução a 25% para crianças maiores) deve ser administrada a pacientes com alteração da consciência ou depressão do sistema nervoso central, a menos que a hipoglicemia tenha sido descartada por determinação imediata da glicemia à beira do leito.

A tiamina (100 mg IV) é administrada junto com ou antes da glicose para adultos com suspeita de deficiência de tiamina (p. ex., pacientes com transtorno por uso de álcool, pacientes subnutridos).

Hidratação venosa na hipotensão. Se não forem eficazes, monitoramento invasivo hemodinâmico é necessário para conduzir a terapia com líquidos e vasopressores. O vasopressor de primeira escolha na maioria dos casos de hipotensão induzida por intoxicação é a infusão de noradrenalina, 0,5 a 1 mg/min IV mas o tratamento precisa ser imediato se outro vasopressor estiver imediatamente disponível.

Descontaminação tópica

Qualquer região do corpo (incluindo olhos) exposta à toxina deve ser lavada com grandes quantidades de soro fisiológico ou água. É preciso remover roupas contaminadas, incluindo sapatos, meias e adereços. Os adesivos tópicos e os sistemas de administração transdérmica são removidos.

Carvão ativado

Carvão ativado oral pode ser administrado, particularmente quando os pacientes se apresentam dentro de 1 a 2 horas após a ingestão que pode causar toxicidade. O uso de carvão ativado adiciona pouco risco (exceto em pacientes com risco de vômito e aspiração), mas não foi comprovado que reduz a morbidade ou mortalidade geral. Quando utilizado, deve ser o empregado o quanto antes. O carvão ativado absorve a maioria das toxinas devido à sua configuração molecular e grande área de superfície. Múltiplas doses de carvão ativado podem ser eficazes para substâncias que são submetidas à recirculação enteropática (p. ex., fenobarbital, teofilina) e para preparações de liberação prolongada. Administra-se a intervalos de 4 a 6 horas em intoxicações graves, exceto quando o intestino parece hipoativo. O carvão ativado é ineficaz para cáusticos, alcoóis e íons simples (p. ex., ferro, cianeto, lítio e outros metais).

A dose recomendada é 5 a 10 vezes o volume da toxina suspeita de ter sido ingerida. Entretanto, como a quantidade de toxina ingerida geralmente não é conhecida, a dose usual é de 0,5 a 2 g/kg, cerca de 10 a 25 g para crianças < 5 anos; e 50 a 100 g, para crianças maiores e adultos. O carvão é administrado em mistura semilíquida em água ou bebidas não alcoólicas. Por não ser de bom sabor, pode causar vômitos em cerca de 30% dos pacientes (1). A administração por sonda gástrica deve ser considerada, mas deve-se ter cautela para prevenir trauma causado pela inserção do tubo ou aspiração de carvão; os potenciais benefícios devem superar os riscos. O carvão ativado é utilizado sem sorbitol ou outros catárticos, os quais não têm nítido benefício e podem causar desidratação e alterações dos eletrólitos (2).

Após a administração, o carvão ativado acabará sendo excretado nas fezes, e os pacientes devem ser informados de que podem ter obstipação e/ou fezes escuras.

Esvaziamento gástrico

O esvaziamento gástrico, seja com xarope de ipeca ou por lavagem gástrica, não demonstrou ser eficaz e hoje é realizado apenas raramente — e somente em casos de ingestões muito precoces, potencialmente letais e para as quais não existam outros tratamentos eficazes. (3). Não reduz claramente a morbidade ou mortalidade geral e, em alguns casos (p. ex., ingestão de substâncias cáusticas), é contraindicado (ver Ingestão de cáusticos).

Irrigação de todo o intestino

Este procedimento passa um fluxo de água pelo trato gastrointestinal e teoricamente diminui o tempo de trânsito de comprimidos e drágeas. A irrigação não provou reduzir a morbidade e mortalidade. A irrigação é indicada para qualquer um dos seguintes (4):

  • Algumas intoxicações graves causadas por preparações de liberação lenta ou que não são absorvidas pelo carvão (p. ex., metais pesados)

  • Pacotes de drogas (p. ex., pacotes de heroína ou cocaína revestidos de látex e ingeridos ou inseridos em cavidades corporais com o propósito de contrabandear as drogas ou ocultá-las de agentes da lei [uma prática chamada de body packing])

  • Suspeita de bezoar

Uma solução comercialmente preparada de polietilenoglicol (que não é absorvível) e eletrólitos pode ser administrada, com a dose variando por idade e/ou peso, até que o efluente retal esteja límpido (4); esse processo pode exigir muitas horas ou mesmo dias. A solução é, geralmente, administrada por tubo gástrico, apesar de alguns pacientes motivados conseguirem beber grandes volumes.

Alcalinização da urina

A alcalinização da urina aumenta a eliminação de ácidos fracos (p. ex., salicilatos, fenobarbital). Uma solução combinando 1 L soro glicosado a 5% com três ampolas de 50-mEq (50-mmol/L) de bicarbonato de sódio e 20 a 40 mEq (20 a 40 mmol/L) de potássio pode ser dado à taxa de 250 mL/h em adultos and 2 to 3 mL/kg/h em crianças. O pH urinário é mantido em ≥ 7,5 e o potássio deve ser reposto. Pode ocorrer hipernatremia, alcalemia e excesso de fluídos, mas não é nada grave. A alcalinização da urina é contraindicada em pacientes com insuficiência renal (5).

Diálise

Toxinas comuns que podem requerer diálise ou hemoperfusão compreendem:

  • Etilenoglicol

  • Lítio

  • Metanol

  • Salicilatos

  • Teofilina

Tais procedimentos são menos úteis se o tóxico for uma grande molécula ou for uma molécula carregada (polar), tiver grande volume de distribuição (isto é, se for depositada no tecido gorduroso) ou for extensivamente unida a proteínas teciduais (como com digoxina, fenciclidina, fenotiazinas ou antidepressivos tricíclicos). A necessidade de diálise é geralmente determinada pelos valores laboratoriais, estado clínico e toxina envolvida. Os métodos de diálise incluem hemodiálise e hemoperfusão.

Antídotos específicos

Para os antídotos utilizados mais comuns, ver tabela Antídotos comuns específicos. Emulsões lipídicas IV em concentrações de 10% e 20% e terapia com alta dose de insulina foram utilizadas para tratar com sucesso várias toxinas cardíacas diferentes (p. ex., bupivacaína, diltiazem, verapamil) (6).

Tabela
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Quelação

Agentes quelantes são utilizados para intoxicação por metais pesados e, ocasionalmente, por outros medicamentos ou drogas (ver tabela Diretrizes para a terapia de quelação).

Tabela
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Medidas contínuas de suporte

A maioria dos sintomas (p. ex., agitação, sedação, coma, edema cerebral, hipertensão, arritmias, insuficiência renal, hipoglicemia) é tratada com medidas de suporte usuais.

Hipotensão e arritmias induzidas por fármacos podem não responder aos tratamentos usuais. Dopamina, adrenalina, outros vasopressores, bomba de balão intra-aórtico ou mesmo suporte circulatório extracorpóreo podem ser considerados para hipotensão refratária.

A estimulação cardíaca pode ser necessária para arritmias refratárias. Frequentemente, torsade de pointes devem ser tratadas com sulfato de magnésio, 2 a 4 g IV sobre-estimulação (overdrive pacing) ou infusão de isoproterenol titulada.

Convulsões são inicialmente tratadas com benzodiazepinas. Utilizam-se fenobarbital e propofol quando as benzodiazepinas são ineficazes. É necessário controlar a forte agitação com benzodiazepinas em altas doses, muitas vezes outros sedativos potentes (p. ex., propofol) ou, em casos extremos, indução de paralisia e ventilação mecânica.

A hipertermia é tratada com medidas físicas de resfriamento, em vez de antipiréticos. Disfunção orgânica pode com o tempo exigir transplante de rim ou transplante de fígado.

Internação hospitalar

As indicações para internação hospitalar compreendem alteração da consciência, persistência de anormalidade dos sinais vitais e previsão de toxicidade prolongada. Por exemplo, a internação é considerada se os pacientes ingeriram preparações de liberação contínua, particularmente de drogas ou medicamentos com efeitos potencialmente sérios (p. ex., medicamentos cardiovasculares). Se não houver outras razões para a internação, se os resultados dos exames laboratoriais forem normais e se os sintomas desaparecerem após a observação dos pacientes durante 4 a 6 horas, a maioria dos pacientes pode receber alta. No entanto, se a ingestão tiver sido intencional, os pacientes precisam de avaliação psiquiátrica.

Referências sobre tratamento

  1. 1. Mohamed F, Sooriyarachchi MR, Senarathna L, et al. Compliance for single and multiple dose regimens of superactivated charcoal: a prospective study of patients in a clinical trial. Clin Toxicol (Phila). 2007;45(2):132-135. doi:10.1080/15563650600981145

  2. 2. Position statement and practice guidelines on the use of multi-dose activated charcoal in the treatment of acute poisoning. American Academy of Clinical Toxicology; European Association of Poisons Centres and Clinical Toxicologists. J Toxicol Clin Toxicol. 1999;37(6):731-751. doi:10.1081/clt-100102451

  3. 3. Benson BE, Hoppu K, Troutman WG, et al. Position paper update: gastric lavage for gastrointestinal decontamination. Clin Toxicol (Phila). 2013;51(3):140-146. doi:10.3109/15563650.2013.770154

  4. 4. Thanacoody R, Caravati EM, Troutman B, et al. Position paper update: whole bowel irrigation for gastrointestinal decontamination of overdose patients. Clin Toxicol (Phila). 2015;53(1):5-12. doi:10.3109/15563650.2014.989326

  5. 5. Proudfoot AT, Krenzelok EP, Vale JA. Position Paper on urine alkalinization. J Toxicol Clin Toxicol. 2004;42(1):1-26. doi:10.1081/clt-120028740

  6. 6. Gosselin S, Hoegberg LC, Hoffman RS, et al. Evidence-based recommendations on the use of intravenous lipid emulsion therapy in poisoning. Clin Toxicol (Phila). 2016;54(10):899-923. doi:10.1080/15563650.2016.1214275

Prevenção de intoxicações

Nos Estados Unidos, o amplo uso de embalagens resistentes às crianças, com revestimentos de segurança, reduziu enormemente os casos de óbitos por intoxicação em crianças com < 5 anos. Limitar a quantidade de analgésicos de venda livre em um simples frasco e eliminar formulações confusas e redundantes reduzem a gravidade das intoxicações, em particular com paracetamol, ácido acetilsalicílico e ibuprofeno.

Outras medidas preventivas incluem:

  • Rotulagem clara nos produtos de uso doméstico e nos fármacos prescritos

  • Armazenagem de fármacos e substâncias tóxicas em armários fechados e inacessíveis às crianças

  • Descarte imediato de fármacos vencidos misturando-as na caixa de areia de gato ou em outra substância não tentadora e colocando-as em um recipiente de lixo que é inacessível a crianças

  • Uso de detectores de monóxido de carbono

  • Não prescrever opioides e utilizar tratamentos não opioides sempre que possível

É importante divulgar medidas de educação pública para incentivar o armazenamento de substâncias em seus frascos originais (p. ex., não colocar inseticidas em frascos de bebidas). O uso de identificação impressa em fármacos sólidos auxilia a prevenir erros e confusões por pacientes, farmacêuticos e profissionais da saúde.

Pontos-chave

  • A intoxicação diferencia-se das reações de hipersensibilidade e idiossincráticas, as quais não são previsíveis e não estão relacionadas com a dose, e da intolerância, que é uma reação tóxica à dose não usual de uma substância.

  • O reconhecimento da toxídrome (p. ex., anticolinérgicos, colinérgicos muscarínicos, colinérgicos nicotínicos, opioides, simpatomiméticos, síndrome de abstinência) pode ajudar a estreitar o diagnóstico diferencial.

  • A toxicidade pode ser imediata, tardia (p. ex., paracetamol, ferro e o cogumelo amanita phalloides que causam hepatotoxicidade tardia) ou ocorrer somente depois de exposições repetidas.

  • Maximizar o reconhecimento da intoxicação e a identificação do veneno específico considerando a possibilidade de intoxicação para todos os pacientes com alterações inexplicáveis da consciência e pesquisando exaustivamente os indícios na anamnese.

  • Considerar outras causas (p. ex., infecção do sistema nervoso central, traumatismo craniano, hipoglicemia, acidente vascular cerebral, encefalopatia hepática, encefalopatia de Wernicke) se o estado de consciência estiver alterado, mesmo se houver suspeita de intoxicação.

  • Utilizar exames toxicológicos (p. ex., imunoensaios para identificação de drogas) seletivamente porque podem fornecer informações incompletas ou incorretas.

  • A conduta em todos os tipos de intoxicação é o tratamento de suporte, carvão ativado para intoxicação oral grave e outros métodos seletivamente.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. Chemical Companion (ERDSS). Disponível tanto como aplicativo para tablet quanto como software para download.

  2. U.S. Department of Health and Human Services. Chemical Hazards Emergency Medical Management. Disponível como software para download.

  3. U.S. Department of Transportation (DOT) Pipeline and Hazardous Materials Safety Administration. Emergency Response Guidebook. Disponível como documento para download e um aplicativo móvel.

  4. National Oceanic and Atmospheric Administration. CAMEO Chemicals. Disponível como aplicativo móvel e software para download

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