(Ver também Princípios gerais da intoxicação Princípios gerais da intoxicação Intoxicação é o contato com uma substância que produz toxicidade. Os sintomas variam, mas certas síndromes comuns podem sugerir tipos particulares de intoxicações. O diagnóstico inicialmente... leia mais .)
Muitas preparações de livre comércio comumente utilizadas contêm ferro. Dentre as prescritas, as mais comuns são
Sulfato ferroso (20% de ferro puro)
Gliconato ferroso (12% de ferro puro)
Fumarato ferroso (33% de ferro puro)
Para crianças, as drágeas de ferro podem se assemelhar a balas. Multivitaminas de uso pré-natal são a fonte de ferro nas ingestões mais letais entre crianças. Em geral, multivitaminas mastigáveis com ferro para crianças têm pequenas quantidades, de modo que raramente ocorrem intoxicações.
Fisiopatologia da intoxicação por ferro
O ferro é tóxico para os sistemas gastrointestinais, cardiovascular e nervoso central. Mecanismos específicos não são evidentes, mas o excesso de ferro livre é inserido em processos enzimáticos, interferindo na fosforilação oxidativa e causando acidose metabólica Acidose metabólica Acidose metabólica é a redução primária no bicarbonato (HCO3−), tipicamente com diminuição compensatória da pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2); o pH pode estar acentuadamente... leia mais . O ferro também catalisa a formação de radicais livres, age como oxidante e, quando a ligação à proteína plasmática está saturada, combina-se com água, formando hidróxido férrico e íons H+ livres e compondo a acidose metabólica. Surge coagulopatia precocemente devido à interferência na cascata da coagulação e tardiamente devido ao dano hepático.
A toxicidade depende da quantidade de ferro puro ingerida. Até 20 mg/kg de ferro puro não é tóxico; 20 a 60 mg/kg, leve a moderadamente tóxico e > 60 mg/kg pode causar graves sintomas e morbidades.
Sinais e sintomas da intoxicação por ferro
Os sintomas da intoxicação por ferro ocorrem em 5 estágios (ver tabela Estágios da intoxicação por ferro Estágios da intoxicação por ferro ); entretanto, os sintomas e sua progressão variam significantemente. Em geral, a gravidade dos sintomas do estágio 1 reflete a total gravidade da intoxicação; os sintomas do estágio tardio se desenvolvem somente se o estágio 1 for moderado a grave. Se não se desenvolverem sintomas nas primeiras 6 horas após a ingestão, o risco de grave toxicidade é mínimo. Se houver choque e coma nas primeiras 6 horas, a taxa de mortalidade é e cerca de 10%.
Diagnóstico da intoxicação por ferro
Radiografia do abdome
Determinação do ferro sérico, eletrólitos e pH 3 a 4 horas após a ingestão
A intoxicação por ferro deve ser pensada como ingestão mista (por que o ferro é onipresente) em crianças menores com acessibilidade ao ferro, e acidose metabólica inexplicável ou gastroenterite hemorrágica grave. Deve-se avaliar crianças que frequentemente convivem com irmãos, amigos e crianças pequenas que ingeriram ferro.
Recomenda-se radiografia abdominal para confirmar a suspeita, pois detecta drágeas ou concreções de ferro, porém não identifica drágeas dissolvidas ou mastigadas, preparações de ferro líquido e em multivitaminas. Dosam-se ferro sérico, eletrólitos e pH em 3 a 4 horas após a ingestão. A toxicidade é confirmada se a ingestão for acompanhada por:
Vômitos e dor abdominal
Níveis séricos de ferro > 350 mcg/dL (63 micromol/L)
Caracterização do ferro a radiografia
Acidose metabólica inexplicável
Estes níveis de ferro podem indicar toxicidade; contudo, isoladamente, não prognosticam toxicidade com precisão. A capacidade total de ligação do ferro é frequentemente imprecisa e não auxilia a diagnosticar intoxicações graves, não sendo recomendável. A abordagem mais fiel é mensurar seriadamente os níveis de ferro, HCO3 e pH (com cálculo da diferença de ânions); estes achados são avaliados em conjunto e os resultados são correlacionados com o estado clínico do paciente. Por exemplo, sugere-se toxicidade por aumento dos níveis férricos, acidose metabólica com hiato aniônico elevado, piora dos sintomas ou, mais tipicamente, combinações desses achados.
O teste de provocação com deferoxamina não é mais recomendado para avaliação de uma possível superdosagem de ferro devido à baixa sensibilidade. Nesse teste, administrou-se por via intramuscular deferoxamina, um agente quelante de ferro; avaliaram-se então amostras de urina à procura da cor laranja ou marrom avermelhado característica (urina vin rosé) causada pela ferrioxamina excretada.
Tratamento da intoxicação por ferro
Irrigação de todo o intestino
Para toxicidade grave, deferoxamina IV
Havendo ferro visível a radiografias abdominais, procede-se irrigação de todo intestino Irrigação de todo o intestino Intoxicação é o contato com uma substância que produz toxicidade. Os sintomas variam, mas certas síndromes comuns podem sugerir tipos particulares de intoxicações. O diagnóstico inicialmente... leia mais com polietilenoglicol, 1 a 2 L/h, em adultos, ou 25 a 40 mL/kg/h, em crianças; o procedimento é realizado até quando forem encontradas drágeas radiopacas a radiografia abdominal. A administração por sonda nasogástrica pode ser necessária para fornecer esses grandes volumes e deve-se proteger as vias respiratórias; pode ser necessário proceder à entubação orotraqueal (ver Entubação traqueal Entubação traqueal A maioria dos pacientes que requerem uma via respiratória artificial pode ser submetido à entubação traqueal, que pode ser Orotraqueal (tubo inserido pela boca) Nasotraqueal (tubo inserido pelo... leia mais ). Em geral, a lavagem gástrica não é de muito auxílio, pois os vômitos tendem a esvaziar o estômago mais eficazmente. O carvão ativado não absorve o ferro e deve ser utilizado somente se outras toxinas também foram ingeridas.
Todos os pacientes com mais que uma leve gastroenterite são hospitalizados. Quando há grave toxicidade (acidose metabólica Acidose metabólica Acidose metabólica é a redução primária no bicarbonato (HCO3−), tipicamente com diminuição compensatória da pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2); o pH pode estar acentuadamente... leia mais , choque, grave gastroenterite ou nível sérico de ferro > 500 mcg/dL [89,5 micromol/L]), eles são tratados com deferoxamina IV para quelar o ferro sérico livre. Deferoxamina é infundida em doses acima de 15 mg/kg/h IV tituladas até que ocorra hipotensão. Pelo fato da deferoxamina e da intoxicação por ferro diminuírem a pressão arterial, os pacientes sob este tratamento devem ser hidratados.
Pontos-chave
Toxidade do ferro, como algumas outras hepatotoxinas, pode causar gastroenterite aguda seguida por uma fase quiescente e, depois, choque e insuficiência hepática.
Suspeitar de intoxicação por ferro em ingestões mistas (porque o ferro é onipresente) em crianças menores com acessibilidade ao ferro, e acidose metabólica inexplicável ou gastroenterite hemorrágica grave.
Suspeitar que a toxicidade é grave por aumento dos níveis férricos, acidose metabólica, piora dos sintomas ou combinações desses achados.
Fazer irrigação intestinal até a radiografia abdominal mostrar ausência de produtos de ferro radiopacos.
Administrar deferoxamina IV para tratar intoxicação grave (p. ex., acidose metabólica, choque, gastroenterite grave, nível sérico de ferro > 500 mcg/dL [89,5 micromol/L]).