Intoxicação por ferro

PorGerald F. O’Malley, DO, Grand Strand Regional Medical Center;
Rika O’Malley, MD, Grand Strand Medical Center
Reviewed ByDiane M. Birnbaumer, MD, David Geffen School of Medicine at UCLA
Revisado/Corrigido: modificado abr. 2025
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Visão Educação para o paciente

A intoxicação por ferro causada pela ingestão de ≥ 20 mg/kg de ferro (frequentemente pela ingestão de suplementos de ferro) é uma emergência toxicológica comum. Os sintomas se iniciam com gastroenterite aguda seguida por um período quiescente e, depois, choque e insuficiência hepática. O diagnóstico é feito por dosagem de ferro sérico, detecção de comprimidos de ferro radiopacos no trato gastrointestinal ou por acidose metabólica inexplicável em pacientes com outros achados que sugerem intoxicação por ferro. Em geral, o tratamento de grande quantidade ingerida é feito por irrigação de todo intestino e quelação com deferoxamina IV.

(Ver também Princípios gerais da intoxicação.)

Muitas preparações de livre comércio comumente utilizadas contêm ferro. Dentre as prescritas, as mais comuns são

  • Sulfato ferroso (20% de ferro puro)

  • Gluconato ferroso (12% de ferro puro)

  • Fumarato ferroso (33% de ferro puro)

Para crianças, as drágeas de ferro podem se assemelhar a balas. Multivitaminas de uso pré-natal são a fonte de ferro nas ingestões mais letais entre crianças. Em geral, multivitaminas mastigáveis com ferro para crianças têm pequenas quantidades, de modo que raramente ocorrem intoxicações.

Foram relatados casos de superdosagem de ferro por via parenteral sem desfechos clínicos significativos (1).

Referência

  1. 1. Arastu AH, Elstrott BK, Martens KL, et al. Analysis of Adverse Events and Intravenous Iron Infusion Formulations in Adults With and Without Prior Infusion Reactions [correção publicada em JAMA Netw Open. 2022 Jun 1;5(6):e2221567. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2022.21567.]. JAMA Netw Open. 2022;5(3):e224488. Publicado em 2022 Mar 1. doi:10.1001/jamanetworkopen.2022.4488

Fisiopatologia da intoxicação por ferro

O ferro é tóxico para os sistemas gastrointestinais, cardiovascular e nervoso central. Mecanismos específicos não são evidentes, mas o excesso de ferro livre é inserido em processos enzimáticos, interferindo na fosforilação oxidativa e causando acidose metabólica. O ferro também catalisa a formação de radicais livres, age como oxidante e, quando a ligação à proteína plasmática está saturada, combina-se com água, formando hidróxido férrico e íons H+ livres e compondo a acidose metabólica. Surge coagulopatia precocemente devido à interferência na cascata da coagulação e tardiamente devido ao dano hepático.

A toxicidade depende da quantidade de ferro puro ingerida. Até 20 mg/kg de ferro puro não é tóxico; 20 a 60 mg/kg, leve a moderadamente tóxico e > 60 mg/kg pode causar graves sintomas e morbidades.

Sinais e sintomas da intoxicação por ferro

Os sintomas da intoxicação por ferro ocorrem em 5 estágios (ver tabela Estágios da intoxicação por ferro); entretanto, os sintomas e sua progressão variam significantemente. Em geral, a gravidade dos sintomas do estágio 1 reflete a total gravidade da intoxicação; os sintomas do estágio tardio se desenvolvem somente se o estágio 1 for moderado a grave. Se não se desenvolverem sintomas nas primeiras 6 horas após a ingestão, o risco de grave toxicidade é mínimo. Se houver choque e coma nas primeiras 6 horas, a taxa de mortalidade é de cerca de 10% (1).

Tabela
Tabela

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Manoguerra AS, Erdman AR, Booze LL, et al. Iron ingestion: an evidence-based consensus guideline for out-of-hospital management. Clin Toxicol (Phila). 2005;43(6):553-570. doi:10.1081/clt-200068842

Diagnóstico da intoxicação por ferro

  • Radiografia do abdome

  • Ferro sérico, eletrólitos e gasometria venosa ou arterial

A intoxicação por ferro deve ser pensada como ingestão mista (por que o ferro é onipresente) em crianças menores com acessibilidade ao ferro, e acidose metabólica inexplicável ou gastroenterite hemorrágica grave. Deve-se avaliar crianças que frequentemente convivem com irmãos, amigos e crianças pequenas que ingeriram ferro.

Recomenda-se radiografia abdominal para confirmar a suspeita, pois detecta drágeas ou concreções de ferro, porém não identifica drágeas dissolvidas ou mastigadas, preparações de ferro líquido e em multivitaminas. Dosam-se ferro sérico, eletrólitos e pH em 3 a 4 horas após a ingestão. A toxicidade é confirmada se a ingestão for acompanhada por:

  • Vômitos e dor abdominal

  • Níveis séricos de ferro > 350 mcg/dL (63 micromol/L)

  • Ferro visível na radiografia

  • Acidose metabólica inexplicável

Estes níveis de ferro podem indicar toxicidade; contudo, isoladamente, não prognosticam toxicidade com precisão. A capacidade total de ligação do ferro é frequentemente imprecisa e não auxilia a diagnosticar intoxicações graves, não sendo recomendável. A abordagem mais fiel é mensurar seriadamente os níveis de ferro, bicarbonato de cálcio e pH (com cálculo da diferença de ânions); estes achados são avaliados em conjunto e os resultados são correlacionados com o estado clínico do paciente. Por exemplo, sugere-se toxicidade por aumento dos níveis férricos, acidose metabólica com hiato aniônico elevado, piora dos sintomas ou, mais tipicamente, combinações desses achados.

O teste de provocação com deferoxamina não é mais recomendado para avaliação de uma possível superdosagem de ferro devido à baixa sensibilidade. Nesse teste, administrou-se por via intramuscular deferoxamina, um agente quelante de ferro; avaliaram-se então amostras de urina à procura da cor laranja ou marrom avermelhado característica (urina vin rosé) causada pela ferrioxamina excretada.

Calculadora clínica

Tratamento da intoxicação por ferro

  • Irrigação de todo o intestino

  • Para toxicidade grave, deferoxamina IV

Se houver comprimidos radiopacos visíveis na radiografia abdominal, realiza-se a irrigação intestinal total com polietilenoglicol, 1 a 2 L/h, em adultos, ou 25 a 40 mL/kg/h, em crianças; até que não se observe mais ferro na radiografia de controle. A administração por sonda nasogástrica pode ser necessária para fornecer esses grandes volumes e deve-se proteger as vias respiratórias; pode ser necessário proceder à intubação orotraqueal (ver Intubação traqueal). Em geral, a lavagem gástrica não é de muito auxílio, pois os vômitos tendem a esvaziar o estômago mais eficazmente. O carvão ativado não absorve o ferro e deve ser utilizado somente se outras toxinas também foram ingeridas, além do carvão.

Todos os pacientes com mais que uma leve gastroenterite são hospitalizados. Quando há grave toxicidade (acidose metabólica, choque, grave gastroenterite ou nível sérico de ferro > 500 mcg/dL [89,5 micromol/L]), eles são tratados com deferoxamina IV para quelar o ferro sérico livre. Deferoxamina é infundida em doses acima de 15 mg/kg/h IV tituladas até que ocorra hipotensão. Pelo fato da deferoxamina e da intoxicação por ferro diminuírem a pressão arterial, os pacientes sob este tratamento devem ser hidratados.

Hemodiálise, hemofiltração e exsanguinotransfusão têm sido utilizadas com sucesso como tratamento adjuvante.

Pontos-chave

  • Toxidade do ferro, como algumas outras hepatotoxinas, pode causar gastroenterite aguda seguida por uma fase quiescente e, depois, choque e insuficiência hepática.

  • Suspeitar de intoxicação por ferro em ingestões mistas (porque o ferro é onipresente) em crianças menores com acessibilidade ao ferro, e acidose metabólica inexplicável ou gastroenterite hemorrágica grave.

  • Suspeitar que a toxicidade é grave por aumento dos níveis férricos, acidose metabólica, piora dos sintomas ou combinações desses achados.

  • Fazer irrigação intestinal até a radiografia abdominal mostrar ausência de produtos de ferro radiopacos.

  • Administrar deferoxamina IV para tratar intoxicação grave (p. ex., acidose metabólica, choque, gastroenterite grave, nível sérico de ferro > 500 mcg/dL [89,5 micromol/L]).

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