Transtornos convulsivos

PorBola Adamolekun, MD, University of Tennessee Health Science Center
Revisado/Corrigido: mar 2022
Visão Educação para o paciente

A crise epiléptica é uma descarga elétrica anormal que ocorre no interior da substância cinzenta cortical do cérebro e interrompe temporariamente a função cerebral normal. Em geral, uma crise epiléptica produz alteração de consciência, sensações anormais, movimentos involuntários focais ou crises motoras (contrações involuntárias disseminadas dos músculos voluntários). O diagnóstico pode ser clínico e envolve resultados de neuroimagens, testes laboratoriais e eletroencefalografia (EEG) para crises de início recente ou níveis de anticonvulsivantes para transtornos convulsivos previamente diagnosticados. O tratamento exige a eliminação da causa, se possível, anticonvulsivantes e cirurgia (se os fármacos não forem eficazes).

(Ver também Crises febris e Crises epilépticas neonatais.)

Cerca de 2% dos adultos apresentam uma crise epiléptica em alguma ocasião durante a vida. Dois terços desses indivíduos nunca apresentam uma segunda crise.

Definições

A terminologia relacionada às crises pode ser confusa.

Epilepsia (também chamada transtorno epiléptico) é uma doença cerebral crônica caracterizada por convulsões recidivantes ( 2) sem desencadeantes (isto é, não relacionadas a estressores reversíveis) e que ocorrem em intervalos de 24 horas. Um convulsão única não é considerada uma crise epiléptica. A epilepsia geralmente é idiopática, porém várias doenças cerebrais, como malformações, acidente vascular encefálico e tumores, podem causar epilepsia sintomática.

Epilepsia sintomática é epilepsia devido a uma causa conhecida (p. ex., tumor encefálico, acidente vascular encefálico). As convulsões que provoca são chamadas crises epilépticas sintomáticas. Essas crises são mais comuns em recém-nascidos e idosos.

Epilepsia criptogênica é epilepsia que presume-se que ocorra devido a uma causa específica, mas cuja causa específica é atualmente desconhecida.

Convulsões não epilépticas são provocadas por distúrbio ou estressor temporário (p. ex., distúrbios metabólicos, infecções do sistema nervoso central, doenças cardiovasculares, intoxicação ou abstinência de drogas, transtornos psicogênicos). Em crianças, febre pode provocar uma convulsão (convulsões febris).

Crises psicogênicas não epilépticas (pseudocrises) são sintomas que simulam crises epilépticas em pacientes com doenças psiquiátricas, mas não envolvem descargas elétricas anormais no cérebro.

Etiologia dos transtornos convulsivos

As causas comuns das crises epilépticas (ver tabela Causas das crises epilépticas) variam de acordo com a idade de início:

Na epilepsia reflexa, uma doença rara, as crises são desencadeadas previsivelmete por estímulos externos, como sons repetitivos, luzes brilhantes, videogames, música ou até mesmo ao se tocar determinadas partes do corpo.

Na epilepsia criptogênica e muitas vezes na epilepsia refratária, uma causa rara, mas cada vez mais identificada, é encefalite do receptor de anti-NMDA (N-metila-daspartato), especialmente em mulheres jovens. Esse transtorno também causa sintomas psiquiátricos, distúrbio de movimento e pleocitose do líquido cefalorraquidiano. Teratoma ovariano ocorre em cerca de 60% das mulheres com encefalite do receptor anti-NMDA. A remoção do teratoma (se presente) e imunoterapia controlam as convulsões bem melhor do que os anticonvulsivantes.

Tabela

Classificação dos transtornos convulsivos

Em 2017, a International League Against Epilepsy (ILAE) criou um novo sistema de classificação para convulsões (1).

A classificação inicial é por tipo de início:

  • Início generalizado

  • Início focal

  • Início desconhecido

As crises de início focal são então classificadas por nível de consciência (conhecimento do eu e do ambiente). O nível de consciência não é usado para classificar crises de início generalizado porque a maioria dessas convulsões (mas não todas) prejudica a consciência.

Todas as crises são então classificadas, se possível, como

  • Início motor

  • Início não motor

A responsividade não é usada para classificar crises, mas pode ser útil como descritor. A responsividade pode estar intacta ou prejudicada se a consciência está ou não comprometida.

Crises de início generalizado

Nas crises de início generalizado, as crises se originam nas redes dos dois hemisférios. A percepção geralmente está prejudicada, e a consciência geralmente é perdida.

As crises de início generalizado são classificadas como crises motoras e não motoras (de ausência). (No entanto, convulsões não motoras podem envolver a atividade motora.) Nas convulsões motora de início generalizado, a atividade motora geralmente é bilateral desde o início. Quando o início bilateral da atividade motora é assimétrico, pode ser difícil determinar se o início é focal ou generalizado.

Crises motoras de início generalizado também podem ser classificadas por tipo de crise:

  • Crises tônico-clônicas (anteriormente, crises grande mal)

  • Crises clônicas (movimento brusco rítmico sustentado)

  • Convulsões tônicas (enrijecimento generalizado envolvendo todos os membros e sem movimentos bruscos rítmicos)

  • Crises atônicas (perda do tônus muscular)

  • Crises mioclônicas (movimento brusco rítmico não precedido de enrijecimento)

  • Crises mioclônicas-tônico-clônicas (movimentos bruscos mioclônicos, seguido de movimentos tônicos e clônicos)

  • Crises mioclônicas-atônicas (movimentos bruscos mioclônicos seguidos de atonia)

  • Espasmos epilépticos (anteriormente, espasmos infantis)

Crises não motoras de início generalizado também podem ser classificadas por tipo de crise (definida pela característica proeminente mais precoce):

  • Crises de ausência típicas

  • Crises de ausência atípicas (p. ex., com início ou término menos abruptos ou com alterações anômalas do tônus)

  • Convulsões mioclônicas

  • Mioclonia palpebral

Todas as crises de ausência são crises de início generalizado. O seguinte pode ajudar a distinguir crises de ausência de crises focais com consciência prejudicada, embora as distinções não sejam absolutas:

  • Crises de ausência tendem a ocorrer em pessoas mais jovens.

  • Tendem a começar e terminar repentinamente.

  • Em geral, os automatismos são menos complexos nas crises de ausência do que nas crises focais com comprometimento da consciência.

As crises generalizadas resultam mais frequentemente de distúrbios metabólicos e, algumas vezes, de doenças genéticas.

Crises de início focal

As crises de início focal originam-se nas redes em um dos hemisférios e podem ter origem nas estruturas subcorticais. Elas podem ser discretamente localizadas ou mais amplamente distribuídas.

As crises de início focal podem ser classificadas por nível de consciência:

  • Crises de consciência focais (anteriormente, crises parciais simples)

  • Crises focais com comprometimento da consciência (anteriormente, crises parciais complexas)

Se a consciência está prejudicada durante qualquer parte da crise, a crise é classificada como uma crise focal com consciência prejudicada.

Crises motoras de início focal também podem ser classificadas por tipo de crise:

  • Automatismos (atividade motora coordenada, sem finalidade e repetitiva)

  • Atônica (perda focal do tônus muscular)

  • Clônica (movimento brusco rítmico focal)

  • Espasmos epilépticos (flexão focal ou extensão dos membros superiores e flexão do tronco)

  • Hipercinética (movimentos de pedalar ou debater)

  • Mioclônica (irregular, abalos bruscos focais breves)

  • Tônica (rigidez focal sustentada de um membro ou um lado do corpo)

O nível de consciência geralmente não é especificado para as crises atônicas ou os espasmos epilépticos.

Nas convulsões tônicas de início focal, o enrijecimento envolve um único membro ou lado do corpo, geralmente sem perda de consciência. A eletroencefalografia (EEG) pode mostrar anormalidades epileptiformes focais contralaterais. Por outro lado, nas convulsões tônicas de início generalizado, o enrijecimento envolve todos os membros, com ou sem perda de consciência, e a EEG pode mostrar anormalidades epileptiformes bilaterais.

Crises não motoras de início focal podem ser classificadas com base na característica proeminente inicial:

  • Disfunção autonômica (efeitos autonômicos como sensações gastrintestinais, sensação de calor ou frio, rubor, excitação sexual, piloereção e palpitação)

  • Parada comportamental (cessação do movimento e falta de resposta como a principal característica de toda a crise)

  • Disfunção cognitiva (comprometimento da linguagem ou de outros domínios cognitivos ou características positivas como déjà vu, alucinações, ilusões ou distorções perceptivas)

  • Disfunção emocional (manifestando-se com alterações emocionais como ansiedade, medo, alegria, outras emoções ou sinais afetivos sem emoções subjetivas)

  • Disfunção sensorial (causando sensações somatossensoriais, olfativas, visuais, auditivas, gustativas ou vestibulares ou uma sensação de calor ou frio)

Crises de início focal podem evoluir para uma crise tônico-clônica de início generalizado (chamada generalização secundária), que causa perda da consciência. Crises tônico-clônica focal-para-bilateral ocorrem quando uma crise de início focal se difunde e ativa bilateralmente todo o cérebro. A ativação pode ocorrer de forma tão rápida que o começo da crise de início focal não é clinicamente evidente ou é muito breve.

Crises de início desconhecido

As crises são geralmente classificadas como crises de início desconhecido quando faltam informações sobre o início. Se os médicos adquirirem mais informações sobre as crises, essas crises podem ser reclassificadas como de início focal ou de início generalizado.

Crises de início desconhecido podem ser motoras ou não motoras.

Crises motoras de início desconhecido podem ser classificadas como

  • Tônico-clônicas

  • Espasmos epilépticos

Crises não motoras de início desconhecido podem ser classificadas como

  • Parada comportamental

Crises tônico-clônicas com início obscuro são frequentemente classificadas como crises de início desconhecido. Crises identificadas posteriormente como espasmos epilépticos ou crises de parada comportamental podem se inicialmente classificadas como crises de início desconhecido.

O monitoramento detalhado do EEG por vídeo pode ajudar a esclarecer se o início é focal ou generalizado; isso é importante porque, se o início for focal, a causa pode ser tratável.

Referência sobre classificação

  1. 1. Fisher RS, Cross JH, D'Souza C, et al: Instruction manual for the ILAE [International League Against Epilepsy] 2017 operational classification of seizure types. Epilepsia 58 (4):531–542, 2017. doi: 10.1111/epi.13671

Sinais e sintomas dos transtornos convulsivos

Uma aura pode preceder as convulsões. Aura é o termo utilizado para descrever a maneira como os pacientes se sentem quando uma crise começa. Auras podem consistir em atividade motora ou manifestações sensoriais, autonômicas ou psíquicas (p. ex., parestesias, sensação epigástrica, cheiros anormais, sensação de medo e sensação de déjà-vu ou jamais vu). Na sensação jamais vu, um local ou experiência familiar é percebido como muito estranho—o oposto do déjà vu. Na maioria dos casos, a aura descrita pelos pacientes é parte de uma crise focal de consciência.

A maioria das crises termina espontaneamente em 1 a 2 minutos.

O estado pós-ictal costuma ocorrer após as crises de início generalizado; é caracterizado por sono profundo, cefaleia, confusão e dor muscular; esse estado dura minutos a horas. Algumas vezes, o estado pós-ictal cursa com paralisia de Todd, um deficit neurológico transitório, geralmente no membro contralateral ao foco da convulsão.

A maior parte dos pacientes parece neurologicamente normal entre as crises, embora doses altas de anticonvulsivantes possam reduzir o estado de alerta. Qualquer degeneração mental progressiva geralmente está relacionada a transtorno neurológico responsável pelas crises, e não às próprias crises.

Ocasionalmente, as convulsões são persistentes, como no estado epiléptico.

Crises de início focal

Crises de início focal podem ser

  • Crises de consciência focais (anteriormente, crises parciais simples)

  • Crises focais com comprometimento da consciência (anteriormente, crises parciais complexas)

Durante uma crise focal consciente, a consciência está intacta. Se a consciência estiver comprometida durante qualquer parte da crise, a crise é classificada como crise focal com comprometimento da consciência; a consciência pode estar prejudicada, mas não completamente perdida.

Crises focais conscientes: causam sintomas motores, sensitivos ou psicomotores. Sintomas específicos refletem a área cerebral atingida (ver tabela Manifestações das crises de início focal de acordo com o local). Nas crises jacksonianas, os sintomas motores focais têm início em uma das mãos e em seguida estendem-se pelo resto do membro (marcha jacksoniana). Outras crises de início focal atingem inicialmente a face, e a seguir difundem-se para um dos membros superiores e algumasa vezes um dos membros inferiores. O começo de algumas crises motoras de início focal ocorre com a elevação do membro superior e rotação da cabeça em direção ao membro superior levantado (chamada postura de escape).

Tabela

Epilepsia parcial continua, um transtorno raro, é um crise motora consciente focal contínua. Geralmente atinge o membro superior, a mão ou uma hemiface; as crises se repetem em poucos segundos ou minutos, até dias ou anos algumas vezes. A causa geralmente é:

  • Em adultos: lesão estrutural (p. ex., acidente vascular encefálico)

  • Em crianças: processo inflamatório cortical cerebral focal (p. ex., encefalite de Rasmussen), possivelmente causada por uma infecção viral crônica ou processo autoimune

Dicas e conselhos

  • Considerar crises de início focal em pacientes com alterações transitórias, inexplicáveis e recorrentes que parecem psiquiátricas (p. ex., alucinações, automatismos comportamentais complexos, fala arrestada, redução da responsividade ao olhar fixamente).

Crises parciais complexas geralmente são precedidas de auras. Durante uma crise epiléptica, os pacientes podem manter o olhar fixo. Ocorre alteração da consciência, mas o paciente tem alguma percepção do ambiente (p. ex., retirada propositalde um estímulo doloroso). Pode ocorrer o seguinte:

  • Automatismos orais (mastigação involuntária ou estalar os lábios)

  • Automatismos dos membros (realizar movimentos automáticos despropositados com as mãos)

  • Emissão de sons ininteligíveis sem compreender o que é dito

  • Resistência ao auxílio

  • Postura tônica ou distônica da extremidade contralateral ao foco epiléptico

  • Desvio da cabeça e dos olhos, geralmente na direção contralateral ao foco epiléptico

  • Movimentos de bicicleta ou pedalar das pernas, se a crise se originar da região frontal medial ou orbitofrontal

A maioria dos sintomas motores desaparece em 1 a 2 minutos, mas a confusão e a desorientação podem continuar por mais 1 ou 2 minutos. Amnésia pós-ictal é comum. Os pacientes podem reagir de modo violento, se forem contidos durante a crise epiléptica ou enquanto recuperam a consciência, se a crise se generalizar. No entanto, o comportamento agressivo não provocado é incomum.

As crises do lobo temporal esquerdo podem causar anormalidades de memória verbal; as crises do lobo temporal direito podem causar anormalidades da memória visuoespacial.

Crises de início generalizado

A consciência geralmente está comprometida ou ausente, e a função motora é anômala desde o início. Crises de início generalizado são classificadas como crises motoras ou não motoras (de ausência).

Crises de ausência típicas (anteriormente denominadas pequeno mal) consistem em perda da consciência por 10 a 30 segundos, com tremor palpebral; o tônus da musculatura axial pode ou não ser perdido. Os pacientes não caem nem apresentam contrações espasmódicas; cessam abruptamente sua atividade, retomando-a da mesma forma, sem sintomas pós-ictais ou sem saber que tiveram uma crise epiléptica. As crises de ausência são genéticas e ocorrem predominantemente em crianças. Em geral, começam entre os 5 e 15 anos de idade e não continuam na idade adulta. Sem tratamento, essas crises podem acontecer várias vezes durante o dia. Muitas vezes, as crises ocorrem quando os pacientes estão calmamente sentados, podem ser precipitadas por hiperventilação e raramente ocorrem durante exercícios. Os resultados dos exames neurológico e cognitivo são normais.

As crises atípicas de ausência geralmente ocorrem como parte da síndrome de Lennox-Gastaut, uma forma grave de epilepsia. Elas diferem no seguinte das crises de ausência típicas:

  • Duram mais.

  • São acompanhadas por movimentos reflexos ou automáticos mais pronunciados.

  • A perda de consciência é menos completa.

Muitos pacientes têm história de lesão do sistema nervoso, atraso de desenvolvimento, resultados anormais de exame neurológico e outros tipos de crise epiléptica. As crises de ausência atípicas geralmente continuam na idade adulta.

A síndrome de Lennox-Gastaut é uma forma grave de epilepsia que causa vários tipos de convulsões; o transtorno geralmente começa antes dos 4 anos de idade e pode persistir na idade adulta. Pode haver alternância entre períodos de convulsões frequentes com períodos relativamente livres de convulsões. A função intelectual e/ou o processamento de informações são prejudicados na maioria dos pacientes com síndrome de Lennox-Gastaut; o desenvolvimento pode ocorrer tardiamente e pode haver problemas comportamentais. As causas da síndrome de Lennox-Gastaut incluem malformações cerebrais, esclerose tuberosa, asfixia perinatal, traumatismo cranioencefálico grave, infecção do sistema nervoso central e doenças hereditárias genéticas e degenerativas ou metabólicas. Às vezes, nenhuma causa é identificada.

Nas crises de ausência mioclônicas, os membros superiores e os ombros sofrem abalos rítmicos (3 vezes por segundo), causando elevação progressiva dos membros superiores. Tipicamente, essas crises duram de 10 a 60 segundos. O comprometimento da consciência pode não ser evidente. Crises de ausência mioclônicas são causadas por vários distúrbios genéticos; algumas vezes a causa é desconhecida.

Mioclonia palpebral consiste em movimentos mioclônicos das pálpebras e desvio do olhar para cima, muitas vezes precipitado pelo fechamento dos olhos ou pela luz. Mioclonias palpebrais podem ocorrer em crises motoras e não motoras.

As crises atônicas ocorrem com mais frequência em crianças, geralmente como parte da síndrome de Lennox-Gastaut. As crises atônicas caracterizam-se por perda curta e completa de tônus muscular e consciência. As crianças caem ou atiram-se ao solo, correndo o risco de sofrer trauma, em especial traumatismo craniano.

As crises tônicas ocorrem com mais frequência durante o sono, geralmente em crianças. A causa é, geralmente, síndrome de Lennox-Gastaut. A contração tônica (mantida) dos músculos axiais pode se iniciar de forma abrupta ou gradual, depois se disseminar para a musculatura proximal dos membros. Costuma haver rigidez cervical. As crises tônicas geralmente duram de 10 a 15 s. Em crises tônicas mais longas, poucos abalos rápidos podem ocorrer quando termina a fase tônica.

Nas crises clônicas, abalos rítmicos sustentados ocorrem nos membros dos dois lados do corpo e, frequentemente, na cabeça, pescoço, face e tronco. Crises clônicas geralmente ocorrem em lactentes e devem ser diferenciadas de nervosismo ou tremores. Crises clônicas são muito menos comuns que crises tônico-clônicas.

Convulsões tônico-clônicas podem ser

  • Início generalizado (anteriormente generalizado primário)

  • Tônico-clônico focal a bilateral (anteriormente generalizado secundário)

As convulsões tônicas-clônicas de início generalizado costumam começar com um grito; continuam com perda de consciência e quedas, seguidas por contrações tônicas e então movimento clônico (alternância rápida de contração e relaxamento) dos músculos dos membros, tronco e cabeça. Às vezes, o paciente apresenta incontinência urinária e fecal e “espuma” pela boca. As crises geralmente duram 1 a 2 minutos. Não há aura.

Crises tônico-clônicas de focal para lateral começam com uma crise epiléptica parcial simples ou parcial complexa, então evoluem até se assemelhar a convulsões tônico-clônicas.

As crises mioclônicas são abalos breves, semelhantes a choques, de um membro, de vários membros ou do tronco. Podem ser repetitivas, causando uma crise epiléptica tônico-clônica. Os abalos podem ser bilaterais ou unilaterais. Ao contrário de outras crises com movimentos bilaterais, não há perda de consciência, a menos que a crise mioclônica progrida para uma crise tônico-clônica generalizada.

Nas crises mioclônicas-atônicas, há abalos bruscos e breves nos membros ou no tronco, que a seguir desaparecem (crise atônica). As crises geralmente começam entre os 6 meses e os 6 anos de idade. Em dois terços das crianças, crises epilépticas febris e as crises epilépticas de início generalizado precedem a crise mioclônico-atônica. Essas crises são mais comuns entre homens (2:1). O desenvolvimento e a cognição costumam estar normais, mas podem se tornar prejudicados quando ou depois do início das crises.

O termo espasmos epilépticos substituiu o termo espasmos infantis, embora a expressão espasmos infantis possa ser usada para espasmos epilépticos que ocorrem durante a infância. O início dos espasmos epilépticos pode ser focal, generalizado ou desconhecido. São caracterizados por flexão e adução súbitas dos membros superiores e flexão para frente do tronco. Essas crises duram alguns segundos e tornam a aparecer várias vezes durante o dia. Ocorrem apenas nos primeiros 5 anos de vida, sendo depois substituídas por outros tipos de crise epiléptica. Em geral, há defeitos de desenvolvimento.

Epilepsia mioclônica juvenil é um tipo de convulsão mioclônica, tônico-clônica generalizada; é caracterizada por convulsões mioclônicas, tônico-clônicas e crises de ausência. Aparece durante a infância ou adolescência. As crises começam com alguns abalos mioclônicos sincrônicos bilaterais, seguidos em 90% dos casos por crises tônico-clônicas generalizadas. Em geral, as crises ocorrem no período da manhã, em especial após privação de sono ou uso de álcool. Podem ocorrer crises de ausência em cerca de um terço dos pacientes.

Crises convulsivas febris ocorrem, por definição, com presença de febre e sem infecções intracranianas; são consideradas um tipo de crise provocada. Afetam cerca de 4% das crianças com idade de 3 meses a 5 anos. Crises febris benignas são breves, solitárias e tônico-clônicas generalizadas em aparência. As crises epilépticas febris complicadas são focais, duram > 15 minutos ou recorrem 2 vezes em < 24 horas. Além de tudo, 2% dos pacientes com crises convulsivas febris desenvolvem um transtorno epiléptico subsequente. No entanto, a incidência de distúrbios epilépticos e o risco de crises convulsivas febris recorrentes são muito maiores em crianças com qualquer um dos seguintes:

  • Convulsões febris complexas

  • Anormalidades neurológicas preexistentes

  • Início antes de 1 ano de idade

  • História familiar de doenças epilépticas

Síndrome de Dravet (epilepsia mioclônica grave da infância) se desenvolve durante a primeira infância; tem componentes focais e generalizados (e, assim, não é uma convulsão com um início claramente generalizado ou focal). Convulsões focais induzidas por febre predominam durante o primeiro ano de vida; por volta dos 2 anos de idade, as crises evoluem para crises mioclônicas generalizadas. Caracterizam-se as crises mioclônicas generalizadas por movimentos bruscos mioclônicos de predominância axial bilaterais frequentes, acompanhados por rajadas de pico bissíncrono e atividade de onda no EEG. Outros tipos de convulsões que podem ocorrer na síndrome de Dravet são a ausência atípica, convulsões clônicas, atônicas e tônico-clônicas. O desenvolvimento psicomotor estagna ou regride no segundo ano de vida. Mutações no gene da subunidade alfa-1 do canal de sódio (SCN1A) ocorrem em 70 a 80% dos pacientes com a síndrome de Dravet.

Estado epiléptico

Estado epiléptico é uma atividade convulsiva contínua; o início pode ser generalizado ou focal. O estado epiléptico tem 2 formas:

  • Epiléptico (com sintomas motores proeminentes)

  • Não convulsivo (sem sintomas motores proeminentes)

O estado epiléptico convulsivo generalizado apresenta pelo menos:

  • Atividade epiléptica tônico-clônica com duração > 5 minutos (1)

  • 2 crises em que os pacientes não recuperam totalmente a consciência

A definição anterior em que a duração era > 30 minutos foi modificada para favorecer a identificação e o tratamento mais rápidos. As crises generalizadas não tratadas, com duração > 60 minutos, podem resultar em lesão encefálica permanente; crises mais prolongadas podem ser fatais. Ocorre aumento de frequência cardíaca e de temperatura. O estado epiléptico convulsivo generalizado tem várias causas, como traumatismo craniano e a rápida interrupção do uso de anticonvulsivantes.

O estado epiléptico não convulsivo engloba o estado epiléptico de início focal e o estado epiléptico de ausência. Essas crises geralmente se manifestam como episódios prolongados da alteração do estado mental. Os indivíduos com um transtorno epiléptico conhecido podem ser avaliados no consultório médico.

Morte súbita inesperada na epilepsia

A morte súbita inesperada na epilepsia (MSIE) é uma complicação rara das crises; sua causa é desconhecida.

A MSIE geralmente ocorre à noite ou durante o sono.

O risco de MSIE é maior para pacientes com convulsões frequentes, especialmente crises tônico-clônicas generalizadas. Nenhuma medida demonstrou diminuir o risco de MSIE, mas recomenda-se o melhor controle possível das convulsões.

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Trinka E, Cock H, Hesdorffer D, et al: A definition and classification of status epilepticus: Report of the ILAE (International League Against Epilepsy) Task Force on Classification of Status Epilepticus. Epilepsia 56 (10):1515–1523, 2015. doi: 10.1111/epi.13121 Epub 2015 Sep 4. 

Diagnóstico dos transtornos convulsivos

  • Avaliação clínica

  • Para crises de início recente, exames de imagem neurológica, exames de laboratório e geralmente EEG

  • Nos transtornos epilépticos conhecidos, geralmente níveis farmacológicos de anticonvulsivantes

  • Para crises de início recente ou conhecidas, outros exames de acordo com indicação clínica

A avaliação deve determinar se ocorreu crise epiléptica versus outra causa de obnubilação (p. ex., uma pseudocrise, síncope) e, em seguida, identificar possíveis causas ou fatores precipitantes. Os pacientes com crise de início recente são avaliados em um departamento de emergência; ocasionalmente, podem entrar em crise após uma avaliação completa. Os pacientes com distúrbio epiléptico identificado podem ser avaliados em consultório médico.

História

Deve-se perguntar aos pacientes que tiveram uma crise sobre sensações inabituais sugestivas de aura e, portanto, de uma crise, e sobre as manifestações típicas da crise. Os pacientes geralmente não se lembram das crises de início generalizado, assim deve-se obter uma descrição da própria crise feita por possíveis testemunhas.

Manifestações de outras condições, como isquemia cerebral global súbita (p. ex., decorrente de arritmia ventricular), podem lembrar aquelas de uma convulsão, incluindo perda de consciência e alguns reflexos mioclônicos.

Dicas e conselhos

  • Em pacientes que de repente perdem a consciência, considerar isquemia cerebral global (p. ex., devido à arritmia ventricular), mesmo que observadores relatem reflexos mioclônicos.

A história deve incluir informação sobre a crise epiléptica inicial e as subsequentes (p. ex., duração, frequência, evolução sequencial, intervalos mais longos e mais curtos entre as crises, aura, estado pós-ictal, fatores precipitantes). Todos os pacientes devem ser interrogados sobre os fatores de risco de as crises:

  • Traumatismos cranianos prévios ou infecções do sistema nervoso central

  • Distúrbios neurológicos conhecidos

  • Uso ou abstinência de drogas, particularmente drogas recreativas

  • Abstinência de álcool

  • Não adesão ao uso de anticonvulsivantes

  • História familiar de distúrbios neurológicos

Os pacientes devem ser interrogados sobre raros fatores desencadeantes (p. ex., sons repetitivos, luzes brilhantes, video games, tocar certas partes do corpo) e sobre a privação do sono, que pode reduzir o limiar de crises.

Exame físico

Em pacientes que perderam a consciência, uma língua mordida, incontinência (p. ex., urina ou fezes na roupa) ou confusão prolongada após a perda de consciência sugerem convulsão.

Nas pseudocrises, a atividade muscular generalizada e a ausência de resposta a estímulos verbais, à primeira vista, sugerem crise tônico-clônica generalizada. Entretanto, as pseudocrises geralmente podem ser diferenciadas das crises verdadeiras pelas características clínicas:

  • Pseudocrises geralmente duram mais (vários minutos ou mais).

  • Confusão pós-ictal tende a estar ausente.

  • Em geral, não ocorre fase tônica típica, seguida de fase clônica.

  • A progressão da atividade muscular não corresponde aos padrões reais de convulsão (p. ex., movimentos pseudoconvulsivos podem incluir espasmos movendo-se de um lado para o outro e movimento pélvico exagerado).

  • A intensidade pode aumentar e diminuir.

  • Os sinais vitais, incluindo a temperatura, geralmente permanecem normais.

  • Pacientes geralmente resistem à abertura passiva dos olhos.

O exame físico raramente indica a causa quando as crises são idiopáticas, porém, pode fornecer pistas quando as crises são sintomáticas (ver tabela Dicas clínicas para causas das convulsões sintomáticas).

Tabela

Exames

Os exames são realizados de rotina, porém resultados normais não excluem necessariamente um transtorno epiléptico. Assim, o diagnóstico pode ser, essencialmente, clínico. Os testes dependem dos resultados da história e do exame neurológico.

Indicam-se exames adicionais se os pacientes têm transtorno convulsivo conhecido, mas apresentam sinais ou sintomas de um transtorno tratável (p. ex., trauma, infecção ou distúrbio metabólico). Entretanto, se os resultados dos exames estão normais, poucos testes são necessários além da mensuração dos níveis séricos de fármacos anticonvulsivantes.

Se as crises forem de início recente ou os resultados de exames forem anormais na primeira vez, são necessários exames de imagem. Pacientes com convulsões de início recente ou manifestações atípicas também exigem testes laboratoriais, incluindo exames de sangue (eletrólitos séricos, ureia, creatinina, glicose, níveis de cálcio, magnésio e fosfato) e testes de função hepática.

Pode-se realizar outros testes com base nos distúrbios clinicamente suspeitos

  • Meningite ou infecção do sistema nervoso central com resultados normais de imagem; punção lombar é necessária.

  • Uso não relatado de drogas recreativas que podem causar ou contribuir para convulsões; triagem para drogas pode ser feita, embora essa prática seja controversa porque resultados positivos não indicam causalidade e os resultados dos exames podem ser imprecisos.

  • Epilepsia criptogênica: testes para anticorpos do receptor de anti-NMDA devem ser considerados, especialmente em mulheres jovens (até 26% podem testar positivo); um resultado positivo sugere encefalite do receptor de anti-NMDA.

  • Síncope mimetizando convulsões (p. ex., com reflexos mioclônicos): o ECG pode detectar arritmias cardíacas insuspeitas.

Neuroimagem (TC da cabeça, mas algumas vezes RM) geralmente é realizada imediatamente para excluir tumor ou hemorragia. ATC pode ser adiada e possivelmente evitada em crianças com crises convulsivas febris típicas, cujo estado neurológico retorna rapidamente ao normal.

RM de seguimento é recomendada quando a TC é negativa. Proporciona melhor resolução para abscessos e tumores cerebrais e pode detectar displasias corticais, tromboses venosas cerebrais e encefalite herpética. Um protocolo de RM de crânio para epilepsia utiliza sequências coronais de alta resolução em T1 e T2, que podem detectar atrofia de hipocampo ou esclerose. A RM pode detectar algumas causas comuns de crises, como malformações do desenvolvimento cortical em crianças pequenas e esclerose temporal mesial, gliose traumática e pequenos tumores em adultos.

Eletroencefalografia (EEG) é crucial para o diagnóstico das crises epilépticas, particularmente das crises focais com comprometimento da consciência ou estado epiléptico de ausência, quando o EEG pode ser a indicação mais definitiva de uma crise. O EEG pode detectar anormalidades epileptiformes (espículas, ondas agudas, complexos de espículas e ondas lentas, complexos de poliespículas e ondas lentas). As alterações epileptiformes podem ser bilaterais, simétricas e sincrônicas nos pacientes com crises de início generalizado e podem ser localizadas em pacientes com crises de início focal.

Os achados ao EEG podem conter:

  • Alterações epileptiformes focais no lobo temporal entre as crises (interictal) nas crises focais com comprometimento da consciência originadas no lobo temporal

  • Atividade epileptiforme bilateral com surtos interictais simétricos de 4 a 7 Hz nas crises tônico-clônicas generalizadas primárias

  • Descargas epileptiformes focais nas crises tônico-clônicas focais para bilaterais

  • Descargas bilaterais com espículas e ondas lentas em uma frequência de 3/segundo e, geralmente, atividade de fundo normal de EEG nas crises de ausência típicas

  • Aumento lento e descargas com espículas geralmente em uma frequência de < 2,5/segundo, tipicamente com desorganização interictal da atividade secundária e ondas lentas difusas, nas crises de ausência atípicas

  • Anormalidade bilateral poliespícula e de onda na frequência de 4 a 6 Hz na epilepsia mioclônica juvenil

Por outro lado, o EEG normal não pode excluir o diagnóstico de crises epilépticas, o que deve ser feito clinicamente. É menos provável que o EEG detecte anormalidades, quando as crises não são frequentes. O EEG inicial pode detectar anormalidades epileptiformes em apenas 30 a 55% dos pacientes com transtorno epiléptico conhecido. O EEG em série pode detectar anormalidades epileptiformes em até 80 a 90% desses pacientes. Em geral, o EEG em série com tempo de registro estendido e os testes realizados depois de privação do sono aumentam muito a chance de detectar anormalidades epileptiformes em pacientes com crises epilépticas.

O monitoramento por videoeletroencefalograma em paciente internado geralmente por 2 a 7 dias, registra atividade do EEG e o comportamento clínico simultaneamente. É o teste de EEG mais sensível disponível e assim é útil para diferenciar crise epiléptica de pseudocrise.

Pode-se fazer EEG ambulatorial enquanto os pacientes estão em casa. Pode ser útil se as crises se repetem em pacientes que não podem ser hospitalizados por muito tempo.

Se a ressecção cirúrgica das áreas do foco epiléptico for considerada, são feitos exames de imagem avançados para identificar essas áreas em centros de epilepsia:

  • A RM funcional pode identificar o córtex funcionante e orientar a ressecção cirúrgica.

  • Se o EEG e a RM não identificarem claramente o foco epiléptico, a lesão pode ser localizada por magnetoencefalografia com EEG (chamada imagem de fonte magnética), evitando a necessidade de procedimentos de mapeamento intraoperatórios invasivos.

  • A SPECT durante o período ictal pode detectar aumento da perfusão no local do foco epiléptico e ajudar a localizar a área que será removida cirurgicamente. Como a injeção de contraste é necessária no momento da crise, os pacientes devem ser internados para monitoramento contínuo do EEG quando SPECT é realizado durante o período ictal.

Exames neuropsicológicos podem ajudar a identificar deficits funcionais antes e após a cirurgia e ajudar a fazer os prognósticos social e psicológico, além da capacidade para reabilitação.

Prognóstico para doenças convulsivas

Com tratamento, as crises são eliminadas em um terço dos pacientes e a frequência de crises é reduzida em > 50% em outro terço. Cerca de 60% dos pacientes cujas crises são bem controladas com anticonvulsivantes podem acabar suspendendo os medicamentos e não tendo mais crises.

Considera-se que as crises epilépticas desapareceram quando os pacientes não têm convulsões por 10 anos e não tomaram anticonvulsivantes pelos últimos 5 anos durante esse período de tempo.

Tratamento dos transtornos convulsivos

  • Eliminação da causa, se possível

  • Evitar ou tomar precauções durante situações de perda de consciência que podem levar a risco de morte

  • Fármacos para controlar as crises

  • Cirurgia se 2 fármacos em doses terapêuticas não controlarem as crises

Para informações sobre fármacos anticonvulsivantes específicos, ver Tratamento farmacológico das convulsões.

O tratamento ideal das convulsões é eliminar as causas sempre que possível.

Se a causa não puder ser corrigida ou identificada, muitas vezes é necessária a administração de anticonvulsivantes, em particular depois de uma 2ª crise epiléptica; a utilidade dos anticonvulsivantes após uma única crise epiléptica é controversa, e os riscos e benefícios devem ser discutidos com o paciente. Como o risco de um ataque subsequente é baixo, os fármacos puderem ser retidos até uma 2ª crise, particularmente em crianças. Nas crianças, alguns anticonvulsivantes causam importantes problemas de comportamento e de aprendizado.

Medidas gerais

Durante uma crise epiléptica generalizada tônico-clônica, deve-se prevenir lesões afrouxando as roupas ao redor do pescoço e colocando um travesseiro sob a cabeça. A tentativa de proteger a língua é ineficaz e pode lesionar os dentes do paciente ou os dedos do socorrista. Os pacientes devem ser posicionados em decúbito lateral para prevenir a aspiração. Essas medidas devem ser ensinadas aos familiares e colegas de trabalho do paciente.

Como as crises de início focal podem se tornar generalizadas, os pacientes têm risco de perda da consciência e, portanto, devem ser orientados a adotar certas precauções. Até que as crises estejam controladas, os pacientes devem evitar atividades em que a perda de consciência pode causar risco de morte (p. ex., dirigir, nadar, escalar, usar banheira). Depois que as crises forem totalmente controladas (em geral por > 6 meses), muitas dessas atividades poderão ser realizadas desde que se usem proteções apropriadas (p. ex., colete salva-vidas); deve-se, também, estimular os pacientes a levarem uma vida normal, incluindo exercícios e atividades sociais.

Em alguns estados americanos, os médicos devem comunicar ao departamento de trânsito sobre pacientes com crises. No entanto, a maioria dos estados americanos permite a condução de automóveis quando há remissão das crises pelo período de 6 meses a 1 ano.

Deve-se aconselhar que os pacientes evitem cocaína e algumas outras drogas ilícitas (p. ex., fenciclidina, anfetaminas), que podem desencadear convulsões, e também bebidas alcoólicas. Alguns fármacos (p. ex., haloperidol, fenotiazinas) podem diminuir o limiar epiléptico e, se possível, devem ser evitados.

Deve-se ensinar aos familiares uma abordagem de bom senso ao paciente. A superproteção deve ser substituída pelo suporte simpático, que diminui os sentimentos negativos (p. ex., de inferioridade ou timidez); deve-se impedir o estado de invalidez.

Raramente aconselha-se o cuidado hospitalar, o qual deve ser reservado a pacientes com retardo mental grave e a pacientes com crises tão frequentes e violentas, apesar do tratamento medicamentoso, que os impossibilitem de receber tratamento em outros locais.

Síndrome de Dravet

Trata-se a síndrome de Dravet com valproato, clobazam ou topiramato, mas as convulsões são frequentemente refratárias a esses fármacos. Carbamazepina, fenitoína e lamotrigina podem piorar a mioclonia e exacerbar as convulsões. Solução oral de canabidiol agora está disponível para o tratamento adjuvante das convulsões na síndrome de Dravet.

Estado epiléptico convulsivo generalizado

A maioria das crises de focal para bilateral de início generalizado tem remissão espontânea em vários minutos ou menos e não exige tratamento medicamentoso de emergência. Entretanto, o estado epiléptico e a maioria das crises que duram > 5 minutos requerem o uso de fármacos que as façam cessar, com monitoramento da condição respiratória. A entubação endotraqueal é necessária quando houver qualquer indicação de comprometimento das vias respíratórias.

Quanto mais cedo forem iniciados os anticonvulsivantes, melhor e mais facilmente as crises são controladas.

O acesso IV deve ser obtido rapidamente, e os pacientes recebem 0,05 a 0,1 mg/kg, IV de lorazepam (normalmente, uma dose de 4 mg, IV para adultos), na velocidade de 2 mg/min. Às vezes, são necessárias grandes doses. Depois da administração do lorazepam, indica-se um segundo anticonvulsivante de ação mais prolongada.

Não há consenso ou diretrizes baseadas em evidências indicando qual fármaco de ação mais prolongada é preferível. Muitos especialistas escolhem um dos seguintes:

  • Fosfenitoína, na dose de 15 a 20 mg/kg EF (equivalente em fenitoína) mg/kg, administrada em uma velocidade de 100 a 150 EF/min

  • Fenitoína, 15 a 20 mg/kg, IV dada a uma velocidade de 50 mg/min

  • Levetiracetam 1500 a 3000 mg IV durante 25 minutos, a seguir 1500 mg por via oral 2 vezes ao dia (1)

  • Valproato, 20 a 40 mg/kg, IV (dose de ataque) ao longo de 30 minutos, seguido de 4 a 8 mg/kg por via oral 3 vezes ao dia

Administrar a dose de fosfenitoína em equivalentes de fenitoína (EF); 1,5 mg de fosfenitoína equivale a 1 mg de fenitoína.

Se as convulsões persistirem depois que essas doses são usadas, 5 a 10 PE mg/kg adicionais de fosfenitoína ou 5 a 10 mg/kg de fenitoína podem ser dadas.

Se o acesso IV não puder ser obtido, as opções incluem fosfenitoína IM e sublingual e benzodiazepinas via retal.

Crises persistentes após a administração de lorazepam e fenitoína (ou um 2º anticonvulsivante) definem o estado epiléptico refratário.

As recomendações de um 3º anticonvulsivante variam e englobam fenobarbital, propofol, midazolam, levetiracetam e valproato. A dose de fenobarbital é 15 a 20 mg/kg IV a 100 mg/min (3 mg/kg/min em crianças); convulsões persistentes requerem mais 5 a 10 mg/kg. Uma dose de ataque de 20 a 40 mg/kg de valproato IV é uma alternativa.

Nesse momento, se o estado epiléptico não é eliminado, são necessárias entubação e anestesia geral. Há controvérsias quanto ao anestésico ideal a se usar, mas muitos médicos utilizam 1 a 2 mg/kg de propofol a 100 mg/min, ou 5 a 8 mg/kg (dose de ataque) de pentobarbital seguidos por infusão de 2 a 4 mg/kg/hora até serem suprimidas as manifestações de atividade epiléptica no EEG. Deve-se manter as infusões por ≥ 24 horas, então interrompê-las, de modo que um EEG possa ser repetido e reavaliado. Raramente se utilizam anestésicos inalatórios.

Após o tratamento inicial, a causa do estado epiléptico deve ser identificada e tratada.

Crises pós-traumáticas

Administrar anticonvulsivantes para prevenir as crises se a lesão cefálica causar lesões estruturais significativas (p. ex., grandes contusões ou hematomas, laceração cerebral, fratura craniana com depressão) ou se a pontuação na Escala de Coma de Glasgow for < 10. Esses fármacos reduzem o risco de crises durante a primeira semana após a lesão, mas não impedem a epilepsia pós-traumática permanente após meses ou anos. Sua administração deve ser interrompida no mínimo de 1 semana, a menos que ocorram crises.

Se as crises se iniciarem > 1 semana depois do traumatismo craniano, é necessário o tratamento medicamentoso a longo prazo.

Calculadora clínica

Terapia medicamentosa a longo prazo

Anticonvulsivantes podem ser necessários indefinidamente, mas muitos tipos de crises (p. ex., a maioria das crises febris, crises por abstinência alcoólica, crises que não se repetem) não exigem tratamento com anticonvulsivantes.

Nenhum anticonvulsivante controla sozinho todos os tipos de crise epiléptica; pacientes diferentes requerem fármacos distintos. Algumas vezes, os pacientes necessitam de vários fármacos. Os fármacos de escolha variam de acordo com o tipo de crise (ver tabela Escolha farmacológica nas crises). Para informações mais detalhadas sobre cada fármaco específico, ver Anticonvulsivante de escolha para tratamento prolongado.

Cirurgia

Cerca de 10% a 20% dos pacientes têm crises refratárias e são potenciais candidatos à cirurgia convencional para epilepsia. Para a maioria dos pacientes, cujas crises originam-se de uma área específica do cérebro anormal, a função melhora bastante quando se realiza a ressecção do foco epiléptico. Se o foco for no lobo temporal anteromesial, a ressecção elimina as convulsões em 60% dos pacientes. Após a ressecção cirúrgica, alguns pacientes permanecem sem de crises sem tomar anticonvulsivantes, mas muitos ainda necessitam desse fármacos, porém em doses reduzidas e possivelmente com monoterapia.

Como a cirurgia requer testes e monitoramentos consideráveis, esses pacientes são mais bem tratados em centros especializados para distúrbios epilépticos.

Estimulação do nervo vago

Utiliza-se a estimulação elétrica intermitente do nervo vago esquerdo com um aparelho implantável semelhante a um marca-passo (estimulador do nervo vago) como adjuvante ao tratamento farmacológico em pacientes com crises intratáveis e que não são candidatos à cirurgia convencional para epilepsia. Esse procedimento reduz o número de crises de início focal em 50% em cerca de 40% dos pacientes. Após o aparelho ser programado, os pacientes podem ativá-lo com um ímã quando percebem que uma crise epiléptica está para acontecer.

Os efeitos adversos da estimulação do nervo vago incluem aprofundamento da voz durante a estimulação, tosse e rouquidão. As complicações são mínimas.

A duração da eficácia é incerta.

Neuroestimulação responsiva cerebral

O sistema de neuroestimulação responsiva (SNR) é um dispositivo neuroestimulador programável implantado por via intracraniana que é conectado a eletrodos de fita cortical que são inseridos cirurgicamente em até 2 focos epilépticos dentro do cérebro (2). Quando o sistema detecta atividade epileptiforme, estimula diretamente o foco epiléptico, com o objetivo de interromper a atividade epileptiforme antes que a crise possa ocorrer. É um tratamento cirúrgico adjuntiva para reduzir a frequência das crises em adultos com crises de início focal clinicamente intratáveis quando não são candidatos à cirurgia convencional para epilepsia.

Em um estudo, o SNR reduziu as crises em 70% (mediana) em pacientes com epilepsia no lobo temporal mesial durante um período de acompanhamento de 6 anos [média (3)].

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Chamberlain JM, Kapur J, Shinnar S, et al: Efficacy of levetiracetam, fosphenytoin, and valproate for established status epilepticus by age group (ESETT): A double-blind, responsive-adaptive, randomised controlled trial. Lancet 395 (10231):1217–1224, 2020. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30611-5 Epub 2020 Mar 20.

  2. 2. Bergey GK, Morrell MJ, Mizrahi EM et al: Long-term treatment with responsive brain stimulation in adults with refractory partial seizures. Neurology 84:810–817, 2015. doi: 10.1212/WNL.0000000000001280

  3. 3. Geller EB, Skarpaas TL, Gross RE, et al: Brain-responsive neurostimulation in patients with medically intractable mesial temporal lobe epilepsy. Epilepsia 58 (6):994–1004, 2017. doi: 10.1111/epi.13740

Pontos-chave

  • As causas comuns de convulsões incluem lesões de nascimento, distúrbios neurológicos hereditários ou congênitos e distúrbios metabólicos em crianças < 2 anos; distúrbios convulsivos idiopáticos em crianças de 2 a 14 anos; traumatismo cranioencefálico, abstinência de álcool, tumores, acidente vascular encefálico e causas desconhecidas (em 50%) em adultos; e tumores e acidente vascular encefálico em idosos.

  • É provável que a perda de consciência seja causada por convulsões se os pacientes morderam a língua, são incontinentes (p. ex., urina ou fezes na roupa) ou ficam confusos por longo tempo após a perda de consciência.

  • Avaliar nos pacientes com convulsões sinais das possíveis causas (p. ex., febre, rigidez do pescoço, deficits neurológicos focais, irritabilidade neuromuscular e hiperreflexia, papiledema) e testar correspondentemente.

  • Avaliar todos os pacientes com convulsões recentes ou inexplicáveis com testes de neuroimagem, EEG e exames de sangue.

  • Conversar com os pacientes sobre como evitar ou minimizar os gatilhos convulsivos e como reduzir o risco de complicações convulsivas (p. ex., não dirigir e não nadar sozinho).

  • Anticonvulsivantes podem ser necessários indefinidamente, mas muitos tipos de crises (p. ex., a maioria das crises febris, crises por abstinência alcoólica, crises que não se repetem) não exigem tratamento com anticonvulsivantes.

  • Considerar cirurgia se as doses terapêuticas de ≥ 2 anticonvulsivantes não controlam as crises.

  • Considerar a estimulação do nervo vago ou o sistema de neuroestimulação responsivo se os pacientes tiverem crises clinicamente intratáveis e não forem candidatos a procedimentos neurocirúrgicos.

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