A intoxicação por chumbo é causada pela ingestão de produtos que contêm chumbo (p. ex., tinta, esmalte cerâmico) e, frequentemente, provoca sintomas mínimos inicialmente, mas pode causar encefalopatia aguda ou danos irreversíveis a órgãos, resultando comumente em déficits cognitivos em crianças. O diagnóstico é dado pelo nível de chumbo no sangue. O tratamento consiste em cessar a exposição ao chumbo e, às vezes, terapia por quelação com succimer ou edetato cálcico dissódico, com ou sem dimercaprol.
(Ver também Princípios gerais da intoxicação.)
Não existe um nível de chumbo no sangue que não produza efeitos deletérios. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos recomendam que crianças com níveis de chumbo no sangue > 3,5 mcg/dL (0,17 micromol/L) sejam submetidas a medidas de remediação, reteste e monitoramento seriado, além de avaliação de deficiências vitamínicas e do estado nutricional geral (1, 2).
Referências
1. U.S. Centers for Disease Control and Prevention. Childhood Lead Poisoning Prevention: Recommended Actions Based on Blood Lead Level. Accessed January 30, 2025.
2. Pediatric Environmental Health Specialty Unit (PEHSU). Recommendations on Management of Childhood Lead Exposure. Accessed January 30, 2025.
Etiologia da intoxicação por chumbo
As tintas à base de chumbo eram amplamente utilizadas nos Estados Unidos até 1960, empregadas em certa medida até o início da década de 1970, sendo praticamente extintas em 1978. Assim, em um número significativo de casas antigas, tinta com chumbo ainda representa algum risco. Em geral, a intoxicação por chumbo é causada pela ingestão direta de fragmentos de tintas com chumbo (de tintas que se soltam de rachaduras). Durante reforma de casa, os pacientes estão expostos a quantidades significantes de chumbo disperso no ar em forma de partículas oriundas de resíduos e lixamento durante a preparação da superfície para repintura.
Alguns esmaltes cerâmicos contém chumbo; cerâmicas tipo louças (p. ex., jarras, xícaras, pratos) que são feitas com esses esmaltes (comuns fora dos Estados Unidos) podem lixiviar o chumbo, particularmente quando entram em contato com substâncias ácidas (p. ex., frutas, bebidas de cola, tomates, vinho, cidra). Bebidas contrabandeadas e remédios populares são fontes possíveis, assim como objetos de corpo estranho em estômago ou tecido (p. ex., projéteis, pesos de cortinas ou de pesca). Os projéteis alojados em tecidos moles podem aumentar os níveis séricos de chumbo, porém este processo demora anos para ocorrer.
A exposição ocupacional é observada durante manufatura e reciclagem de baterias, bronzeamento, feitura de latão e vidro, serramento de tubos, soldas, trabalhos em fundição, com pigmentos e em olarias. Determinados cosméticos étnicos, produtos herbais importados e ervas medicinais que contêm chumbo causaram focos de intoxicações em comunidades de imigrantes. Vapores de gasolina chumbada (em outros países, não nos Estados Unidos) inalados recreacionalmente em razão dos efeitos no sistema nervoso central, podem causar intoxicação por chumbo.
Sinais e sintomas da intoxicação por chumbo
Intoxicação por chumbo é frequentemente uma doença crônica e pode não causar sintomas agudos. Os efeitos acabam se tornando irreversíveis, com ou sem sintomas agudos (p. ex., deficiência cognitiva, neuropatia periférica, disfunção renal crônica).
Os sintomas da intoxicação por chumbo são relativamente proporcionais aos níveis de chumbo, mas não existem níveis seguros de chumbo. O risco de deficiência cognitiva aumenta quando o nível total de chumbo no sangue é ≥ 10 mcg/dL (≥ 0,48 micromol/L) por um grande período, apesar do valor de corte poder ser mais baixo. Outros sintomas (p. ex., cólicas abdominais, obstipação, tremores e alterações do humor) podem ser observados se o nível sérico de chumbo for > 50 mcg/dL (> 2,4 micromol/L). A encefalopatia é mais provável se o nível de chumbo for > 100 mcg/dL (> 4,8 micromol/L).
Em crianças
A intoxicação aguda causa irritabilidade, diminuição da atenção e encefalopatia aguda. Edema cerebral se desenvolve em 1 a 5 dias, produzindo vômito persistentes e vigorosos, marcha atáxica, convulsões, alterações da consciência e, finalmente, convulsões intratáveis e coma. A encefalopatia pode ser precedida em semanas por irritabilidade e diminuição da atividade.
A intoxicação crônica por chumbo em crianças pode causar retardo mental, convulsões, comportamento agressivo, desenvolvimento retardado, dor abdominal crônica e anemia.
Em adultos
Adultos com exposição ocupacional desenvolvem sintomas característicos (p. ex., alterações da personalidade, cefaleia, dor abdominal, neuropatia) por diversas semanas ou mais. A encefalopatia é incomum. Adultos podem desenvolver perda do desejo sexual, infertilidade e em homens, disfunção erétil.
Em crianças e adultos
Crianças e adultos podem desenvolver anemia, pois o chumbo interfere na formação normal da hemoglobina. Crianças e adultos que inalam chumbo tetraetila ou tetrametila (na gasolina com chumbo) desenvolvem psicose tóxica além dos sintomas mais característicos da intoxicação por chumbo.
Diagnóstico da intoxicação por chumbo
Níveis de chumbo nos capilares ou no sangue total
Radiografias do abdome
Às vezes, radiografias dos ossos longos em crianças com suspeita de exposição crônica
Suspeita-se de intoxicação por chumbo em pacientes com sintomas característicos. Todavia, como os sintomas frequentemente são inespecíficos, o diagnóstico de intoxicação por chumbo costuma ser tardio. A avaliação inclui hemograma e dosagem de eletrólitos, creatinina sérica, ureia, glicemia e níveis séricos de chumbo. A radiografia de abdome deve ser realizada para verificar presença de fragmentos de chumbo, os quais são radiopacos. Radiografias de ossos longos são realizadas em crianças. Faixas horizontais metafisárias de chumbo representando falta de remodelação óssea e aumento do depósito de cálcio nas zonas de calcificação temporárias nos ossos longos em crianças são relativamente específicas para intoxicação por chumbo ou outros metais pesados, mas são insensíveis. Anemia normocítica ou microcítica sugere intoxicação por chumbo, particularmente quando a contagem de reticulócitos é elevada ou ocorre pontilhado basófilo; entretanto, sensibilidade e especificidade são limitadas. O diagnóstico é definitivo se o nível de chumbo no sangue for ≥ 3,5 mcg/dL (0,17 micromol/L).
Como a mensuração do chumbo não é sempre possível e pode ser cara, outros testes preliminares ou de rastreamento para intoxicação podem ser utilizados. O teste de sangue capilar para chumbo é preciso e rápido. Todos os testes positivos devem ser confirmados pelo nível no sangue. O exame de protoporfirina eritrocitária (também denominada zinco-protoporfirina ou protoporfirina eritrocitária livre) é frequentemente inexato e, atualmente, raramente utilizado.
Crianças com níveis de chumbo no sangue ≥ 3,5 mcg/dL (0,17 micromol/L) devem ser avaliadas clinicamente e, se necessário, com testes para deficiências nutricionais e vitamínicas (p. ex., deficiências de ferro, cálcio e vitamina C) (1).
Teste provocativo
Os exames de chumbo urinário e outros metais nos quais os agentes de quelação (p; ex., ácido dimercaptosuccínico, ácido sulfônico dimercaptopropano, edetato dissódico de cálcio) são feitos nos pacientes e a seguir os níveis urinários dos metais excretados são dosados não foram cientificamente validados, não comprovaram benefícios e podem ser prejudiciais para a avaliação e o tratamento de pacientes nos quais existe a possibilidade de diagnóstico de intoxicação por metais pesados.
Referência sobre diagnóstico
1. Binns HJ, Campbell C, Brown MJ; Centers for Disease Control and Prevention Advisory Committee on Childhood Lead Poisoning Prevention. Interpreting and managing blood lead levels of less than 10 microg/dL in children and reducing childhood exposure to lead: recommendations of the Centers for Disease Control and Prevention Advisory Committee on Childhood Lead Poisoning Prevention. Pediatrics. 2007;120(5):e1285-e1298. doi:10.1542/peds.2005-1770
Tratamento da intoxicação por chumbo
Aumentar a excreção (p. ex., irrigação de todo o intestino se houver chumbo no trato gastrointestinal)
Quelação para adultos com sintomas de intoxicação mais nível de chumbo no sangue total (PbB) > 70 mcg/dL (> 3,38 micromol/L)
Quelação para crianças com encefalopatia ou nível sérico de chumbo > 45 mcg/dL (> 2,17 micromol/L)
Para todos os pacientes, a fonte de chumbo deve ser eliminada. Se fragmentos de chumbo forem visíveis na radiografia abdominal, realiza-se irrigação de todo o intestino com solução eletrolítica de polietilenoglicol a 1 a 2 L/h para adultos ou 25 a 40 mL/kg/h em crianças, até que radiografias repetidas não mostrem mais chumbo. A administração via sonda nasogástrica pode ser necessária para fornecer esses grandes volumes e deve-se proteger as vias respiratórias; intubação orotraqueal pode ser necessária. Se a causa for projétil, a remoção cirúrgica é recomendada. Crianças com taxas de chumbo > 70 mcg/dL (> 3,38 micromol/L) e todos os pacientes com sintomas neurológicos devem ser hospitalizados. Quando houver encefalopatia aguda, internar em unidade de terapia intensiva.
Fármacos quelantes [p. ex., succimer (ácido meso-2,3-dimercaptosuccínico), CaNa2EDTA (ácido etilenodiamino-tetracético cálcico dissódico), dimercaprol (antilewisita britânica, ou BAL)] podem ser administrados para ligar o chumbo a formas que podem ser excretadas. A quelação deve ser supervisionada por experiente toxicologista. A quelação é indicada em adultos com sintomas de intoxicação de chumbo sérico > 70 mcg/dL (3,38 micromol/L) e em crianças com encefalopatia ou nível sérico de chumbo > 45 mcg/dL (> 2,17 micromol/L). Doenças hepáticas e renais são contraindicações relativas para agentes quelantes. Os fármacos quelantes não devem ser administrados em qualquer paciente com exposição contínua ao chumbo, pois a quelação pode aumentar a absorção gastrointestinal do chumbo. A quelação remove somente pequenas quantidades do metal. Se a carga total do corpo de chumbo for grande, múltiplas quelações devem ser realizadas por vários anos.
Esquemas
Pacientes com encefalopatia são tratados com dimercaprol, 75 mg/m2 (ou 4 mg/kg) IM a cada 4 horas e CaNa2 EDTA (versenato de cálcio dissódico) na dose de 1000 a 1500 mg/m2 IV (infusão), uma vez ao dia. A primeira dose do dimercaprol deve preceder a primeira dose do CaNa2EDTA por pelo menos 4 horas para prevenir a redistribuição do chumbo no cérebro. O dimercaprol pode ser suspenso após as primeiras doses, dependendo do nível de chumbo e da gravidade dos sintomas. Administra-se uma terapia combinada de dimercaprol-CaNa2 EDTA por 5 dias, seguida por um período de descanso de 3 dias; então reavalia-se a necessidade de manter a quelação.
Pacientes sem encefalopatia são normalmente tratados com succimer, 10 mg/kg por via oral, a cada 8 horas, por 5 dias, seguidos por 10 mg/kg por via oral, a cada 12 horas, por 14 dias. Se estes pacientes tiverem sintomas, podem alternar o tratamento: 5 dias com dimercaprol, 50 mg/m2 IM profunda, a cada 4 horas, mais CANa2EDTA, 1000 mg/m2 IV 1 vez/dia.
Medicamentos
O dimercaprol, que pode causar vômitos, é dado por via parenteral ou oral. Pode também causar dor no local da injeção, numerosos sintomas sistêmicos e, em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase, hemólise intravascular moderada à aguda grave. Este medicamento não deve ser administrado concomitantemente com suplementos de ferro. O dimercaprol é formulado com derivados do amendoim; portanto, é contraindicado a pacientes com conhecida ou suspeita alergia ao amendoim.
O CaNa2 EDTA (versenato de cálcio dissódico) pode causar tromboflebite, que previne-se com a administração IM, não IV, do fármaco e utilizando uma concentração IV de < 0,5%. Antes de iniciar o tratamento com CaNa2EDTA, é deve-se confirmar fluxo urinário adequado. Reações graves a CaNa2EDTA incluem insuficiência renal, proteinúria, hematúria microscópica, febre e diarreia. A toxicidade renal dose-relacionada geralmente é reversível. Efeitos adversos do CaNa2EDTA são provavelmente decorrentes da depleção de zinco.
Efeitos adversos comuns ao succimer são sintomas gastrointestinais (p. ex., anorexia, náuseas, vômito, diarreia, gosto metálico), exantema e aumento transitório das enzimas hepáticas.
Níveis de chumbo mais baixos
Pacientes com níveis detectáveis de chumbo devem ser monitorados atentamente com possível repetição dos testes de níveis de chumbo (1).
Referência sobre tratamento
1. Centers for Disease Control and Prevention. Recommended Actions Based on Blood Lead Level. Accessed January 30, 2025.
Rastreamento
Recomenda-se o rastreamento para exposição ao chumbo como parte de visitas de crianças bem aos 12 e 24 meses. Crianças em risco de exposição ao chumbo (p. ex., residentes em um prédio construído antes de 1978 ou de famílias de baixa renda, pacientes de países em desenvolvimento, pessoas com exposição próxima a alguém que usa chumbo) devem ser testadas para intoxicação por chumbo. (See also Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Testing for Lead Poisoning in Children.)
Prevenção da intoxicação por chumbo
Medidas que reduzem o risco de intoxicação residencial incluem lavagem regular das mãos, lavagem regular de brinquedos e chupetas das crianças, e limpeza regular das superfícies domésticas; água potável, tinta residencial (exceto em casas construídas após 1978) e utensílios de cerâmica fabricados fora dos Estados Unidos devem ser testados quanto à presença de chumbo. Adultos expostos a pó de chumbo no trabalho precisam utilizar equipamentos pessoais apropriados, trocar suas roupas e sapatos antes de chegar em casa e tomar banho antes de ir dormir.
Pontos-chave
As casas pintadas antes de 1978 (particularmente quando reformadas ou repintada), certos utensílios de cerâmica (p. ex., jarros, copos, pratos) com esmalte de chumbo e algumas exposições ocupacionais aumentam o risco de intoxicação por chumbo.
Testar os pacientes medindo os níveis capilares ou os níveis de chumbo no sangue total.
Remover a fonte de chumbo (p. ex., irrigação de todo o intestino se houver chumbo no trato gastrointestinal).
Organizar terapia com quelação para adultos com chumbo > 70 mcg/dL (3,38 micromol/L) e para crianças com encefalopatia ou chumbo > 45 mcg/dL (2,17 micromol/L).
Utilizar succimer como terapia de quelação de primeira linha em pacientes assintomáticos ou minimamente sintomáticos com nível de chumbo levemente elevado. Alternativamente, pode-se utilizar dimercaprol com ou sem CaNa2 EDTA para pacientes sintomáticos sem encefalopatia. Tratam-se agressivamente os pacientes com encefalopatia com a quelação combinada com dimercaprol/CaNa2 EDTA.
