Lúpus eritematoso sistêmico

(Lúpus eritematoso disseminado)

PorAlana M. Nevares, MD, The University of Vermont Medical Center
Revisado/Corrigido: out 2022
Visão Educação para o paciente

O lúpus eritematoso sistêmico é um distúrbio inflamatório, crônico e multissistêmico, de provável etiologia autoimune e que ocorre predominantemente em mulheres jovens. As manifestações comuns são artralgia e artrite, fenômeno de Raynaud, exantema malar e outros exantemas, pleurite ou pericardite, envolvimento renal ou do sistema nervoso central e citopenia autoimune. O diagnóstico requer critérios clínicos e sorológicos. O tratamento da doença grave, ativa e contínua requer corticoides e imunossupressores.

De todos os casos, 70 a 90% ocorrem em mulheres (geralmente na idade fértil). Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é mais comum e grave entre pacientes negros e asiáticos do que entre pacientes brancos. Ele pode afetar pacientes de qualquer idade, inclusive neonatos. Em alguns países, a prevalência de lúpus eritematoso sistêmico rivaliza com a de artrite reumatoide. O lúpus eritematoso sistêmico provavelmente é precipitado por gatilhos ambientais ainda desconhecidos, os quais produzem reações autoimunes em pessoas geneticamente predispostas. Alguns fármacos (p. ex., hidralazina, procainamida, isoniazida, inibidores do fator de necrose tumoral [FNT]) causam uma síndrome reversível semelhante ao lúpus.

Sinais e sintomas do lúpus eritematoso sistêmico

Os achados clínicos são muito variáveis. O lúpus eritematoso sistêmico pode se desenvolver abruptamente com febre ou de forma insidiosa, por meses ou anos, com episódios de artralgias e mal-estar. Dores de cabeça vasculares, epilepsia ou psicoses podem ser os achados iniciais. Podem aparecer manifestações em qualquer órgão ou sistema. Podem ocorrer também exacerbações periódicas.

Manifestações articulares

Os sintomas articulares variam de artralgias intermitentes a poliartralgias agudas, e ocorrem em cerca de 90% dos pacientes, podendo preceder outras manifestações por anos. A maioria das poliartrites do lúpus não é destrutiva ou deformante. Entretanto, na doença prolongada, podem ocorrer deformidades sem erosão óssea (p. ex., as articulações metacarpofalângicas e interfalângicas podem, raramente, apresentar deformidades em pescoço de ganso ou desvio ulnar reduzível sem erosão óssea ou cartilaginosa [artrite de Jaccoud]). Como em muitas outras doenças crônicas, a prevalência da fibromialgia está aumentando, o que pode causar confusão diagnóstica em pacientes com dor periarticular e generalizada e fadiga.

Manifestações da pele e mucosas

As lesões da pele incluem eritema malar em asa de borboleta (achatado ou elevado) e geralmente poupam as pregas nasolabiais. A ausência de pápulas e pústulas e a presença de atrofia cutânea ajudam a diferenciar LES de rosácea. Várias outras lesões eritematosas, firmes e maculopapulares podem ocorrer em qualquer lugar, inclusive em áreas expostas de face e pescoço, tórax superior e cotovelos. As ulcerações de pele e bolhas são raras, embora as úlceras recidivantes das mucosas (particularmente na porção central do palato duro, próximo à junção de palato duro e palato mole, na mucosa de boca e gengiva e no septo nasal anterior) sejam comuns (às vezes chamadas de lúpus de mucosa); os achados às vezes podem simular necrose epidérmica tóxica.

Alopecia focal ou generalizada é comum durante as faces ativas do lúpus eritematoso sistêmico. A paniculite pode produzir lesões nodulares subcutâneas (às vezes chamada de paniculite lúpica ou profunda). As lesões vasculíticas da pele podem incluir eritema marmorizado em dedos e palmas das mãos, eritema periungueal, infartos periungueais, urticária e púrpura palpável. Podem se desenvolver petéquias secundárias a trombocitopenia. Ocorre fotossensibilidade em alguns pacientes.

Lúpus eritematoso túmido é caracterizado por placas e/ou nódulos urticariformes não cicatriciais róseos a violáceos, alguns anelares, em áreas expostas à luz.

O lúpus de Chilblain é caracterizado por nódulos dolorosos vermelho brilhante a azuis-avermelhados, nos dedos dos pés, dedos das mãos, nariz ou orelhas que ocorrem no clima frio. Alguns pacientes com lúpus eritematoso sistêmico têm lesões características de líquen plano.

Síndrome de Raynaud decorrente de vasoespasmo nos dígitos e artelhos provoca o branqueamento e cianose característicos.

(Ver também Formas variantes do lúpus.)

Manifestações cardiopulmonares

Os sintomas cardiopulmonares comuns incluem pleurisia recidivante, com ou sem derrame pleural. A pneumonite é rara, embora sejam comuns lesões menores na função pulmonar. Às vezes, ocorre hemorragia alveolar difusa. Tradicionalmente, o prognóstico é reservado. Outras complicações incluem embolia pulmonar, hipertensão pulmonar e síndrome do pulmão encolhido. As complicações cardíacas incluem pericardite (mais comum) e miocardite. Dentre as complicações raras e graves, encontram-se vasculite da artéria coronária, envolvimento valvular e endocardite de Libman-Sacks. A aterosclerose acelerada é uma causa que, cada vez mais, causa morbidade e mortalidade. Pode ocorrer bloqueio cardíaco congênito nos recém-nascidos cujas mães têm os anticorpos contra Ro (SSA) ou La (SSB).

Tecido linfoide

É comum adenopatia generalizada, particularmente em crianças, adultos jovens e negros; contudo, a adenopatia mediastinal não é comum. A esplenomegalia ocorre em 10% dos pacientes.

Manifestações neurológicas

Os sintomas neurológicos podem resultar de envolvimento de qualquer parte do sistema nervoso central ou periférico ou das meninges. Também são comuns pequenas restrições cognitivas. Pode haver também migrânea, transtorno da personalidade, acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico, hemorragia subaracnoidea, convulsão, psicose, meningite asséptica, neuropatia periférica e craniana, mielite transversa, coreoatetose ou disfunção cerebelar.

Manifestações renais

O envolvimento renal pode se desenvolver a qualquer tempo, podendo ser a única manifestação do lúpus eritematoso sistêmico (ver Nefrite lúpica). Ele pode ser benigno e assintomático ou progressivo e fatal. As lesões renais podem variar em sua gravidade, indo desde uma lesão focal, geralmente benigna, até uma glomerulite difusa, potencialmente fatal, a glomerulonefrite membranoproliferativa. Dentre as manifestações comuns incluem-se proteinúria (mais comum), uma sedimentação urinária anormal manifestada por uma casta de eritrócitos e leucócitos, hipertensão e edema. A glomerulonefrite lúpica precoce pode ser diagnosticada erroneamente como infecções do trato urinário assintomática.

Manifestações obstétricas

Dentre as manifestações obstétricas incluem-se a perda fetal prematura ou tardia. Em pacientes com anticorpos antifosfolipídios, o risco de abortos recorrentes é maior. A gestação pode ser bem-sucedida (ver Lúpus eritematoso sistêmico na gestação), particularmente após 6 a 12 meses de remissão, mas os surtos de lúpus eritematoso sistêmico são comuns especialmente durante a gestação e o puerpério. A gestação deve ser programada para quando a doença estiver em remissão. Durante a gestação, a paciente deve ser monitorada de perto em relação a algum surto da doença ou eventos trombóticos por uma equipe multidisciplinar com um obstetra especializado em gestação de alto risco. As mulheres que têm anticorpos anti-SSA devem fazer ultrassonografia fetal semanalmente entre a 18ª semana e a 26ª semana para avaliar bloqueio cardíaco congênito.

Manifestações hematológicas

As manifestações hematológicas são anemia (anemia por doença crônica, anemia hemolítica autoimune), leucopenia (em geral, linfocitopenia, com < 1.500 células/mcL) e trombocitopenia (geralmente leve, mas às vezes trombocitopenia autoimune potencialmente fatal). A trombose venosa ou arterial recidivante, trombocitopenia e alta probabilidade de complicações obstétricas ocorrem em pacientes com anticorpos antifosfolipídicos. As tromboses provavelmente são responsáveis pela maioria das complicações do lúpus eritematoso sistêmico, incluindo as complicações obstétricas. Pode ocorrer síndrome de ativação macrofágica.

Manifestações gastrointestinais

As manifestações gastrintestinal podem resultar de vasculite intestinal ou diminuição da motilidade intestinal. Além disso, a pancreatite pode raramente resultar de lúpus eritematoso sistêmico. As manifestações podem incluir dor abdominal resultante de serosite, náuseas, vômitos, sintomas de perfuração intestinal e pseudo-obstrução. O lúpus eritematoso sistêmico raramente causa doença do parênquima hepático.

Diagnóstico do lúpus eritematoso sistêmico

  • Critérios clínicos

  • Citopenias

  • Autoanticorpos

O lúpus eritematoso sistêmico deve ser cogitado em pacientes, particularmente mulheres jovens, com quaisquer dos sinais e sintomas. Entretanto, os sintomas iniciais do lúpus eritematoso sistêmico podem mimetizar outros distúrbios dos tecidos conjuntivos (ou não conjuntivos), incluindo artrite reumatoide caso predominem os sintomas artríticos. A doença mista do tecido conjuntivo pode mimetizar o lúpus eritematoso sistêmico, mas também pode envolver características de esclerodermia, poliartrite semelhante à reumatoide e polimiosite. As infecções (p. ex., endocardite bacteriana e histoplasmose) podem mimetizar o lúpus eritematoso sistêmico e podem se desenvolver como resultado da imunossupressão causada pelo tratamento. Distúrbios como sarcoidose e síndromes paraneoplásicas também podem mimetizar o lúpus eritematoso sistêmico.

Os testes laboratoriais podem diferenciar o lúpus eritematoso sistêmico de outros distúrbios do tecido conjuntivo. Os testes rotineiros devem incluir:

  • Anticorpos antinucleares (ANA) e anticorpos anti-DNA de cadeia dupla (anti-dsDNA)

  • Hemograma completo (HC)

  • Exame de urina

  • Perfil químico, incluindo testes de função hepática e renal

Na prática clínica, alguns médicos contam com os critérios de classificação para LES desenvolvidos pela European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology (EULAR/ACR; ver tabela Critérios da EULAR/ACR para a classificação do lúpus eritematoso sistêmico). Os pacientes só são elegíveis para esses critérios se têm ANA positivo ≥ 1:80. Os critérios de classificação do EULAR/ACR de 2019 incluem domínios clínicos e imunes, e cada critério recebe um peso de 2 a 10. Se a pontuação do paciente é de 10 ou mais e pelo menos um critério clínico é atendido, a doença é classificada como lúpus eritematoso sistêmico. Contudo, um ANA positivo não indica um diagnóstico de lúpus. Um teste de ANA positivo na presença de fadiga e dor miofascial generalizada sem outros achados clínicos ou laboratoriais raramente é significativo.

Tabela

Teste de fluorescência para ANA

O teste de fluorescência para ANA é o melhor teste inicial para lúpus eritematoso sistêmico em pacientes com sinais e sintomas compatíveis; o ANA é positivo (geralmente com título > 1:80) em > 98% das pessoas com lúpus eritematoso sistêmico. Mas o ANA também pode ser positivo na artrite reumatoide, em outras doenças do tecido conjuntivo, na tireoidite autoimune, no câncer e até mesmo na população geral. Os índices de falso-positivo variam de cerca de 3% com títulos de ANA de 1:320 a cerca de 30% com títulos de ANA de 1:40 entre controles saudáveis. Fármacos como hidralazina, procainamida e antagonistas do fator de necrose tumoral alfa podem produzir resultados positivos de ANA, bem como uma síndrome semelhante ao lúpus; com o tempo, o ANA torna-se negativo se o fármaco é suspenso. O ANA positivo deve incentivar exames mais específicos, como anticorpos anti-DNA de cadeia dupla; títulos altos de anti-dsDNA têm alta especificidade para lúpus eritematoso sistêmico, mas ocorrem em < 70% das pessoas com lúpus eritematoso sistêmico.

Outros anticorpos ANA e anticitoplasmáticos

O teste ANA é muito sensível, mas não é específico para lúpus eritematoso sistêmico; assim, utiliza-se a evidência de outros autoanticorpos para auxiliar no diagnóstico. Eles incluem Ro (SSA), La (SSB), Smith (Sm), ribonucleoproteína (RNP) e DNA de cadeia dupla. O anticorpo Ro é predominantemente citoplasmático; anticorpos anti-Ro estão ocasionalmente presentes em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico negativos para ANA com lúpus cutâneo crônico. O anticorpo anti-Ro é a causa de lúpus neonatal e bloqueio cardíaco congênito. Anticorpo anti-Sm é altamente específico para lúpus eritematoso sistêmico, mas, como os anticorpos anti-DNA de cadeia dupla, não são sensíveis. Os anticorpos anti- RNP ocorrem em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, doença mista do tecido conjuntivo e, ocasionalmente, outras doenças sistêmicas autoimunes e esclerodermia.

Outros exames de sangue

Leucopenia (geralmente linfopenia) é comum. Pode ocorrer anemia hemolítica, mas baixas contagens de hemoglobinas e eritrócitos são mais frequentemente decorrentes de anemia por doença crônica. A trombocitopenia no lúpus eritematoso sistêmico pode ser difícil ou impossível de diferenciar da púrpura trombocitopênica idiopática, exceto que os pacientes têm outras características de lúpus eritematoso sistêmico e/ou anticorpos específicos do lúpus eritematoso sistêmico (anti-dsDNA ou anti-Sm). Exames sorológicos falso-positivos para sífilis ocorrem em 5 a 10% dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. Esses resultados de testes podem estar associados a anticoagulantes lúpicos e tempo de tromboplastina parcial (TTP) prolongado. Valores anormais de um ou mais desses testes indicam a presença de anticorpos antifosfolipídios (p. ex., anticorpos anticardiolipina), os quais devem ser medidos diretamente pelo ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA). Os anticorpos antifosfolipídios estão associados à trombose venosa ou arterial, trombocitopenia e, durante a gestação, aborto espontâneo ou morte fetal tardia, mas podem estar presentes em pacientes assintomáticos.

Outros testes ajudam a monitorar a gravidade da doença e determinam a necessidade de tratamento. Os níveis de complemento sérico (C3 e C4) geralmente estão reduzidos na doença ativa e estão muito baixos em pacientes com nefrite ativa. A velocidade de hemossedimentação (velocidade de hemossedimentação) frequentemente é elevada durante a doença ativa. Os níveis de proteína C reativa não são necessariamente elevados; níveis elevados aumentam a preocupação de infecção e/ou serosite.

Envolvimento renal

A triagem para se descartar o envolvimento renal inicia-se com exame de urina. Contagem do número de eritrócitos e/ou hemograma sugere nefrite ativa. Deve-se realizar urinálise em intervalos regulares (p. ex., a cada 3 a 6 meses), mesmo em pacientes com remissão aparente, porque a doença renal costuma ser assintomática. Pode-se estimar a proteinúria pela proporção de proteína/creatinina urinária ou pode-se medi-la em um exame de urina de 24 horas. Indica-se biópsia renal para pacientes cuja excreção de proteínas é > 500 mg/dia e que têm hematúria (supostamente glomerular) ou cilindros hemáticos e é útil para avaliar o estado da doença renal (isto é, inflamação ativa versus cicatriz pós-inflamatória) e para orientar a terapia. Os pacientes com insuficiência renal crônica e com a maioria dos glomérulos esclerotizados não tendem a se beneficiar com a terapia imunossupressora agressiva.

Prognóstico do lúpus eritematoso sistêmico (LES)

O curso da doença é geralmente crônico, recidivante e imprevisível. As remissões podem durar anos. Se a fase aguda inicial for controlada, mesmo que seja grave (p. ex., com trombose cerebral ou nefrite grave), o prognóstico a longo prazo geralmente é bom. A sobrevida em 10 anos na maioria dos países desenvolvidos é > 95%. A melhora no prognóstico é provocada, em parte, pelo diagnóstico precoce e por terapias mais eficazes. As complicações são as infecções por imunossupressão ou osteoporose por uso prolongado de corticoides. O aumento do risco de doença coronariana pode contribuir para a morte prematura.

Tratamento do lúpus eritematoso sistêmico

  • Hidroxicloroquina (um antimalárico) para todos os pacientes com lúpus eritematoso sistêmico

  • Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) além de antimaláricos para a doença leve

  • Corticoides, imunossupressores e antimaláricos para a doença grave

Para simplificar a terapia, o lúpus eritematoso sistêmico deve ser classificado como leve a moderado (p. ex., febre, artrite, pleurisia, pericardite, exantema cutâneo) ou grave (p. ex., anemia hemolítica, púrpura trombocitopênica grave, envolvimento pleural e pericárdico maciço, pneumonite ou hemorragia alveolar difusa, nefrite, vasculite aguda das extremidades ou do trato gastrointestinal, grande envolvimento do sistema nervoso central).

Indica-se o antimalárico hidroxicloroquina a todos os pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, independentemente da gravidade da doença, porque o fármaco diminui a quantidade de episódios da doença e reduz a mortalidade (1); contudo, a hidroxicloroquina não é usada em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) porque pode causar hemólise.

(Ver também recommendations for the management of SLE from the European League Against Rheumatism [EULAR].)

Doença leve a moderada

As artralgias geralmente são controladas com anti-inflamatórios não esteroidais. Mas desencoraja-se o uso crônico de AINEs por causa dos efeitos adversos gastrointestinais (p. ex., úlcera péptica) e potencial toxicidade coronariana e renal (p. ex., nefrite intersticial, necrose papilar). Pode-se utilizar agentes tópicos (corticoides, tacrolimo) para doenças de pele, geralmente sob a orientação de um dermatologista.

Antimaláricos, como a hidroxicloroquina, são úteis para manifestações articulares e cutâneas. A hidroxicloroquina reduz a frequência dos surtos de LES e diminui a mortalidade e é, portanto, utilizada em praticamente todos os pacientes com LES. A dose é 5 mg/kg por via oral do peso corporal real uma vez ao dia. Deve-se realizar exame oftalmológico antes do início do tratamento a fim de excluir maculopatia porque o uso crônico de hidroxicloroquina aumenta o risco de maculopatia tóxica. Deve-se fazer o rastreamento oftalmológico anual após o uso do fármaco durante 5 anos para avaliar a toxicidade retiniana. Alternativas incluem a cloroquina oral 250 mg uma vez ao dia, e a quinacrina oral 50 a 100 mg uma vez ao dia. (Ver também recommendations on screening for chloroquine and hydroxychloroquine retinopathy.) A hidroxicloroquina raramente pode causar toxicidade óssea ou do músculo cardíaco.

Pode-se adicionar metotrexato (15 a 20 mg por via oral ou subcutânea 1 vez/semana), azatioprina (2 mg/kg por via oral uma vez ao dia) ou micofenolato de mofetil (1 a 1,5 g por via oral, duas vezes ao dia) à hidroxicloroquina em pacientes com doença leve a moderada não controlada que, de outra maneira, seriam candidatos a um curso de corticoides. O objetivo final é manter a remissão da doença sem o uso de corticoides ou usando-os na menor dose possível.

Deve-se considerar o uso de belimumabe (10 mg/kg IV a cada 2 semanas por 3 doses, então 10 mg/kg IV 1 vez/mês ou 200 mg por via subcutânea 1 vez/semana) se os pacientes têm doença não controlada ou crises frequentes, particularmente no caso de manifestações articulares, cutâneas ou hematológicas não graves (2). Pode-se utilizá-lo em associação à hidroxicloroquina e em combinação com outros fármacos, dependendo do sistema de órgãos específico envolvido e da gravidade da doença.

Doença grave

O tratamento é feito com terapia de indução para controlar as manifestações agudas graves, seguida de terapia de manutenção. Corticoides são o tratamento de primeira linha. Tipicamente, utiliza-se uma combinação de corticoides e outros imunossupressores na doença grave ativa (isto é, nefrite lúpica com comprometimento da função renal ou envolvimento do SNC).

A complicação para a qual há evidências mais fortes da eficácia do tratamento é a nefrite lúpica. Metilprednisolona, 1 g, por infusão lenta (1 hora) em 3 dias sucessivos é frequentemente o tratamento inicial, embora não haja evidências dos ensaios clínicos para essa pulsoterapia com corticoides. Então, inicia-se prednisona oral administrada em doses de 0,5 a 1 mg/kg, uma vez ao dia (em geral, 40 a 60 mg, uma vez ao dia) e ajusta-se a dose de acordo com a manifestação do LES. Deve-se reduzir a dose de corticoides assim que permitido pela doença, geralmente dentro de 6 meses, para limitar os efeitos adversos. Também utiliza-se ciclofosfamida (ver tabela Protocolos IV da ciclofosfamida para lúpus eritematoso sistêmico) ou micofenolato de mofetil (3 g por dia por via oral em 2 doses) para terapia de indução junto com corticoides.

Recentemente, mostrou-se que a adição de belimumabe (em uma dose mensal de 10 mg/kg IV) aos corticoides e micofenolato ou corticoides e ciclofosfamida leva a uma melhor resposta renal e resposta renal completa em 6 meses em comparação com o uso de corticoides e micofenolato ou corticoides e ciclofosfamida (3). A vocloscorina, em uma dose de 23,7 mg por via oral duas vezes ao dia, em combinação com micofenolato de mofetil e um curso de redução rápida dos corticoides demonstrou levar a melhores desfechos renais em um ano do que o uso de corticoides e micofenolato de mofetil (4). Tanto o belimumabe como a voclosporina estão sendo frequentemente usados para tratar a nefrite lúpica (classes III, IV, V), mas ainda não há diretrizes claras para seu uso (5). A classificação da nefrite lúpica baseia-se nos achados histológicos na biópsia renal (ver tabela Classificação da nefrite lúpica).

Desencoraja-se o uso de ciclofosfamida por mais de 6 meses por causa das potenciais toxicidades, incluindo maior risco de câncer. Depois de alcançar o controle da doença, os pacientes passam a tomar micofenolato de mofetil (1 a 1,5 g por via oral 2 vezes ao dia) ou azatioprina (0,5 a 1,5 mg/kg por via oral duas vezes ao dia) para manutenção. Deve-se informar as mulheres em idade fértil para as quais considera-se a ciclofosfamida sobre o risco de toxicidade gonadal e oferecer uma consulta com especialista em fertilidade para proteção ovariana ou para coleta de óvulos, quando possível.

Tabela

No lúpus do SNC, como na mielite transversa, as recomendações de tratamento baseiam-se em indícios casuais e as opções incluem ciclofosfamida IV ou rituximabe IV (p. ex., 1 g no dia 1 e no dia 15 administrado em intervalos de 6 meses) além de um corticoide.

O tratamento de primeira linha para trombocitopenia e anemia hemolítica consiste em corticoides em doses moderadas ou altas (tipicamente prednisona, 1 mg/kg por via oral, uma vez ao dia, máximo de 80 mg/dia) juntamente com um imunossupressor (azatioprina, 2 mg/kg, por via oral, uma vez ao dia, ou micofenolato de mofetil, 1 g, por via oral, a cada 12 horas). Imunoglobulina IV 400 mg/kg uma vez ao dia durante 5 dias consecutivos ou 1 g/kg uma vez ao dia por 2 dias pode ser útil, particularmente se doses altas de corticoides são contraindicadas (p. ex., em pacientes com infecção ativa). Rituximabe é uma alternativa para casos refratários (2).

Pacientes com estágio final de doença renal podem fazer transplante de rim, como uma alternativa para diálise, com resultado bem-sucedido, especialmente se a doença estiver em remissão.

A melhora do lúpus eritematoso sistêmico grave leva, geralmente, de 4 a 12 semanas. A trombose ou a embolia dos vasos pulmonares, cerebrais ou placentários exige tratamento de curto prazo com heparina e tratamento mais prolongado com varfarina. Se o diagnóstico de síndrome antifosfolipídica é confirmado, geralmente indica-se terapia (normalmente com varfarina) por toda a vida. A razão alvo normalizada inicial normalmente é de 2 para 3.

Pode-se adicionar o novo fármaco anifrolumabe (anticorpo monoclonal IgG1κ para a subunidade 1 do receptor de interferon), na dose de 300 mg IV a cada 4 semanas, à terapia padrão para o tratamento do lúpus eritematoso sistêmico moderado a grave, particularmente naqueles com doença cutânea grave. No entanto, pacientes com doença neuropsiquiátrica ou renal ativa e grave não foram incluídos no estudo principal (6).

Terapia de manutenção

A doença crônica deve ser tratada com a menor dose de corticoides (p. ex., prednisona ≤ 7,5 mg uma vez ao dia ou seu equivalente) e outros fármacos que controlam a inflamação [p. ex., antimaláricos, imunossupressores (micofenolato de mofetil ou azatioprina)] a fim de manter a remissão (2). O tratamento deve ser primariamente orientado pelo quadro clínico, embora também seja possível considerar os títulos de anticorpos anti-DNA de cadeia dupla ou níveis séricos complementares, especialmente se já tiveram correlação com a atividade da doença. No entanto, os títulos de anticorpos anti-dsDNA ou os níveis de complemento sérico podem não ser paralelos aos surtos de doenças não renais. Outros exames de sangue e urina pertinentes devem ser usados para avaliar o envolvimento específico de um órgão.

Deve-se considerar o tratamento com cálcio, vitamina D e bifosfonados (ver prevenção da osteoporose) para os pacientes em uso regular de corticoides.

Se for utilizada terapia imunossupressora combinada, os pacientes devem receber profilaxia para infecções oportunistas, como Pneumocystis jirovecii (ver prevenção de pneumonia por Pneumocystis jirovecii), e vacinas contra infecções comuns (p. ex., pneumonia estreptocócica, influenza, covid-19).

Gestação e doenças concomitantes

Deve-se monitorar todos os pacientes para aterosclerose, e a redução do risco cardiovascular é uma parte fundamental do tratamento (ver prevenção da aterosclerose). Anticoagulantes de longo prazo são vitais em pacientes com anticorpos antifosfolipídios e história de trombose (ver também Anticoagulantes).

O tratamento com hidroxicloroquina deve ser mantido para gestantes durante toda a gestação e também recomenda-se uma dose baixa de ácido acetilsalicílico. Quando houver síndrome clínica antifosfolipídica, com história de eventos trombóticos, aconselha-se a terapia de anticoagulação plena com heparina de baixo peso molecular ou heparina não fracionada. Se a gestante tiver anticorpos antifosfolipídios positivos e história de perda fetal tardia ou abortos recorrentes no 1º trimestre, pode-se considerar a profilaxia com heparina de baixo peso molecular ou não fracionada durante a gestação e 6 semanas após o parto. Quando a paciente tem sorologias positivas, mas não há eventos obstétricos ou trombóticos prévios, as recomendações são menos claras. Deve-se considerar o tratamento em conjunto com um hematologista, um obstetra e um reumatologista ao tratar esses pacientes.

O micofenolato de mofetila é teratogênico. Por causa dessa teratogenicidade e dos desfechos ruins conhecidos relacionados com o lúpus eritematoso sistêmico ativo durante a gestação, as mulheres devem, de modo ideal, conceber após a doença estar em remissão por 6 meses ou mais. Se o paciente precisa permanecer sob imunossupressão (p. ex., terapia de manutenção contínua para nefrite lúpica), o micofenolato de mofetil geralmente é substituído pela azatioprina pelo menos 6 meses antes da concepção.

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Alarcón GS, McGwin G, Bertoli AM, et al: Effect of hydroxychloroquine on the survival of patients with systemic lupus erythematosus: Data from LUMINA, a multiethnic US cohort (LUMINA L). Ann Rheum Dis 66(9):1168–1172, 2007. doi: 10.1136/ard.2006.068676

  2. 2. Fanouriakis A, Kostopoulou M, Alunno A, et al: 2019 update of the EULAR recommendations for the management of systemic lupus erythematosus. Ann Rheum Dis 78(6):736-745, 2019. doi:10.1136/annrheumdis-2019-215089

  3. 3. Furie R, Rovin BH, Houssiau F, et al: Two-year, randomized, controlled trial of belimumab in lupus nephritis. N Engl J Med 383(12):1117-1128, 2020. doi:10.1056/NEJMoa2001180

  4. 4. Rovin BH, Teng YKO, Ginzler EM, et al: Efficacy and safety of voclosporin versus placebo for lupus nephritis (AURORA 1): a double-blind, randomised, multicentre, placebo-controlled, phase 3 trial.Lancet 397(10289):2070-2080, 2021. doi:10.1016/S0140-6736(21)00578-X. Erratum in: Lancet 397(10289):2048, 2021.

  5. 5. Bajema IM, Wilhelmus S, Alpers CE, et al. Revision of the International Society of Nephrology/Renal Pathology Society classification for lupus nephritis: clarification of definitions, and modified National Institutes of Health activity and chronicity indices. Kidney Int 93(4):789-796, 2018. doi:10.1016/j.kint.2017.11.023

  6. 6. Morand EF, Furie R, Tanaka Y, et al: Trial of anifrolumab in active systemic lupus erythematosus. N Engl J Med 382(3):211-221, 2020. doi:10.1056/NEJMoa1912196

Pontos-chave

  • As manifestações articulares e cutâneas são clássicas no lúpus eritematoso sistêmico, mas a doença pode afetar vários sistemas de órgãos, como pele, coração, pulmões, tecido linfoide e rins, bem como os sistemas digestivo, hematológico, reprodutor e nervoso.

  • Pode-se utilizar os critérios do European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology (EULAR/ACR) para confirmar o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico.

  • Entre os exames, utilizar ANA altamente sensível como rastreamento, porém usar autoanticorpos mais específicos (p. ex., anti-DNA de cadeia dupla, anti-Sm) para confirmar.

  • Avaliar comprometimento renal em todos os pacientes.

  • Tratar todos os pacientes com hidroxicloroquina e, na doença leve, AINEs, conforme necessário.

  • Usar corticoides para lúpus eritematoso sistêmico moderada ou grave e um imunossupressor para nefrite lúpica ativa, lúpus de sistema nervoso central, manifestações cutâneas que não respondem à hidroxicloroquina, hemorragia alveolar difusa, vasculite, serosite recorrente ou manifestações cardíacas.

  • Usar corticoides na dose mais baixa possível e outros fármacos que controlam a inflamação a fim de manter a remissão.

Informações adicionais

Formas variantes do lúpus

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