Visão geral das doenças por calor

PorDavid Tanen, MD, David Geffen School of Medicine at UCLA
Revisado/Corrigido: mar 2023
Visão Educação para o paciente

Doenças provocadas pelo calor englobam alguns distúrbios cuja gravidade varia de cãibras musculares e exaustão por calor à intermação (que pode ser uma emergência com risco de morte). As estimativas atuais da mortalidade por calor obtidas dos Centers for Disease Control and Prevention indicam que, nos Estados Unidos, as doenças por calor são responsáveis por mais de 700 mortes por ano (1). Espera-se que a quantidade aumente significativamente nas próximas décadas, com o aumento contínuo das temperaturas globais (2).

Pacientes com exaustão por calor mantêm a capacidade de dissipar o calor e função normal do sistema nervoso central. Na intermação, os mecanismos compensatórios de dissipação do calor falham e a função do sistema nervoso central é comprometida. A intermação deve ser considerada em todos os pacientes com hipertermia e estado mental alterado.

Hipertermia maligna, síndrome neuroléptica maligna e síndrome serotoninérgica são outras doenças em que a hipertermia (temperatura corporal elevada) pode ser fatal.

Referências gerais

  1. 1. Vaidyanathan A, Malilay J, Schramm P: Heat-related deaths—United States, 2004–2018. MMWR 69(24);729-734, 2020.

  2. 2. Khatana SAM, Werner RM, Groenveld PW: Association of extreme heat with all-cause mortality in the contiguous US, 2008-2017. JAMA Netw Open 5(5):e2212957, 2022. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2022.12957

Fisiopatologia das doenças por calor

A entrada de calor vem

  • Ambiente

  • Metabolismo

A perda de calor através da pele ocorre pelos seguintes fatores:

  • Radiação: transferência do calor corporal diretamente para um ambiente mais frio por radiação infravermelha, processo que não exige o movimento de ar, nem contato direto

  • Evaporação: resfriamento pela vaporização da água (p. ex., suor)

  • Convecção: transferência de calor para o ar mais frio (ou para algum líquido) através da pele exposta

  • Condução: transferência de calor de uma superfície mais quente para uma superfície mais fria quando há contato direto

A contribuição de cada um desses mecanismos varia de acordo com temperatura e umidade ambientais. Quando a temperatura ambiente é inferior à temperatura corporal, a radiação responde por 65% do resfriamento. A evaporação normalmente responde por 30% do resfriamento, e a exalação de vapor de água junto com a produção de urina e fezes respondem por cerca de 5%.

Quando a temperatura ambiente é > 35° C, a evaporação é responsável por praticamente toda a dissipação de calor. Entretanto, a eficácia da sudorese é limitada pela área de superfície do corpo e pela umidade do ambiente. Quando a umidade é > 75%, a perda de calor por evaporação diminui acentuadamente. Assim, se a temperatura e a umidade do ambiente forem altas, o risco de doenças por calor aumenta acentuadamente.

O corpo pode compensar grandes variações na carga de calor, mas a exposição prolongada ou excessiva ao calor que excede a capacidade de dissipação de calor aumenta a temperatura central. Elevações modestas e transitórias da temperatura central são toleráveis, mas elevações graves (tipicamente > 41° C) podem levar à desnaturação de proteínas e à liberação de citocinas inflamatórias. Como resultado, pode ocorrer disfunção celular e uma cascata inflamatória pode ser ativada, levando à disfunção de múltiplos órgãos, semelhante àquela que se segue ao choque prolongado.

Mecanismos compensatórios incluem resposta da fase aguda que modera a resposta inflamatória (p. ex., pelo estímulo da produção de proteínas que diminuem a produção de radicais livres e inibem a liberação de enzimas proteolíticas). Também, o aumento da temperatura central desencadeia a expressão de proteínas de choque por calor. Estas proteínas aumentam transitoriamente a tolerância ao calor por mecanismos pouco conhecidos (p. ex., possivelmente prevenindo a desnaturação de proteínas) e pela regulação das respostas cardiovasculares. Com a elevação extrema ou prolongada da temperatura, mecanismos compensatórios são impedidos, permitindo a ocorrência de inflamação e a síndrome de disfunção de múltiplos órgãos.

A saída de calor é modulada por alterações do fluxo sanguíneo na pele e pela produção de suor. O fluxo sanguíneo na pele é de 200 a 250 mL/minuto em temperaturas normais, mas aumenta 7 a 8 L/minuto pelo estresse por calor (e facilita a perda de calor pelos mecanismos de convecção, condução, radiação e evaporação), exigindo um aumento acentuado do débito cardíaco. Além disso, o estresse por calor aumenta a produção de suor de insignificante para > 2 L/hora, o que pode levar rapidamente à desidratação grave e perda de eletrólitos. Contudo, a exposição prolongada desencadeia alterações fisiológicas para acomodar o excesso de calor (aclimatização); p. ex., o nível de sódio no suor é 40 a 100 mEq/L (ou 40 a 100 mmol/L) nas pessoas não climatizadas, mas diminui para 10 a 70 mEq/L (mmol/L) nas climatizadas.

Etiologia das doenças por calor

Os transtornos por calor são causados pela combinação de aumento da entrada e diminuição da saída de calor (ver tabela Fatores que comumente contribuem para os transtornos por calor).

Excessiva entrada de calor resulta caracteristicamente de vigoroso exercício, alta temperatura do ambiente ou ambos. Doenças e uso de fármacos estimulantes também podem aumentar a produção de calor.

O resfriamento é prejudicado por obesidade, alta umidade, altas temperaturas ambientes, uso de roupas muito pesadas e qualquer coisa que prejudique a sudorese e/ou evaporação do suor.

Os efeitos clínicos são exacerbados por:

  • Inabilidade de tolerar o aumento da demanda cardiovascular (p. ex., devido à idade, insuficiência cardíaca, doença renal crônica, distúrbios respiratórios, insuficiência hepática)

  • Desidratação

  • Distúrbios eletrolíticos

  • Uso de certos fármacos (ver tabela Fatores que comumente contribuem para os transtornos por calor)

Idosos, lactentes e crianças têm maior risco. O risco dos idosos é alto porque costumam usar medicamentos que podem aumentar o risco, têm mais desidratação e insuficiência cardíaca e têm perda das proteínas de choque térmico relacionada com a idade. O risco dos bebês e das crianças é alto por causa da maior área de superfície em relação à proporção da massa corporal (resultando em maior ganho de calor do ambiente em um dia quente) e a uma velocidade mais lenta de produção de suor. A aclimatação das crianças é mais lenta e elas têm menos sede. Tanto os idosos como as crianças muito pequenas podem permanecer relativamente imóveis e, assim, têm dificuldade de sair de um ambiente quente.

Tabela

Prevenção das doenças por calor

Os médicos devem recomendar as medidas a seguir (1) para ajudar a prevenir doenças pelo calor:

  • Durante tempo de calor excessivo, idosos e crianças não devem permanecer em moradias sem ventilação e sem ar-condicionado.

  • Crianças não devem ser deixadas dentro de automóveis expostos ao sol.

  • Se possível, evitar intensos exercícios físicos em ambiente muito quente ou em espaço inadequadamente ventilado, assim como o uso de roupas isolantes.

  • Perda ponderal após exercício ou trabalho pode ser usada para monitorar a hidratação; pessoas que perdem de 2 a 3% de seu peso corporal devem ser instruídas a ingerir quantidade extra de líquidos, que deve corresponder a 1 kg do peso inicial antes da exposição no dia seguinte. Se a pessoa perder > 4%, a atividade deve ser limitada a 1 dia.

  • Se a realização dos exercícios no calor for inevitável, os líquidos devem ser repostos com a ingestão constante, e a evaporação deve ser facilitada pelo uso de roupas abertas e trançadas ou ventiladores.

Hidratação

Manter níveis adequados de líquidos e sódio ajuda a prevenir as doenças por calor. A sede é um mau indicador de desidratação e da necessidade de reposição de líquidos durante esforços, porque a sede só é estimulada depois que a osmolaridade plasmática sobe 1 a 2% acima do normal. Assim, deve-se tomar líquidos a cada poucas horas, independentemente da sede. Como a absorção máxima de água no intestino é de cerca de 20 mL/minuto (1.200 mL/hora — inferior à velocidade máxima de transpiração de 2.000 mL/hora), esforços prolongados que promovem perda de suor muito grande exigem períodos de repouso que reduzem a taxa de transpiração e permitem tempo para a reidratação.

O melhor hidratante a usar depende da perda esperada de água e eletrólitos, que depende da duração e grau dos esforços, juntamente com fatores ambientais e se a pessoa está aclimatizada. Para uma absorção máxima de líquidos, uma bebida contendo carboidratos pode ser absorvida pelo organismo até 30% mais rapidamente do que a água pura. Uma bebida contendo 6 ou 7% de concentração de carboidratos é absorvida mais rapidamente. Concentrações mais altas de carboidratos devem ser evitadas porque podem causar dor estomacal e retardar a absorção. No entanto, na maioria das situações e das atividades, a água pura é adequada para a hidratação, desde que uma hidratação excessiva seja evitada. Ocorreu hiponatremia significativa em atletas de resistência que bebem água pura com muita frequência antes, durante e após os exercícios sem repor as perdas de sódio. Soluções hidratantes especiais (p. ex., bebidas para esportes) não são necessárias, mas seus aromas aumentam o consumo, e o pequeno conteúdo de sal é proveitoso se a necessidade de líquidos for alta.

Operários, soldados, atletas de elite ou outros indivíduos que transpiram demais podem perder 20 g de sódio/dia, tornando as cãibras por calor mais prováveis; essas pessoas precisam repor a perda de sódio com bebidas e alimentos. Na maioria das situações, o consumo abundante de alimentos salgados é adequado; indivíduos em dietas com baixo consumo de sal devem aumentar sua ingestão. Nas circunstâncias mais extremas (p. ex., esforços prolongados por pessoas não aclimatadas), pode-se usar solução oral de sal. A concentração ideal é cloreto de sódio a 0,1%, que pode ser preparada dissolvendo um comprimido de sal de 1 g ou um quarto de uma colher de chá de sal de mesa, em um litro de água. As pessoas devem beber essa solução em circunstâncias moderadas a extremas. Os comprimidos de sal não dissolvidos não devem ser ingeridos. Eles irritam o estômago, podem causar vômitos e não tratam a desidratação subjacente.

Dicas e conselhos

  • Para a prevenção de doenças provocadas pelo calor, as soluções salinas orais são reservadas para esforços prolongados em trabalhadores, soldados e atletas de resistência com sudorese intensa, e não são recomendadas para aqueles envolvidos em exercícios de rotina.

Aclimatização

O aumento sucessivo e crescente da quantidade de trabalho realizado no calor acaba resultando em aclimatização, a qual permite que as pessoas trabalhem com segurança em temperaturas previamente intoleráveis ou ameaçadoras à vida. Para alcançar o benefício máximo, a aclimatação geralmente requer passar 8 a 11 dias em um ambiente quente fazendo alguns exercícios diários (p. ex., 1 a 2 horas/dia, aumentando a intensidade a cada dia). A aclimatação aumenta significativamente a quantidade de suor (e, consequentemente, resfriamento) produzido em um dado nível de esforços, e diminui acentuadamente o teor de eletrólitos do suor e o risco de doenças por calor. Pessoas que não estão aclimatadas têm maior probabilidade de experimentar cólicas ou outras doenças por calor durante esforços prolongados e podem precisar aumentar a ingestão de sódio.

Dicas e conselhos

  • Pessoas não aclimatadas têm maior probabilidade de experimentar cãibras e doenças por calor durante esforços prolongados e podem precisar aumentar a ingestão de sódio.

Moderação do nível de atividades

Sempre que possível, as pessoas devem ajustar seus níveis de atividade de acordo com o ambiente e ao ser necessário utilizar qualquer mecanismo que comprometa a perda de calor (p. ex., roupas de combate a incêndios ou proteção química). Os períodos de trabalho devem ser encurtados e os períodos de descanso devem ser aumentados quando

  • A temperatura aumenta

  • A umidade aumenta

  • O esforço aumenta

  • O sol fica mais forte

  • Não há movimento do ar

  • Ao usar roupas ou equipamentos de proteção

O melhor indicador do estresse térmico ambiental é o índice de temperatura de bulbo úmido (WBGT, do inglês Wet Bulb Globe Temperature), amplamente utilizado pelos militares, indústria e em esportes. Além da temperatura, o WBGT reflete os efeitos da umidade, do vento e da radiação solar. Pode-se utilizar o WBGT como um guia para a atividade recomendada (ver tabela Temperatura de bulbo úmido e níveis de atividade recomendados).

Embora o WBGT seja complexo e possa não estar disponível, pode-se estimá-lo com base somente na temperatura e umidade relativa em condições ensolaradas e quando o vento é leve (ver figura Temperatura do bulbo úmido com base na temperatura e umidade relativa).

Temperatura do bulbo úmido com base na temperatura e umidade relativas

Os valores são derivados de uma fórmula aproximada que depende da temperatura e umidade, e que é válida para luz solar total e vento leve. O estresse causado pelo calor pode ser superestimado em outras condições.

Tabela

Referência geral

  1. 1. Lipman GS, Gaudio FG, Eifling KP, et al: Wilderness Medical Society clinical practice guidelines for the prevention and treatment of heat illness: 2019 Update. Wilderness Environ Med. 30(4S):S33-S46, 2019. doi: 10.1016/j.wem.2018.10.004

Pontos-chave

  • Quando a temperatura ambiente é > 35º C, o resfriamento depende em grande parte da evaporação, mas quando a umidade é > 75%, a evaporação diminui acentuadamente, portanto, quando a temperatura e a umidade são altas, o risco de doenças provocadas pelo calor é alto.

  • Entre os muitos fatores de risco de doenças provocadas pelo calor estão certos fármacos e quadros clínicos (incluindo aquelas que causam desequilíbrio eletrolítico ou diminuem a reserva cardiovascular), e os extremos de idade.

  • A prevenção inclui medidas de bom senso, manutenção e reposição de líquidos e de sódio.

  • A aclimatação, exigindo exercícios diários durante 8 a 11 dias, diminui o risco de doenças provocadas pelo calor.

  • Deve-se restringir os níveis de atividade à medida que a temperatura, a umidade, a luz solar e a quantidade de roupas ou equipamentos aumentarem e quando o movimento do ar diminuir.

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