Etiologia
Os seguintes são os fatores de risco modificáveis que mais contribuem para o maior risco de acidente vascular encefálico isquêmico:
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Hipertensão
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Tabagismo
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Dislipidemia
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Diabetes
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Resistência à insulina (1)
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Obesidade abdominal
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Alcoolismo
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Falta de atividade física
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Dieta de alto risco (p. ex., rica em gorduras saturadas, gorduras trans e calorias)
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Estresse psicossocial (p. ex., depressão)
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Doenças cardíacas (particularmente doenças que predispõem à embolia, como infarto agudo do miocárdio, endocardite infecciosa e fibrilação atrial)
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Uso de determinadas drogas (p. ex., cocaína, anfetamina)
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Hipercoagulabilidade
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Vasculite
Os fatores de risco não modificáveis incluem:
Em geral, a isquemia resulta da formação de trombos ou êmbolos. Mesmo infartos classificados como lacunares com base em critérios clínicos (morfologia, tamanho e localização) geralmente envolvem pequenos trombos ou êmbolos.
Trombose
Oclusão aterotrombótica das grandes artérias (trombo sobreposto em uma artéria aterosclerótica) é a causa mais comum de acidente vascular encefálico isquêmico.
Os ateromas, particularmente ulcerados, predispõem a trombos. Os ateromas podem afetar qualquer grande artéria cerebral e são comuns nas áreas de fluxo turbulento, em particular a bifurcação da carótida. A oclusão trombótica parcial ou completa ocorre com mais frequência na artéria cerebral média e seus ramos, mas também é comum nas grandes artérias da base do encéfalo, nas artérias perfurantes profundas e nas pequenas artérias corticais. A artéria basilar e o segmento da artéria carótida interna entre o seio cavernoso e o processo supraclinoide são afetados com frequência.
As causas menos comuns de trombose incluem inflamação vascular subsequente a distúrbios, como meningite aguda ou crônica, distúrbios vasculares e sífilis; dissecção de artérias intracranianas ou da aorta; distúrbios de hipercoagulabilidade (p. ex., síndrome antifosfolipídica, hiper-homocisteinemia); distúrbios de hiperviscosidade (p. ex., displasia fibromuscular, policitemia, trombocitose, hemoglobinopatias, distúrbio de plasmócitos) e distúrbios raros (p. ex., displasia fibromuscular, doença de Moyamoya, doença de Binswanger). No passado, as formulações contraceptivas orais aumentavam o risco de trombose. Em crianças, doença falciforme é uma causa comum de acidente vascular encefálico isquêmico.
Embolia
Êmbolos podem se alojar em qualquer local da árvore arterial cerebral.
As origens de um êmbolo incluem trombos cardíacos, em especial nas seguintes condições:
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Fibrilação atrial
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Cardiopatia reumática (em geral com estenose mitral)
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Após infarto do miocárdio
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A partir de vegetações nas valvas cardíacas nas endocardites bacterianas ou marânticas
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Próteses valvares cardíacas
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Dispositivos mecânicos de assistência circulatória (p. ex., dispositivo de assistência ventricular esquerda, ou DAVE [2])
Outras fontes incluem coágulos, que se formam após cirurgia de coração aberto; e ateromas em artérias do pescoço ou no arco aórtico. Raramente, os êmbolos consistem em gordura (proveniente de fraturas dos ossos longos), ar (na doença da descompressão) ou coágulos venosos que passam do lado direito do coração para o esquerdo através de uma comunicação por um forame oval patente (embolia paradoxal). Os êmbolos podem se deslocar espontaneamente ou após procedimentos cardiovasculares invasivos (p. ex., cateterização). Raramente a trombose da artéria subclávia resulta em acidente vascular encefálico embólico na artéria vertebral ou em seus ramos.
Infartos lacunares
Um acidente vascular encefálico isquêmico pode resultar de infartos lacunares. Esses pequenos infartos (≤ 1,5 cm) ocorrem em pacientes com obstrução não aterotrombótica de pequenas artérias perfurantes que irrigam estruturas corticais profundas; a causa usual é a lipo-hialinose (degeneração da camada média das pequenas artérias e substituição por lipídeos e colágeno). Há controvérsias se êmbolos causam infartos lacunares.
Infartos lacunares tendem a ocorrer em pacientes idosos com diabetes ou hipertensão mal controlada.
Outras causas
Qualquer fator que compromete a perfusão sistêmica (p. ex., toxicidade do monóxido de carbono, hipóxia ou anemia grave, policitemia, hipotensão) aumenta o risco de todos os tipos de acidente vascular encefálico isquêmico. Um acidente vascular encefálico pode ocorrer ao longo das bordas entre os territórios das artérias (áreas hidrográficas); nessas áreas, o suprimento de sangue é normalmente baixo, especialmente se os pacientes têm hipotensão e/ou se grandes artérias cerebrais são estenóticas.
Com menos frequência, o acidente vascular encefálico isquêmico resulta de vasoespasmo (p. ex., durante migrânea, após hemorragia subaracnoidea, após uso de fármacos simpatomiméticos, como cocaína e anfetaminas) ou infarto venoso (p. ex., durante infecção intracraniana, no período pós-operatório, no periparto ou secundário a um distúrbio de hipercoagubilidade).
Referências sobre etiologia
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1. Kernan WN, Viscoli CM, Furie KL, et al: Pioglitazone after ischemic stroke or transient ischemic attack. N Engl J Med 374 (14):1321–1331, 2016. doi: 10.1056/NEJMoa1506930.
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2. Morgan JA, Brewer RJ, Nemeh HW, et al: Stroke while on long-term left ventricular assist device support: incidence, outcome, and predictors. ASAIO J 60 (3):284–289, 2014. doi: 10.1097/MAT.0000000000000074.
Fisiopatologia
O fluxo sanguíneo inadequado em uma única artéria cerebral geralmente pode ser compensado por um sistema colateral eficiente, em particular entre as artérias carótidas e vertebrais, por meio de anastomoses no círculo arterial do cérebro (círculo de Willis) e, em menor grau, entre as grandes artérias que irrigam os hemisférios cerebrais. No entanto, variações normais no círculo arterial do cérebro e no calibre de vários vasos colaterais, aterosclerose e outras lesões arteriais adquiridas podem interromper o fluxo colateral, aumentando a possibilidade de que a obstrução de uma artéria cause isquemia cerebral.
Ocorre a morte de alguns neurônios se o fluxo sanguíneo for < 5% do normal por > 5 minutos; entretanto a extensão da lesão depende da gravidade da isquemia. Se for leve, os danos ocorrem lentamente; assim, mesmo sendo a perfusão de 40% do normal, podem levar 3 a 6 h antes de ocorrer perda completa do tecido cerebral. Entretanto, se a isquemia é grave > 15 a 30 minutos, todos os tecidos afetados morrem (infarto). A lesão ocorre de forma mais rápida durante a hipertermia e mais lenta durante a hipotermia. Se os tecidos estão isquêmicos, mas ainda sem lesão irreversível, a restauração imediata do fluxo sanguíneo pode reduzir ou reverter a lesão. Por exemplo, a intervenção pode resgatar áreas moderadamente isquêmicas (“penumbras”) que geralmente circundam áreas de isquemia grave (estas áreas existem devido ao fluxo colateral).
Mecanismos da lesão isquêmica incluem
Mediadores inflamatórios (p. ex., IL-1B, fator de necrose tumoral [TNF]-alfa) contribuem para edema e trombose microvascular. O edema, quando grave ou extenso, pode aumentar a pressão intracraniana.
Vários fatores podem contribuir para a morte celular com necrose, os quais incluem perda de reservas de ATP, perda de homeostase iônica (incluindo acúmulo de cálcio intracelular), dano às membranas celulares por peroxidação lipídica mediada por radicais livres (processo mediado por ferro), neurotoxinas excitatórias (p. ex., glutamato) e acidose intracelular decorrente do acúmulo de lactato.
Sinais e sintomas
Os sinais e sintomas do acidente vascular isquêmico dependem da parte do cérebro comprometida. Ainda que muitas vezes os padrões de deficits neurológicos sugiram artéria comprometida ( Síndromes selecionadas de acidente vascular encefálico), a correlação geralmente é imprecisa.
Síndromes selecionadas de acidente vascular encefálico
Os deficits podem tornar-se máximos alguns minutos após o início do distúrbio, geralmente no acidente vascular encefálico embólico. Com menos frequência, os deficits evoluem de modo lento, normalmente ao longo de 24 a 48 h (o denominado acidente vascular encefálico progressivo ou acidente vascular encefálico em evolução), geralmente no acidente vascular encefálico aterotrombótico. Na maioria dos acidente vascular encefálico em evolução, a disfunção neurológica unilateral (que costuma começar em um braço e, em seguida, difunde-se ipsolateralmente) expande-se sem provocar cefaleia, dor ou febre. Em geral, a progressão é gradual, interrompida por períodos de estabilidade. Um acidente vascular encefálico é considerado submáximo quando, após estar completo, há função residual na área afetada, sugerindo tecido viável com risco de lesão.
Os acidente vascular encefálico embólicos ocorrem com frequência durante o dia; a cefaleia pode preceder os deficits neurológicos. Trombos tendem a ocorrer durante a noite e, portanto, são notados ao despertar.
Os infartos lacunares podem produzir uma das síndromes lacunares clássicas (p. ex., hemiparesia motora pura, hemianestesia sensorial pura, hemiparesia atáxica, disartria-síndrome da mão desajeitada); sinais de disfunção cortical (p. ex., afasia) estão ausentes. Os infartos lacunares múltiplos podem resultar em demência de múltiplos infartos.
Uma convulsão pode ocorrer no início do acidente vascular encefálico, mais frequentemente com acidente vascular encefálico embólico do que com trombótico. As convulsões também podem ocorrer meses ou anos mais tarde; as convulsões tardias resultam de cicatrizes ou deposição de hemossiderina no local da isquemia.
A deterioração durante as primeiras 48 a 72 h após o início dos sintomas, em particular o acometimento da consciência, resulta com mais frequência do edema cerebral que da extensão do infarto. A menos que o infarto seja grande ou extenso, em geral, a função é restabelecida parcialmente nos primeiros dias e ocorre melhora gradual em até 1 ano.
Diagnóstico
Sugere-se o diagnóstico do acidente vascular isquêmico por deficits neurológicos súbitos atribuídos a um território arterial específico. O acidente vascular encefálico isquêmico deve ser distinguido de outras causas dos deficits focais similares (às vezes chamado acidente vascular encefálico mimetizado).
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Paralisia pós-ictal [de Todd] (um deficit neurológico transitório, geralmente fraco, contralateral ao foco da crise epiléptica)
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Raramente, migrânea
Cefaleia, coma ou estupor e vômito geralmente ocorrem com hemorragia.
A diferenciação clínica entre os tipos de acidente vascular encefálico é imprecisa; mas algumas pistas com base na progressão dos sintomas, hora de início e o tipo de deficit podem ajudar.
Embora o diagnóstico seja clínico, a neuroimagem e o teste simples para glicose são obrigatórios. Inicialmente, realiza-se a TC para excluir hemorragia intracerebral, hematoma subdural ou epidural e um tumor de crescimento rápido, hemorrágico ou repentinamente sintomático. A evidência na TC, mesmo de um grande acidente vascular encefálico isquêmico na circulação anterior durante as primeiras horas, pode ser sutil e incluir a extinção de sulcos ou da faixa cortical insular, perda do limite branco-cinza entre o córtex e a substância branca e um sinal denso da artéria cerebral média. Depois de 6 a 12 h da isquemia, infartos de tamanho médio a grande começam a ser visíveis como hipodensidades; pequenos infartos (p. ex., infartos lacunares) podem ser visíveis na RM. A RM com técnica ponderada de difusão (altamente sensível para isquemia inicial) e a ARM (para descartar estenose arterial) podem ser realizadas imediatamente após neuroimagem por TC.
A diferenciação clínica entre o acidente vascular encefálico lacunar, embólico e trombótico não é segura, por isso são realizados testes de rotina para identificar causas comuns ou tratáveis e os fatores de risco de todos estes tipos. Deve-se avaliar nos pacientes as seguintes categorias das causas e dos fatores de risco:
Em caso de etiologia cardíaca, os exames geralmente são ECG, telemetria ou monitoramento por Holter, troponina sérica e ecocardiograma transtorácico ou transesofágico.
Para causas vasculares, testes podem incluem angiografia por ressonância magnética (MRA), angiografia por TC (CTA), ultrassonografia duplex transcraniana e da carótida e angiografia convencional. A escolha e a sequência dos testes são individualizadas, com base nos resultados clínicos. ARM (angiografia por ressonância magnética), angio TC e ultrassonografia carotídea, todas mostram a circulação anterior; mas ARM e angio TC fornecem imagens melhores da circulação posterior do que a ultrassonografia da carótida. ARM é geralmente preferida à angio TC se os pacientes conseguem permanecer imóveis durante a ARM (para evitar artefatos em movimento).
Para causas relacionadas ao sangue (p. ex., distúrbios trombóticos), exames de sangue são feitos para avaliar sua contribuição e aquela de outras causas. Os testes de rotina normalmente incluem hemograma completo, contagem de plaquetas, TP/TTP, glicemia em jejum e perfil lipídico.
Dependendo de quais causas são clinicamente suspeitas, testes adicionais podem incluir medição da homocisteína, testes para doenças trombóticas (anticorpos antifosfolípides, proteína S, proteína C, antitrombina III, fator V de Leiden), testes para doenças reumáticas (p. ex., anticorpos antinucleares, fator reumatoide, VHS), testes sifilíticos sorológicos, eletroforese de Hb e triagem de drogas na urina para cocaína e anfetaminas.
Uma causa não pode ser identificada para alguns acidente vascular encefálico (acidente vascular encefálico criptogênico).
Prognóstico
Em geral, a gravidade e a progressão do AVC são avaliadas pelo uso de medidas padronizadas como a escala de acidente vascular encefálico do National Institutes of Health (NIH) ( Escala de acidente vascular encefálico do National Institutes of Health*); a classificação nessa escala está correlacionado com a extensão da deficiência funcional e o prognóstico. Durante os primeiros dias é difícil prognosticar a progressão e os resultados. A idade avançada, acometimento da consciência, a afasia e os sinais do tronco encefálico sugerem um prognóstico desfavorável. A melhora precoce e a idade jovem sugerem um prognóstico favorável.
Escala de acidente vascular encefálico do National Institutes of Health*
Cerca de 50% dos pacientes com hemiplegia moderada ou grave e a maioria com deficits mais brandos podem cuidar de suas próprias necessidades básicas, possuem uma percepção sensorial definida e, com o tempo, podem caminhar de modo adequado. A recuperação neurológica completa ocorre em cerca de 10% dos pacientes. O uso do membro afetado pode ser limitado e a maioria dos deficits que permanecem após 12 meses é permanente. Pacientes que tiveram acidente vascular encefálico têm alto risco de novos acidente vascular encefálico e cada um tende a piorar a função neurológica. Cerca de 25% dos pacientes que se recuperam de um primeiro acidente vascular encefálico têm outro acidente vascular encefálico em 5 anos.
Depois de um acidente vascular encefálico isquêmico, cerca de 20% dos pacientes morrem no hospital; a taxa de mortalidade aumenta com a idade.
Tratamento
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Tratamento geral dos acidentes vasculares encefálicos
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Tratamento anti-hipertensivo agudo apenas em certas circunstâncias
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Terapia antiplaquetária
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Para o tratamento do quadro agudo, às vezes reperfusão com ativador de plasminogênio tecidual recombinante (IV ou trombólise in situ) e/ou trombectomia mecânica
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Algumas vezes anticoagulação
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Controle dos fatores de risco a longo prazo
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Algumas vezes endarterectomia ou implante de stent da carótida
Tratamento de acidente vascular encefálico agudo
As diretrizes para o tratamento precoce do acidente vascular encefálico estão disponíveis em American Heart Association and American Stroke Association. Os pacientes com acidente vascular encefálico isquêmicos agudos são hospitalizados. Medidas de suporte podem ser necessárias durante a avaliação e a estabilização iniciais.
A perfusão de uma área cerebral isquêmica requer pressão arterial elevada, pois houve perda da autorregulação; portanto, a pressão arterial não deve estar diminuída, exceto nos casos a seguir:
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A pressão arterial sistólica é > 220 mmHg ou a pressão arterial diastólica é > 120 mmHg em 2 leituras sucessivas com um intervalo > 15 minutos.
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Há sinais de lesões de terminações nervosas em outros órgãos (p. ex., dissecção da aorta, IAM, edema pulmonar, encefalopatia hipertensiva, hemorragias retinianas, insuficiência renal aguda)
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Provável uso de tPA recombinante e/ou trombectomia mecânica.
Para baixar a pressão arterial, os médicos podem administrar inicialmente nicardipina IV 2,5 mg/h; aumenta-se a dose em 2,5 mg/h a cada 5 minutos até o máximo de 15 mg/h como necessário para diminuir a pressão arterial em 10 a 15%. Alternativamente, labetalol 20 mg IV pode ser dado ao longo de 2 minutos; se a resposta for inadequada, 40 a 80 mg podem ser dados a cada 10 minutos até uma dose total de 300 mg.
Pacientes com supostos trombos ou êmbolos podem ser tratados com uma combinação dos seguintes:
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tPA, trombólise in situ e/ou trombectomia mecânica (1)
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Antiplaquetários
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Anticoagulantes
A maioria dos pacientes não é candidata à terapia trombolítica; deve receber antiplaquetário (geralmente ácido acetilsalicílico 325 mg VO) ao serem internados no hospital. Contraindicações aos antiplaquetários são asma ou urticária induzidas por ácido acetilsalicílico ou AINE, outras hipersensibilidades ao ácido acetilsalicílico ou à tartrazina, sangramento GI aguda, deficiência de G6PD e uso de varfarina.
Pode-se usar o tPA recombinante para pacientes com acidente vascular encefálico isquêmico agudo até 3 h depois do início dos sintomas se não tiverem contraindicações ao tPA ( Critérios de exclusão para uso do ativador de plasminogênio nos tecidos no acidente vascular encefálico). Alguns especialistas recomendam usar tPA até 4,5 h após o início dos sintomas (ver Expansion of the Time Window for Treatment of Acute Ischemic Stroke With Intravenous Tissue Plasminogen Activator); no entanto, entre 3 h e 4,5 h após o início dos sintomas, critérios adicionais de exclusão se aplicam ( Critérios de exclusão para uso do ativador de plasminogênio nos tecidos no acidente vascular encefálico). Embora o tPA possa causar outras hemorragias cerebrais sintomáticas ou fatais, os pacientes tratados com tPA estritamente de acordo com os protocolos ainda têm maior possibilidade de recuperação neurológica funcional. Somente os médicos experientes em tratamento de acidente vascular encefálico devem usar tPA para tratar pacientes com acidente vascular encefálico agudo; médicos inexperientes têm maior probabilidade de violar protocolos, resultando em mais hemorragias cerebrais e mortes. Quando administra-se o tPA de forma incorreta (p. ex., quando administrado apesar da existência de critérios de exclusão), o risco de hemorragia por causa do tPA é alto, principalmente para pacientes que tiveram acidente vascular encefálico; o risco de hemorragia cerebral é muito baixo (cerca de 0,5%; intervalo de confiança de 95% de 0% a 2,0% [2]) para pacientes que tiveram acidente vascular encefálico mimetizado. Se os médicos experientes não estão disponíveis no local, consulta com um especialista em um centro de acidente vascular encefálico (incluindo a avaliação por vídeo do paciente [telemedicina]), se possível, pode permitir que esses médicos usem tPA. Como a maioria das descobertas ruins resulta resultam da incapacidade de aderir rigorosamente ao protocolo, deve ser utilizada uma lista de verificação dos critérios de inclusão e exclusão.
O tPA deve ser administrado dentro de 4,5 h após o início dos sintomas — um requisito difícil. Como o tempo preciso do início dos sintomas pode não ser conhecido, os médicos devem começar a contar a partir do momento em que o paciente foi visto bem pela última vez.
Antes do tratamento com tPA, é necessário:
Pode-se administrar anti-hipertensivos (nicardipina IV ou labetalol IV) como acima.
A dose de tPA é 0,9 mg/kg, IV (dose máxima de 90 mg); 10% são administrados por injeção IV rápida e o restante por infusão constante por 60 minutos. Os sinais vitais são monitorados atentamente durante 24 h após o tratamento, e a pressão arterial é mantida abaixo de 185 milímetros Hg sistólica e 110 mmHg diastólica. Quaisquer complicações hemorrágicas são tratadas de forma agressiva. Anticoagulantes e fármacos antiplaquetários não são utilizados durante as 24 h de tratamento com tPA.
Critérios de exclusão para uso do ativador de plasminogênio nos tecidos no acidente vascular encefálico
Critérios de exclusão < 3 h após o início dos sintomas |
Hemorragia intracraniana à TC |
Infarto multilobar (hipodensidade em mais de um terço do território suprido pela artéria cerebral média) na TC |
Quadro clínico sugerindo hemorragia subaracnoidea, mesmo com TC negativa |
História de hemorragia intracraniana |
Aneurisma intracraniano, malformação arteriovenosa ou tumor |
História de acidente vascular encefálico ou traumatismo craniano nos últimos 3 meses |
Pressão arterial sistólica > 185 mmHg ou diastólica > 110 mmHg após tratamento anti-hipertensivo |
Punção arterial em local não compressível ou punção lombar nos últimos 7 dias |
Sangramento interna ativo |
Distúrbio hemorrágico suspeito |
Contagem de plaquetas < 100.000/μl |
Uso de heparina nas últimas 48 h e tempo de tromboplastina parcial elevado |
Uso de anticoagulantes orais, INR > 1,7 ou TTP > 15 |
Glicose sérica < 50 mg/dL (> 2,8 mmol/L) |
O uso atual de um inibidor direto da trombina ou inibidor direto do fator Xa com evidências do efeito anticoagulante, detectados por testes, como TTP INR e ensaios apropriados da atividade do fator Xa |
Glicemia < 50 ou > 400 mg/dL (< 2,78 ou > 22,2 mmol/L) |
Endocardite bacteriana ou suspeita de pericardite |
Critérios de exclusão relativos (3) |
Sintomas em rápida diminuição |
Cirurgia importante ou trauma grave nos últimos 14 dias |
Hemorragia no trato gastrointestinal ou urinário nos últimos 21 dias |
Convulsão no início com deficits neurológicos residuais pós-ictais. |
Gestação |
IAM agudo nos últimos 3 meses |
Critérios adicionais de exclusão 3–4,5 h após o início dos sintomas |
Mais de 80 anos de idade |
Uso de anticoagulantes orais, sem levar em consideração a INR |
Classificação NIH basal para AVC > 25 |
História tanto de acidente vascular encefálico como diabetes mellitus |
NIH = National Institutes of Health. |
Às vezes pode-se utilizar trombólise in situ (trombólise intra-arterial monitorada por angiografia) de um trombo ou êmbolo para grandes acidente vascular encefálico se os sintomas começarem < 6 h antes, em particular para acidente vascular encefálico decorrentes de grandes oclusões na artéria cerebral média e que não podem ser tratados com tPA recombinante IV. Os coágulos na artéria basilar podem ser lisados intra-arterialmente até 12 h após o início do acidente vascular encefálico, algumas vezes até mais tarde, dependendo das circunstâncias clínicas. Este tratamento, ainda que seja o padrão em alguns centros grandes, geralmente não está disponível em outros hospitais.
Trombectomia mecânica (remoção intra-arterial monitorada por angiografia de um trombo ou êmbolo por um dispositivo de recuperação de stent) é frequentemente usada para tratar os pacientes que sofreram acidente vascular encefálico grave e têm um classificação NIH de AVC de ≥ 6 quando a trombólise IV e/ou intra-arterial foi ineficaz; deve ser feita em 6 h depois do início dos sintomas (1). A trombectomia mecânica pode ser parte do padrão de tratamento em grandes centros de acidente vascular encefálico. Não deve ser utilizada fora de um centro de acidente vascular encefálico e não deve ser usada em vez de tPA recombinante IV em 4,5 h do início dos sintomas em pacientes elegíveis com acidente vascular encefálico isquêmico agudo. Os dispositivos usados para remover os trombos estão melhorando, e modelos recentes restabelecem a perfusão em 90 a 100% dos pacientes. Não está claro se os resultados clínicos são melhores após a reperfusão mecânica bem-sucedida do que após o tratamento com tPA IV; evidência sugere que a reperfusão anterior é alcançada, o melhor resultado independentemente de como ele é alcançado.
Em alguns centros de acidente vascular encefálico, tPA IV trombólise in situ, e/ou trombectomia mecânica são às vezes feitas com base em critérios de imagem (critérios baseados em tecido) em vez de no momento após o início dos sintomas (critérios baseados no tempo). Os critérios baseados em tecidos podem ser utilizados quando não é possível estabelecer o tempo de início dos sintomas (p. ex., se um paciente com sintomas de acidente vascular encefálico acorda após várias horas de sono ou se um paciente tem afasia e não pode fornecer um período de tempo). Para determinar a elegibilidade, os médicos usam imagens para identificar tecido cerebral potencialmente aproveitável (também chamado tecido de penumbra). O volume de tecido enfartado identificado por RM ponderada em difusão é comparado com o volume do tecido em risco subperfundido identificado por RM ponderada em perfusão ou TC. Uma diferença considerável entre os volumes identificados por imagens ponderadas em difusão ou perfusão sugere que o tecido substancial de penumbra ainda pode ser resgatado e, portanto, indica-se trombólise e/ou trombectomia. Mas os critérios baseados no tempo ainda são usados na prática clínica; estudos para determinar se os resultados são melhores usando critérios baseados no tempo ou em tecidos estão em andamento.
Utiliza-se anticoagulação com heparina ou com heparina de baixo peso molecular para acidente vascular encefálico causado por trombose venosa cerebral, e algumas vezes para êmbolos decorrentes de fibrilação atrial e para AVC por causa de trombose progressiva presumida se continuar a evoluir apesar do uso de fármacos antiplaquetários e não pode ser tratado de outro modo (p. ex., com tPA ou métodos invasivos). Em uma grande série, os resultados após o tratamento da trombose arterial basilar com heparina IV mais tPA IV foram tão bons ou melhores do que aqueles depois do tratamento com terapias intravasculares. A varfarina é iniciada simultaneamente à heparina. Antes do início da terapia anticoagulante, deve-se excluir hemorragia com TC. Usa-se infusão constante de heparina ( Dosagem de heparina com base no peso) para aumentar o TTP para 1,5 a 2 vezes os valores basais, até que a varfarina tenha aumentado a INR para 2 a 3 (3 em distúrbios de hipercoagulação). A varfarina predispõe a sangramento, e é continuada após alta hospitalar, portanto o seu uso deve ser restrito a pacientes com probabilidade de seguirem a dosagem e as exigências de monitoramento e que não sejam propensos a quedas.
Tratamento do acidente vascular encefálico em longo prazo
O tratamento de suporte continua durante a convalescença. Controlar a hiperglicemia e febre pode limitar o dano cerebral após o acidente vascular encefálico, levando a melhores resultados funcionais.
O tratamento a longo prazo também focaliza a prevenção de acidente vascular encefálico recorrente (prevenção secundária). Os fatores de risco modificáveis (p. ex., hipertensão, diabetes, tabagismo, alcoolismo, dislipidemia, obesidade) são tratados. Reduzir a pressão sistólica pode ser mais eficaz quando a pressão arterial alvo é < 120 mmHg em vez do nível típico (< 140 mmHg).
A endarterectomia carotídea extracraniana ou colocação de stent é indicada para pacientes com acidente vascular encefálico recente não incapacitante atribuído a uma obstrução ipsolateral da carótida de 70 a 99% da luz arterial ou por uma placa ulcerada, se a expectativa de vida for de, pelo menos, 5 anos. Em outros pacientes sintomáticos (p. ex., pacientes com AIT), a endarterectomia ou stent, com ou sem terapia antiplaquetária, é indicada para obstrução da carótida ≥ 60%, com ou sem ulceração e com expectativa de vida de, pelo menos, 5 anos. Esse procedimento deve ser realizado por cirurgiões e intervencionistas que têm um registro bem-sucedido com o procedimento (taxa de morbidade e mortalidade < 3%) no hospital onde será realizado. Se a estenose carotídea é assintomática, a endarterectomia ou stent só é benéfica quando realizada por cirurgiões ou intervencionistas mais experientes, e esse benefício tende a ser pequeno. Para muitos pacientes, o stent de carótida com dispositivo para proteção embólica (um tipo de filtro) é preferível à endarterectomia, especialmente se os pacientes tem < 70 anos de idade e apresentam alto risco cirúrgico. Implante de stent e endarterectomia carotídeas são igualmente eficazes para a prevenção de acidente vascular encefálico. No período periprocedimento, IM é mais provável após a endarterectomia, e acidente vascular encefálico recorrente é mais provável após o implante de stent.
Angioplastia vertebral extracraniana e/ou implante de stent pode ser utilizada em certos pacientes com sintomas recorrentes de isquemia vertebrobasilar apesar do tratamento médico otimizado e obstrução da artéria vertebral de 50 a 99%.
Angioplastia da artéria principal intracraniana e/ou implante de stent é considerada investigatório para pacientes com acidente vascular encefálico recorrente ou sintomas de AIT apesar do tratamento médico otimizado e obstrução de 50 a 99% de um artéria intracraniana principal.
Fechamento intravascular de um forame oval patente não parece ser mais eficaz para prevenção de AVCs do que o tratamento médico, mas os estudos estão em andamento.
Fármacos antiplaquetários orais são usadas para prevenir acidente vascular encefálico (prevenção secundária) não cardioembólicos subsequentes (ateroembólicos, lacunares, criptogênicos). Os seguintes podem ser utilizados:
Em pacientes que fazem uso de varfarina, os fármacos antiplaquetários aumentam ainda mais o risco de sangramento e, portanto, geralmente são evitadas; entretanto, às vezes o ácido acetilsalicílico é usado concomitante à varfarina em certos pacientes de alto risco. Clopidogrel é indicado para pacientes que são alérgicas à aspirina. Se acidente vascular encefálico isquêmico se repete ou se ocorre bloqueio de um stent arterial coronariano enquanto os paciente tomam clopidogrel, os médicos devem suspeitar de metabolismo prejudicado do clopidogrel (conversão ineficaz do clopidogrel na sua forma ativa porque a atividade do P2C19 é reduzida); teste para determinar o estado do CYP2C19 (p. ex., exames genéticos para polimorfismos do CYP450) é recomendado. Se o metabolismo prejudicado for confirmado, aspirina ou o produto da combinação de aspirina/dipiridamol de liberação prolongada é uma alternativa razoável.
Se os pacientes tiveram uma AIT ou acidente vascular encefálico menor, clopidogrel mais aspirina dado em 24 h depois do início dos sintomas parece mais eficaz que somente aspirina para reduzir o risco de acidente vascular encefálico nos primeiros 90 dias e não aumenta o risco de hemorragia. Mas evita-se o uso prolongado (p. ex., > 6 meses) da combinação de clopidogrel mais ácido acetilsalicílico porque não tem vantagem sobre aspirina isolada na prevenção secundária do acidente vascular encefálico a longo prazo e resulta em mais complicações hemorrágicas. Clopidogrel mais aspirina antes e por ≥ 30 dias após o implante de stent é indicado, geralmente durante ≤ 6 meses; se os pacientes não conseguem tolerar o clopidogrel, ele pode ser substituído por ticlopidina, 250 mg bid.
Anticoagulantes orais são indicados para a prevenção secundária de acidente vascular encefálico cardioembólicos (e também como prevenção primária). A dose ajustada de varfarina (um antagonista da vitamina K) com uma INR alvo de 2 a 3 é usada para certos pacientes sem fibrilação valvular ou valvular atrial. A INR alvo de 2,5 a 3,5 é usada se os pacientes têm uma valva cardíaca protética mecânica. Alternativas eficazes à varfarina para pacientes com fibrilação atrial não valvar incluem os seguintes anticoagulantes novos:
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Dabigatrana (um inibidor direto da trombina), 150 mg bid, em pacientes sem insuficiência renal grave (depuração de creatinina < 15 mL/min) e/ou insuficiência hepática (INR elevada)
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Apixabana (um inibidor direto do fator Xa) 5 mg bid em pacientes ≥ 80 anos, em pacientes com creatinina sérica ≥ 1,5 mg/dL e depuração de creatinina ≥ 25 mL/min, ou como uma alternativa ao ácido acetilsalicílico em pacientes que não podem tomar varfarina
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Rivaroxabana (um inibidor direto do fator Xa) 20 mg, uma vez ao dia para pacientes sem insuficiência renal grave (depuração de creatinina < 15 mL/min)
A principal vantagem desses novos anticoagulantes é a facilidade de uso (p. ex., não há necessidade de verificar o nível de anticoagulação com um exame de sangue após a dose inicial ou a utilização de um anticoagulante parenteral como heparina não fraccionada administrada por infusão contínua ao fazer a transição de anticoagulantes parenterais para orais). A principal desvantagem desses fármacos é a falta de um antídoto para reverter a anticoagulação se ocorrer complicação hemorrágica; a exceção é dabigatrana, ao qual idarucizumabe é um antidoto (4). A eficácia e a segurança da combinação de qualquer desses novos anticoagulantes com um fármaco antiplaquetário não foram estabelecidas.
Estatinas são usadas para prevenir acidentes vasculares cerebrais recorrentes; os níveis de lípidos devem ser reduzidos por quantidades substanciais. Recomenda-se atorvastatina, 80 mg, 1/dia para pacientes com evidência de acidente vascular encefálico aterosclerótico e LDL (lipoproteína de baixa densidade) colesterol ≥ 100 mg/dL. Um alvo razoável para o colesterol LDL é uma redução de 50% ou um nível de < 70 mg/dL. Outras estatinas (p. ex., sinvastatina, pravastatina) podem ser também usados.
Referências sobre tratamento
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1. Powers WJ, Derdeyn CP, Biller J, et al: 2015 American Heart Association/American Stroke Association focused update of the 2013 Guidelines for the Early Management of Patients With Acute Ischemic Stroke regarding intravascular treatment: A guideline for healthcare professionals From the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke 46 (10):3020–3035, 2015. doi: 10.1161/STR.0000000000000074.
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2. Tsivgoulis G, Zand R, Katsanos AH, et al: Safety of intravenous thrombolysis in stroke mimics: prospective 5-year study and comprehensive meta-analysis. Stroke 46 (5):1281–1287, 2015. doi: 10.1161/STROKEAHA.115.009012.
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3. Jauch EC, Saver JL, Adams HP Jr, et al: Guidelines for the early management of patients with acute ischemic stroke: A guideline for healthcare professionals from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke 44 (3):870–947, 2013. doi: 10.1161/STR.0b013e318284056a.
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4. Pollack CV Jr, Reilly PA, Eikelboom, J, et al: Idarucizumab for dabigatran reversal. N Engl J Med 373:511–520, 2015. doi: 10.1056/NEJMoa1502000.
Pontos-chave
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Diferenciar acidente vascular encefálico isquêmico paralisia hipoglicêmica pós-ictal, acidente vascular encefálico hemorrágico e enxaqueca.
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Embora a diferenciação clínica não seja precisa, algumas pistas para ajudar a diferenciar entre os tipos mais comuns de acidente vascular encefálico incluem a progressão dos sintomas (deficits máximos em minutos do início com acidente vascular encefálico embólico escalonado versus, às vezes, início lento com trombótico), tempo de início (dia com embólico versus noite com trombótico) e o tipo de deficits (p. ex., síndromes específicas e ausência de sinais corticais com infartos lacunares).
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Testar nos pacientes causas cardíacas (incluindo fibrilação atrial) e estenose arterial e fazer exames de sangue (p. ex., para doenças trombóticas, reumáticas e outras como indicado).
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Em geral, não reduzir de forma agressiva a pressão arterial logo após acidente vascular encefálico isquêmico agudo.
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Para determinar a elegibilidade para tPA, usar uma lista de verificação e, quando disponível consultar um especialista, pessoalmente ou via telemedicina.
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Para evitar futuros acidentes vasculares cerebrais isquêmicos, controlar os fatores de risco modificáveis e tratar, quando apropriado, com terapia antiplaquetária, terapia com estatinas e/ou endarterectomia ou colocação de stent.