Queimaduras

PorDamien Wilson Carter, MD, Tufts University School of Medicine
Revisado/Corrigido: nov 2022
Visão Educação para o paciente

Queimaduras são lesões da pele ou outros tecidos causadas por contato térmico, radioativo, químico ou elétrico. Classificam-se por profundidade (espessura parcial profunda e espessura total) e porcentagem da área de superfície corporal total acometida. As complicações abrangem choque hipovolêmico, lesão por inalação, infecção, cicatriz e contraturas articulares. Pacientes com grandes queimaduras ( 20% área de superfície corporal) necessitam de reanimação. O tratamento das queimaduras compreende antibacterianos tópicos, limpeza permanente, elevação e, às vezes, enxertos de pele. Reabilitação intensiva, que consiste em exercícios para amplitude de movimentos e tala, é frequentemente necessária.

Queimaduras causam cerca de 3.000 mortes ao ano nos Estados Unidos e 2 milhões de consultas médicas.

(Ver também Queimaduras oculares e Ingestão cáustica.)

Etiologia das queimaduras

Queimaduras térmicas podem resultar de qualquer fonte externa de calor (chama, líquidos, objetos sólidos ou vapor). O fogo também pode causar inalação de fumaça tóxica (ver também Intoxicação por monóxido de carbono).

Dicas e conselhos

  • Avaliar a via respiratória e considerar entubação precoce se os pacientes têm sintomas respiratórios, expectoração carbonácea, queimaduras periorais, pelos nasais chamuscados ou estiveram confinados a um ambiente de incêndio.

  • A avaliação da faringe posterior é útil para estimar se há lesão das vias respiratórias. Se não houver evidências de eritema ou edema posterior da faringe, o comprometimento das vias respiratórias é improvável.

Queimaduras por radiação são mais comuns por exposição prolongada aos raios ultravioleta (queimadura solar), embora também possam ocorrer por exposição intensa a outras fontes de radiação ultravioleta (p. ex., bronzeamento artificial), radiografia ou outras radiações não solares (ver Exposição e contaminação radioativa).

Queimaduras químicas resultam de ácidos fortes, álcalis fortes (p. ex., lixívia e cimento), fenóis, cresóis, gás mostarda, fósforo e certos produtos derivados de petróleo (p. ex., gasolina, tíner). A necrose da pele ou de tecidos mais profundos devido a tais agentes pode progredir por diversas horas.

Queimaduras elétricas são causadas por geração de calor e eletroporação das membranas celulares associada com correntes intensas dos elétrons. Queimaduras elétricas por alta voltagem (> 1.000 volts) costumam causar danos extensos aos tecidos profundos condutores de eletricidade, como músculos, nervos e vasos sanguíneos, apesar de lesões cutâneas mínimas aparentes.

Eventos associados a queimaduras (p. ex., pular de prédio que está se incendiando, ser atingido por escombros, colisão de automóvel) podem causar outros danos. Maus tratos devem ser levados em consideração, no caso de crianças pequenas e idosos com queimaduras (ver Criança maltratada e Abusos de idosos).

Fisiopatologia das queimaduras

Queimaduras por calor provocam desnaturação de proteínas e, portanto, necrose por coagulação. Ao redor do tecido queimado coagulado, agregam-se plaquetas, vasos se contraem e o tecido marginal perfundido (conhecido como zona de estase) pode se necrosar. Na zona de estase há hiperemia e inflamação do tecido.

Danos à barreira epidérmica normal permitem

  • Invasão bacteriana

  • Extravasamento de líquidos

  • Comprometimento da regulação térmica

Frequentemente, os tecidos lesados tornam-se edematosos, aumentando ainda mais a perda volumétrica intravascular. A perda de temperatura pode ser significante, já que a termorregulação da derme danificada é prejudicada, principalmente em ferimentos expostos.

Profundidade da queimadura

Queimaduras superficiais (anteriormente de 1º grau) limitam-se à epiderme.

Espessura parcial (anteriormente chamada queimadura de 2o grau): a queimadura acomete parte da derme, sendo subdividida em superficial e profunda.

  • Queimaduras superficiais de espessura parcial envolvem a derme papilar (mais superficial). Essas queimaduras cicatrizam em 1 a 2 semanas, e as cicatrizes costumam ser mínimas. A cura ocorre a partir das células epidérmicas que revestem os ductos de glândulas sudoríparas e pelos; tais células crescem para a superfície e, depois, migram através dela para encontrar células de glândulas vizinhas e folículos.

  • A queimadura de espessura parcial profunda acomete a metade inferior da derme e leva 2 semanas para cicatrizar. A cura é proveniente apenas dos folículos pilosos, as cicatrizes são comuns e podem ser graves.

Queimaduras de espessura total (anteriormente 3o grau): abrangem a toda a derme e estendem-se até a gordura subcutânea. A cicatrização é proveniente somente da região periférica; tais queimaduras, a menos que sejam pequenas, requerem excisão e enxerto de pele.

Complicações das queimaduras

As queimaduras causam complicações sistêmicas e locais. Os principais fatores que contribuem para complicações sistêmicas são rompimento da integridade da pele e perda de líquidos. Complicações locais incluem escaras, contraturas e cicatrização.

Complicações sistêmicas das queimaduras

Quanto maior o percentual da área da superfície total corporal (ASCT) envolvida, maior o risco de ocorrer complicação sistêmica. Os fatores de risco de complicações sistêmicas graves e mortalidade incluem todos os seguintes:

  • Queimaduras de espessura parcial ou total de 40% da ASCT

  • Idade > 60 anos ou < 2 anos

  • Presença de trauma maior simultâneo ou inalação de fumaça

As complicações sistêmicas mais comuns são hipovolemia e infecção.

A hipovolemia, causando hipoperfusão nos tecidos queimados e, às vezes, choque, pode resultar da perda de líquidos devido a queimaduras mais profundas ou que acometem grandes partes da superfície corporal; edema no corpo todo por perda de volume intravascular para o interstício e célula também ocorre. Além disso, as perdas hídricas insensíveis podem ser significativas. A hipoperfusão do tecido afetado também pode ser resultante do dano direto aos vasos sanguíneos ou da vasoconstrição secundária à hipovolemia.

A infecção, mesmo em pequenas queimaduras, é causa comum de sepsia, complicações locais e morte. Invasão e crescimento bacteriano são acentuados quando as defesas orgânicas estão prejudicadas e os tecidos desvitalizados. Os patógenos mais comuns são estreptococos e estafilococos durante os primeiros dias e bactérias Gram-negativas após 5 a 7 dias; contudo, a flora é sempre mista.

Anormalidades metabólicas podem englobar hipoalbuminemia, que é, em parte, decorrente da hemodiluição (secundária à reposição de líquidos) e, parcialmente, decorrente da perda de proteínas para o espaço extravascular através dos capilares danificados. Deficiências de eletrólitos pela diluição podem se desenvolver, incluindo hipomagnesemia, hipofosfatemia e hipopotassemia. Acidose metabólica pode resultar de choque. Rabdomiólise ou hemólise podem resultar de queimaduras térmicas ou elétricas profundas dos músculos ou da isquemia muscular decorrentes de cicatrizes constritivas. Rabdomiólise causando mioglobinúria ou hemólise com hemoglobinúria pode resultar em necrose tubular aguda ou lesão renal aguda.

Hipotermia pode resultar da grande quantidade de líquidos frios intravenosos (IV) e de prolongada exposição da superfície corporal ao ambiente frio do serviço de emergência, particularmente em pacientes com queimaduras extensas.

Íleo é comum após queimaduras extensas.

Complicações locais das queimaduras

A escara é um tecido duro e morto, causada por queimaduras profundas. Uma cicatriz circunferencial, que envolve total a circunferência de um membro (às vezes, o pescoço ou o tórax), é potencialmente constritiva. Cicatrizes constritivas limitam a expansão do tecido em resposta ao edema; em vez disso, a pressão tecidual aumenta, causando isquemia local. A isquemia ameaça a viabilidade dos membros e dos dedos distais à escara, e uma cicatriz em torno do tórax pode comprometer a ventilação.

Cicatrizes e contraturas são resultados da cura de queimaduras profundas. Dependendo da extensão da cicatriz, deformidades por contratura podem aparecer nas articulações. Se a queimadura estiver localizada perto das articulações (especialmente nas mãos), nos pés ou no períneo, a função pode ser gravemente comprometida. A infecção pode aumentar a cicatriz. Queloides se formam em alguns pacientes, em especial da raça negra.

Sinais e sintomas das queimaduras

Os sinais e sintomas dependem da profundidade da queimadura, classificada em:

  • Queimaduras superficiais: essas queimaduras são avermelhadas, dolorosas e frágeis, embranquecem acentuadamente e amplamente à leve pressão. Não há desenvolvimento de bolhas ou vesículas.

  • Queimaduras de espessura parcial superficial: essas queimaduras embranquecem à pressão e são dolorosas e sensíveis. A formação de vesículas e bolhas ocorre em 24 horas. As bases das vesículas e bolhas são rósea e então desenvolvem exsudato fibrinoso.

  • Queimaduras de espessura parcial profunda: pode ser avermelhadas, esbranquiçadas ou matizadas em vermelho e branco. Não embranquecem e são menos dolorosas e sensíveis do que as queimaduras mais superficiais. Uma alfinetada é frequentemente interpretada como pressão em vez de picada. Há possível formação de bolhas e vesículas; essas queimadura costumam secar.

  • Queimaduras de espessura total: sem formação de bolhas ou vesículas, podem ser esbranquiçadas e maleáveis, negras e carbonizadas, marrons e coriáceas ou vermelho-brilhantes devido à fixação da hemoglobina na região subdérmica. Queimaduras de espessura total podem simular pele normal, exceto pelo fato de esta não embranquecer à pressão. Queimaduras de toda espessura são, geralmente, hipoanestésicas ou anestésicas. Pelos podem ser facilmente tracionados de seus folículos. Vesículas e bolhas não costumam se desenvolver. Às vezes, as características que diferenciam a queimadura de espessura parcial profunda daquela de espessura total levam 24 a 48 horas para se manifestarem.

Diagnóstico das queimaduras

  • Avaliação clínica da extensão e profundidade da queimadura

  • Testes de laboratório e radiografia do tórax dos pacientes hospitalizados

Localização e profundidade das áreas queimadas são registradas em um diagrama. Presumem-se que queimaduras com aparência compatível tanto com de espessura parcial profunda como de espessura total sejam queimaduras de espessura total.

Calcula-se a porcentagem da ASCT envolvida; só são incluídas neste cálculo as queimaduras de espessura parcial ou total (1). Para adultos, estima-se o percentual da ASCT para partes do corpo pela regra dos nove [[A] Regra dos nove (para adultos) e [B] tabela de Lund-Browder [para crianças]]; para queimaduras pequenas e esparsas, as estimativas podem se basear no tamanho da superfície de toda a mão aberta do paciente (não somente da superfície palmar), que é cerca de 1% da área de superfície corporal. O método do tamanho da mão é particularmente útil para calcular a área de superfície queimada queimadura de uma região parcialmente queimada. Por exemplo, se um braço (que representaria 9% se totalmente envolvido) não estiver completamente queimado, pode-se utilizar o tamanho da mão do paciente como um modelo para estimar a extensão das áreas não envolvidas (ou envolvidas) dispersas. A área não envolvida pode ser subtraída da área de 9% do braço para calcular com mais precisão a área de superfície queimada do braço. Crianças têm cabeças proporcionalmente maiores e extremidades menores, assim, estima-se a porcentagem da ASCT de maneira mais precisa utilizando a tabela de Lund-Browder [[A] Regra dos nove (para adultos) e [B] tabela de Lund-Browder [para crianças]].

(A) Regra dos nove (para adultos) e (B), Tabela de Lund-Browder (para crianças) para estimar a extensão das queimaduras

(Redesenhado de Artz CP, JA Moncrief: The Treatment of Burns, ed. 2. Philadelphia, WB Saunders Company, 1969; utilizada com permissão.)

Em pacientes hospitalizados com risco de complicações sistêmicas, deve-se fazer exames sanguíneos para hemoglobina, hematócrito, eritrócitos, eletrólitos séricos, ureia, creatinina, albumina, proteína, fosfato e cálcio ionizado. Deve-se realizar também eletrocardiograma (ECG), exame de urina para mioglobina e radiografia de tórax. Mioglobinúria (sugerindo hemólise ou rabdomiólise) é encontrada na urina, a qual é fortemente escura, ou em testes positivos para sangue no papel-fita na ausência da contagem microscópica dos eritrócitos. Tais exames são repetidos quando necessário. Compartimentos musculares são avaliados em pacientes com mioglobinúria.

A infecção da queimadura é sugerida por exsudato da ferida, má cicatrização ou evidências sistêmicas de infecção (p. ex., intolerância alimentar, diminuição da contagem de plaquetas, aumento do nível sérico da glicose). Febre e leucocitose são comuns em queimaduras sem infecção e, portanto, são sinais não confiáveis de sepse. Se o diagnóstico não for evidente, a infecção poderá ser confirmada por biópsia; culturas da superfície da ferida ou do exsudato não são confiáveis. Muitos centros testam pacientes durante a internação à procura de colonização por Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (SARM).

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Kamolz LP, Parvizi D, Giretzlehner M, et al: Burn surface area calculation: What do we need in future. Burns 40(1):171-172, 2014. doi: 10.1016/j.burns.2013.07.021

Tratamento das queimaduras

  • Líquidos IV para queimaduras de espessura parcial e total > 10% da área de superfície corporal total (ASCT)

  • Limpeza do ferimento, curativo e avaliação em série

  • Medidas de suporte

  • Transferência ou recomendação de pacientes selecionados para centros especializados em tratamento de queimados

  • Cirurgia e fisioterapia para queimaduras de espessura parcial profunda ou total

Tratamento inicial

O tratamento se inicia no local pré-hospitalar. As primeiras prioridades são iguais para qualquer paciente acidentado: vias respiratórias, respiração e circulação. Providenciar uma via respiratória, suporte à ventilação e trata-se a possível inalação de fumaça associada com 100% de oxigênio. O prosseguimento da queimadura é extinto e combustão lenta e materiais quentes são removidos. Todas as roupas são retiradas. Químicos, exceto em pó, são limpos com água; pós devem ser raspados antes de molhar. Queimaduras causadas por álcalis, ácidos ou compostos orgânicos (p. ex., fenóis, cresóis, petroquímicos) são limpas com quantidades volumosas de água continuamente por pelo menos 20 minutos, até que não reste nada da solução original.

Líquidos intravenosos

Administram-se líquidos IV para pacientes em choque ou com queimaduras de espessura parcial e total > 10% da ASCT. Uma cânula venosa de calibre 14 a 16 de diâmetro é colocada em 1 a 2 veias periféricas em área não queimada, se possível. A dissecção de veia deve ser evitada pelo risco de infecção.

A reposição inicial de líquidos é orientada pelo tratamento do choque clinicamente evidente (1). Se não há choque, a administração de líquidos é para substituir o deficit previsto e fornecer líquidos de manutenção. Utiliza-se a fórmula de Parkland (4 mL/kg) × % da ASCT queimada (queimaduras com espessura parcial ou total) para estimar o volume de líquido necessário nas primeiras 24 horas após a queimadura (não após a chegada ao hospital) e determinar a velocidade da administração de líquidos IV. Administrar metade da quantidade calculada ao longo das primeiras 8 horas; administrar o restante nas 16 horas seguintes. Administram-se líquidos como solução de lactato de Ringer porque grandes quantidades de soro fisiológico podem resultar em acidose hiperclorêmica.

Por exemplo, em um indivíduo que pesa 100 kg e tem 50% da ASCT queimada, o volume de líquido pela fórmula de Parkland seria

equation

Metade desta quantidade, 10 L, é dada nas primeiras 8 horas após a queimadura como infusão constante; os demais 10 L são administrados nas próximas 16 horas. Na prática, essa fórmula é somente o ponto de partida, e a taxa de infusão é ajustada com base na resposta clínica. Débito urinário, tipicamente medido com um catéter de demora, e é o indicador usual da resposta clínica; o objetivo é manter o débito de 0,5 mL/kg/hora em adultos e 1,0 mL/kg/hora em crianças (< 30 kg). Deve-se calcular as exigências pediátricas adicionais de líquidos de manutenção; estes líquidos são adicionados separadamente porque as crianças estão em risco de hipoglicemia na reanimação volêmica. Ao administrar grandes volumes típicos do líquido, também é importante evitar a sobrecarga de líquidos e consequente insuficiência cardíaca e síndrome compartimental. Pode-se titular a administração de líquidos visando apenas alcançar a meta de débito urinário. Parâmetros clínicos, incluindo fluxo de urina e sinais de choque ou insuficiência cardíaca, são anotados pelo menos a cada hora em um diagrama.

Dicas e conselhos

  • Fórmulas de Parkland e outras de reanimação hídrica para queimaduras são apenas o ponto de partida; a velocidade e o volume dos líquidos devem ser ajustadas de acordo com a resposta clínica.

Alguns médicos recomendam coloide, geralmente albumina, após 12 horas para pacientes com grandes queimaduras, muito jovens ou idosos, ou com cardiopatias que precisam grandes volumes de líquidos.

Se o débito urinário é inadequado, apesar da administração de grandes quantidades de cristaloides, é necessário consulta a um centro de queimados porque esses pacientes têm maior risco de complicações da reanimação, incluindo síndrome compartimental de abdome e membros. Os pacientes com débito urinário inadequado, a despeito da administração de grande quantidade de cristaloides, podem responder à infusão de coloides ou outras medidas. Em metanálises, a administração de albumina mostrou diminuir o volume total de líquidos pela metade em 72 horas após a lesão. Metanálises sugerem que são necessários ensaios clínicos adicionais para determinar os efeitos da administração de coloides com cristaloides sobre a mortalidade e a morbidade (2, 3, 4).

Para pacientes com rabdomiólise, a administração de líquidos é a base do tratamento, e o objetivo é manter um débito urinário de pelo menos 0,5 e 1,0 mL/kg/hora. Embora alguns profissionais tenham recomendado a alcalinização da urina administrando líquidos IV contendo bicarbonato de sódio para tratar a rabdomiólise, há poucas evidências de desfechos melhores para o paciente, e a alcalinização não é mais recomendada.

Cuidado inicial do ferimento

Após analgesia adequada, a ferida é limpa com água e sabão, e todos os fragmentos soltos são removidos. A água deve estar em temperatura ambiente ou mais quente, para evitar a indução de hipotermia. Bolhas rompidas, exceto as de palmas das mãos, dedos e plantas dos pés, são debridadas. Bolhas não rompidas algumas vezes podem permanecer intactas, mas devem ser tratadas aplicando um antimicrobiano tópico. Curativos secos podem ser utilizados (cremes para queimadura podem interferir na avaliação da ferida pelo receptor) em pacientes que estão prestes a serem transferidos para um centro de queimados, eles devem permanecer quentes e relativamente confortáveis com opioides IV.

Após a ferida ser limpa e avaliada pelo clínico, as queimaduras podem ser tratadas topicamente. Para queimaduras de espessura parcial superficial, somente o tratamento tópico é adequado. Todas as queimaduras de espessura total e espessura parcial devem ser tratados com excisão e enxerto, mas, até o procedimento, os tratamentos tópicos são apropriados.

O tratamento tópico pode ser com

  • Bálsamos antimicrobianos (p. ex., sulfadiazina de prata a 1% e acetato de mafenida)

  • Curativos comerciais que incorporam prata (p. ex., curativos de prata nanocristalina de liberação prolongada)

  • Curativos biossintéticos (também chamados produtos artificiais para a pele)

Deve-se considerar curativos com prata apenas nas queimaduras de espessura parcial cuja ferida tenha umidade significativa porque a ativação da prata requer umidade. A sulfadiazina de prata pode induzir a leucopenia transitória. Alguns curativos impregnados de prata (mas não todos) devem ser mantidos úmidos, mas podem ser trocados com pouca frequência, até a cada 7 dias (para minimizar a dor associada ao tratamento repetido das lesões).

Deve-se trocar os bálsamos tópicos diariamente. Produtos de pele artificial e curativos impregnados com prata não são trocados rotineiramente, mas podem resultar em purulência subjacente exigindo remoção, especialmente quando as feridas são profundas. Extremidades queimadas devem ser elevadas. Deve-se utilizar curativos compressivos, como compressas elásticas, para reduzir o edema e melhorar a cicatrização de feridas.

Toxoide tetânico de reforço (por via subcutânea ou IM) é dado em pacientes com pequenas queimaduras que tenham sido previamente vacinados e que não tenham recebido reforço nos últimos 5 anos. Pacientes que tomaram reforço mais remoto ou que não tenham recebido a série completa da vacina recebem imunoglobulina tetânica (humana), 250 unidades IM e vacinação ativa concomitantemente (ver Prevenção do tétano).

A escarotomia (incisão da escara) pode ser necessária para permitir a expansão adequada do tórax ou a perfusão de uma extremidade. Todavia, cicatrizes constritivas raramente ameaçam a viabilidade da extremidade durante as primeiras horas; portanto, a transferência para um centro de queimados pode ocorrer dentro desse prazo, sendo a escarotomia quase sempre preterida. Se a transferência em tempo hábil não for possível, deve-se realizar uma escarotomia seguindo instruções de um consultor do centro de queimados.

Medidas de suporte

Tratar a hipotermia e controlar a dor. Sempre deve-se administrar opioides (p. ex., morfina) por via IV e podem ser necessárias doses mais altas para controle adequado da dor. O tratamento dos deficits de eletrólitos pode exigir a suplementação de cálcio (Ca), magnésio (Mg), potássio (K) ou fosfato (PO4).

Indica-se suporte nutricional para pacientes com queimaduras em > 20% daASCT ou com desnutrição preexistente. Inicia-se o suporte com uma sonda gástrica o mais rápido possível se a nutrição oral não é viável ou adequada. Por sua vez, o suporte parenteral raramente é necessário.

Hospitalização e encaminhamento

Após o tratamento inicial e a estabilização, avalia-se a necessidade de transferência e/ou hospitalização. Sugere-se fortemente uma consulta em um centro de queimados para discutir as opções de tratamento para

  • Queimaduras de espessura total > 1% daASCT

  • Queimaduras de espessura parcial > 5% da ASCT

  • Queimaduras das mãos, face, pés e períneo (espessura parcial ou profunda)

Por causa dos muitos fatores envolvidos no desfecho da queimadura, a discussão precoce das especificidades de cada caso com um centro de queimados é provavelmente mais útil do que a aplicação de critérios rígidos sem consulta.

Além disso, transferência e/ou hospitalização podem ser necessárias se

  • Pacientes têm < 2 anos ou > 60 anos.

  • A aderência ao tratamento residencial for pobre ou difícil (p. ex., se a elevação contínua de mãos ou pés é difícil na moradia).

Muitos especialistas recomendam que todas as queimaduras, exceto as queimaduras superficiais < 1% da ASCT, sejam tratadas por médicos experientes e que tratamentos de acompanhamento de urgência em centros de queimados sejam fortemente considerados para todas as queimaduras de espessura parcial ou total > 2% da ASCT. A manutenção adequada de analgesia e exercício pode ser difícil para muitos pacientes e cuidadores. Mesmo pacientes que não são internados podem se beneficiar da transferência ou encaminhamento precoce para um centro de queimados, de modo que o tratamento de feridas, curativos especializados e exercícios precoces de amplitude do movimento possam ser iniciados.

Infecção

Antibióticos sistêmicos profiláticos não são administrados.

O tratamento empírico inicial com antibióticos para infecção aparente durante os primeiros 5 dias deve ter por alvo estafilococos e estreptococos (p. ex., com vancomicina para pacientes internados com swabs de colonização por SARM positivo). A infecção que se desenvolve após 5 dias é tratada com antibióticos de espectro maior que englobem bactérias Gram-positivas e negativas. A escolha do antibiótico é subsequentemente ajustável aos resultados de cultura e sensibilidade. A excisão de uma ferida por queimadura com infecção mais profunda otimiza a probabilidade de resolução da infecção. Deve-se postergar o uso de enxertos até que a infecção seja resolvida.

Cirurgia

Indica-se cirurgia para queimaduras em que não se espera a cura em 2 semanas, incluindo as de espessura parcial profunda e todas as de espessura total. As escaras são removidas tão logo quanto possível, sendo o ideal em 3 dias para auxiliar na prevenção de sepse e facilitar a enxertia de pele, o que diminui o tempo de hospitalização e melhora os resultados funcionais. Se a queimadura for extensa e com risco à vida, as escaras maiores são primeiramente removidas para se conseguir uma cicatrização mais precoce da maior área queimada possível. (Ver também Como fazer escarotomia para queimaduras.)

Após a excisão, procede-se à enxertia, de preferência utilizando autoenxertos de espessura parcial (pele do paciente), que são permanentes (5). Autoenxertos são transplantados como lâminas (peças sólidas de pele) ou em rede (lâminas da pele doadora, a qual é distendida para recobrir uma grande área, fazendo-se múltiplas pequenas incisões a espaços regulares). Este último é utilizado em áreas nas quais a aparência não é uma preocupação, quando a queimadura acomete > 20% da área de superfície corporal e a área doadora é escassa. Tais enxertos cicatrizam com aparência de rede irregular, às vezes com excessiva cicatriz hipertrófica.

Quando as queimaduras comprometem > 40% da área de superfície corporal e o suprimento de autoenxertos parece insuficiente, um molde regenerativo dérmico artificial pode ser utilizado temporariamente (5). Aloenxertos (pele viável, geralmente proveniente de cadáveres) ou xenoenxertos (p. ex., pele de porco) podem ser utilizados temporariamente; eles são rejeitados, às vezes em 10 a 14 dias. Os dois tipos de tratamento temporário com o tempo precisam ser substituídos por autoenxertos.

Fasciotomia é realizada quando o edema dentro de um compartimento muscular eleva a pressão compartimental > 30 mmHg. A síndrome compartimental é rara em queimaduras que não queimaduras elétricas de alta voltagem (6).

Fisioterapia e terapia ocupacional

As terapias física e ocupacional iniciam-se logo na admissão para auxiliar na minimização de cicatrizes e contraturas, particularmente em superfícies cutâneas com muita tensão e frequentes movimentos (p. ex., face, mãos), a fim de otimizá-los. Exercícios ativos e passivos de amplitude de movimento tornam-se mais fáceis conforme o edema inicial diminui (melhora potencializada pela elevação e compressão apropriadas); são realizados 1 a duas vezes ao dia. Após o enxerto, os exercícios são frequentemente suspensos por 3 dias e então retomados, mas em alguns centros são iniciados em 24 horas após o enxerto. Articulações afetadas por queimaduras de espessura parcial ou total são imobilizadas em posições funcionais tão logo quanto possível e imobilizadas continuamente (exceto durante os exercícios) até que os enxertos estejam bem colocados e a cicatrização tenha ocorrido.

Tratamento ambulatorial das queimaduras

O tratamento ambulatorial inclui limpar as queimaduras e, na medida possível, manter a região do corpo afetada elevada e, no caso de membros, comprimida (p. ex., por envoltórios elásticos sobre os curativos). Curativos com pomadas são utilizados e trocados diariamente. A pomada é aplicada e coberta com um curativo de gaze não aderente e seco e com envoltórios de compressão. Deve-se trocar os curativos de prata a cada 7 a 10 dias, dependendo da recomendação específica do produto. A troca do curativo é feita pela remoção do antigo com a colocação de um novo. Curativos biossintéticos não devem ser trocados na ausência de purulência. Eles simplesmente devem ser cobertos com gaze seca, que é trocada diariamente. (Ver também Como debridar e aplicar curativos a uma queimadura.)

Consultas de acompanhamento de pacientes externos devem ser agendadas conforme necessário, dependendo da gravidade da queimadura (p. ex., para queimaduras muito pequenas, consultas a cada 24 horas, depois consultas subsequentes a cada 7 a 10 dias). Nas consultas incluem-se desbridamento, se indicado, reavaliação da profundidade da queimadura e avaliação quanto à necessidade de terapia física e enxerto de pele. Os pacientes devem retornar antes, caso notem sinais de infecção, como aumento de rubor que se estende das extremidades das feridas, aumentando purulência e dor, ou uma mudança na aparência da ferida, com aparecimento de manchas pretas ou vermelhas. Se esses sinais ocorrerem, a avaliação médica deve ser feita urgentemente. Tratamento para discreta celulite em paciente externo é admissível em indivíduos saudáveis com idade de 2 a 60 anos, sendo a hospitalização indicada para outras infecções.

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Pham TN, Cancio CL, Gibran NS: American Burn Association practice guidelines burn shock resuscitation. J Burn Care Res J 29(1):257-266, 2008. doi: 10.1097/BCR.0b013e31815f3876

  2. 2. Eljaiek R, Heylbroeck C, Dubois MJ: Albumin administration for fluid resuscitation in burn patients: A systematic review and meta-analysis. Burns 43(1):17-24, 2017. doi: 10.1016/j.burns.2016.08.001

  3. 3. Greenhalgh DG, Cartotto R, Taylor SL: Burn resuscitation practices in North America: Results of the Acute Burn ResUscitation Multicenter Prospective Trial (ABRUPT). Ann Surg 10.1097/SLA.0000000000005166, 2021. doi: 10.1097/SLA.0000000000005166.

  4. 4. Navickis RJ, Greenhalgh DG, Wilkes MM: Albumin in burn shock resuscitation: A meta-analysis of controlled clinical studies. J Burn Care Res 37(3):e268-278, 2016. doi: 10.1097/BCR.0000000000000201

  5. 5. Kagan RJ, Peck MD, Ahrenholz DH, et al: Surgical management of the burn wound and use of skin substitutes: An expert panel white paper. J Burn Care Res 34:e60–79, 2013. doi: 10.1097/BCR.0b013e31827039a6

  6. 6. International Society for Burn Injury (ISBI) Practice Guidelines Committee: Steering Committee; Advisory Committee. ISBI Practice Guidelines for Burn Care. Burns 42(5):953-1021, 2016. doi: 10.1016/j.burns.2016.05.013

Pontos-chave

  • Indicações de queimadura profunda são a existência de vesículas ou bolhas (sugerindo queimadura de segundo grau); e diminuição da sensação, escara áspera seca, hipoestesia e capacidade de facilmente puxar os pelos (sugerindo queimadura de espessura total).

  • Se as queimaduras de espessura parcial ou total envolvem > 10 % da ASCT, administrar solução de lactato de Ringer em uma velocidade inicial orientada pela fórmula de Parkland (4 mL/kg × % ASCT durante as primeiras 24 horas após a queimadura) e ajustada com base no débito urinário a cada hora.

  • Para escaras circunferenciais ou constritivas, considerar a escarotomia.

  • As medidas de suporte incluem analgesia adequada e, se as queimaduras comprometerem > 20% da ASCT, suporte nutricional precoce.

  • Considerar fortemente a consulta a um centro de queimados se as queimaduras envolvem as mãos, os pés ou o períneo (segundo ou terceiro graus); totalizarem > 5% da área de superfície corporal (segundo ou terceiro graus); abrangem > 1% da ASCT (terceiro grau); ou se os pacientes têm > 60 ou < 2 anos de idade ou não estão propensos a aderir plenamente às medidas terapêuticas em casa.

  • Tratar cirurgicamente se houver alguma escara, a pressão compartimental for > 30 mmHg ou, geralmente, se as queimaduras forem de 2º ou 3º graus.

  • Em caso de infecção, aplicar antimicrobianos tópicos (para prevenção); sempre inspecionar as queimaduras (para o diagnóstico precoce das complicações); e utilizar antibióticos sistêmicos, alterar o tratamento tópico conforme necessário e, algumas vezes, desbridar a área infectada (para tratamento).

  • Começar fisioterapia e terapia ocupacional cedo para minimizar cicatrizes e contraturas.

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