Exposição e contaminação radioativa

PorJerrold T. Bushberg, PhD, DABMP, DABSNM, The National Council on Radiation Protection and Measurements
Revisado/Corrigido: nov 2022
Visão Educação para o paciente

Lesões dos tecidos por radiações ionizantes variam de acordo com a quantidade da radiação, extensão da exposição, tipo da radiação e a parte do corpo que foi exposta. Os sintomas podem ser locais (p. ex., queimaduras) ou sistêmicos (p. ex., doença aguda da radiação). O diagnóstico é feito por história da exposição e, às vezes, uso de contador de Geiger para identificar partículas alfa. Pode-se dividir as pessoas expostas à radiação em grupos de suscetibilidade de 'baixo risco' e 'alto risco', com base no grau da neutropenia e presença de comorbidades. O tratamento foca as lesões traumáticas associadas, assepsia, medidas de suporte e exposição mínima dos profissionais da saúde. Pacientes com doença aguda grave por radiação são colocados em isolamento e recebem antimicrobianos e anti-inflamatórios e suporte para a medula óssea. Inibidores de recaptação ou agentes quelantes podem ser úteis no tratamento de contaminação interna com radionucleotídeo específicos. O prognóstico é estimado pelo tempo entre a exposição e o início dos sintomas, a gravidade destes e pela contagem de linfócitos durante as 24 a 72 horas iniciais.

Radiação é emitida por elementos radioativos, como equipamentos de radiografia e radioterapia.

Tipos de radiação

A radiação inclui

  • Ondas eletromagnéticas de alta energia (raios X, raios gama)

  • Partículas (partículas alfa, beta, nêutrons)

As partículas alfa são emitidas pelo núcleo do hélio por vários radionucleotídeo com altos números atômicos (p. ex., plutônio, radio, urânio) que não podem penetrar na pele além de uma profundidade rasa (< 0,1 mm).

As partículas beta são elétrons de alta energia emitidas pelo núcleo de átomos instáveis (p. ex., césio-137, iodeto-131). Tais partículas podem penetrar mais profundamente na pele (1 a 2 cm) e causar dano epitelial e subepitelial.

Os nêutrons são partículas eletricamente neutras projetadas pelo núcleo de alguns radionucleotídeo (p. ex., califórnio-252) e produzidas em reações nucleares (p. ex., em reatores nucleares); sua profundidade de penetração no tecido varia de poucos milímetros a dezenas de centímetros, dependendo da sua energia. Colidem com os núcleos dos átomos estáveis, resultando em emissão de prótons energéticos, partículas alfa e beta e radiação gama.

Radiação gama e raios X são radiações eletromagnéticas de alta energia (isto é, fótons) e alta frequência que podem penetrar a pele por vários centímetros. Enquanto alguns fótons depositam toda sua energia no corpo, outros podem somente depositar uma fração de sua energia e outros podem, ainda, passar completamente pelo corpo sem nenhuma interação.

Devido a essas características, as partículas alfa e beta causam maior dano quando os elementos radioativos que as emitem estão dentro (contaminação interna) ou, no caso de emissores beta, diretamente no corpo; somente tecidos em contato próximo ao elemento são afetados. Raios X e raios gama podem causar danos a grandes distâncias de sua fonte e são tipicamente responsáveis por síndromes radioativas agudas. As síndromes de radiação agudas podem ser causadas por uma dose suficiente de alguns radionuclídeos depositados internamente amplamente distribuídos nos tecidos e órgãos e têm alta atividade específica. Por exemplo, o polônio-210 (Po-210) tem atividade específica de 166 terabecquerels por g (TBq/g) e 1 mcg (aproximadamente do tamanho de um grão de sal) de Po-210 libera uma dose no corpo inteiro de 50 Sv (~ 20 vezes a dose letal mediana).

Medição da radiação

Unidades de medida convencionais compreendem roentgen, gray e sievert. O roentgen (R) representa a intensidade de radiação X ou gama no ar. O gray (Gy) é a quantidade daquela energia absorvida por unidade de massa. Devido ao fato de o dano biológico por Gy variar com base no tipo de radiação (p. ex., mais alto para nêutrons do que raios X ou radiação gama), a dose em Gy é corrigida por um fator de qualidade do tipo de radiação; a dose equivalente resultante é o roentgen equivalente em man (rem). Fora dos Estados Unidos e na literatura científica, utilizam-se unidades SI (Sistema Internacional); nesse sistema, o rad é substituído pelo gray (Gy) e o rem pelo sievert (Sv); 1 Gy = 100 rad e 1 Sv = 100 rem. O rad e rem (portanto Gy e Sv) são essencialmente iguais (isto é, o fator de qualidade é igual a 1) quando descrevem radiações gama ou beta.

A quantidade (volume) de radioatividade é expressa em termos do número de desintegrações nucleares (transformações) por segundo. O becquerel (Bq) é a unidade do SI da radioatividade; um Bq é 1 desintegração por segundo (dps). A unidade convencional, Curie (Ci), algumas vezes ainda é usada nos Estados Unidos, onde um curie é 37 bilhões de Bq. Isso é equivalente a 37.000 megabecquerels (MBq) ou 37 gigabecquerels (GBq).

Tipos de exposição

A exposição à radiação pode resultar de

  • Contaminação

  • Irradiação

Contaminação radioativa é o contato e a retenção de material radioativo, geralmente na forma de líquido ou poeira. A contaminação pode ser de dois tipos

  • Externa

  • Interna

Contaminação externa ocorre em pele ou roupas, de onde pode cair ou ser retirada por atrito, contaminando outras pessoas e objetos. A contaminação interna é o material radioativo dentro do corpo, o qual pode entrar por ingestão, inalação ou através de lesões na pele. Uma vez no corpo, o material radioativo pode ser transportado para vários locais (p. ex., medula óssea), onde continua liberando radiação até ser removido ou se desintegrar.

A contaminação interna é mais difícil de ser removida. Embora a contaminação interna com qualquer radionucleotídeo seja possível, historicamente, a maioria dos casos nos quais a contaminação representava um risco significativo ao paciente envolvia um número relativamente pequeno de radionucleotídeo, como fósforo-32, cobalto-60, estrôncio-90, césio-137, iodo-131, iodo-125, radio-226, urânio-235 e 238, plutônio-238 e 239, polônio-210 e amerício-241.

Irradiação é a exposição à radiação, mas não a material radioativo (isto é, nenhuma contaminação envolvida). A exposição à radiação pode ocorrer sem que a fonte da radiação (p. ex., material radioativo, equipamento de raios X) entre em contato com a pessoa. Quando a fonte da radiação é removida ou desligada, a exposição termina. A irradiação pode envolver todo o corpo e, se a dose é alta o suficiente, pode resultar em sintomas sistêmicos e síndromes radioativas, ou envolver uma pequena parte do corpo (p. ex., de radioterapia), que pode resultar em efeitos locais. As pessoas não emitem radiação (isto é, i. e., não se tornam radioativas) após a irradiação.

Fontes de exposição

As fontes podem ser de ocorrência natural ou artificial (ver tabela Média anual de exposição à radiação nos Estados Unidos).

As pessoas estão constantemente expostas a baixos níveis de radiação natural, ou seja, radiação do ambiente. A radiação ambiental compreende a radiação cósmica e elementos radioativos presentes no ar, água e solo. A radiação cósmica é concentrada nos polos pelo campo magnético da Terra e atenuada pela atmosfera. Portanto, a exposição é maior em pessoas que vivem em grandes altitudes e durante voos de avião. Fontes terrestres de exposição à radiação externa decorrem principalmente da presença de elementos radioativos com meias-vidas comparáveis à idade da Terra (~ 4,5 bilhões de anos). Em particular, o urânio 238 e o tório 232, juntamente com várias dezenas de seus descendentes radioativos e um isótopo radioativo do potássio (K-40) existem em muitas rochas e minerais. Pequenas quantidades desses radionuclídeos estão nos alimentos, na água e no ar e, assim, contribuem para a exposição interna visto que estes radionuclídeos são invariavelmente incorporados ao corpo. A maior parte da dose de radionuclídeos incorporados internamente é de radioisótopos do carbono (C-14) e potássio (K-40) e, como esses e outros elementos (formas estáveis e radioativas) são constantemente repostos no corpo pela ingestão e inalação, há cerca de 7.000 átomos submetidos a decaimento radioativo por segundo no organismo.

A exposição interna da inalação de isótopos radioativos do gás nobre radônio (Rn-222 e Rn-220), que também são formados da série de decaimento do Urânio 238, é responsável pela maior parte (73%) da média per capita da dose de radiação que ocorre naturalmente na população dos Estados Unidos. A radiação cósmica responde por 11%, os elementos radioativos no corpo por 9% e radiação terrestre externa por 7%. Nos Estados Unidos, a dose média efetiva que as pessoas recebem é de cerca de 3 mSv/ano de fontes naturais e produzidas pelo homem (variação de ~0,5 a 20 mSv/ano). No entanto, em algumas partes do mundo, as pessoas recebem > 50 mSv/ano. As doses de radiação natural em segundo plano são muito baixas para causar lesões por radiação; elas podem resultar em pequeno aumento do risco de câncer, embora alguns especialistas pensem que não há aumento do risco.

Nos Estados Unidos, as pessoas recebem uma média de 3 mSv/ano de fontes produzidas pelo homem, a maioria delas envolvendo testes de imagem. Em uma análise per capita, a contribuição da exposição proveniente de exames clínicos por imagem é maior para tomografia computadorizada (TC) e exames de cardiologia nuclear. Contudo, procedimentos diagnósticos raramente transmitem doses suficientes para causar danos, embora haja, teoricamente, um aumento do risco de câncer. Exceções incluem certos procedimentos intervencionistas guiados por fluoroscopia (p. ex., reconstrução intravascular, embolização vascular, ablação por radiofrequência cardíaca e de tumores), os quais têm causado lesões na pele e tecidos subjacentes. A radioterapia também pode causar danos a tecidos normais que ficam perto do tecido alvo.

Uma parte muito pequena da exposição pública média resulta de precipitação radioativa de testes com armas. Acidentes podem envolver irradiadores industriais, fontes de radiografia industrial e reatores nucleares. Tais acidentes normalmente resultam de falhas nos procedimentos de segurança (p. ex., intertravamento é ignorado). Danos por radiação também foram causados pela perda ou roubo de fontes médicas ou industriais que continham grandes quantidades do radionuclídeo. As pessoas que procuram cuidado médico para esses danos podem não ter consciência de que foram expostos à radiação.

Ocorreram vazamentos não intencionais de material radioativo, incluindo da usina Three Mile Island na Pensilvânia em 1979, do reator de Chernobyl na Ucrânia em 1986 e da usina nuclear de Fukushima Daiichi no Japão em 2011.

A exposição em Three Mile Island foi mínima porque não houve violação do vaso de contenção, como ocorreu em Chernobyl, nem explosão de hidrogênio como ocorreu em Fukushima. As pessoas morando em até 1,6 km da usina de Three Mile Island receberam no máximo apenas cerca de 0,08 mSv (uma fração do que é recebido de fontes naturais em um mês).

Em contraste, as 115.000 pessoas que foram então evacuadas da área em torno da usina de Chernobyl receberam uma dose média efetiva de cerca de 30 mSv e uma dose média na tireoide de cerca de 490 mGy. As pessoas trabalhando na usina de Chernobyl no momento do acidente receberam doses significativamente mais elevadas. Mais de 30 trabalhadores e socorristas morreram meses após o acidente, e muitos mais sofreram doença por radiação aguda. Baixo nível de radiação deste acidente atingiu outras regiões da Europa, Ásia e (em menor escala) a América do Norte. A média de exposição cumulativa da população geral em várias regiões afetadas da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia nos primeiros 20 anos após o acidente foi estimada em cerca de 9 mSv.

O terremoto e o tsunami no Japão em 2011 causaram vazamento de material radioativo no meio-ambiente de vários reatores da usina nuclear de Fukushima Daiichi. Não houve lesões graves por radiação nos trabalhadores no local. Entre cerca de 400.000 habitantes na província de Fukushima, a dose efetiva estimada (baseada em entrevistas e modelos de reconstrução da dose) foi < 2 mSv para 95% das pessoas e < 5 mSv para 99,8%. As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) foram um pouco mais altas por causa das suposições intencionalmente mais conservadoras em relação à exposição. Estimou-se que a dose efetiva nos municípios não imediatamente adjacentes a Fukushima foram entre 0,1 a 1 mSv, e a dose para as populações fora do Japão foram insignificantes (< 0,01 mSv).

A exposição mais significativa de uma população à radiação ocorreu após a detonação das duas bombas atômicas sobre o Japão em agosto de 1945, que causou cerca de 110.000 mortes por trauma imediato da explosão e do calor. Um número muito menor (< 1.000) do excesso de mortes decorrentes de câncer induzido por radiação ocorreu ao longo dos 70 anos subsequentes. A vigilância permanente da saúde dos sobreviventes continua a ser uma das fontes mais importantes de estimativas do risco de câncer induzido por radiação.

Enquanto vários casos criminosos de contaminação intencional de indivíduos foram relatados, a exposição da população como resultado de atentados terroristas não aconteceu, mas é uma preocupação. Um cenário possível envolve o uso de dispositivos para contaminar uma área pela dispersão de material radioativo (p. ex., de uma fonte de radioterapia ou industrial com descarte de césio-137 ou cobalto-60). Um dispositivo de dispersão da radiação (DDR) que utiliza explosivos convencionais é chamado bomba suja. Outros cenários terroristas incluem a utilização de uma fonte de radiação escondida para atingir pessoas insuspeitas a grandes doses de radiação, ataque a reatores nucleares ou locais de estocagem de material radioativo e detonação de armas nucleares [p. ex., um dispositivo nuclear improvisado (DNI), uma arma roubada].

Tabela

Fisiopatologia da exposição e contaminação radioativa

A radiação ionizante danifica o DNA, RNA e diretamente as proteínas, mas, com mais frequência, o dano a essas moléculas é indireto, causado pelos radicais livres altamente reativos gerados pela interação da radiação com moléculas de água intracelulares. Grandes doses de radiação podem causar morte celular, e doses mais baixas podem interferir nos sistemas de reparo molecular endógeno, na homeostase e na proliferação celular. Os danos a esses e outros componentes celulares podem resultar em hipoplasia progressiva, atrofia e, com o tempo, fibrose dos tecidos. Entretanto, agora está claro que a morte celular por si só não é capaz de explicar muitas reações teciduais, porque essas reações também dependem de eventos complexos como reações inflamatórias, oxidativas crônicas e imunes, bem como danos à vasculatura e matriz extracelular. Em geral, reações precoces, como na pele e no trato gastrointestinal, envolvem a morte das células-tronco/progenitoras precoces que suprem as células funcionais maduras no tecido, bem como reações inflamatórias. Por outro lado, reações tardias (p. ex., pulmonares, renais e cerebrais) envolvem interações complexas e dinâmicas entre múltiplos tipos de células nos tecidos e órgãos e incluem células imunes infiltrativas, produção de citocinas e fatores de crescimento, muitas vezes em cascatas cíclicas persistentes, e estresse oxidativo crônico.

Fatores que afetam a resposta

A resposta biológica à radiação varia com

  • Radiossensibilidade tecidual

  • Dose

  • Dose

  • Duração da exposição

  • Grau da resposta inflamatória

  • Idade do paciente

  • Comorbidades

  • Existência de doenças genéticos por defeito de reparo do DNA (p. ex., ataxia-telangiectasia, síndrome de Bloom, anemia de Fanconi)

Células e tecidos se diferem em sua radiossensibilidade. Em geral, as células indiferenciadas e as que têm altas taxas mitóticas (p. ex., células-tronco, células cancerosas) são particularmente vulneráveis à radiação. Como a radiação deteriora células-tronco que se dividem rapidamente em vez de células maduras mais resistente, normalmente há um período entre a exposição à radiação e lesão visível. O dano não se manifesta até que uma fração significativa das células maduras morra de senescência natural e, devido a perda das células-tronco, não são repostas.

A sensibilidade celular em ordem descrescenteendente de sensibilidade é

  • Células linfoides

  • Células germinativas

  • Células proliferantes da medula óssea

  • Células epiteliais intestinais

  • Células tronco epidérmicas

  • Células hepáticas

  • Epitélio dos alvéolos pulmonares e vias biliares

  • Células epiteliais dos rins

  • Células endoteliais (pleura e peritônio)

  • Células do tecido conjuntivo

  • Células ósseas

  • Células musculares, cerebrais e da coluna espinhal

A dose exata em que o efeito tóxico ocorre depende do tempo de exposição e do período de tempo da liberação. Uma única dose rápida e alta é mais lesiva que a mesma dose administrada por semanas ou meses. A reação a ela também depende da amplitude de área exposta do corpo. Doença significativa é certa, e morte é possível, após irradiação de corpo inteiro de > 4,5 Gy liberada ao longo de um curto período de tempo (minutos a horas); entretanto, 10s de Gy podem ser bem tolerados quando liberados por um longo período de tempo em uma pequena área do tecido (p. ex., para tratamento de câncer).

Outros fatores podem aumentar a sensibilidade do dano. Crianças são mais suscetíveis a danos por radiação por terem maior taxa de proliferação celular. Pessoas que são homozigotas para gene ataxia-telangiectasia mostram maior sensibilidade para danos por radiação. Distúrbios, como os do tecido conjuntivo e diabetes, podem aumentar a sensibilidade a lesões por radiação. Alguns fármacos e agentes quimioterápicos (p. ex., actinomicina D, doxorrubicina, bleomicina, 5-fluorouracila, metotrexato) também podem aumentar a sensibilidade à lesão por radiação. Alguns agentes quimioterápicos (p. ex., doxorrubicina, etoposídeo, paclitaxel, epirrubicina), antibióticos (p. ex., cefotetana), estatinas (p. ex., sinvastatina) e preparações fitoterápicas podem produzir reação cutânea inflamatória no local da irradiação prévia (reação de recordação da radiação) semanas a anos após a exposição no mesmo local (1).

Efeitos carcinogênicos, teratogênicos e hereditários

Dano genético induzido por irradiação em células somáticas pode resultar em transformação maligna, enquanto exposição no útero pode levar a efeitos teratogênicos e danificar as células germinativas levanta a possibilidade teórica de defeitos genéticos transmissíveis.

Estima-se que a exposição de partes protegidas do corpo todo a 0,5 Gy aumenta a média do risco de câncer na vida de um adulto em aproximadamente 22% a 24,5%, um aumento de 11% do risco relativo, mas um aumento de somente 2,5% do risco absoluto. A probabilidade de desenvolver câncer decorrente das doses normalmente encontradas (isto é, radiação de fundo e testes de imagem típicos [ver Riscos da radiação ionizante]) é muito menor e pode ser zero. As estimativas de maior risco de câncer induzido por radiação como resultado das doses tipicamente baixas experimentadas pelas pessoas na proximidade dos incidentes do reator, como em Fukushima, foram feitas por extrapolação para baixo a partir efeitos conhecidos de doses muito mais altas. O efeito teórico resultante muito pequeno é multiplicado por uma grande população para dar o que pode parecer ser um número preocupante de mortes adicionais por câncer. A validade destas extrapolações não pode ser confirmada porque o aumento hipotético do risco é muito pequeno para ser detectado em estudos epidemiológicos, e a possibilidade de que não haja nenhum aumento no risco de câncer devido a essa exposição não pode ser excluída.

Crianças são mais suscetíveis por terem um número maior de futuras divisões celulares e tempo de vida mais longo, durante o qual o câncer pode se manifestar. Estima-se que a TC do abdome feita em uma criança de 1 ano de idade aumente o risco absoluto estimado de câncer durante a vida desta criança em cerca de 0,1%. Os radionuclídeos que são incorporados a tecidos específicos são potencialmente carcinogênicos nesses locais (p. ex., o acidente com o reator nuclear de Chernobyl resultou em aumento substancial do consumo de iodo radioativo em decorrência do consumo de leite contaminado, e o subsequente excesso de casos de câncer de tireoide ocorreu entre crianças expostas).

O feto é excepcionalmente suscetível à danos por altas doses de radiação. No entanto, em doses < 100 mGy os efeitos teratogênicos são improváveis. O risco fetal de radiação por doses típicas de testes de imagem que as gestantes tendem a fazer é muito pequeno comparado ao risco geral de defeitos de nascença (2 a 6% observados ao nascimento) e o benefício potencial do diagnóstico pelo exame. O maior risco de ter câncer como resultado da exposição à radiação no útero é aproximadamente o mesmo daquele da exposição à radiação nas crianças, que é cerca de 2 a 3 vezes o risco para adultos de 5%/Sv.

Os potenciais riscos da exposição à radiação exigem avaliar cuidadosamente a necessidade de (ou alternativas a) exames de imagem envolvendo radiação, otimizar a exposição do corpo à radiação e a pergunta clínica sendo feita, bem como atenção ao uso de procedimentos adequados de proteção contra a radiação, especialmente em crianças e gestantes.

Danos às células reprodutoras mostraram causar anomalias de nascença na descendência de vários animais irradiados. No entanto, efeitos hereditários não foram encontrados nos filhos de pessoas expostas à radiação, incluindo os descendentes de sobreviventes da bomba atômica no Japão ou os descendentes de sobreviventes de câncer tratados com radioterapia. A dose média para os ovários foi de ~ 0,5 Gy e para os testículos 1,2 Gy.

Referência sobre fisiopatologia

  1. 1. Balter S, Hopewell JW, Miller DL, et al: Fluoroscopically guided interventional procedures: A review of radiation effects on patients' skin and hair. Radiology 254(2):326-341, 2010. doi:10.1148/radiol.2542082312

Sinais e sintomas da exposição e contaminação radioativa

As manifestações dependem do fato de a exposição à radiação atingir todo o corpo (síndrome da radiação aguda) ou uma pequena porção dele (radiação focal).

Síndromes de radiação aguda (SRA)

Depois que todo o corpo ou uma grande parte dele recebe uma alta dose de radiação penetrante, diversas síndromes distintas podem ocorrer:

  • Síndrome cerebral

  • Síndrome gastrintestinal

  • Síndrome hematopoiética

Essas síndromes apresentam 3 fases diferentes:

  • Fase prodrômica (minutos a 2 dias após a exposição) com letargia e sintomas gastrintestinal (náuseas, anorexia, vômitos e diarreia).

  • Fase latente assintomática (horas a 21 dias após a exposição)

  • Fase de doença sistêmica evidente (horas a > 60 dias após a exposição): a doença é classificada de acordo com o principal sistema orgânico acometido

A dose de radiação determina qual síndrome se desenvolve e qual é sua gravidade e velocidade de progressão (ver tabela Efeitos da radiação de corpo inteiro decorrentes da radiação externa ou absorção interna). Sintomas e tempo de evolução são regularmente consistentes para uma dada dose de radiação, podendo, portanto, ser usados para estimar a exposição à radiação.

A síndrome cerebral, manifestação dominante das doses extremamente altas de radiação por todo o corpo (> 30 Gy) é sempre fatal. Os pródromos se desenvolvem em minutos a 1 hora após a exposição. Há pouca ou nenhuma fase latente. Os pacientes desenvolvem tremores, convulsões, ataxia, edema cerebral e morte dentro de algumas horas a 1 ou 2 dias.

A síndrome gastrintestinal é a manifestação dominante após doses de cerca de 6 a 30Gy em todo o corpo. Sintomas prodrômicos, frequentemente acentuados, desenvolvem-se em 1 hora e desaparecem em 2 dias. Durante o período latente de 4 a 5 dias, as células da mucosa gastrintestinalmorrem. A morte celular é seguida por náuseas intratável, vômitos e diarreia, que conduzem à grave desidratação e desequilíbrio eletrolítico, diminuindo o volume plasmático e causando colapso vascular. Necrose intestinal também pode ocorrer, predispondo à perfuração intestinal, bacteremia e sepse. A morte é comum. Pacientes que receberam > 10Gy podem ter sintomas cerebrais (sugerindo dose letal). A morte é comum; os sobreviventes podem desenvolver síndrome hematopoiética.

A síndrome hematopoiética é a manifestação dominante após doses de 1 a 6Gy em todo o corpo e consiste em pancitopenia generalizada. Leve pródromo pode se iniciar após 1 a 6 horas, permanecendo por 24 a 48 horas. Células da medula óssea são afetadas imediatamente, mas as células sanguíneas maduras em circulação não são grandemente afetadas. Linfócitos circulantes são uma exceção e linfopenia pode ser evidente horas ou dias após a exposição. Como as células em circulação morrem por senescência, elas não são substituídas em número suficiente, resultando, portanto, em pancitopenia. Assim, os pacientes permanecem assintomáticos durante um período latente de até 4,5 semanas após uma dose de 1 Gy à medida que aumenta o impedimento da hematopoese. O risco de várias infecções aumenta como resultado de neutropenia (mais proeminente em 2 a 4 semanas) e diminui a produção de anticorpos. Petéquia e sangramento das mucosas resultam de trombocitopenia, que se desenvolve em 3 a 4 semanas e pode persistir por meses. Anemia se desenvolve lentamente, pois os eritrócitos preexistentes têm mais tempo de vida que leucócitos e plaquetas. Os sobreviventes têm aumento da incidência de câncer induzido por radiação, incluindo leucemias.

Tabela

Lesão cutânea por radiação é lesão na pele e nos tecidos subjacentes decorrente de doses de radiação agudas tão baixas quanto 3 Gy (ver tabela Lesão focal por radiação). A lesão cutânea por radiação pode ocorrer com síndromes de radiação agudas ou com exposição à radiação focal e varia de eritema transitório leve à necrose. Efeitos posteriores (> 6 meses após exposição) incluem hiperpigmentação e hipopigmentação, fibrose progressiva e telangiectasia difusa. Pele atrófica fina pode ser facilmente danificada por leve trauma mecânico. Pele exposta tem o risco aumentado de carcinoma de células escamosas. Em particular, a possibilidade da exposição à radiação deve ser considerada quando os pacientes apresentam queimadura na pele dolorida e que não cicatriza sem história de lesão térmica.

Lesão focal por radiação

Radiação perto de qualquer órgão pode causar efeitos adversos agudos e crônicos (ver tabela Lesão por radiação focal). Na maioria dos pacientes, esses efeitos adversos resultam de radioterapia. Outras fontes comuns de exposição incluem contato involuntário com irradiadores de comida sem segurança, equipamento de radioterapia, equipamento de difração de raios X e outras fontes de radiação industriais e médicas capazes de produzir altas doses. Além disso, a exposição prolongada aos raios X durante certos procedimentos de intervenção feitos sob orientação fluoroscópica pode resultar em lesão cutânea por radiação. Feridas ou úlceras induzidas por radiação podem levar meses ou anos para se desenvolver completamente. Pacientes com lesão cutânea grave por radiação apresentam dor intensa e muitas vezes precisam de intervenção cirúrgica.

Tabela

Diagnóstico da exposição à radiação e contaminação

  • Sintomas, gravidade e latência dos sintomas

  • Contagem sérica absoluta dos linfócitos e níveis de amilase sérica

O diagnóstico é feito pela história da exposição, sinais e sintomas e testes de laboratório. O início, o tempo e a gravidade dos sintomas podem ajudar a determinar a quantidade da radiação e, dessa forma, também ajuda a fazer a triagem dos pacientes em relação às prováveis consequências. No entanto, alguns sintomas prodômicos (p. ex., náuseas, vômito, diarreia, tremores) não são específicos e outras causas além da radiação devem ser consideradas. Muitos pacientes sem exposição suficiente para causar síndromes agudas de radiação podem apresentar sintomas similares e não específicos, particularmente após um ataque terrorista ou acidente com reator, quando o nível de ansiedade é alto.

Após exposição aguda à radiação, hemograma completo (HC) com diferencial e contagem absoluta dos linfócitos são feitos e repetidos a cada 24, 48 e 72 horas depois da exposição para estimar a dose inicial de radiação e o prognóstico (ver tabela Relação entre a contagem absoluta de linfócitos, a dose de radiação e o prognóstico). A relação entre a dose e contagem de linfócitos pode estar alterada por trauma físico, o qual pode deslocar os linfócitos dos espaços intersticiais para a vasculatura e, assim, aumentar a contagem (1, 2). Esse aumento relacionado com o estresse é transitório e normalmente se resolve em 24 a 48 horas após a lesão física. Essa elevação transitória na contagem de linfócitos pode sugerir um prognóstico falsamente otimista, até que a contagem de linfócitos caia. O hemograma é repetido semanalmente para monitorar a atividade da medula óssea e, quando necessário, com base na evolução clínica. Os níveis séricos de amilase aumentam de acordo com a dose, começando 24 horas após uma exposição significativa à radiação, portanto, os níveis são medidos no início e depois diariamente. Outros exames laboratoriais são feitos se viáveis:

  • Nível de proteína C reativa (CRP): os níveis de CRP aumentam de acordo com a dose de radiação; estes níveis parecem promissores para diferenciar entre os pacientes com exposição mínima e intensa.

  • Níveis séricos de citrulina no sangue: a diminuição dos níveis de citrulina indicam lesão gastrintestinal.

  • Os níveis de ligantes de tirosina-quinase-3 (FLT-3) relacionados com a fms no sangue: FLT-3 são marcadores de comprometimento hematopoético.

  • Interleucina-6 (IL-6): esse marcador de inflamação aumenta com doses mais altas de radiação.

  • Teste quantitativo do fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF, do inglês Granulocyte Colony-Stimulating Factor): seus níveis aumentam com doses mais elevadas de radiação.

  • Estudos citogenéticos com índice mais alto de dispersão: utilizam-se esses estudo para avaliar a exposição parcial do corpo.

Tabela

Contaminação radioativa

Quando há suspeita de contaminação, o corpo inteiro é examinado com um contador Geiger-Muller de janela delgada conectado a um medidor de radiação (contador Geiger) para identificar a localização e a extensão da contaminação externa. Adicionalmente, para detectar possível contaminação interna, narinas, orelhas, boca e feridas são esfregadas com swabs úmidos, os quais são, depois, testados com o contador. Urina, fezes e material do vômito também devem ser testados para radioatividade.

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. Toft P, Tønnesen E, Helbo-Hansen HS, et al: Redistribution of granulocytes in patients after major surgical stress. APMIS 102(1):43-48, 1994. doi: 10.1111/j.1699-0463.1994.tb04843.x

  2. 2. DeRijk R, Michelson D, Karp B, et al: Exercise and circadian rhythm-induced variations in plasma cortisol differentially regulate interleukin-1 beta (IL-1 beta), IL-6, and tumor necrosis factor-alpha (TNF alpha) production in humans: high sensitivity of TNF alpha and resistance of IL-6. J Clin Endocrinol Metab82(7):2182-2191, 1997. doi: 10.1210/jcem.82.7.4041

Prognóstico para exposição à radiação e contaminação

Sem tratamento médico, a LD50/60 (dose fatal para 50% dos pacientes dentro de 60 dias) para radiação de todo o corpo é de cerca de 3Gy; a exposição a > 6 Gy ou mais é quase sempre fatal. Quando a exposição é < 6Gy, a sobrevida é possível e é inversamente relatada à dose total. O tempo para morte é, também, inversamente proporcional à dose. A morte ocorre de algumas horas a poucos dias na síndrome cerebrovascular e, geralmente, dentro de 2 dias a várias semanas na síndrome gastrintestinal. Na síndrome hematopoiética, a morte pode ocorrer dentro de 4 a 8 semanas devido à superveniente infecção ou hemorragia maciça. Pacientes expostos por todo o corpo a doses < 2Gy devem se recuperar em 1 mês, apesar das sequelas a longo prazo (p. ex., câncer) que podem ocorrer.

Com tratamento médico, a LD-50/60 é 6 Gy. Ocasionalmente, os pacientes têm sobrevivido a exposições de mais de 10 Gy. Comorbidades significativas, lesões e queimaduras pioram o prognóstico.

Tratamento da exposição à radiação e contaminação

  • Tratamento de lesões traumáticas graves ou condições que ameaçam a vida primeiro

  • Minimização da exposição à radiação e contaminação dos profissionais da saúde

  • Tratamento de contaminação externa e interna

  • Às vezes, medidas específicas para determinados radionucleotídeo

  • Precauções e tratamento em caso de comprometimento do sistema imunitário

  • Minimizar a resposta inflamatória

  • Cuidados de suporte

A exposição à radiação pode ser acompanhada por danos físicos (p. ex., decorrentes de queimaduras, explosões, quedas). Traumas associados impõe maior risco imediato à vida do que a exposição à radiação e devem ser tratados rapidamente (ver Abordagem ao paciente com trauma; avaliação e tratamento). A reanimação de pessoas gravemente lesadas tem mais prioridade que os esforços para assepsia e não deve ser retardada pela espera de equipamentos e pessoal altamente especializado. Precauções padronizadas universalmente, utilizadas de forma rotineira nos cuidados de trauma, protegem adequadamente a equipe de reanimação.

Informações confiáveis e extensivas sobre os princípios das lesões por radiação, incluindo o tratamento, estão disponíveis no site do US Department of Health and Human Services Radiation Event Medical Management (http://remm.nlm.gov). O download dessas informações pode ser feito para um computador ou celular, caso a conexão com a internet seja perdida durante um acidente de radiação. As diretrizes de consenso de manejo clínico para o tratamento ideal das síndromes de radiação agudas (SRA) foram desenvolvidas por uma agência de consultoria internacional de especialistas convocada pela Organização Mundial da Saúde para analisar a qualidade das evidências que corroboram as várias diretrizes de tratamento (ver tabela Tratamento das síndromes de radiação agudas [SRA]).

Dicas e conselhos

  • Traumas associados impõe maior risco imediato à vida do que a exposição à radiação e devem ser tratados rapidamente. Precauções padronizadas universalmente, utilizadas de forma rotineira nos cuidados de trauma, protegem adequadamente a equipe de reanimação.

Tabela

Preparação

Agências credenciadas ordenam que todos os hospitais tenham protocolos e que o pessoal tenha treino para tratar contaminação radioativa. Ao se identificar a contaminação radioativa em um paciente, deve-se isolá-lo prontamente em uma área designada, descontaminá-lo e notificar um oficial de segurança em radiação do hospital, oficiais da saúde pública, equipes de materiais perigosos e agências executoras das leis apropriadas para investigar a fonte da radioatividade.

Se prático, as áreas superficiais devem ser tratadas com cobertura de filmes plásticos para facilitar a descontaminação. Essa preparação nunca deve ter precedência em relação aos procedimentos médicos de estabilização. Recipientes para lixo (com rótulos de “Cuidado, Material Radioativo”), recipientes de amostras e contadores Geiger devem estar prontamente disponíveis. Todos os equipamentos que tiverem contato com quarto ou paciente (incluindo o equipamento da ambulância) devem ficar isolados até que se verifique a ausência de contaminação. Uma exceção é uma situação de acidente de massa durante o qual equipamentos críticos levemente contaminados, como helicópteros, ambulâncias, salas de trauma, salas de raios X, TC e cirúrgicas, devem ser rapidamente descontaminados para que os serviços sejam retomados.

Os funcionários envolvidos no tratamento e transporte dos pacientes precisam seguir as precauções padrão, usando capas, máscaras, roupões, luvas e proteção nos sapatos. As roupas protetoras usadas devem ser colocadas em sacos ou recipientes especialmente identificados. Distintivos com dosímetro devem ser usados para monitorar a exposição à radiação. A rotatividade dos funcionários é indicada para minimizar a exposição e grávidas precisam ser excluídas da área de tratamento.

Devido à antecipação das baixas taxas de exposição de muitos pacientes contaminados, os funcionários que cuidam de pacientes típicos provavelmente não recebem doses ocupacionais que excedam o limite de 0,05 Sv/ano. Mesmo no caso extremos do acidente do reator nuclear em Chernobyl, a equipe médica que tratou os pacientes no hospital receberam < 0,01 Sv. Várias fontes confiáveis sugerem que uma dose de até 0,5 Gy pode ser considerada como um risco aceitável para salvar vidas.

Descontaminação externa

A sequência típica e prioridades são

  • Remover as roupas e fragmentos externos

  • Descontaminação das feridas antes da assepsia da pele intacta

  • Limpar as áreas mais contaminadas primeiro

  • Uso de contadores geiger para monitorar o progresso da assepsia

  • Assepsia contínua até que as áreas estejam < 2 a 3 vezes nos níveis de radiação anteriores e não haja redução significativa dos esforços de assepsia

As roupas são removidas com cuidado para minimizar a disseminação da contaminação e são colocadas em recipientes apropriadamente rotulados. A remoção das roupas elimina cerca de 90% da contaminação externa. Objetos estranhos são considerados contaminados até que sejam verificados pelo contador Geiger.

As feridas são descontaminadas antes da pele intacta; elas são irrigadas com soro fisiológico e gentilmente esfregadas com uma esponja cirúrgica. O desbridamento mínimo das bordas das feridas pode ser feito se houver contaminação residual após múltiplas tentativas de limpeza. O desbridamento para além da margem da ferida não é necessário, embora estilhaços radioativos incorporados possam ter taxas altas de exposição radioativa e, portanto, devem ser removidos com uma pinça ou dispositivo semelhante e colocados em um recipiente de chumbo.

Pele e pelos contaminados são lavados com água morna e detergente suave até que a contagem da radioatividade indique níveis 2 a 3 vezes abaixo do nível de radiação normal antecedente, ou até que sucessivas lavagens não signifiquem redução dos níveis de contaminação. Todas as feridas são cobertas durante a lavagem para evitar a introdução de material radioativo. A fricção deve ser firme, mas não deve abrasar a pele. Atenção especial é, geralmente, exigida para unhas e dobras da pele. Os pelos que continuam contaminados são removidos com tesouras ou cortadores elétricos; a raspagem é evitada. Induzir o suor (p. ex., colocando uma luva de borracha por cima da mão contaminada) pode ajudar a remover contaminação residual da pele.

Deve-se lavar as feridas gentilmente em vez de esfregá-las porque esfregar pode aumentar a gravidade da lesão. A troca subsequente dos curativos ajuda a remover contaminação residual.

Descontaminação não é necessária para pacientes que foram irradiados por fonte externa e que não estejam contaminados.

Descontaminação interna

Material radioativo ingerido deve ser removido prontamente com indução de vômito ou lavagem, caso a exposição tenha sido recente. A frequente lavagem da boca com soro fisiológico ou peróxido de hidrogênio diluído é indicada na contaminação oral. A exposição ocular é descontaminada dirigindo-se jato de água ou soro fisiológico lateralmente, para evitar a contaminação do ducto nasolacrimal.

A urgência e importância de usar medidas mais específicas dependem do radionucleotídeo específico envolvido e quantidade; sua forma química e características metabólicas (p. ex., solubilidade, afinidade para órgãos alvo específicos), a rota da contaminação (p. ex., inalação, ingestão, feridas contaminadas) e a eficácia do método terapêutico. A decisão de tratar a contaminação interna requer conhecimento dos potenciais riscos; recomenda-se consulta a um especialista [p. ex., Centers for Disease and Control and Prevention (CDC) ou Radiation Emergency Assistance Center/Training Site (REAC/TS)].

Métodos atuais para remover contaminantes radioativos do corpo incluem

  • Saturação do órgão alvo (p. ex., iodeto de potássio [KI] para isótopos de iodo) (ver CDC: Potassium Iodide [KI])

  • Quelação no local da entrada ou nos fluídos corporais seguida de rápida excreção [p. ex., dietileno-triaminopentacetato de zinco ou de cálcio (DTPA) para amerício, califórnio, plutônio e ítrio] (ver CDC: DTPA)

  • Aceleração do ciclo metabólico dos radionucleotídeos por diluição de isótopos (p. ex., água para hidrogênio-3)

  • Precipitação dos radionucleotídeo no lúmen intestinal seguido de excreção fecal (p. ex., soluções de fosfato de cálcio ou alumínio para estrôncio-90)

  • Troca de íons no trato gastrintestinal (p. ex., azul da prússia para césio 137, rubídio-82, tálio-201) (ver CDC: Prussian Blue)

Como um acidente grave no reator de uma usina nuclear que libera produtos de fissão no ambiente poderia expor muitas pessoas ao radioiodo, a remoção do corpo usando iodeto de potássio oral foi estudada detalhadamente. O iodeto de potássio satura os receptores de iodo da tireoide; isso impede que a glândula absorva iodo radioativo, que é a principal causa de morbidade. Iodeto de potássio é > 95% eficaz quando administrado oportunamente (1 horas antes da exposição). No entanto, a efetividade diminui significantemente ao longo do tempo (~80% eficaz 2 horas após a exposição e a administração depois de mais de 24 da exposição não oferecerá nenhuma proteção). Pode-se administrar iodeto de potássio na forma de comprimidos ou como solução supersaturada [dosagem: adultos e crianças > 68 kg, 130 mg; 3 a 18 anos de idade (< 68 kg), 65 mg; 1 a 36 meses de idade, 32 mg; < 1 mês de idade, 16 mg]. O composto só é eficaz em caso de contaminação interna com iodetos radioativos e não tem nenhum benefício para a contaminação interna por quaisquer outros elementos radioativos. Muitos outros fármacos usados para remover radiação do corpo são menos eficazes e reduzem a dose do paciente somente de 25 a 75%. As contraindicações a iodeto de potássio são alergia a iodo e algumas doenças cutâneas associadas à sensibilidade ao iodo (p. ex., dermatite herpetiforme, vasculite e urticária).

Tratamento específico

Se necessário, tratamento sintomático é dado e inclui controle do choque e da anoxia, aliviando-se dor e ansiedade e administrando-se sedativos (lorazepam, 1 a 2 mg por via intravenosa IV], conforme necessário) para controlar convulsões, antieméticos (metoclopramida, 10 a 20 mg IV, a cada 4 a 6 horas; proclorperazina, 5 a 10 mg IV, a cada 4 a 6 horas ou ondansetrona, 4 a 8 mg IV, a cada 8 a 12 horas) para controlar vômito e agentes antidiarreicos orales (caulim/pectina, 30 a 60 mL, para cada evacuação com fezes diarreicas ou loperamida, 4 mg inicialmente, depois 2 mg, para cada surto de fezes diarreicas) para controlar a diarreia.

Não há tratamento específico para síndrome cerebral. Por ser universalmente fatal, os cuidados devem visar o conforto do paciente.

A síndrome gastrintestinal é tratada com intensa reanimação volêmica e de eletrólitos. A nutrição parenteral deve ser iniciada para promover repouso intestinal. Se o paciente estiver febril, antibiótico de largo espectro (p. ex., imipeném, 500 mg IV, a cada 6 horas) deve ser introduzido imediatamente. Todavia, o choque séptico por infecção secundária permanece a mais provável causa de morte.

O tratamento da síndrome hematopoiética é semelhante ao de hipoplasia de medula e de pancitopenia por qualquer causa. Produtos sanguíneos devem ser transfundidos para tratar anemia e trombocitopenia; fatores de crescimento hematopoéticos (fator estimulador de colônias granulocíticas e fator estimulador de colônias granulocíticas-macrofágicas) e antibióticos de largo espectro devem ser administrados para tratar neutropenia e febre neutropênica, respectivamente (ver Tratamento da neutropenia e linfocitopenia). Pacientes neutropênicos precisam também ser colocados em isolamento para reversão do quadro. São poucas as probabilidades de a medula óssea se recuperar com doses de radiação > 4Gy, e os fatores de crescimento hematopoéticos devem ser administrados tão logo quanto possível. Pode-se usar filgrastim para o tratamento da mielossupressão por radiação. Transplantes de células germinativas apresenta sucesso limitado, mas deve-se considerá-los para exposições > 7 a 10 Gy.

Citocinas podem ser úteis. Os fármacos e as doses recomendados são

  • Filgrastim (G-CSF) 10 microgramas por quilograma de peso do paciente (10 mcg/kg) diariamente por injeção subcutânea. Deve ser administrado o mais rápido possível após suspeita ou confirmação de exposição a doses de radiação maiores que 2 gray (Gy).

  • Sargramostim [fator estimulador de colônias de macrófagos e/ou granulócitos (GM-CSF)], 5 a 10 mcg/kg por via subcutânea uma vez ao dia ou 200 a 400 mcg/m2 por via subcutânea uma vez ao dia

  • Pegfilgrastim (G-CSF peguilado) 6 mg por via subcutânea dose única

Feridas ou úlceras induzidas por radiação que não cicatrizam satisfatoriamente podem ser curadas com enxerto de pele ou outros procedimentos cirúrgicos.

Além do monitoramento regular para sinais de doença (p. ex., exame oftalmológico para catarata, estudos de função tireoidiana para doença da tireoide), não há monitoramento, triagem ou tratamento específico para lesão em órgão ou câncer.

Prevenção da exposição à radiação e contaminação

Proteção da exposição à radiação é obtida evitando a contaminação com material radioativo, por meio de minimização do tempo de exposição, maximização da distância da fonte e utilização de blindagem. Durante alguns procedimentos de imagem que envolvem radiação ionizante e durante a radioterapia, partes do corpo que estão próximas, mas não são o alvo do procedimento de imagem ou terapia, deve ser protegidos na medida do possível com chumbo.

Embora a blindagem de funcionários reduza a exposição a raios X que espalham baixa energia, esses aventais e blindagens são inúteis para reduzir a exposição aos raios gama de alta energia produzidos por radionuclídeos que provavelmente seriam usados em um incidente terrorista ou liberados em um acidente em usina nuclear. Nesses casos, medidas que possam minimizar a exposição incluem o uso de precauções padrão, esforços para assepsia e manutenção da distância dos pacientes contaminados quando não estiverem cuidando deles.

Todas as pessoas que trabalham com radioatividade devem usar distintivos com dosímetros e se estiverem em risco de exposição > 10% da dose máxima permitida (0,05 Sv). Dosímetros eletrônicos com display de leitura ajudam a monitorar a dose cumulativa recebida durante um incidente.

Resposta pública

Após a disseminação da contaminação ambiental de alto nível por acidente em uma usina nuclear ou liberação intencional de material radioativo, a exposição pode ser reduzida

  • abrigando-se no local

  • Evacuação da área contaminada

A melhor abordagem depende de muitas variáveis específicas do evento, incluindo

  • Tempo transcorrido desde a liberação inicial

  • Se a liberação foi interrompida ou está em andamento

  • Condições meteorológicas

  • Disponibilidade e tipo de abrigo

  • Condições de evacuação (p. ex., tráfego, disponibilidade de transporte)

O público deve seguir as recomendações das autoridades locais de saúde pública como fornecidas em sistemas de notificação de alerta de emergência. Em caso de dúvida, abrigo adequado é a melhor opção até que informações adicionais estejam disponíveis. Se a recomendação for abrigo, o centro de uma estrutura de concreto ou metal, acima ou abaixo do térreo (p. ex., em um porão), é o mais indicado. Se o evento é a detonação de uma arma nuclear, abrigar-se assim que encontrar um abrigo eficaz nas primeiras horas após a detonação e então seguir o conselho dos agentes locais de resposta a emergências.

Mensagens consistentes e concisas de oficiais de saúde pública podem ajudar a reduzir pânico desnecessário e reduzir o número de visitas aos prontos-socorros de pessoas com baixo risco, evitando, dessa forma, que o departamento de emergência fique sobrecarregado. Esse plano de comunicação deve ser desenvolvido antes de qualquer acontecimento. Um plano para diminuir a demanda de recursos do serviço de emergência fornecendo um local alternativo para os primeiros-socorros, também recomendam-se assepsia e orientação das pessoas sem problemas de saúde imediatos.

Pessoas vivendo dentro de um raio de 16 km de uma usina nuclear devem, também, ser monitoradas quanto a sinais de excessiva exposição à iodeto de potássio. Estes comprimidos podem ser obtidos nas farmácias locais e em algumas agências de saúde pública.

Medicamentos preventivos

Muitos medicamentos radioprotetores, como compostos de tiol com propriedades de eliminação de radicais livres, provaram reduzir a mortalidade quando administrados antes ou no momento da irradiação em pacientes submetidos à quimioterapia e/ou radioterapia. São necessárias pesquisas adicionais para comprovar o benefício das exposições não clínicas à radiação (p. ex., acidentes em usinas nucleares).

Amifostina é um poderoso agente radioprotetor injetável nessa categoria. É administrado clinicamente para prevenir a xerostomia em pacientes submetidos à radioterapia. Os efeitos colaterais são náuseas e vômitos, hipotensão e diminuição dos níveis séricos de cálcio. Exposição do feto a esse fármaco pode causar defeitos congênitos.

A palifermina, um fator de crescimento epitelial mucocutâneo, é uma versão modificada de uma proteína humana de ocorrência natural chamada fator de crescimento de queratinócitos (KGF), que é fabricada em laboratório. É usada para reduzir as chances de desenvolver mucosite grave e diminuir a duração da mucosite em pacientes que recebem altas doses de quimioterapia e radioterapia, seguidas de resgate de células-tronco. A palifermina pode interagir com a heparina, de modo que deve-se lavar as vias intravenosas com soro fisiológico antes e depois da administração de palifermina. Os efeitos adversos são erupções cutâneas, pancreatite, febre e edema periférico. Exposição do feto a esse fármaco pode causar defeitos congênitos. Sua posologia é de 60 mcg/kg, uma vez ao dia.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. Singh VK, Seed TM: The efficacy and safety of amifostine for the acute radiation syndrome. Expert Opin Drug Saf 18(11):1077-1090, 2019. doi: 10.1080/14740338.2019.1666104

  2. Centers for Disease Control and Prevention, Radiation Emergencies: Information for Clinicians. Esse recurso inclui diretrizes e links para materiais de treinamento.

  3. Department of Energy Radiation Emergency Assistance Center/Training Site (REAC/TS): This organization provides 24-hour consultations to US-based people who need it. Dias úteis: (865) 576-3131. Depois do horário comercial e fins de semana: (865) 576-1005. (Solicitar REAC/TS). Email: reacts@orau.org.

  4. US Department of Health and Human Services Radiation Emergency Medical Management: esse é um recurso inestimável que é mantido como orientação fidedigna, concisa e atualizada sobre o tratamento clínico das lesões por radiação para profissionais de saúde de todos os níveis nos Estados Unidos.

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