A aspiração de mecônio intraparto pode causar uma síndrome de desconforto respiratório devido à pneumonite inflamatória e obstrução brônquica mecânica. O quadro inclui taquipneia, roncos e sibilos e cianose ou dessaturação. Suspeita-se do diagnóstico quando há desconforto respiratório após o parto por meio do líquido amniótico contendo mecônio, e é confirmado pela radiografia de tórax. Lactentes com desconforto respiratório costumam ser intubados e colocados sob ventilação mecânica. O tratamento dos lactentes gravemente afetados com surfactante diminui a necessidade de oxigenação por membrana extracorpórea, mas não afeta a mortalidade (1, 2). O prognóstico depende das condições fisiológicas basais.
(Ver também Visão geral dos distúrbios respiratórios perinatais.)
O nascimento é acompanhado de extensas mudanças fisiológicas, algumas vezes revelando condições que não causavam qualquer problema na vida intrauterina. Por essa razão, um profissional com habilidades em reanimação neonatal deve estar presente em cada parto. A idade gestacional e os parâmetros de crescimento ajudam a identificar o risco de patologia neonatal.
Etiologia da síndrome da aspiração de mecônio
O estresse fisiológico no momento do trabalho de parto e do parto (p. ex., por hipóxia e/ou acidose causada por compressão do cordão umbilical ou insuficiência placentária ou por infecção) pode levar o feto a eliminar mecônio dentro do líquido amniótico antes do parto. A eliminação de mecônio pode ser normal antes do nascimento, particularmente em recém-nascidos a termo ou pós-termo; observa-se a eliminação de mecônio em 4 a 22% dos nascimentos (e em uma porcentagem maior de nascimentos pós-termo) (1, 2). Entretanto, nunca é normal observar mecônio no parto de um neonato pré-termo.
Durante o trabalho de parto, aproximadamente 3 a 12% dos neonatos com passagem de mecônio aspiram o mecônio, desencadeando lesões pulmonares e desconforto respiratório, conhecido como síndrome da aspiração de mecônio.
Referências sobre etiologia
1. Gallo DM, Romero R, Bosco M, et al. Meconium-stained amniotic fluid. Am J Obstet Gynecol. 2023;228(5S):S1158-S1178. doi:10.1016/j.ajog.2022.11.1283
2. Dini G, Ceccarelli S, Celi F, Semeraro CM, Gorello P, Verrotti A. Meconium aspiration syndrome: from pathophysiology to treatment. Ann Med Surg (Lond). 2024;86(4):2023-2031. Publicado em 2024 Fev 15. doi:10.1097/MS9.0000000000001835
Fisiopatologia da síndrome da aspiração de mecônio
Os mecanismos pelos quais a aspiração induz à síndrome clínica provavelmente incluem:
Liberação de citocinas não específicas
Obstrução das vias respiratórias
Diminuição da produção de surfactantes e inativação do surfactante
Pneumonite química
As condições fisiológicas basais também podem contribuir para o processo. A atelectasia pode surgir se ocorrer obstrução total do brônquio; o bloqueio parcial impede a expiração do ar, resultando em hiperexpansão dos pulmões e possível extravasamento de ar pulmonar com pneumomediastino ou pneumotórax. O risco de extravasamento de ar é ainda maior por causa da diminuição da complacência pulmonar causada pela diminuição da produção de surfactantes e inativação dos surfactantes.
Embora a pneumonite causada pelo mecônio contribua para o comprometimento respiratório nesses recém-nascidos após o parto, a hipertensão pulmonar persistente (HPP), causada tanto por lesão pulmonar direta e vasoconstrição quanto por acidose e hipóxia perinatais, pode ser, no final das contas, a doença mais ameaçadora à vida.
Neonatos também podem aspirar, durante o parto, vérnix caseoso, líquido amniótico ou sangue de origem materna ou fetal, os quais podem provocar desconforto respiratório e sinais de pneumonia por aspiração na radiografia de tórax.
Sinais e sintomas da síndrome de aspiração de mecônio
Os sinais da síndrome da aspiração de mecônio são taquipneia, batimento de asa de nariz, retrações, cianose ou dessaturação, estertores e roncos. Lactentes podem tornar-se cianóticos.
A coloração amarelo-esverdeada do cordão umbilical, dos leitos ungueais ou da pele indica exposição prolongada (várias horas) ao mecônio no útero. Essa coloração pode indicar sofrimento fetal prolongado e possivelmente as alterações fisiológicas que levam à síndrome da aspiração de mecônio. Manchas de mecônio podem ser vistas na orofaringe e (na intubação) na laringe e na traqueia.
Os neonatos com retenção de ar podem apresentar tórax em barril e também sinais e sintomas de pneumotórax, enfisema intersticial pulmonar e pneumomediastino.
Diagnóstico da síndrome da aspiração de mecônio
Eliminação de mecônio
Desconforto respiratório
Radiografia com achados característicos
Suspeita-se do diagnóstico da síndrome da aspiração de mecônio quando um neonato mostra desconforto respiratório no contexto do líquido amniótico contendo mecônio. A coloração não é diagnóstica.
O diagnóstico é confirmado pela radiografia de tórax, que demonstra hiperinflação com várias áreas de atelectasia, opacidades heterogêneas em manchas ou estrias, e achatamento do diafragma. Os achados radiológicos iniciais podem ser confundidos com os achados da taquipneia transitória do recém-nascido (TTR); entretanto, o que muitas vezes separa lactentes com a síndrome da aspiração de mecônio daqueles com TTR é a hipoxemia significativa presente e, às vezes, a HPP concomitante. O líquido pode ser visto nas fissuras pulmonares ou nos espaços pleurais; o ar, nos tecidos moles ou no mediastino.
Como o mecônio pode propiciar o crescimento de bactérias e como é difícil diferenciar o diagnóstico de síndrome da aspiração de mecônio de pneumonia bacteriana, deve-se coletar hemoculturas.
Tratamento da síndrome da aspiração de mecônio
Suplementação de oxigênio para hipoxemia ou como vasodilatador pulmonar em lactentes com HPP
Pressão positiva contínua das vias respiratórias (CPAP) ou intubação endotraqueal e ventilação mecânica conforme necessário
Às vezes surfactante
Às vezes, antibióticos IV
Óxido nítrico inalável nos casos graves de HPP
Oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) se não responsivo às terapias acima
Não se demonstrou que a aspiração profunda de rotina (isto é, intubação para aspiração abaixo das pregas/cordas vocais) em neonatos nascidos com líquido amniótico meconial melhore os resultados clínicos; portanto, não se recomenda a intubação para sucção de um neonato comprometido com mecônio no líquido amniótico (1–3). Entretanto, se a respiração do neonato parece obstruída, faz-se aspiração com um tubo endotraqueal ligado ao aspirador de mecônio. Indica-se intubação ou pressão positiva contínua das vias respiratórias por via nasal (CPAP) para desconforto respiratório, seguida de ventilação mecânica e internação na unidade de terapia intensiva neonatal. Uma vez que a ventilação com pressão positiva aumenta o risco da síndrome de extravasamento de ar pulmonar, torna-se importante a reavaliação regular (incluindo exame físico e radiografia do tórax) para detectar essas complicações, que devem ser imediatamente investigadas em qualquer neonato intubado e que subitamente apresente piora da pressão arterial, perfusão ou saturação de oxigênio. Para tratamento, ver Síndromes de extravasamento de ar pulmonar.
Deve-se considerar surfactantes para neonatos sob ventilação mecânica com altos requisitos de oxigênio; pode diminuir a necessidade de ECMO (4, 5), mas não diminui a mortalidade.
Às vezes, administra-se antibióticos (geralmente ampicilina e um aminoglicosídeo—como utilizado para o tratamento padrão da doença bacteriana grave em um neonato enfermo). No entanto, estudos mostraram que o uso de antibióticos em recém-nascidos com aspiração de mecônio não reduz significativamente a mortalidade, a incidência de sepse, o tempo de internação ou a duração da necessidade de suporte respiratório (5).
Óxido nítrico inalável a até 20 ppm e ventilação de alta frequência (ver Ventilação mecânica) são outras terapias utilizadas no caso de desenvolvimento de hipoxemia refratária; também podem diminuir a necessidade de ECMO.
Referências sobre o tratamento
1. Nangia S, Thukral A, Chawla D. Tracheal suction at birth in non-vigorous neonates born through meconium-stained amniotic fluid. Cochrane Database Syst Rev. 2021;6(6):CD012671. Publicado em 2021 Jun 16. doi:10.1002/14651858.CD012671.pub2
2. Wei Q, Chen W, Liang Q, Song S, Li J. Effect of Endotracheal Suctioning on Infants Born through Meconium-Stained Amniotic Fluid: A Meta-analysis. Am J Perinatol. 2023;40(12):1272-1278. doi:10.1055/s-0041-1741034
3. Chiruvolu A, Miklis KK, Chen E, Petrey B, Desai S. Delivery Room Management of Meconium-Stained Newborns and Respiratory Support. Pediatrics. 2018;142(6):e20181485. doi:10.1542/peds.2018-1485
4. El Shahed AI, Dargaville PA, Ohlsson A, Soll R. Surfactant for meconium aspiration syndrome in term and late preterm infants. Cochrane Database Syst Rev. 2014;12(CD002054):1–36. doi:10.1002/14651858.CD002054.pub3
5. Natarajan CK, Sankar MJ, Jain K, et al. Surfactant therapy and antibiotics in neonates with meconium aspiration syndrome: A systematic review and meta-analysis. J Perinatol. 2016;36(Suppl 1):S49–S54. doi:10.1038/jp.2016.32
Prognóstico para síndrome da aspiração de mecônio
Embora a mortalidade seja de aproximadamente 1%, as taxas de complicações como asma, atraso no desenvolvimento e paralisia cerebral são maiores em sobreviventes da síndrome da aspiração de mecônio (1).
A aspiração de mecônio com hipertensão pulmonar persistente grave pode ser fatal.
Referência sobre prognóstico
1. Dini G, Ceccarelli S, Celi F, Semeraro CM, Gorello P, Verrotti A. Meconium aspiration syndrome: from pathophysiology to treatment. Ann Med Surg (Lond). 2024;86(4):2023-2031. Publicado em 2024 Fev 15. doi:10.1097/MS9.0000000000001835
Pontos-chave
Aproximadamente 3 a 12% dos neonatos com passagem de mecônio pré-natal ou perinatal aspiram o mecônio, desencadeando lesão pulmonar e desconforto respiratório, ou têm fisiologia pré e pós-natal que os predispõem à hipertensão pulmonar persistente, que pode complicar a síndrome da aspiração de mecônio.
Os neonatos podem ter taquipneia, batimento das asas de nariz, retrações, cianose ou dessaturação, estertores, roncos e manhas visíveis de mecônio na orofaringe.
Suspeitar do diagnóstico quando ocorre desconforto respiratório em neonatos que têm líquido amniótico manchado por mecônio.
Fazer radiografia de tórax e hemoculturas para excluir pneumonia e sepse bacteriana.
Após o parto, fazer aspiração em recém-nascidos com sinais de obstrução respiratória com um tubo endotraqueal ligado a um aspirador de mecônio.
Neonatos gravemente afetados exigem ventilação mecânica e, às vezes, antibióticos, óxido nítrico inalável ou oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).
