Colestase neonatal

PorJaime Belkind-Gerson, MD, MSc, University of Colorado
Revisado/Corrigido: set 2023
Visão Educação para o paciente

Colestase é a incapacidade de secretar bilirrubina, o que resulta em hiperbilirrubinemia conjugada e icterícia. Há numerosas causas identificadas por exames de laboratório, imagem hepatobiliar e, às vezes, biópsia hepática e cirurgia. O tratamento depende da causa.

A colestase ocorre em 1/2500 dos recém-nascidos a termo. É definida como bilirrubina direta > 1 mg/dL (> 17,1 micromol/L).

A colestase nunca é normal e justifica a avaliação.

Etiologia da colestase neonatal

A colestase (ver também Hiperbilirrubinemia neonatal) pode ser o resultado de disfunções intra ou extra-hepáticas, embora algumas condições possam se sobrepor.

Causas extra-hepáticas da colestase

A doença extra-hepática mais comum é

  • Atresia biliar (a incidência nos Estados Unidos é cerca de 1/8.000-1/18.000 nascidos vivos; 1)

Atresia biliar é a obstrução da árvore biliar motivada pela esclerose progressiva dos ductos biliares extra-hepáticos. Na maioria dos casos, a atresia biliar se manifesta várias semanas depois do nascimento, provavelmente após a inflamação e a cicatrização dos ductos biliares extra-hepáticos (e às vezes intra-hepáticos). Raramente está presente em neonatos pré-termo ou a termo ao nascimento. A causa da resposta inflamatória é desconhecida, mas vários organismos infecciosos foram implicados, incluindo reovírus tipo 3 e citomegalovírus.

Cistos biliares raramente se manifestam como colestase neonatal; esses cistos são mais comuns nos pacientes com doença renal policística autossômica recessiva (2).

A síndrome do ducto biliar espessado também pode ser uma causa de colestase neonatal extra-hepática, sendo mais comum nos lactentes com fibrose cística.

Causas intra-hepáticas da colestase

Causas intra-hepáticas podem ser infecciosas, aloimunes, metabólicas/genéticas ou tóxicas.

Infecções pode causar colestase. As infecções podem ser virais (p. ex., vírus do herpes simples, citomegalovírus, rubeola), bacterianas (p. ex., bacteremia Gram-positiva e Gram-negativa, infecção do trato urinário causada por Escherichia coli) ou parasitárias (p. ex., toxoplasmose). Sepse em recém-nascidos que recebem nutrição parenteral também pode causar colestase.

A doença hepática aloimune gestacional envolve a passagem transplacentária de anticorpos IgG maternos que induz um complexo de ataque a membranas mediada pelo complemento que lesiona o fígado fetal.

Entre ascausas metabólicas há inúmeros erros inatos do metabolismo, como galactosemia, tirosinemia, deficiência de alfa-1-antitripsina, distúrbio do metabolismo lipídico, defeitos do ácido biliar, doenças mitocondriais e defeitos da oxidação de ácidos graxos. Outros defeitos genéticos são a síndrome de Alagille, a fibrose cística e a síndrome artrogripose-disfunção renal-colestase (ARC). Há também algumas mutações gênicas que interferem na produção e excreção normais da bile que causam colestase; as doenças resultantes são chamadas colestase intra-hepática progressiva familiar.

As causas tóxicas decorrem principalmente do uso de nutrição parenteral prolongada em recém-nascidos extremamente prematuros ou recém-nascidos com a síndrome do intestino curto. Gerações mais recentes de emulsões lipídicas da nutrição parenteral (p. ex., com óleo de peixe e triglicerídeos de cadeia média) parecem ter diminuído o risco de colestase (3).

Síndrome da hepatite neonatal idiopática (hepatite de células gigantes) é uma condição inflamatória do fígado do recém-nascido. Sua incidência diminuiu, e está se tornando cada vez mais rara à medida que estudos diagnósticos melhores possibilitam a identificação das causas específicas da colestase.

Referências sobre etiologia

  1. 1. Harpavat S, Garcia-Prats JA, Anaya C, et al: Diagnostic yield of newborn screening for biliary atresia using direct or conjugated bilirubin measurements. JAMA 323(12):1141–1150, 2020. doi: 10.1001/jama.2020.0837

  2. 2. Fabris L, Fiorotto R, Spirli C, et al: Pathobiology of inherited biliary diseases: A roadmap to understand acquired liver diseases. Nat Rev Gastroenterol Hepatol 16(8):497–511, 2019. doi: 10.1038/s41575-019-0156-4

  3. 3. Guthrie G, Burrin D: Impact of Parenteral Lipid Emulsion Components on Cholestatic Liver Disease in Neonates. Nutrients 13(2):508, 2021. doi: 10.3390/nu13020508

Fisiopatologia da colestase neonatal

Na colestase, a principal falha é da excreção da bilirrubina, resultando em excesso de bilirrubina conjugada na corrente sanguínea e diminuição dos sais biliares no trato gastrointestinal. Como resultado da presença de bile inadequada no trato gastrointestinal, há má absorção de gordura e vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), levando a deficiência vitamínica, nutrição inadequada e deficit de crescimento.

Sinais e sintomas da colestase neonatal

A colestase costuma ser observada nas primeiras 2 semanas de vida. Os lactentes apresentam icterícia, urina frequentemente escura (contendo bilirrubina conjugada), acolia fecal e hepatomegalia.

A colestase persistente provoca prurido crônico, assim como sinais e sintomas da deficiência das vitaminas lipossolúveis; a curva de crescimento mostra uma queda progressiva.

Se a doença de base causar fibrose hepática e cirrose, ela evoluirá com hipertensão portal, distensão abdominal resultante de ascite, varizes esofágicas resultantes de sangramento gastrointestinal superior.

Diagnóstico da colestase neonatal

  • Bilirrubina total e direta

  • Testes hepáticos

  • Testes de causas metabólicas, infecções e genéticas

  • Ultrassonografia hepática

  • Mapeamento hepatobiliar

  • Ocasionalmente biópsia hepática, colangiografia operatória ou exames genéticos

Deve-se avaliar colestase em qualquer lactente com icterícia após a 2ª semana de vida, com dosagem dos níveis de bilirrubina total e direta. Alguns especialistas defendem que os lactentes com icterícia recebendo aleitamento materno só precisam ser avaliados depois de 3 semanas de idade. A abordagem inicial deve ser direcionada para o diagnóstico das doenças tratáveis (p. ex., atresia biliar extra-hepática, na qual a intervenção cirúrgica precoce melhora o resultado a curto prazo).

A colestase é identificada pela elevação da bilirrubina total e direta. Os exames necessários para avaliar melhor a função hepática são a dosagem sérica de albumina, frações da bilirrubina, enzimas hepáticas, tempo de protrombina/tempo de tromboplastina parcial (TP/TTP) e amônia (ver Testes para colestase).

Depois de confirmar a colestase, é preciso determinar sua etiologia (ver tabela Avaliação diagnóstica para colestase neonatal) e evidências de má absorção (p. ex., baixos níveis das vitaminas lipossolúveis A, D, E, e K ou TP prolongado, sugerindo baixo nível de vitamina K).

Tabela

Ultrassonografia abdominal é muitas vezes o primeiro exame; é não invasiva e pode avaliar o tamanho do fígado e certas anomalias da vesícula biliar e do duto biliar comum. Entretanto, não é específica. Mapeamento hepatobiliar utilizando ácido hidroxi iminodiacético (varredura HIDA) também deve ser realizado; excreção do contraste no intestino afasta atresia biliar, mas ausência de excreção pode ocorrer com atresia biliar como com hepatite neonatal grave e outras causas da colestase. Lactentes com colestase frequentemente recebem fenobarbital durante 5 dias antes de uma varredura HIDA em uma tentativa de aumentar a excreção. Em alguns centros pediátricos terciários, a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) pode ser realizada para investigar a anatomia do sistema ductal biliar.

Quando não foi feito nenhum diagnóstico, a biópsia hepática é geralmente realizada precocemente, às vezes com colangiografia cirúrgica. Pacientes com atresia biliar apresentam tipicamente alargamento portal, proliferação dos ductos biliares e aumento da fibrose. A hepatite neonatal é caracterizada por desarranjo lobular com células gigantes multinucleadas. A doença hepática aloimune é caracterizada por altos depósitos de ferro no fígado.

Tratamento da colestase neonatal

  • Da causa específica

  • Suplementos de vitaminas A, D, E e K

  • Triglicerídios de cadeia média

  • Às vezes, ácido ursodesoxicólico

  • No caso de suspeita de atresia biliar, exploração cirúrgica e, às vezes, portoenterostomia

O tratamento específico é direcionado para a causa. Se não houver terapia específica, o tratamento será de suporte e consistirá, principalmente, em terapia nutricional, incluindo suplementos de vitaminas A, D, E e K.

Para os lactentes cuja alimentação é baseada em leite artificial, a fórmula utilizada deve conter alto teor de triglicerídios de cadeia média, porque a absorção é melhor quando há deficiência de sais biliares. A administração de calorias deve ser adequada, e os lactentes podem necessitar de calorias em valores > 130 calorias/kg/dia. Nos lactentes com fluxo de bile, o ácido ursodesoxicólico uma ou duas vezes ao dia pode aliviar o prurido.

Lactentes com suspeita de atresia biliar necessitam de exploração cirúrgica com colangiografia intraoperatória. Se a atresia biliar for confirmada, deverá ser realizada portoenterostomia (técnica de Kasai). O ideal é que este procedimento seja feito nos primeiros 1 ou 2 meses de vida. Após esse período, o prognóstico a curto prazo piora significativamente. No pós-operatório, muitos pacientes passam a exibir problemas crônicos importantes, incluindo colestase persistente, colangite ascendente recorrente e má evolução ponderal. Antibióticos profiláticos [p. ex., sulfametoxazol/trimetoprima (SMX-TMP), cotrimoxazol] costumam ser prescritos por um ano do pós-operatório como uma tentativa de prevenir a colangite ascendente. Apesar de uma ótima terapia, a maioria dos lactentes desenvolve cirrose e precisa de transplante de fígado.

A colestase causada pela nutrição parenteral desaparece se a nutrição parenteral for interrompida ou, às vezes, se uma emulsão lipídica de nova geração for substituída por uma mais antiga antes de o lactente desenvolver doença hepática grave.

Como a doença hepática aloimune gestacional não tem nenhum marcador e/ou teste definitivo, o tratamento com imunoglobulina IV (IgIV) ou transfusão de troca precisa ser considerado precocemente para reverter a lesão hepática contínua se nenhum diagnóstico definitivo tiver sido feito (1).

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Fischer HS, Staufner C, Sallmon H, et al: Early exchange transfusion to treat neonates with gestational alloimmune liver disease: An 11-year cohort study. J Pediatr Gastroenterol Nutr 70(4):444–449, 2020. doi: 10.1097/MPG.0000000000002593

Prognóstico para colestase neonatal

A atresia biliar é progressiva e, se não for tratada, provoca insuficiência hepática, cirrose com hipertensão porta por vários meses e morte por volta do 1º ano de vida.

O prognóstico da colestase devida a disfunções específicas é variável (p. ex., doença metabólica), desde um curso completamente benigno até doença progressiva resultando em cirrose.

A síndrome da hepatite neonatal idiopática geralmente apresenta evolução lenta, porém pode evoluir para insuficiência hepática e morte.

A doença hepática aloimune gestacional tem prognóstico desfavorável sem intervenção precoce.

Pontos-chave

  • Existem inúmeras causas herdadas e adquiridas da colestase neonatal, que resultam em falha da excreção de bilirrubina e, portanto, excesso de bilirrubina conjugada.

  • A colestase neonatal normalmente é observada nas primeiras 2 semanas de vida; os lactentes têm icterícia e muitas vezes colúria, acolia fecal e hepatomegalia.

  • Começar com provas de função hepática, ultrassonografia e exames de imagem da árvore hepatobiliar e testar as causas, que às vezes indicam a biópsia hepática.

  • Tratar a causa específica e administrar tratamento de suporte, incluindo suplementação de vitaminas lipossolúveis e uma fórmula que seja rica em triglicerídeos de cadeia média e contenha calorias suficientes.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition: Guideline for the evaluation of cholestatic jaundice in infants (2017)

  2. North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition: Joint position paper on nutritional support of children with chronic liver diseases (2019)

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