Atresia biliar é a obstrução da árvore biliar motivada pela esclerose progressiva dos ductos biliares extra-hepáticos. Realiza-se o diagnóstico por exames de sangue, ultrassonografia, biópsia hepática e varredura hepatobiliar. O tratamento é cirúrgico, com portojejunostomia (procedimento de Kasai) ou transplante hepático.
(Ver também Visão geral das anomalias gastrointestinais congênitas.)
A incidência mundial de atresia biliar é aproximadamente 1 em 5.000 a 20.000 nascidos vivos; a maior incidência é na Ásia (1, 2). A incidência somente nos Estados Unidos é de aproximadamente 1 em cada 12.000 nascidos vivos (3).
Na maioria dos casos, a atresia biliar se manifesta algumas semanas a meses após o nascimento, provavelmente depois da inflamação e cicatrização dos dutos biliares extra-hepáticos (e às vezes intra-hepáticos) (4). Raramente está presente no neonato pré-termo ou em neonatos ao nascimento (ou não é reconhecida em neonatos).
A causa da resposta inflamatória é desconhecida. Vários organismos infecciosos foram implicados, incluindo citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, reovírus e rotavírus, mas nenhuma associação definitiva foi observada (5). Além disso, pode haver um componente genético e múltiplos genes implicados (ADD3, EFEMP1, AFAP1, TUSC3, MAN1A2, ARF6, CRIPTO, NODAL, LEFTY, GPC) (2).
Atresia biliar pode levar a cirrose, com cicatrização progressiva irreversível do fígado. O diagnóstico diferencial inclui muitas outras etiologias, mas o diagnóstico precoce da atresia biliar é crucial porque a portojejunostomia (procedimento de Kasai) antes dos 45 a 60 dias de vida dá ao lactente a melhor chance de sobrevivência com o fígado nativo (6). A cirrose pode se desenvolver aos 2 meses de idade e progredir se o defeito não for tratado.
Muitos lactentes com atresia biliar têm outras doenças congênitas, incluindo poliesplenia/asplenia (síndrome da malformação esplênica da atresia biliar) em 50%, doença cardíaca congênita em aproximadamente 15%, atresia intestinal em até 5%, situs inversus e anomalias renais (2).
Referências gerais
1. Harpavat S, Garcia-Prats JA, Anaya C, et al. Diagnostic yield of newborn screening for biliary atresia using direct or conjugated bilirubin measurements. JAMA. 2020;323(12):1141–1150. doi:10.1001/jama.2020.0837
2. Tam PKH, Wells RG, Tang CSM, et al. Biliary atresia. Nat Rev Dis Primers. 2024;10(1):47. Publicado em 2024 Jul 11. doi:10.1038/s41572-024-00533-x
3. Fawaz R, Baumann U, Ekong U, et al. Guideline for the Evaluation of Cholestatic Jaundice in Infants: Joint Recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2017;64(1):154-168. doi:10.1097/MPG.0000000000001334
4. Lendahl U, Lui VCH, Chung PHY. Biliary Atresia - emerging diagnostic and therapy opportunities. EBioMedicine. 2021;74:103689. doi:10.1016/j.ebiom.2021.103689
5. Miller PN, Baskaran S, Nijagal A. Immunology of Biliary Atresia. Semin Pediatr Surg. 2024;33(6):151474. doi:10.1016/j.sempedsurg.2025.151474
6. Robie DK, Overfelt SR, Xie L. Differentiating biliary atresia from other causes of cholestatic jaundice. Am Surg. 2014;80(9):827-831.
Sinais e sintomas da atresia biliar
Lactentes com atresia biliar são ictéricos e costumam apresentar urina escura (contendo bilirrubina conjugada), acolia fecal e hepatosplenomegalia. A presença de icterícia colestática com 2 semanas de idade em um recém-nascido saudável merece investigação para determinar a causa subjacente.
Entre 2 e 3 meses de idade, os lactentes podem apresentar crescimento deficiente com má nutrição, prurido, irritabilidade e esplenomegalia.
Não tratada, a fibrose hepática progride para cirrose e resulta em hipertensão portal, distensão abdominal que causa ascite, veias abdominais dilatadas e sangramento gastrointestinal superior resultado de varizes esofágicas.
Diagnóstico da atresia biliar
Bilirrubina total e direta
Testes hepáticos
Níveis séricos de alfa-1 antitripsina (para excluir deficiência de alfa-1 antitripsina)
Teste de cloro no suor (para excluir fibrose cística)
Ultrassonografia abdominal
Mapeamento hepatobiliar
Tipicamente, biópsia hepática e colangiografia intra-operatória
Identifica-se a atresia biliar pela elevação da bilirrubina total e direta. Deve-se determinar os níveis séricos da alfa-1 antitripsina porque a deficiência de alfa-1 antitripsina é outra causa relativamente comum de colestase. Testes necessários para avaliar a função hepática incluem albumina, enzimas hepáticas, tempo de protrombina/tempo de tromboplastina parcial (TP/TTP) e nível de amônia. A metaloproteinase de matriz-7 também é altamente sensível (94%) para atresia biliar (1).
Deve-se determinar a concentração de cloreto no suor para descartar fibrose cística (2). Frequentemente, são necessários testes adicionais para avaliar outras causas metabólicas, infecciosas, genéticas e endócrinas da colestase neonatal (3). Níveis séricos elevados de alanina aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST) e gama-glutamil transferase (GGT) corroboram o diagnóstico da atresia biliar mas não descartam outras formas de colestase.
Ultrassonografia abdominal é não invasiva e pode avaliar o tamanho do fígado e certas anomalias da vesícula biliar e do duto biliar comum. Lactentes com atresia biliar geralmente apresentam uma pequena vesícula biliar contraída ou uma que não pode ser visualizada. Entretanto, esses achados são inespecíficos.
Deve-se fazer mapeamento hepatobiliar utilizando ácido hidroxi-iminodiacético (varredura HIDA); excreção do contraste para dentro do intestino afasta atresia biliar, mas a falta de excreção não é diagnóstica de atresia biliar, porque hepatite neonatal grave e outras causas de colestase também podem causar pouca ou nenhuma excreção.
Realiza-se o diagnóstico definitivo da atresia biliar com biópsia hepática e colangiografia intra-operatória (4). Às vezes, CPRE (colangiopancreatografia retrógrada endoscópica) pode ser feita para ajudar no diagnóstico. Os achados histológicos clássicos são vias portais aumentadas com fibrose e proliferação de ductos biliares. Também pode-se observar tampões biliares nos ductos biliares. A colangiografia intraoperatória revela a ausência de um ducto biliar extra-hepático patente.
O diagnóstico diferencial inclui outras causas de icterícia colestática neonatal, incluindo síndrome de Alagille, deficiência de alfa-1-antitripsina, fibrose cística, distúrbios metabólicos (p. ex., galactosemia, tirosinemia, infecções congênitas, e hepatite neonatal (4).
Referências sobre diagnóstico
1. Pandurangi S, Mourya R, Nalluri S, et al. Diagnostic accuracy of serum matrix metalloproteinase-7 as a biomarker of biliary atresia in a large North American cohort. Hepatology. 2024;80(1):152-162. doi:10.1097/HEP.0000000000000827
2. Kobelska-Dubiel N, Klincewicz B, Cichy W. Liver disease in cystic fibrosis. Prz Gastroenterol. 2014;9(3):136-141. doi:10.5114/pg.2014.43574
3. Heinz N, Vittorio J. Treatment of Cholestasis in Infants and Young Children. Curr Gastroenterol Rep. 2023;25(11):344-354. doi:10.1007/s11894-023-00891-8
4. Tam PKH, Wells RG, Tang CSM, et al. Biliary atresia. Nat Rev Dis Primers. 2024;10(1):47. Publicado em 2024 Jul 11. doi:10.1038/s41572-024-00533-x
Tratamento da atresia biliar
Colangiografia intra-operatória
Portojejunostomia (procedimento de Kasai)
Frequentemente, transplante de fígado
Lactentes com suspeita de atresia biliar necessitam de exploração cirúrgica com colangiografia intraoperatória. Se a atresia biliar for confirmada, uma portojejunostomia (procedimento de Kasai) deve ser feita como parte do mesmo procedimento cirúrgico. O ideal é que tal procedimento seja realizado no primeiro mês de vida. O prognóstico de longo prazo é melhor se o procedimento for realizado < 30 dias após o nascimento; se realizado ≥ 60 dias após o nascimento, o prognóstico piora significativamente (1).
No pós-operatório, muitos pacientes passam a exibir problemas crônicos importantes, incluindo colestase persistente, colangite ascendente recorrente e insuficiência de crescimento. Se a colestase persistir por ≥ 3 meses no pós-operatório, deve-se considerar o encaminhamento a um centro de transplante (2). Antibióticos profiláticos (p. ex., trimetoprima/sulfametoxazole, neomicina) costumam ser prescritos por um ano no pós-operatório como uma tentativa de prevenir a colangite ascendente. Medicamentos que aumentam a produção de bile (agentes coleréticos), como o ursodiol, são frequentemente utilizados no pós-operatório. A terapia nutricional, incluindo suplementos de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, e K), é muito importante para assegurar a ingestão adequada a fim de apoiar o crescimento (3, 4).
Lactentes que não podem ser submetidos à portojejunostomia geralmente necessitam de transplante de fígado.
Referências sobre tratamento
1. Hoshino E, Muto Y, Sakai K, Shimohata N, Urayama KY, Suzuki M. Age at surgery and native liver survival in biliary atresia: a systematic review and meta-analysis. Eur J Pediatr. 2023;182(6):2693-2704. doi:10.1007/s00431-023-04925-1
2. Squires RH, Ng V, Romero R, et al. Evaluation of the pediatric patient for liver transplantation: 2014 practice guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American Society of Transplantation and the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. Hepatology. 2014;60(1):362-398. doi:10.1002/hep.27191
3. Mouzaki M, Bronsky J, Gupte G, et al. Nutrition support of children with chronic liver diseases: A joint position paper of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2019;69(4):498–511. doi:10.1097/MPG.0000000000002443
4. Heinz N, Vittorio J. Treatment of Cholestasis in Infants and Young Children. Curr Gastroenterol Rep. 2023;25(11):344-354. doi:10.1007/s11894-023-00891-8
Prognóstico da atresia biliar
A atresia biliar é progressiva e, se não tratada, resulta em cirrose com hipertensão portal por vários meses, insuficiência hepática e morte até o 1º ano de vida.
A portojejunostomia é ineficaz em alguns lactentes e apenas paliativa na maioria dos lactentes. Após a portojejunostomia, 30% dos pacientes necessitam de transplante hepático em idade mediana de 6 anos, enquanto até 80% necessitam de transplante aos 20 anos (1, 2). A sobrevida a longo prazo após transplante de fígado (com ou sem portojejunostomia prévia) é de aproximadamente 80% (3, 4).
Referências sobre prognóstico
1. Squires RH, Ng V, Romero R, et al. Evaluation of the pediatric patient for liver transplantation: 2014 practice guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases, American Society of Transplantation and the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. Hepatology. 2014;60(1):362-398. doi:10.1002/hep.27191
2. Chung PHY, Chan EKW, Yeung F, et al. Life long follow up and management strategies of patients living with native livers after Kasai portoenterostomy. Sci Rep. 2021;11(1):11207. Publicado em 2021 Mai 27. doi:10.1038/s41598-021-90860-w
3. Lendahl U, Lui VCH, Chung PHY. Biliary Atresia - emerging diagnostic and therapy opportunities. EBioMedicine. 2021;74:103689. doi:10.1016/j.ebiom.2021.103689
4. Sundaram SS, Mack CL, Feldman AG, et al. Biliary atresia: Indications and timing of liver transplantation and optimization of pretransplant care. Liver Transpl. 2017;23(1):96-109. doi:10.1002/lt.24640
Pontos-chave
Na maioria dos casos, a atresia biliar se manifesta várias semanas depois do nascimento, provavelmente após a inflamação e a cicatrização dos ductos biliares extra-hepáticos (e às vezes intra-hepáticos).
Os lactentes são ictéricos e frequentemente têm urina escura (contendo bilirrubina conjugada), acolia fecal e hepatosplenomegalia.
Por volta dos 2 a 3 meses de idade, lactentes podem apresentar crescimento deficiente com subnutrição, prurido, irritabilidade e esplenomegalia.
Diagnosticar utilizando resultados de exames de sangue, ultrassonografia, varredura hepatobiliar, biópsia hepática e colangiografia intraoperatória.
O tratamento é feito com portojejunostomia (procedimento de Kasai) o mais cedo possível, idealmente antes dos 30 dias; se feito 60 dias ou mais após o nascimento, a taxa de sucesso do procedimento é significativamente reduzida.
Frequentemente, o transplante de fígado é subsequentemente necessário.
