Anemia perinatal

PorAndrew W. Walter, MS, MD, Sidney Kimmel Medical College at Thomas Jefferson University
Revisado/Corrigido: dez 2022
Visão Educação para o paciente

Anemia é uma redução na massa hemática ou de hemoglobina e costuma ser definida como hematócrito > 2 DP abaixo da média para a idade. Alguns especialistas também consideram que existe uma anemia relativa quando a hemoglobina ou hematócrito acima desse ponto de corte é insuficiente para atender a demanda de oxigênio nos tecidos. Anemia e policitemia são as disfunções hematológicas mais comuns diagnosticadas ao nascimento. ( See also page Avaliação da anemia. As alterações pré-natais e perinatais na eritropoese são discutidas em Psicologia Perinatal.)

Tanto a hemoglobina quanto o hematócrito mudam rapidamente à medida que o neonato evolui; da mesma forma, os limites inferiores de normal também se alteram (). Variáveis como idade gestacional, local da amostra (capilar versus veia) e posição do neonato em relação à placenta antes do clampeamento do cordão (posição mais baixa causa transferência do sangue para o neonato) e o momento do clampeamento do cordão (atraso maior transfere mais sangue para o neonato) também afetam os resultados (1).

Tabela

Referência geral

  1. 1. Marrs L, Niermeyer S: Toward greater nuance in delayed cord clamping. Curr Opin Pediatr 34(2):170–177, 2022. doi: 10.1097/MOP.0000000000001117

Etiologia da anemia perinatal

As causas da anemia nos neonatos incluem

  • Processos fisiológicos

  • Perda de sangue

  • Produção diminuída de eritrócitos

  • Aumento da destruição das eritrócitos (hemólise)

Anemia fisiológica

Anemia fisiológica é a causa mais comum de anemia no período neonatal. Processos fisiológicos normais costumam causar anemia normocítica-normocrômica no momento esperado após o nascimento em recém-nascidos a termo e pré-termo. Anemias fisiológicas geralmente não requerem extensa avaliação ou tratamento.

Nos recém-nascidos de termo, o aumento da oxigenação que ocorre com a respiração normal após o nascimento causa elevação abrupta do nível de oxigênio nos tecidos, resultando em retroação negativa sobre a produção de eritropoetina e eritropoese. Essa redução na eritropoese, assim como o tempo de vida mais curto dos eritrócitos neonatais (90 dias versus 120 dias em adultos), faz a concentração de hemoglobina cair nos primeiros 2 a 3 meses de vida (geralmente nadir de hemoglobina de 9 a 11 g/dL [90 to 110 g/L]). Isso chama-se nadir fisiológico. A Hb permanece estável nas semanas seguintes e depois sobe lentamente no 4º ou no 6º mês, secundariamente à estimulação da eritropoetina que se refaz.

Anemia fisiológica é mais pronunciada em prematuros, ocorrendo mais cedo e com um nadir mais baixo em comparação a crianças nascidas a termo. Essa condição também é chamada anemia da prematuridade. Um mecanismo semelhante àquele que provoca anemia em crianças nascidas a termo causa anemia em prematuros nas primeiras 4 a 12 semanas. Eritropoetina mais baixa, a vida-média mais curta das eritrócitos (35 a 50 dias), o crescimento rápido e as flebotomias mais frequentes contribuem para o menor nadir de Hb (8 a 10 g/dL [80 to 100 g/L]) em prematuros. A anemia da prematuridade afeta mais comumente crianças < 32 semanas de gestação. Quase todas com doença aguda e extremamente prematuros (< 28 semanas de gestação) desenvolverão anemia que é grave o suficiente para exigir transfusão de eritrócitos durante a hospitalização inicial.

Perda de sangue

A anemia pode se instalar por hemorragias pré-natais, perinatais (no parto) ou hemorragia pós-parto. Nos recém-nascidos, o volume sanguíneo absoluto é baixo (p. ex., pré-termo, 90 a 105 mL/kg; termo, 78 a 86 mL/kg), portanto a perda aguda de pequenas quantidades como 15 a 20 mL de sangue pode resultar em anemia. Um recém-nascido com perda crônica de sangue pode compensar fisiologicamente e é tipicamente mais estável do ponto de vista clínico do que o recém-nascido com perda aguda de sangue.

Hemorragia pré-natal pode ser causada por

  • Hemorragia fetal-para-maternal

  • Transfusão gêmeo-gêmeo

  • Malformações do cordão

  • Anormalidades da placenta

  • Procedimentos diagnósticos

A hemorragia fetal-para-maternal costuma ocorrer espontaneamente ou pode ser resultado de trauma materno, amniocentese, versão cefálica external ou tumor placentário. Afeta cerca de 50% das gestações, embora na maioria dos casos o volume de perda de sangue seja extremamente baixo (cerca de 2 mL); a perda "maciça" de sangue, definida como > 30 mL, ocorre em 3/1.000 gestações.

A transfusão gêmeo-gêmeo é uma distribuição desigual de sangue entre eles e afeta 13 a 33% dos partos gemelares monozigóticos e monocoriônicos. Com a transferência significativa de sangue, o gêmeo doador pode ficar muito anêmico e desenvolver insuficiência cardíaca, ao passo que o receptador pode tornar-se policitêmico e desenvolver a síndrome de hiperviscosidade.

As malformações do cordão incluem inserções velamentosas do cordão umbilical, vasa previa ou inserção abdominal ou placentária; o mecanismo da hemorragia, que é geralmente maciço, rápido e potencialmente letal, ocorre por lesão ou ruptura do vaso umbilical.

As 2 anormalidades placentárias importantes que provocam hemorragia são a placenta prévia e o deslocamento prematuro da placenta.

Os procedimentos diagnósticos que causam hemorragia incluem amniocentese, biopsia da vilosidade coriônica e coleta de sangue do cordão umbilical.

Hemorragia perinatal pode ser causada por

  • Parto abrupto (isto é, parto rápido e espontâneo, que pode provocar a ruptura do cordão umbilical e hemorragia)

  • Acidentes obstétricos (p. ex., incisão da placenta durante a cesárea, trauma de parto)

  • Coagulopatias

Os cefaloematomas resultantes do uso do fórcipe ou extrações a vácuo são relativamente menos danosos, mas o sangramento da veia de Galeno pode se estender rapidamente para o interior do tecido, sequestrando volume de sangue suficiente para provocar anemia, hipotensão, choque e morte. Em recém-nascidos com hemorragia intracraniana, a perda de sangue na caixa intracraniana pode ser suficiente para causar anemia e comprometer, às vezes, a hemodinâmica (ao contrário de crianças maiores com menor proporção cabeça-corpo e nas quais a hemorragia intracraniana é limitada em termos de volume porque as suturas cranianas fundidas não permitem a expansão do crânio; em vez disso, a pressão intracraniana aumenta e interrompe o sangramento). Muito menos frequente, a ruptura de fígado, baço ou suprarrenal durante o trabalho de parto pode ocasionar sangramento interno. Hemorragia intraventricular, mais comum em recém-nascidos pré-termo, bem como hemorragia subaracnoide e sangramento subdural também podem resultar em hematócrito significativamente mais baixos.

A doença hemorrágica do recém-nascido (ver também Deficiência de vitamina K) é a hemorragia dos primeiros dias de um parto normal, causada pela deficiência fisiológica transitória dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K (fatores II, VII, IX e X). A transferência desses fatores na placenta é deficiente e, como a vitamina K é sintetizada por bactérias intestinais, muito pouca é produzida no intestino inicialmente estéril do neonato. O sangramento por deficiência de vitamina K tem três formas:

  • Prematura (primeiras 24 horas)

  • Clássica (primeira semana de vida)

  • Tardia (2 a 12 semanas de idade)

A forma precoce é causada por uso materno de um fármaco que inibe a vitamina K (p. ex., alguns anticonvulsivantes; isoniazida; rifampicina; varfarina; uso materno prolongado de antibióticos de largo espectro, que suprimem a colonização bacteriana intestinal).

A forma clássica ocorre em recém-nascidos que não recebem suplementação de vitamina K após o nascimento.

A forma tardia ocorre em recém-nascidos em amamentação exclusiva que não recebem suplementação de vitamina K após o nascimento. Administrar vitamina K, 0,5 a 1 mg, IM após o nascimento ativa rapidamente os fatores de coagulação e evita a doença hemorrágica do recém-nascido.

Outras possíveis causas de hemorragia nos primeiros dias de vida são outras coagulopatias (p. ex., hemofilia), coagulação intravascular disseminada por sepse, malformações vasculares.

Produção diminuída de eritrócitos

Os defeitos na produção de eritrócitos podem ser

  • Congênito

  • Adquirida

Defeitos congênitos são extremamente raros, porém os mais comuns são

  • Anemia de Diamond-Blackfan

  • Anemia de Fanconi

A anemia de Diamond-Blackfan caracteriza-se por falta dos precursores dos eritrócitos na medula óssea, eritrócitos macrocíticos, falta de reticulócitos no sangue periférico e ausência do envolvimento de outras células das linhagens sanguíneas. Frequentemente (embora nem sempre) é parte de uma síndrome das anomalias congênitas, incluindo microcefalia, fenda palatina, anomalias oculares, deformidades do polegar e prega cervical. Dos recém-nascidos afetados, 25% são anêmicos ao nascimento e ocorre baixo peso ao nascimento em cerca de 10%. Acredita-se que seja uma ribossomopatia causada pela diferenciação defeituosa de células-tronco.

A anemia de Fanconi é uma doença autossômica recessiva das células progenitoras da medula óssea que causa uma síndrome de insuficiência da medula óssea com macrocitose e reticulocitopenia com insuficiência progressiva de toda a linhagem de células hematopoiéticas. Geralmente é diagnosticada após o período neonatal. É causada por um defeito genético que impede as células de repararem o DNA alterado ou remover radicais tóxicos livres que lesam as células.

Outras anemias congênitas incluem síndrome de Pearson, uma doença multissistêmica rara envolvendo defeitos mitocondriais que causam anemia sideroblástica refratária, pancitopenia, insuficiência ou falência hepática, renal e pancreática variável; anemia diseritropoiética congênita, na qual a anemia crônica (tipicamente macrocítica) resulta de produção ineficiente ou anormal de eritrócitos e hemólise provocada por anormalidades das eritrócitos.

Defeitos adquiridos são aqueles que ocorrem após o nascimento. As causas mais comuns são

  • Infecções

  • Deficiências nutricionais

Infecções (p. ex., malária, rubeola, sífilis, HIV, citomegalovírus, adenovírus, sepse bacteriana) podem diminuir a produção de eritrócitos pela medula óssea. A infecção congênita por parvovírus B19 e a infecção por herpes vírus humano 6 podem resultar em redução na produção de eritrócitos.

Deficiências nutricionais de ferro, cobre, folato (ácido fólico) e vitamina E e vitamina B12 podem causar anemia nos primeiros meses de vida, mas não é usual ao nascimento. A incidência da deficiência de ferro, a deficiência nutricional mais comum, é mais elevada em países menos desenvolvidos, resultado de dieta deficiente e da alimentação exclusiva e prolongada de leite materno. A deficiência de ferro é comum em recém-nascidos cujas mães têm deficit de ferro e em prematuros cujas mamadeiras não são suplementadas com ferro; os prematuros esgotam suas reservas de ferro da 10ª a 14ª semana, caso não sejam suplementadas.

Hemólise

A hemólise pode ser causada por

  • Disfunções imunitárias

  • Disfunções da membrana da eritrócito

  • Deficiências de enzimas

  • Hemoglobinopatias

  • Infecções

Todas também causam hiperbilirrubinemia, que pode causar icterícia e, se não tratada, icterícia nuclear.

Hemólise de causa imunitária pode acontecer quando as eritrócitos fetais com antígenos de superfície (a maioria Rh e ABO, mas também Kell, Duffy e outros grupos menores de antígenos) que diferem dos antígenos dos eritrócitos maternos entram na circulação materna e estimulam a produção de anticorpos IgG dirigidos contra eritrócitos fetais. O cenário grave mais comum é aquele em que a mãe Rh (antígeno D)-negativo torna-se sensibilizada para o antígeno D durante uma gestação prévia com um feto Rh-positivo pela passagem fetal-maternal do sangue; uma gestação posterior com um feto Rh-positivo pode então levar a uma resposta anamnéstica IgG maternal quando a mão é exposta novamente ao sangue fetal durante essa gestação posterior que pode resultar em hemólise fetal e neonatal. Menos frequentemente, a transfusão fetal-materna no início da gestação pode estimular uma resposta da IgG que afeta essa gestação. A hemólise intra-uterina pode ser grave o suficiente para causar hidropisia ou morte fetal. No pós-parto, pode haver anemia significativa e hiperbilirrubinemia com hemólise contínua secundária ao IgG materno persistente (meia-vida de cerca de 28 dias). Com o uso profilático disseminado de anti-Rh D para prevenir a sensibilização, < 0,11% de gestaçãoes em mulheres Rh-negativo são afetadas.

Dicas e conselhos

  • Raramente, a transfusão fetal-materna no início da gestação pode estimular uma resposta de IgG que causa hemólise durante essa gestação.

A incompatibilidade ABO pode provocar hemólise por mecanismo semelhante. As mães são sensibilizadas pelos antígenos presentes nos alimentos ou na flora intestinal que são homólogos aos antígenos A e B (portanto, não é necessária uma gestação prévia para a sensibilização). Esses antígenos exógenos desencadeiam uma resposta IgM materna com base no tipo sanguíneo da mãe. A resposta é anti-A se a mãe tem o tipo B, anti-B se a mãe tem do tipo A ou ambos se a mãe tem o tipo O. Esses anticorpos IgM não atravessam a placenta. Entretanto, quando o sangue fetal incompatível entra na circulação materna, ocorre uma resposta IgG anamnéstica, e esses anticorpos IgG anti A ou anti B são capazes de atravessar a placenta em grandes quantidades e causar hemólise no feto. A incompatibilidade ABO geralmente é menos grave que a incompatibilidade Rh porque os anticorpos IgM iniciais eliminam pelo menos algumas células sanguíneas fetais da circulação materna antes que a produção de anticorpos IgG possa ocorrer, e há menos antígenos ABO na membrana eritrocitária fetal do que antígenos Rh. Diferentemente da hemólise mediada pelo Rh, o teste de antiglobulina direto (TAD), ou teste de Coombs, pode ser negativo em recém-nascidos com hemólise.

Disfunções da membrana da eritrócito alteram a forma dos eritrócitos e causam maior fragilidade, resultando na prematura destruição e/ou remoção dos eritrócitos da circulação. As disfunções mais comuns são a esferocitose e a eliptocitose hereditárias.

As deficiências enzimáticas que mais comumente causam hemólise são as da glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) e da piruvato quinase. A deficiência de G6PD é uma doença ligada ao sexo comum entre pessoas de ascendência do Mediterrâneo, Oriente Médio, África e Ásia e afeta > 400 milhões de pessoas em todo o mundo. Tem muitos subtipos, alguns leves, outros graves. A variante mais comum é o tipo A, cuja gravidade é moderada. Considera-se que a deficiência de G6PD ajuda a proteger contra malária e tem uma frequência de alelo estimada de 8% nas regiões com malária. Nos Estados Unidos, alguns estados fazem a triagem para a deficiência de G6PD em recém-nascidos (por meio de testes de DNA ou dosagem da atividade enzimática). Deficiência de piruvato quinase é uma doença autossômica recessiva mais prevalente entre as populações europeias e, nos Estados Unidos, nos holandeses da Pensilvânia. A deficiência de piruvato quinase é rara e ocorre em cerca de 1 em cada 20.000 brancos; a triagem à procura dessa condição não é feita rotineiramente nos Estados Unidos.

Hemoglobinopatias são causadas por deficiências e anormalidades estruturais da cadeia das globinas. Ao nascimento, 55 a 90% da hemoglobina (Hb) do neonato é hemoglobina fetal (Hb F), que é composta de 2 cadeias de globina alfa e 2 de gama (alfa2gama2). Após o nascimento, há diminuição da produção da cadeia gama (para < 2% até 2 a 4 anos de idade) e aumento da produção da cadeia beta, até a hemoglobina adulta (hemoglobina A [alfa2beta2]) tornar-se predominante. A talassemia alfa é uma disfunção herdada geneticamente, com produção deficiente da cadeia alfa da globina, sendo a hemoglobinopatia mais comum causadora de anemia. Beta-talassemia é hereditária e apresenta produção reduzida da cadeia beta. Como a beta-globina é naturalmente baixa ao nascimento, a talassemia beta e anormalidades estruturais da cadeia da globina beta [p. ex., Hb S (doença falciforme), Hb C] raramente se expressam ao nascimento. Os sintomas clínicos só aparecem depois que os níveis de hemoglobina fetal tenham diminuído suficientemente, aos 3 a 4 meses de idade, sendo substituídos por hemoglobina adulta contendo uma mutação patológica na cadeia beta (como na anemia falciforme) ou uma porcentagem diminuída da cadeia beta (como na talassemia beta).

Infecções intrauterinas por certas bactérias, vírus, fungos e protozoários (mais notadamente malária) também podem desencadear anemia hemolítica. Na malária, o parasito Plasmodium invade e finaliza a ruptura da eritrócito. Quando mediada imunologicamente, ocorre destruição dos eritrócitos parasitados e remoção excessiva dos eritrócitos não parasitados. Associação da diseritropoese da medula óssea resulta em eritropoese compensatória inadequada. Hemólise intravascular, fagocitose extracelular e diseritropoese podem provocar anemia.

Sinais e sintomas da anemia perinatal

Os sinais e sintomas da anemia perinatal são semelhantes, independentemente da causa, mas variam com a gravidade e a intensidade da anemia. Os neonatos são geralmente pálidos e, se a anemia é grave, apresentam taquipneia, taquicardia e, às vezes, sopro; hipotensão surge com a perda aguda de sangue. A icterícia pode acompanhar a hemólise.

Avaliação da anemia perinatal

História

A história deve focalizar os fatores maternos (p. ex., diátese hemorrágica, disfunções hereditárias das eritrócitos, deficiências nutricionais e fármacos), história familiar de doenças hereditárias que podem causar anemia neonatal (p. ex., alfa-talassemia, deficiências enzimáticas, disfunções da membrana eritrocitária, aplasias dos eritrócitos) e fatores obstétricos (p. ex., infecções, sangramento vaginal, intervenções obstétricas, tipo de parto, perda de sangue, tratamento e aspecto do cordão, patologia placentária, sofrimento fetal, número de fetos).

Fatores maternos não específicos podem oferecer indícios adicionais. Deve-se procurar por história de anemia nos pais. Esplenectomia pode indicar possível história de hemólise, disfunção da membrana eritrocitária ou anemia autoimune; colecistectomia pode indicar história de cálculos induzidos por hemólise.

Fatores neonatais importantes incluem idade gestacional no momento do parto, sexo, raça e etnia.

Exame físico

Taquicardia e hipotensão sugerem perda aguda significativa de sangue. Icterícia sugere hemólise, sistêmica (por incompatibilidade de Rh ou ABO ou deficiência de G6PD) ou localizada (por lise do sangue sequestrado nos cefaloematomas). Hepatoesplenomegalia sugere hemólise, infecção congênita ou insuficiência cardíaca. Hematomas, equimoses ou petéquias sugerem diátese hemorrágica. Anomalias congênitas podem sugerir síndrome de falência da medula óssea.

Exames

Pode-se suspeitar de anemia pré-natal se a ultrassonografia mostrar pico mais alto da velocidade sistólica da artéria cerebral central ou hidropisia fetal, que, por definição, é o aumento excessivo de líquido em ≥ 2 compartimentos do corpo (p. ex., pleura, peritônio, pericárdio), podendo haver aumento cardíaco, hepático e esplênico.

Após o nascimento, se há suspeita de anemia, realiza-se um hemograma completo; se os níveis de hemoglobina e hematócrito estão baixos, o teste inicial consiste em

  • Contagem de reticulócitos

  • Exame do esfregaço periférico

Se a anemia é aguda, pode ser necessária intervenção urgente.

Se a contagem de reticulócitos é baixa (é geralmente elevada quando os níveis de hemoglobina e hematócrito estão baixos), a anemia pode ser causada por disfunção adquirida ou congênita da medula óssea e deve-se avaliar no lactente as causas da supressão com

  • Títulos ou estudos da PCR (polymerase chain reaction) para infecções congênitas (rubeola, sífilis, HIV citomegalovírus, adenovírus, parvovírus, herpes vírus humano 6)

  • Níveis de folato e vitamina B12

  • Níveis de ferro e cobre

Se esses estudos não identificarem a causa da anemia, pode ser necessária a realização de biópsia da medula óssea e/ou exames genéticos para distúrbios congênitos de produção de eritrócitos.

Se a contagem de reticulócitos for elevada ou normal (refletindo uma resposta apropriada da medula óssea), a anemia pode ser causada por perda de sangue ou hemólise. Se não houver perda aparente de sangue ou não se não forem observados sinais de hemólise no esfregaço periférico ou nível sérico elevado de bilirrubina (que pode ocorrer com hemólise) deve-se realizar um teste antiglobulina direto (TAD [teste de Coombs]).

Se o teste direto de antiglobulina é positivo, a anemia provavelmente é secundária ao fator Rh, ABO ou outra incompatibilidade de grupo sanguíneo. O TAD sempre é positivo na incompatibilidade de Rh, mas às vezes é negativo com incompatibilidade ABO porque há menos antígenos ABO na membrana dos eritrócitos do que antígenos Rh. Lactentes podem apresentar hemólise ativa causada por incompatibilidade ABO e também TAD negativo; contudo, nesses lactentes, o esfregaço do sangue periférico deve revelar microesferócitos e o teste de antiglobulina indireto (teste de Coombs indireto) costuma ser positivo porque identifica anticorpos ABO plasmáticos que, na presença de eritrócitos adultos (eritrócitos adultos têm antígenos ABO bem discriminados), dão um resultado de teste positivo.

Se o teste direto de antiglobulina é negativo, o volume corpuscular médio (VCM) dos eritrócitos pode ser útil, embora como os eritrócitos fetais normalmente são maiores que os eritrócitos adultos, pode ser um desafio interpretar o VCM no neonato. Entretanto, um VCM significativamente baixo sugere talassemia alfa ou, menos comumente, deficiência de ferro devido à perda de sangue intrauterina crônica; esses podem ser distinguidos pela largura da distribuição de eritrócitos (RDW), o que costuma ser normal na talassemia, mas elevada na deficiência de ferro. Se o VCM for normal ou elevado, o esfregaço de sangue periférico pode revelar morfologia anormal daquela do eritrócito, compatível com doença de membrana, microangiopatia, coagulação intravascular disseminada (CID), deficiência de vitamina E ou hemoglobinopatia. Lactentes com esferocitose hereditária muitas vezes têm concentração de hemoglobina corpuscular média (CHGM) elevada. Se o esfregaço for normal, devem-se avaliar perda de sangue, deficiência enzimática, infecção ou hemorragia na direção feto-mãe.

A hemorragia feto-mãe pode ser diagnosticada pesquisando os eritrócitos fetais no sangue materno. A técnica de eluição ácida de Kleihauer-Betke é o teste mais frequentemente utilizado, ao lado de outros, como a técnica de anticorpo fluorescente e o teste de aglutinação diferencial ou misto. Na técnica de Kleihauer-Betke, o tampão de fosfato ácido cítrico de pH 3,5 impregna a hemoglobina do adulto, mas não os eritrócitos fetais; assim, os eritrócitos fetais se coram com eosina e são visíveis no microscópio, ao passo que os eritrócitos do adulto aparecem como eritrócitos fantasmas. Esse teste não é útil quando a mãe é portadora de hemoglobinopatia.

Tratamento da anemia perinatal

As necessidades terapêuticas da anemia perinatal variam com o grau da anemia e as condições médicas associadas. Recém-nascidos saudáveis de termo ou pré-termo com anemia leve geralmente não necessitam de tratamento, que é direcionado para o diagnóstico de base. Alguns pacientes necessitam de transfusão ou exsanguinotransfusão de concentrado de eritrócitos.

Transfusão

A transfusão é indicada para o tratamento da anemia grave. Deve-se indicar transfusão para aqueles lactentes com anemia sintomática ou se houver suspeita de diminuição de transporte de oxigênio para os tecidos. A decisão para transfusão deve se basear nos sintomas, na idade do paciente e no grau da doença. O hematócrito isolado não deve ser utilizado como critério para transfusão porque alguns lactentes são assintomáticos com níveis baixos e outros são sintomáticos com níveis elevados.

As diretrizes para quando transfundir variam, mas um conjunto aceito está descrito na tabela Limiares de transfusão para lactentes em lactentes < 4 meses de idade.

Tabela

Nos primeiros 4 meses, antes da primeira transfusão, se ainda não tiver sido feita, deve-se testar o sangue materno e fetal para determinar os tipos ABO e Rh e para detectar a presença de anticorpos antieritrócitos atípicos. Deve-se fazer a triagem de anticorpos na amostra materna quando disponível, e deve-se realizar um TAD nos eritrócitos do lactente.

Os eritrócitos para transfusão neonatal devem ser ABO e D compatíveis, tanto com os grupos materno como neonatal; devem ser compatíveis de acordo com o teste de antiglobulina indireta com anticorpos antieritrócitos clinicamente significativos presentes no plasma materno ou neonatal. Deve-se utilizar unidades que são ABO compatíveis tanto com a mãe como com o neonato mesmo que o TAD pré-transfusão seja negativo. Tipicamente, utilizam-se eritrócitos grupo O D-negativos na maioria das transfusões de reposição e de troca neonatal. Se são utilizados eritrócitos específicos para cada grupo (o mais comum em transfusões eletivas de grande volume), eles devem ser ABO e D compatíveis com grupos maternos e neonatais. Quando possível, em transfusões eletivas de grande volume em lactentes deve-se utilizar unidades idênticas ao grupo para minimizar o uso de eritrócitos do grupo O D-negativos (1).

Neonatos produzem anticorpos antieritrócitos muito raramente, de maneira que, em casos de a necessidade da transfusão persistir, é preciso repetir a triagem de anticorpos até os 4 meses de idade.

A concentrado de eritrócitos utilizada para a transfusão deve ser filtrada (depletada de leucócitos), irradiada e administrada em alíquotas de 10 a 20 mL/kg derivada de um único doador; transfusões sequenciais de uma mesma unidade de sangue minimizam a exposição do receptor e complicações da transfusão. Deve-se cuidar para que os prematuros extremos sejam transfundidos com sangue de doadores citomegalovírus-negativos.

Exsanguinotransfusão

A exsanguinotransfusão, na qual o sangue do recém-nascido é removido em alíquotas em sequência com a transfusão de concentrado de eritrócitos, é indicada para a anemia hemolítica com elevação da bilirrubina sérica e em alguns casos de anemias graves com insuficiência cardíaca e em casos em que os recém-nascidos com perda sanguínea crônica são euvolêmicos. Ela diminui os títulos de anticorpos plasmáticos e níveis de bilirrubina e minimiza a sobrecarga de líquidos.

Uma transfusão de troca de volume único (80 a 100 mL/kg, dependendo da idade gestacional) remove cerca de 75% dos eritrócitos neonatais; uma transfusão de troca de volume duplo (160 a 200 mL/kg) remove até 85 a 90% dos eritrócitos e até 50% da bilirrubina circulante (1).

Efeitos adversos graves (p. ex., trombocitopenia, enterocolite necrosante, hipoglicemia, hipocalcemia, choque, edema pulmonar ou ambos [causados pela transferência de equilíbrio líquido]) são comuns, e é por isso que esses procedimentos devem ser executados por uma equipe experiente. As diretrizes para quando iniciar a exsanguinotransfusão diferem e não são baseadas em evidências.

Outros tratamentos

A eritropoetina humana recombinante não é recomendada rotineiramente, em parte porque não há observações de redução nas transfusões requeridas nas primeiras 2 semanas de vida.

Administra-se terapia com ferro para lactentes com perda sanguínea (p. ex., por diástase hemorrágica, sangramento gastrointestinal, flebotomias frequentes). Suplementos orais de ferro são preferíveis. O ferro parenteral raramente pode causar anafilaxia. A American Academy of Pediatrics (AAP) recomenda administrar a lactentes amamentados um suplemento com ferro líquido diariamente (1 mg/kg de ferro elementar) a partir dos 4 meses de idade, até que alimentos sólidos contendo ferro sejam introduzidos por volta dos 6 meses de idade (2).

O tratamento das causas não usuais de anemia é específico (p. ex., corticoides na anemia de Diamond-Blackfan, vitamina B12 para a deficiência de B12).

Referências sobre o tratamento

  1. 1. New HV, Berryman J, Bolton-Maggs PH, et al: Guidelines on transfusion for fetuses, neonates and older children. Br J Haematol 175(5):784–828, 2016. doi: 10.1111/bjh.14233

  2. 2. Baker RD, Greer FR, Committee on Nutrition American Academy of Pediatrics: Clinical report—Diagnosis and prevention of iron deficiency and iron-deficiency anemia in infants and young children (0–3 years of age). Pediatrics 126(5):1040–1050, 2010. doi: 10.1542/peds.2010-2576

Pontos-chave

  • Anemia é a redução da massa eritrocitária ou da hemoglobina e, em neonatos, geralmente é definida como hemoglobina ou hematócritos > 2 DP abaixo da média para a idade.

  • Causas da anemia em recém-nascidos incluem processos fisiológicos, perda de sangue, diminuição da produção de glóbulos vermelhos e aumento da destruição de eritrócitos.

  • A anemia fisiológica é a causa mais comum da anemia no período neonatal e geralmente não requer extensa avaliação ou tratamento.

  • Recém-nascidos com anemia costumam ser pálidos e, se a anemia é grave, têm taquipneia, taquicardia e, às vezes, sopro de fluxo.

  • As necessidades terapêuticas variam com o grau da anemia e as condições médicas associadas.

  • Recém-nascidos saudáveis de termo ou pré-termo com anemia leve geralmente não necessitam de tratamento, que é direcionado para o diagnóstico de base.

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