Insuficiência hepática aguda

(Insuficiência hepática fulminante)

PorDanielle Tholey, MD, Sidney Kimmel Medical College at Thomas Jefferson University
Reviewed ByMinhhuyen Nguyen, MD, Fox Chase Cancer Center, Temple University
Revisado/Corrigido: modificado ago. 2025
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Visão Educação para o paciente

Insuficiência hepática aguda é causada mais frequentemente por fármacos ou outras substâncias e vírus hepatotrópicos. Manifestações cardinais são icterícia, coagulopatia e encefalopatia. O diagnóstico é clínico. O tratamento é principalmente de suporte, às vezes com transplante de fígado e/ou terapias específicas (p. ex., N-acetilcisteína para toxicidade de paracetamol).

(Ver também Estrutura e função hepáticas e Avaliação do paciente com doença hepática.)

A insuficiência hepática pode ser classificada de várias maneiras. Embora nenhum sistema de classificação seja universalmente aceito, o tempo de desenvolvimento da encefalopatia é um critério comumente utilizado (ver tabela Classificação da insuficiência hepática).

Tabela
Tabela

A insuficiência hepática aguda é definida como aquela que dura < 26 semanas, ocorre em pacientes sem doença hepática pré-existente ou cirrose e está associada a encefalopatia e coagulopatia (1).

Referência geral

  1. 1. Shingina A, Mukhtar N, Wakim-Fleming J, et al. Acute Liver Failure Guidelines. Am J Gastroenterol. 2023;118(7):1128-1153. doi:10.14309/ajg.0000000000002340

Etiologia da insuficiência hepática aguda (fulminante)

Em geral, as causas mais comuns da insuficiência hepática aguda são:

  • Vírus, principalmente hepatite B

  • Medicamentos (mais comumente paracetamol), outras substâncias e toxinas

Em países com condições sanitárias precárias, geralmente considera-se a hepatite viral a causa mais comum; em países onde há saneamento eficaz, toxinas costumam ser consideradas a causa mais comum (1).

Em geral, a causa viral mais comum é a hepatite B, frequentemente com coinfecção por hepatite D; a hepatite C não é uma causa comum. Outras possíveis causas virais da insuficiência hepática aguda incluem:

A toxina mais comum é o paracetamol; sua toxicidade está relacionada com a dose. Os fatores predisponentes para insuficiência hepática induzida por paracetamol incluem:

  • Doença hepática preexistente

  • Uso crônico de álcool

  • Medicamentos que induzem o sistema enzimático do citocromo P-450 (p. ex., anticonvulsivantes)

Outras toxinas incluem:

  • Antibióticos (notavelmente amoxicilina/ clavulanato)

  • Halotano

  • Compostos de ferro

  • Isoniazida

  • Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)

  • Alguns compostos em produtos fitoterápicos

  • Cogumelos Amanita phalloides

(Ver Lesão hepática provocada por fármacos).

As causas menos comuns incluem:

  • Doenças vasculares

  • Distúrbios metabólicos

  • Hepatites autoimunes

Causas vasculares incluem:

As causas metabólicas incluem:

Outras causas incluem hepatite autoimune, infiltração hepática metastática, golpe de calor e sepse. A causa não é determinada em 5 a 70% dos casos, variando por região geográfica (1).

Referência sobre etiologia

  1. 1. Shingina A, Mukhtar N, Wakim-Fleming J, et al. Acute Liver Failure Guidelines. Am J Gastroenterol. 2023;118(7):1128-1153. doi:10.14309/ajg.0000000000002340

Fisiopatologia da insuficiência hepática aguda

Na insuficiência hepática aguda, múltiplos órgãos têm mau funcionamento, muitas vezes por razões desconhecidas e por mecanismos desconhecidos. Os sistemas afetados incluem:

  • Hepática: hiperbilirrubinemia quase sempre está presente na apresentação. O grau de hiperbilirrubinemia é um dos indicadores da gravidade da insuficiência hepática. Coagulopatia, devido a síntese hepática prejudicada dos fatores de coagulação, é comum. Necrose hepatocelular, indicada pelo aumento dos níveis de aminotransferases, está presente.

  • Cardiovascular: a resistência vascular sistêmica e a pressão arterial diminuem, causando circulação hiperdinâmica com aumento da frequência cardíaca e do débito cardíaco. O perfil hemodinâmico é similar ao choque séptico "quente".

  • Cerebral: ocorre encefalopatia portossistêmica, possivelmente secundária ao aumento da produção de amônia por substâncias nitrogenadas no intestino. Edema cerebral é comum entre os pacientes com encefalopatia severa secundária à insuficiência hepática aguda; herniação uncal é possível e geralmente fatal.

  • Renal:Lesão renal aguda ocorre em até 70% dos pacientes, e até 30% requerem terapia de substituição renal (1). O nível de nitrogênio da ureia sanguínea (BUN) depende da função da síntese hepática, o nível pode estar enganosamente baixo; assim, o nível de creatinina indica melhor a lesão renal. Como na síndrome hepatorrenal, o sódio na urina e a excreção fracionada de sódio diminuem mesmo quando não são utilizados diuréticos e lesão tubular está ausente (como pode ocorrer quando toxicidade do paracetamol é a causa).

  • Imunológica: defeitos do sistema imunitário se desenvolvem; incluem opsonização defeituosa, complemento deficiente, leucócitos disfuncionais e células killer. Aumenta a translocação bacteriana do trato gastrointestinal. Infecções respiratórias e do aparelho urinário e sepse são comuns; agentes patogênicos podem ser de origem bacteriana, viral ou fúngica.

  • Metabólica: tanto alcalose metabólica como respiratória podem ocorrer cedo. Se choque se desenvolver, a acidose metabólica pode se manifestar. A hipopotassemia é comum, em parte porque o tônus simpático diminui e diuréticos são utilizados. Hipopotassemia e hipomagnesemia podem se desenvolver. Pode ocorrer hipoglicemia porque o glicogênio hepático é depletado e a gliconeogênese e degradação de insulina são prejudicadas.

  • Pulmonar: edema pulmonar não cardiogênico pode se desenvolver.

Referência sobre fisiopatologia

  1. 1. Shingina A, Mukhtar N, Wakim-Fleming J, et al. Acute Liver Failure Guidelines. Am J Gastroenterol. 2023;118(7):1128-1153. doi:10.14309/ajg.0000000000002340

Sinais e sintomas da insuficiência hepática aguda

Manifestações características são status mental alterado (geralmente parte da encefalopatia portossistêmica), coagulopatia e icterícia. Manifestações de uma doença hepática crônica, como ascite, excluem a existência de uma condição aguda, mas podem estar presentes na insuficiência hepática subaguda.

Outros sintomas podem ser inespecíficos (p. ex., mal-estar, anorexia) ou resultam da doença primária. Fetor hepaticus (um odor de mofo ou hálito doce) e disfunção motora são comuns. Taquicardia, taquipneia e hipotensão podem ocorrer com ou sem sepse. Os sinais de edema cerebral podem incluir obnubilação, coma, bradicardia e hipertensão. Os pacientes com infecção às vezes têm sintomas localizados (p. ex., tosse, disúria), mas esses sintomas podem estar ausentes.

Apesar da coagulopatia decorrente de disfunção hepática sintética (com razão normalizada internacional [INR] prolongada), o sangramento é raro, a menos que os pacientes estejam em coagulação intravascular disseminada (CID). Isso ocorre porque os pacientes com insuficiência hepática aguda têm uma distribuição reequilibrada dos fatores pró e anticoagulantes e, se houver, esses pacientes são mais frequentemente hipercoaguláveis (1, 2).

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Hugenholtz GC, Adelmeijer J, Meijers JC, et al. An unbalance between von Willebrand factor and ADAMTS13 in acute liver failure: Implications for hemostasis and clinical outcome. Hepatology. 58(2):752-761, 2013. doi: 10.1002/hep.26372

  2. 2. Lisman T, Bakhtiari K, Adelmeijer J, et al. Intact thrombin generation and decreased fibrinolytic capacity in patients with acute liver injury or acute liver failure. J Thromb Haemost.10(7):1312-1319, 2012. doi: 10.1111/j.1538-7836.2012.04770.x

Diagnóstico de insuficiência hepática aguda

  • Prolongamento da razão normalizada internacional (RNI) a 1,5 e manifestações clínicas da encefalopatia em pacientes sem história prévia de doença hepática crônica

  • Para determinar a causa: história de uso de drogas ilícitas, uso indevido de medicamentos prescritos ou exposição a toxinas, exames sorológicos para os vírus das hepatites, marcadores autoimunes e outros exames com base na suspeita clínica

Deve-se suspeitar de insuficiência hepática aguda se pacientes sem doença hepática crônica subjacente nem cirrose têm início agudo de icterícia e/ou transaminases elevadas, acompanhadas de coagulopatia e alterações do status mental. Pacientes com doença hepática conhecida com descompensação aguda não são considerados como tendo insuficiência hepática aguda, mas, em vez disso, insuficiência hepática crônica agudizada, que tem fisiopatologia diferente daquela da insuficiência hepática aguda (1).

Os exames geralmente realizados durante a avaliação inicial da insuficiência hepática aguda incluem:

  • Hemograma completo (HC)

  • RNI

  • Eletrólitos séricos (incluindo cálcio, fosfato e magnésio)

  • Testes de função renal

  • Urinálise

Enzimas hepáticas, níveis de bilirrubina e RNI confirmam a presença e gravidade da insuficiência hepática. Em geral, considera-se a insuficiência hepática aguda confirmada se o sensório está alterado e o RNI é > 1,5 em pacientes que têm evidência clínica e/ou laboratorial de lesão hepática aguda. O INR é utilizado como um índice de gravidade da insuficiência hepática aguda e às vezes como critério para transplante. A evidência de cirrose sugere que a insuficiência hepática é crônica.

Pacientes com insuficiência hepática aguda devem então ser examinados em busca de complicações. Se a insuficiência hepática aguda for confirmada, deve-se realizar gasometria arterial (GSA) para avaliar o estado ácido-base, e proceder à tipagem e prova de compatibilidade sanguínea caso haja necessidade de hemoderivados Se os pacientes têm circulação hiperdinâmica e taquipneia, culturas (sangue, urina, líquido ascítico) e radiografia do tórax devem ser realizadas para descartar infecção. Recomenda-se mensuração dos níveis plasmáticos de amônia para ajudar a predizer o prognóstico porque níveis mais altos (> 150 a 200 μg/dL [> 107-143 μmol/L] ) predizem um risco aumentado de edema cerebral (2). Se o paciente apresenta comprometimento ou agravamento do status mental, particularmente o paciente com coagulopatia, deve-se realizar uma TC de crânio para descartar edema cerebral ou, menos provavelmente, sangramento intracraniano.

Para determinar a causa da insuficiência hepática aguda, os médicos devem obter uma história completa das toxinas ingeridas, incluindo medicamentos prescritos e de venda livre, fitoterápicos e suplementos alimentares. Exames feitos rotineiramente para determinar a causa incluem:

  • Testes sorológicos de hepatite viral (p. ex., anticorpo IgM para vírus da hepatite A [IgM anti-VHA], antígeno de superfície da hepatite B [HBsAg], anticorpos IgM para antígeno hepatite B de núcleo [IgM anti-HBcAg], anticorpo para o vírus da hepatite C [anti-VHC])

  • Marcadores autoimunes (p. ex., anticorpos antinucleares, anticorpo antimúsculo liso, níveis de imunoglobulina)

  • Possíveis testes virais adicionais, para vírus herpes simples (teste de amplificação de ácido nucleico), citomegalovírus (teste de anticorpos), ou vírus Epstein-Barr (teste de anticorpos).

Outros exames são feitos com base em resultados e suspeita clínica, como:

  • Viagens recentes a países onde o saneamento é ruim: testes adicionais para hepatite viral D e E

  • Mulheres em idade fértil: teste de gravidez

  • Idade < 40 anos, anemia hemolítica e padrão mostrando baixo nível de fosfatase alcalina com relação fosfatase alcalina/bilirrubina total < 4 e nível de aspartato aminotransferase (AST) maior do que o nível de alanina aminotransferase (ALT), com elevações na ALT e AST (embora geralmente < 2.000): verificar o nível de ceruloplasmina à procura de Doença de Wilson

  • Suspeita de uma doença com anormalidades estruturais (p. ex., síndrome de Budd-Chiari, trombose da veia porta, metástases hepáticas): ultrassonografia e às vezes outro exame por imagem

Com o tempo, os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados quanto a complicações como edema cerebral e infecção (p. ex., mudanças sutis nos sinais vitais compatíveis com infecção), e o limiar para a decisão de solicitar exames deve ser baixo. Por exemplo, os médicos não devem presumir que o agravamento do estado mental se deve à encefalopatia; nesses casos, deve-se fazer uma CT de crânio para avaliar edema encefálico e teste de glicose à beira do leito. Deve-se também considerar a possibilidade de infecção em pacientes com insuficiência hepática aguda, uma vez que essas infecções são mais frequentes e se associam a maior mortalidade nessa população (3, 4). Além disso, pode ser mais desafiador diagnosticar a infecção na população com insuficiência hepática aguda pois até 30% dos pacientes não apresentam os sinais usuais (4). Por outro lado, muitos pacientes atendem aos critérios da síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) na ausência de infecção relacionada ao estado hiperinflamatório de citocinas da insuficiência hepática aguda. Assim, hemoculturas e/ou estudos para fontes infecciosas devem ser obtidos na admissão e frequentemente após (1, 5). Testes laboratoriais de rotina (p. ex., RNI, hemograma completo, CMP, glicemia e GSA) devem ser repetidos com frequência na maioria dos casos a cada 4 a 6 horas.

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. Shingina A, Mukhtar N, Wakim-Fleming J, et al. Acute Liver Failure Guidelines. Am J Gastroenterol. 2023;118(7):1128-1153. doi:10.14309/ajg.0000000000002340

  2. 2. Bernal W, Hall C, Karvellas CJ, et al. Arterial ammonia and clinical risk factors for encephalopathy and intracranial hypertension in acute liver failure. Hepatology. 46(6):1844-1852, 2007. doi: 10.1002/hep.21838

  3. 3. Rolando N, Harvey F, Brahm J, et al. Prospective study of bacterial infection in acute liver failure: an analysis of fifty patients. Hepatology. 1990;11(1):49-53. doi:10.1002/hep.1840110110

  4. 4. Rolando N, Philpott-Howard J, Williams R. Bacterial and fungal infection in acute liver failure. Semin Liver Dis. 1996;16(4):389-402. doi:10.1055/s-2007-1007252

  5. 5. European Association for the Study of the Liver. EASL Clinical practical guidelines on the management of acute (fulminant) liver failure. J Hepatology. 2017;66:1047-1081. doi: 10.1016/j.jhep.2016.12.003

Tratamento da insuficiência hepática aguda

Sempre que possível, os pacientes devem ser tratados em uma unidade de terapia intensiva em um centro capaz de fazer transplante de fígado. Os pacientes devem ser transportados o mais rapidamente possível porque a deterioração pode ser rápida e complicações (p. ex., sangramento, aspiração, choque) tornam-se mais prováveis à medida que a insuficiência hepática avança.

Terapia intensiva de suporte é a base do tratamento. Fármacos que podem agravar manifestações da insuficiência hepática aguda (p. ex., hipotensão, sedação) devem ser evitados ou utilizados nas doses mais baixas possíveis.

Para hipotensão e lesão renal aguda, o objetivo do tratamento é maximizar a perfusão tecidual. O tratamento é feito com hidratação venosa e, normalmente, até a sepse ser descartada, antibióticos empíricos. Se a hipotensão for refratária à expansão volêmica, os médicos devem considerar medidas não invasivas ou, se necessário, invasivas do estado volêmico para orientar a terapia com líquidos Se a hipotensão persistir apesar das pressões de enchimento adequadas, recomenda-se noradrenalina como vasopressor de primeira linha com vasopressina como o segundo agente (1).

Para encefalopatia, a cabeceira do leito é elevada em 30° para reduzir o risco de aspiração; a intubação deve ser considerada precocemente. Ao selecionar fármacos e doses dos fármacos, os médicos devem procurar minimizar a sedação para que eles possam monitorar a gravidade da encefalopatia. Propofol é o fármaco de indução usual para intubação porque ele protege contra hipertensão intracraniana e tem uma duração breve de ação, permitindo recuperação rápida da sedação.

Não há evidências de que tratamentos como lactulose ou rifaximina ajudem a aliviar a encefalopatia na insuficiência hepática aguda, embora sejam úteis na encefalopatia portossistêmica (1). Além disso, a lactulose pode causar íleo paralítico e produzir gás que distende os intestinos, o que pode ser problemático se for necessária uma laparotomia (p. ex., para transplante de fígado) (2).

As medições são feitas para evitar o aumento da pressão intracraniana (PIC) e evitar a diminuição da pressão de perfusão cerebral:

  • Para reduzir o edema cerebral: a terapia de substituição renal ajuda a remover a amônia e reduz a mortalidade se iniciada precocemente. As diretrizes recomendam terapia de substituição renal em pacientes com insuficiência hepática e amônia marcadamente elevada ou encefalopatia progressiva, mesmo se não houver outras indicações para terapia de substituição renal (1, 2).

  • Para evitar aumentos repentinos na PIC: estímulos que podem desencadear uma manobra de Valsalva são evitados (p. ex., lidocaína é administrada antes de sucção endotraqueal para evitar reflexo de faríngeo).

  • Para diminuir temporariamente o fluxo de sangue cerebral: manitol (0,5 a 1 g/kg, repetido 1 ou duas vezes se necessário) pode ser administrado para induzir a diurese osmótica, e hiperventilação breve pode ser utilizada, em particular quando há suspeita de hérnia. (Entretanto, o manitol é contraindicado para lesão renal aguda e a osmolalidade sérica deve ser verificada antes de administrar uma segunda dose.)

  • Para monitorar a PIC: não está claro se ou quando os riscos de monitoramento da PIC (p. ex., infecção, sangramento) superam os benefícios de ser capaz de detectar edema cerebral precoce e ser capaz de utilizar a PIC para orientar a fluidoterapia e terapia vasopressora; alguns especialistas recomendam esse monitoramento se a encefalopatia é grave. Mas nenhum dado indica que o monitoramento da PIC tem impacto sobre a mortalidade (3). Os objetivos do tratamento são uma PIC de < 20 mmHg e pressão de perfusão cerebral > 50 mmHg.

As convulsões são tratadas com fenitoína; benzodiazepinas são evitadas ou só utilizadas em doses baixas porque elas causam sedação.

A infecção é tratada com medicamentos antibacterianos e/ou antifúngicos; o tratamento é iniciado assim que os pacientes mostram qualquer sinal de infecção (p. ex., febre; sinais focais; deterioração da hemodinâmica, critérios da síndrome de resposta inflamatória sistêmica [SRIS], hipotensão refratária, estado mental ou função renal). A terapia antimicrobiana empírica não é rotineiramente recomendada (1) devido aos dados limitados sobre eficácia que sugerem que a profilaxia diminui as taxas de infecção, mas não impacta a mortalidade (4). No entanto, dados os desafios de diagnosticar infecção na população com insuficiência hepática aguda e o risco de que a infecção comprometa a capacidade do paciente de receber um transplante de fígado, algumas sociedades incluindo a EASL recomendam profilaxia em um subgrupo de pacientes com insuficiência hepática aguda. Isso se refere especificamente a pacientes que estão listados urgentemente para transplante hepático com critérios de SIRS, hipotensão refratária ou progressão inexplicada para encefalopatia estágio 3 ou 4 (2).

Deficiências de eletrólitos podem exigir suplemento de sódio, potássio, fosfato ou magnésio.

A hipoglicemia é tratada com infusão contínua de glicose (p. ex., 10% de glicose), e a glicose no sangue deve ser monitorada frequentemente porque a encefalopatia pode mascarar os sintomas da hipoglicemia.

A coagulopatia é tratada com plasma fresco congelado se ocorrer sangramento, se estiver planejada a realização de um procedimento invasivo. O plasma fresco congelado para correção de coagulopatia é outra forma evitada porque pode resultar em sobrecarga de volume e piora do edema cerebral (1). Além disso, quando plasma fresco congelado é utilizado, os médicos não podem seguir as mudanças na razão normalizada internacional (RNI), que são importantes porque a RNI é um índice da gravidade da insuficiência hepática aguda e, portanto, às vezes é um critério para transplante. Utiliza-se preferencialmente o fator VII recombinante isolado ou associado ao plasma fresco congelado em pacientes com sobrecarga de volume. Bloqueadores H2 podem ajudar a prevenir sangramento gastrointestinal.

Suporte nutricional pode ser necessário se os pacientes não conseguirem comer. Restrição intensa de proteínas é desnecessária; 60 g/dia são recomendados.

A toxidade aguda por paracetamol é tratada com N-acetilcisteína.

A administração de N-acetilcisteína também é recomendada por sociedades profissionais para outras causas de insuficiência hepática aguda, embora a evidência de apoio seja menos definitiva do que para seu uso na toxicidade por acetaminofeno (1, 2). A terapia antiviral é recomendada para pacientes com insuficiência hepática devido à reativação da hepatite B, e silibinina IV ou penicilina podem ser consideradas para insuficiência hepática devido à intoxicação por cogumelos (1).

O transplante de fígado para insuficiência hepática aguda resulta em taxas médias de sobrevida em 1 ano de aproximadamente 84 a 90% e sobrevida em 5 anos de 80% (1, 5). O transplante é assim recomendado para pacientes com insuficiência hepática aguda que pontuam mal em escores de risco prognóstico como os critérios do King's College e continuam a mostrar sinais de evolução clínica da insuficiência hepática aguda (2).

Referências sobre tratamento

  1. 1.Shingina A, Mukhtar N, Wakim-Fleming J, et al. Acute Liver Failure Guidelines. Am J Gastroenterol. 2023;118(7):1128-1153. doi:10.14309/ajg.0000000000002340

  2. 2. European Association for the Study of the Liver. EASL Clinical practical guidelines on the management of acute (fulminant) liver failure. J Hepatology. 2017;66:1047-1081. doi: 10.1016/j.jhep.2016.12.003

  3. 3. Karvellas CJ, Fix OK, Battenhouse H, et al. Outcomes and complications of intracranial pressure monitoring in acute liver failure: A retrospective cohort study. Crit Care Med. 2014;42:1157-1167. doi: 10.1097/CCM.0000000000000144

  4. 4. Karvellas CJ, Cavazos J, Battenhouse H, et al. Effects of antimicrobial prophylaxis and blood stream infections in patients with acute liver failure: a retrospective cohort study. Clinical Gastroenterol Hepatolol 2014;12:1942–11949.

  5. 5. Kwong AJ, Kim WR, Lake JR, et al. OPTN/SRTR 2023 Annual Data Report: Liver. Am J Transplant. 2025;25(2S1):S193-S287. doi:10.1016/j.ajt.2025.01.022

Prognóstico para insuficiência hepática aguda

A previsão do prognóstico pode ser difícil. Variáveis preditivas importantes incluem:

  • Grau da encefalopatia: pior quando a encefalopatia é grave

  • Idade do paciente: pior quando a idade é < 10 ou > 40 anos

  • Tempo de protrombina: pior quando a RNI é prolongada

  • Causa da insuficiência hepática aguda: melhor com a toxicidade do paracetamol, hepatite A, hepatite B do que com reações medicamentosas idiossincráticas ou doença de Wilson (1, 2, 3)

Vários sistemas de classificação [p. ex., critérios do King's College e classificação Acute Physiologic Assessment and Chronic Health Evaluation II (APACHE II)] são utilizados para prever o prognóstico dos pacientes, mas não são muito precisos para cada paciente individualmente.

Referências sobre prognóstico

  1. 1. Chalasani NP, Maddur H, Russo MW, et al; Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Idiosyncratic Drug-Induced Liver Injury. Am J Gastroenterol. 2021;116(5):878-898. doi:10.14309/ajg.0000000000001259

  2. 2. Ostapowicz G, Fontana RJ, Schiødt FV, et al. Results of a prospective study of acute liver failure at 17 tertiary care centers in the United States. Ann Intern Med. 2002;137(12):947-954. doi:10.7326/0003-4819-137-12-200212170-00007

  3. 3. Shingina A, Mukhtar N, Wakim-Fleming J, et al. Acute Liver Failure Guidelines. Am J Gastroenterol. 2023;118(7):1128-1153. doi:10.14309/ajg.0000000000002340

Pontos-chave

  • A causa mais comum de insuficiência hepática aguda em países onde o saneamento é precário é a hepatite viral; em países com saneamento eficaz, a causa mais comum são medicamentos (particularmente acetaminofeno) e outras substâncias e toxinas.

  • Insuficiência hepática aguda é caracterizada por icterícia, coagulopatia e encefalopatia.

  • Confirmar o diagnóstico encontrando prolongamento da razão normalizada internacional (RNI) ou manifestações clínicas de encefalopatia em pacientes com hiperbilirrubinemia e níveis de aminotransferases elevados.

  • Determinar a causa avaliando a história de uso de medicamentos ou substâncias e exposição a toxinas e fazendo testes sorológicos para o vírus da hepatite, marcadores autoimunes e outros testes com base em suspeita clínica.

  • Deve-se tratar a insuficiência hepática aguda em ambiente de terapia intensiva e deve-se iniciar prontamente o encaminhamento a um centro de transplante.

  • Administrar N-acetilcisteína em casos de insuficiência hepática aguda tanto induzida por paracetamol quanto por outras causas.

  • Considerar transplante de fígado para pacientes com fatores prognósticos ruins (p. ex., idade < 10 ou > 40, encefalopatia grave, prolongamento grave da RNI, reação medicamentosa idiossincrática, doença de Wilson).

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