Hepatite B (aguda)

PorSonal Kumar, MD, MPH, Weill Cornell Medical College
Revisado/Corrigido: ago 2022
Visão Educação para o paciente

A hepatite B é causada por um vírus de DNA muitas vezes transmitido parentericamente. Ela provoca sintomas típicos de hepatite viral, incluindo anorexia, mal-estar e icterícia. Hepatite fulminante e morte podem ocorrer. Infecção crônica pode levar à cirrose e/ou carcinoma hepatocelular. A sorologia faz o diagnóstico. O tratamento é de suporte. Vacinação é protetora e o uso pós-exposição de imunoglobulina contra hepatite B pode prevenir ou atenuar a doença clínica.

(Ver também Causas da hepatite, Visão geral de hepatites virais graves e hepatite B crônica.)

O vírus da hepatite B (HBV) é o vírus da hepatite mais complexo e mais estudado. A partícula infectante consiste em um core viral (núcleo viral) com um envelope proteico de superfície. O core contém ácido desoxirribonucleico (DNA, desoxiribonucleic acid) circular de cadeia dupla e DNA polimerase e replica-se no núcleo de hepatócitos infectados. O envelope proteico adere ao citoplasma e, por motivos desconhecidos, é produzido em grande excesso.

HBV é a 2ª causa mais comum de hepatite viral aguda após hepatite A. Infecção prévia não reconhecida é comum, mas muito menos disseminada do que por HAV. Nos Estados Unidos, relataram-se 3.322 casos de infecção aguda por hepatite B em 2018 — uma diminuição em relação aos 25.000 casos anuais notificados antes da utilização da vacina contra a hepatite B se tornar generalizada. Entretanto, como muitos casos não são reconhecidos ou não são notificados, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estimam que o número real de novas infecções foi cerca de 21.600 em 2018 (1).

O HBV algumas vezes é associado a manifestações extra-hepáticas, incluindo a poliarterite nodosa e outras doenças do tecido conjuntivo, glomerulonefrite membranosa e crioglobulinemia mista essencial. O papel na patogenicidade dessas doenças pelo HBV é desconhecido, mas há suspeita de mecanismos autoimunes.

Às vezes, ocorre coinfecção por hepatite D.

Transmissão da hepatite B

O HBV é mais frequentemente transmitido por via parenteral, tipicamente por sangue contaminado ou hemoderivados contaminados. Exames de rotina de doadores de sangue para o antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg, hepatitis B surface antigen) praticamente eliminaram a transmissão pós-transfusional, entretanto, a transmissão por meio de agulhas compartilhadas por usuários de drogas injetáveis mantém-se frequente. O risco contaminação por HBV é maior em pacientes dialíticos e em unidades de oncologia, bem como profissionais da área de saúde em contato com sangue.

Crianças nascidas de mães infectadas têm risco 70 a 90% de contrair hepatite B durante o parto (ver Infecção pelo vírus da hepatite B neonatal), a menos que elas sejam tratadas com imunoglobulina contra hepatite B (IGHB) e sejam vacinadas logo depois do parto. A transmissão transplacentária precoce pode ocorrer, mas é rara. O risco de transmissão vertical do HBV também é atenuado administrando tenofovir a gestantes no terceiro trimestre ativamente infectadas com altas cargas virais.

O vírus pode ser transmitido através do contato da mucosa com outros líquidos corporais (p. ex., entre parceiros sexuais, tanto heterossexuais como homossexuais; em instituições fechadas para pacientes mentais e prisões), mas a infecciosidade é muito menor que para o HAV e as formas de transmissão são geralmente desconhecidas.

Picadas de insetos não têm um papel claro na transmissão do HBV. Muitos casos de hepatite B aguda ocorrem esporadicamente sem uma fonte conhecida.

Portadores crônicos do HBV são um reservatório mundial da infecção. A prevalência varia amplamente de acordo com diversos fatores, incluindo geográficos (p. ex., < 0,5% na América do Norte e no norte da Europa; > 10% em algumas regiões do Extremo Oriente e da África).

Referências gerais

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): Hepatitis B questions and answers for health professionals. Acessado em 8 de junho de 2022.

Sinais e sintomas da hepatite B aguda

Infecção por hepatite B causa um amplo espectro de doenças hepáticas, de um estado subclínico portador à hepatite grave ou insuficiência hepática aguda (hepatite fulminante), particularmente em idosos, nos quais a mortalidade pode alcançar 10 a 15%.

A maioria dos pacientes tem manifestações típicas da hepatite viral, incluindo anorexia, mal-estar, febre, náuseas, vômitos e então icterícia. Os sintomas persistem de algumas semanas até 6 meses.

De 5 a 10% de todos os pacientes com infecção aguda por HBV desenvolvem hepatite B crônica. Quanto menor a faixa etária em que a hepatite B aguda ocorre, maior o risco de desenvolver hepatite B crônica. Para pessoas imunocompetentes, o risco de desenvolver infecção crônica por hepatite B é:

  • Para recém-nascidos: 90%

  • Para crianças com 1 a 5 anos: 25 a 50%

  • Para adultos: cerca de 5%

Se a hepatite B cronificar, pode evoluir para cirrose e para carcinoma hepatocelular mesmo sem ser precedido de cirrose.

Diagnóstico da hepatite B aguda

  • Exames sorológicos

No diagnóstico inicial da hepatite aguda, deve-se diferenciar a hepatite viral de outras doenças que causam icterícia (ver figura Abordagem diagnóstica simplificada para suspeita de hepatite viral aguda).

Se há suspeita de hepatite viral aguda, os seguintes testes são realizados para triagem das hepatites virais A, B e C:

  • Anticorpo IgM para HAV (IgM anti-HAV)

  • Antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg)

  • Anticorpo central da hepatite B (IgM anti-HBc)

  • Anticorpo contra o vírus da hepatite C (anti-VHC) e PCR para RNA da hepatite C (HCV-RNA)

Se qualquer um dos testes para Hepatite B for positivo, podem ser necessárias outras sorologias para diferenciar infecção aguda de infecções passadas ou crônicas (ver tabela Sorologia para hepatite B). Se as sorologias sugerirem hepatite B, realizar testes para antígeno e da hepatite B (HBeAg) e anticorpo para antígeno e da hepatite B (anti-HBe) pode ajudar a determinar o prognóstico e guiar a terapia antiviral. Se infecção por HBV confirmada sorologicamente é grave, deve-se medir anticorpos para vírus da hepatite D (anti-HDV).

O HBV tem pelo menos 3 sistemas distintos de antígeno-anticorpo que podem ser testados:

  • HBsAg

  • Anticorpo c (core) do vírus da hepatite B (HBcAb)

  • HBeAg

HBsAgaparece, caracteristicamente, durante o período de incubação, 1 a 6 semanas antes do início dos sintomas e alterações laboratoriais, e implica em estado de infecciosidade sanguínea. Desaparece durante a fase de convalescença. Entretanto, o HBsAg pode aparecer de forma transitória. Seu anticorpo protetor correspondente (anti-HBs) surge semanas ou meses depois, após a recuperação clínica, e geralmente persiste por toda a vida; portanto, sua detecção indica infecção prévia por HBV e imunidade relativa. Em 5 a 10% dos pacientes, o HBsAg persiste e os anticorpos não se desenvolvem; esses pacientes desenvolvem hepatite B crônica.

O HBcAb reflete o núcleo viral. O antígeno c (core) do vírus da hepatite B (HBcAg) é detectável nas células hepáticas infectadas, mas não no soro, exceto por meio de técnicas especiais. Anticorpos contra o HBcAg (anti-HBc ou HBcAb) normalmente são detectados no início da doença; então, seus títulos diminuem de maneira gradual, geralmente durante anos ou por toda a vida. Sua detecção, somada ao anti-HBs, indica recuperação de infecção prévia por HBV. O anti-HBc também está presente nos portadores crônicos de HBsAg, que não expressam uma resposta contra o antígeno de superfície (anti-HBs). Na infecção aguda, o anti-HBc é, em grande parte, da classe IgM; já na infecção crônica, predomina o IgG anti-HBc. O IgM anti-HBc é um marcador sensível de infecção aguda pelo HBV e, muitas vezes, o único marcador de infecção recente por este vírus, refletindo uma janela entre o desaparecimento do HBsAg e o surgimento do anti-HBs.

HBeAg é uma proteína derivada do núcleo viral (não confundir com vírus da hepatite E). Presente apenas em pacientes com HBsAg positivo, indica um estado aumentado de replicação e infecciosidade viral. Em contraste, a presença do anticorpo correspondente (anti-HBe) indica infecciosidade reduzida. Assim, os marcadores sorológicos relacionados com o antígeno-e são mais úteis para prognóstico do que para diagnóstico. O desenvolvimento de hepatopatia crônica ocorre de forma mais frequente em portadores do HBeAg e de forma menos frequente em pacientes com anti-HBe.

HBV-DNA pode ser detectado no soro de pacientes com infecção ativa por HBV.

Tabela

Outros testes

Exames hepáticos são necessários se ainda não foram feitos; incluem níveis séricos de alanina aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST) e fosfatase alcalina.

Deve-se realizar outros testes para avaliar a função hepática; incluem níveis séricos de albumina, bilirrubina, e tempo da protrombina/razão normalizada internacional (PT/RNI).

Tratamento da hepatite B aguda

  • Cuidados de suporte

  • Para hepatite B fulminante, fármacos antivirais e transplante de fígado

Nenhum tratamento atenua a hepatite viral aguda, incluindo hepatite B. Deve-se evitar a ingestão de álcool, pois pode haver piora da lesão hepática. Não existem evidências científicas que apoiem o uso de restrições dietéticas ou de atividades, incluindo o repouso no leito habitualmente prescrito.

Em caso de hepatite fulminante, tratamento com análogos de nucleosídeos ou nucleotídeo orais pode aumentar a probabilidade de sobrevida. Entretanto, o transplante de fígado de urgência promove a melhor chance de sobrevida. É raro um adulto sobreviver à hepatite fulminante sem ser submetido ao transplante de fígado; crianças tendem a evoluir melhor.

Deve-se relatar a ocorrência de hepatite viral às autoridades de saúde locais.

Prevenção da hepatite B aguda

Os pacientes devem ser aconselhados a evitar comportamentos de alto risco (p. ex., compartilhar agulhas para injetar drogas, ter múltiplos parceiros sexuais).

Sangue e outros líquidos orgânicos (p. ex., saliva, sêmen) são considerados infecciosos. Líquidos derramados devem ser limpos com água sanitária diluída. Recomenda-se proteção de contato, mas o isolamento dos pacientes não tem nenhum valor.

A transmissão por hemoderivados pode ser minimizada evitando-se qualquer transfusão desnecessária e testando-se todos os doadores para a presença de hepatite B e C. O rastreamento diminuiu a incidência das hepatites B e C pós-transfusão, que agora são extremamente raras nos Estados Unidos.

Vacinação

(Ver também Vacina contra hepatite B [HepB])

A vacinação contra a hepatite B nas regiões endêmicas reduziu significativamente a prevalência local.

A imunização pré-exposição há tempos é recomendada para indivíduos com alto risco. Entretanto, a vacinação seletiva de grupos de alto risco nos EUA e em outras áreas não endêmicas não diminuiu substancialmente a incidência da infecção por HBV; portanto, agora é recomendada a vacinação para todos os residentes dos EUA 18 anos de idade (ver Centers for Disease Control and Prevention [CDC]: Child and Adolescent Immunization Schedule by Age). É desejável a vacinação universal para todos os indivíduos; entretanto, seria demasiado cara para ser realizada.

Adultos com alto risco de infecção por HBV devem ser examinados e vacinados se ainda não forem imunes ou infectados (ver também CDC's Adult Immunization Schedule). Esses grupos de alto risco incluem

  • Homens que fazem sexo com homens

  • Pessoas com infecção sexualmente transmissível

  • Pessoas que tiveram > 1 parceiro sexual durante os 6 meses anteriores

  • Profissionais de saúde e de segurança pública potencialmente expostos a sangue ou outros líquidos corporais infecciosos

  • Pessoas que usam drogas ilícitas injetáveis atual ou recentemente

  • Pessoas com diabetes e que têm < 60 anos (ou ≥ 60 anos se seu risco de contrair HBV é maior)

  • Pessoas com doença renal em estágio terminal em diálise, infecção por HIV, doença hepática crônica ou hepatite C

  • Contatos domiciliares e parceiros sexuais de pessoas que são positivas para HBsAg

  • Clientes e funcionários de instituições e creches não residenciais para pessoas com deficiências de desenvolvimento

  • Pessoas em instituições correcionais ou que atendem usuários de drogas injetáveis

  • Viajantes internacionais para regiões com endemicidade alta ou intermediária de HBV

Profilaxia pós-exposição

A imunoprofilaxia pós-exposição à HBV combina vacinação e administração de imunoglobulina anti-hepatite B (HBIG), um produto com altos títulos de anti-HBs. A eficácia da HBIG pós-exposição é cerca de 75%.

Em crianças nascidas de mães HBsAg-positivas, devem-se administrar, IM uma dose inicial de vacina e 0,5 mL de HBIG, logo após o nascimento.

Qualquer pessoa que tenha mantido relação sexual com indivíduo HBsAg-positivo ou com exposição percutânea ou de mucosas a sangue HBsAg-positivo deve receber, dentro de poucos dias, uma dose de 0,06 mL/kg de HBIG, IM associadamente à vacina.

Qualquer pessoa previamente vacinada, exposta por via percutânea a sangue HBsAg positivo, deve ser testada para anti-HBs; se os títulos estão < 10 mUI/mL, deve-se realizar uma nova dose de reforço da vacina.

Pontos-chave

  • A hepatite B é muitas vezes transmitida por contato com sangue contaminado parentérico, mas pode resultar de contato da mucosa com outros líquidos corporais.

  • Lactentes nascidos de mães com hepatite B têm 70 a 90% de risco de contrair a infecção durante o parto, a menos que sejam tratados com imunoglobulina contra hepatite B (IGHB) e sejam vacinados após o parto; o risco também diminui tratando com tenofovir as gestantes no terceiro trimestre ativamente infectadas que apresentam cargas virais altas.

  • A infecção crônica se desenvolve em 5 a 10% dos pacientes com hepatite B aguda e muitas vezes leva à cirrose e/ou carcinoma hepatocelular.

  • Diagnosticar testando para antígeno de superfície da hepatite B.

  • Tratamento de suporte.

  • Vacinação de rotina no nascimento é recomendada para todos.

  • A profilaxia pós-exposição consiste em HBIG e vacina; HBIG provavelmente não previne a infecção, mas previne ou atenua a evolução da hepatite clínica.

Informações adicionais

O recurso em inglês a seguir pode ser útil. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo deste recurso.

  1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC): perguntas e respostas sobre hepatite B para profissionais de saúde: esse recurso fornece uma visão geral da hepatite B (incluindo estatísticas, transmissão, fatores de risco, triagem, sintomas, diagnóstico e tratamento), bem como informações sobre a vacina contra hepatite B, hepatite B e viagens internacionais. Acessado em 8 de junho de 2022.

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