Complicações do diabetes mellitus

PorErika F. Brutsaert, MD, New York Medical College
Revisado/Corrigido: set 2022
Visão Educação para o paciente

Nos pacientes com diabetes mellitus, anos de hiperglicemia descompensada causam várias complicações vasculares primárias que comprometem pequenos e/ou grandes vasos, ou microvasculares e macrovasculares, respectivamente.

Os mecanismos pelos quais ocorre doença vascular são

  • Glicosilação das proteínas séricas e teciduais com formação de glicação avançada dos produtos finais

  • Produção de superóxidos

  • A ativação da proteína quinase C, molécula de sinalização que aumenta a permeabilidade vascular e causa disfunção endotelial

  • Aceleração das vias biossintéticas da hexosamina e do poliol, levando ao acúmulo de sorbitol nos tecidos

  • Hipertensão arterial sistêmica e dislipidemias que comumente acompanham o diabetes mellitus

  • Microtromboses arteriais

  • Efeitos pró-inflamatórios e pró-trombóticos da hiperglicemia e da hiperinsulinemia que comprometem a autorregulação vascular

A doença microvascular é subjacente às 3 manifestações mais comuns e devastadoras do diabetes mellitus:

A doença microvascular também pode alterar a cicatrização da pele; assim, mesmo pequenas rupturas na integridade da pele podem evoluir para úlceras profundas e se infectar facilmente, sobretudo nos membros inferiores. O controle intensivo da glicemia pode prevenir ou postergar várias dessas complicações, mas não consegue revertê-las se já tiverem se estabelecido.

Doença macrovascular envolve a aterosclerose dos grandes vasos, que pode levar a

A disfunção imunitária é outra complicação significativa, que se desenvolve a partir de efeito direto de hiperglicemia sobre a imunidade celular. Os pacientes diabéticos são particularmente propensos a infecções bacterianas e fúngicas.

Retinopatia diabética

A retinopatia diabética é uma causa comum de cegueira em adultos nos Estados Unidos. Caracteriza-se, inicialmente, por microaneurismas nos capilares da retina (retinopatia de fundo) e, mais tarde, por neovascularização (retinopatia proliferativa) e edema macular. Não há sinais ou sintomas iniciais, mas finalmente se desenvolvem turvação focal, descolamento de retina e vítreo e perda parcial ou total da visão; a velocidade de progressão é altamente variável.

A triagem e o diagnóstico são feitos pelo exame da retina realizado por um oftalmologista, que deve ser feito regularmente (em geral uma vez por ano) no diabetes tipos 1 e 2. Detecção precoce e tratamento são fundamentais para evitar a perda da visão. O tratamento de todos os pacientes é feito pelo controle glicêmico intensivo e pelo controle da pressão arterial. Utiliza-se fotocoagulação pan-retiniana a laser para retinopatia diabética proliferativa e, às vezes, retinopatia diabética não proliferativa grave. Utilizam-se inibidores do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) como aflibercepte, bevacizumabe e ranibizumabe para o edema macular; estes também podem ser usados para a retinopatia proliferativa, mas esse tratamento requer consultas regulares frequentes.

Nefropatia diabética

A nefropatia diabética é a principal causa de doença renal crônica nos Estados Unidos. Caracteriza-se por espessamento da membrana basal glomerular, expansão mesangial e esclerose glomerular. Essas alterações causam hipertensão glomerular e declínio progressivo da taxa de filtração glomerular. Hipertensão sistêmica pode acelerar a progressão. A doença é habitualmente assintomática até que se desenvolve síndrome nefrótica ou insuficiência renal.

O diagnóstico se faz pela detecção de albumina urinária. Depois que o diabetes é diagnosticado (e a seguir anualmente), deve-se monitorar os níveis de albumina na urina de modo que a nefropatia possa ser detectada precocemente. O monitoramento pode se feito medindo a proporção albumina/creatinina em uma amostra pontual de urina ou albumina urinária total em uma coleta de 24 horas. Uma proporção > 30 mg/g (> 3,4 mg/mmol) ou uma excreção de albumina de 30 a 300 mg/dia significa albuminúria moderadamente elevada (anteriormente chamada de microalbuminúria) e nefropatia diabética precoce. Considera-se a excreção de albumina > 300 mg/dia uma elevação grave da albuminúria (anteriormente chamada macroalbuminúria), ou proteinúria franca, e significa nefropatia diabética mais avançada. Tipicamente, a tira com reagentes urinários é positiva apenas se a excreção de proteínas ultrapassar 300 a 500 mg/dia.

O tratamento é feito pelo controle glicêmico rigoroso associado ao controle da pressão arterial. Deve-se utilizar um inibidor da enzima conversora da angiotensina (ECA) ou do receptor da angiotensina II (BRA) ao menor sinal de albuminúria (razão entre albumina e creatinina 30 mg/g) para prevenir a progressão da doença renal, porque esses fármacos reduzem a pressão arterial intraglomerular e, portanto, apresentam efeitos nefroprotetores. Mas esses fármacos não mostraram benefícios para a prevenção primária (isto é, nos pacientes sem albuminúria). Inibidores do cotransportador de sódio-glicose-2 (SGLT-2) também retardam a progressão da doença renal em pacientes específicos com nefropatia diabética (taxa de filtração glomerular estimada [TFGe] < 25 a 30 mL/minuto e relação albumina/creatinina urinária > 300 mg/g). Finironona, um antagonista do receptor de mineralocorticoides não esteroides, mostrou diminuir o risco de progressão da doença renal diabética e eventos cardiovasculares.

Neuropatia diabética

A neuropatia diabética resulta de isquemia dos nervos em decorrência de doença microvascular, efeitos diretos da hiperglicemia sobre os neurônios e alterações metabólicas intracelulares que alteram a função dos nervos. Existem vários tipos, incluindo

A polineuropatia simétrica é a mais comum e afeta a porção distal das mãos e dos pés (distribuição em bota e luva); manifesta-se como parestesias, disestesias ou perda indolor de sensibilidade tátil, vibratória, proprioceptiva ou da temperatura. Nos membros inferiores, esses sintomas também causam diminuição da percepção de traumas nos pés devido a sapatos mal ajustados e com distribuição anormal do peso que, por sua vez, podem causar ulcerações, infecções, fraturas, subluxação, deslocamento ou destruição da arquitetura normal dos pés (artropatia de Charcot). A neuropatia de fibras finas caracteriza-se por dor, dormência e perda de sensibilidade da temperatura, com preservação do senso de vibração e de posicionamento. Os pacientes são propensos a ulcerações dos pés e degeneração neuropática das articulações e têm alta incidência de neuropatia autonômica. A neuropatia com predomínio de grandes fibras caracteriza-se por fraqueza muscular, perda do senso de vibração e de posicionamento e ausência de reflexos tendinosos profundos. Atrofia dos músculos intrínsecos dos pés e queda do pé podem ocorrer.

A neuropatia autonômica pode causar hipotensão ortostática, intolerância a atividades físicas, taquicardia de repouso, disfagia, náuseas e/ou vômitos (decorrentes de gastroparesia), constipação intestinal e diarreia (incluindo síndrome de dumping), incontinência fecal, retenção e/ou incontinência urinária, disfunção erétil, ejaculação retrógrada e diminuição da lubrificação vaginal.

Radiculopatias geralmente afetam as raízes nervosas lombares (L2 a L4), causando dor, fraqueza e atrofia dos membros inferiores (amiotrofia diabética), ou as raízes nervosas proximais torácicas (T4 a T12), causando dor abdominal (polirradiculopatia torácica).

As neuropatias cranianas causam diplopia, ptose e anisocoria quando afetam o 3º par craniano, ou paralisias motoras quando afetam o IV ou VI par craniano.

Mononeuropatias provocam fraqueza e dormência nos dedos (nervo mediano) ou queda do pé (nervo peroneal). Pacientes com diabetes mellitus são propensos a distúrbios de compressão dos nervos, como síndrome do túnel do carpo. Mononeuropatias podem ocorrer em vários locais simultaneamente (mononeurite múltipla). Todas tendem a afetar indivíduos mais velhos e desaparecem de modo espontâneo em meses, exceto os distúrbios de compressão dos nervos.

O diagnóstico de polineuropatia simétrica se faz por detecção de deficits sensoriais e diminuição dos reflexos do tornozelo. A perda da capacidade de detectar toque leve de um monofilamento de náilon identifica os pacientes com maior risco de desenvolver ulcerações nos pés (ver figura Triagem para pé diabético). Alternativamente, um diapasão em 128 Hz pode ser usado para avaliar a sensação vibratória no dorso do primeiro dedo do pé.

Eletromiografia e estudos de condução nervosa podem ser necessários para avaliar todas as formas de neuropatia e, às vezes, são utilizados para excluir outras causas dos sintomas neuropáticos, como radiculopatias não causadas por diabetes e síndrome do túnel do carpo.

O tratamento da neuropatia envolve uma abordagem multidimensional incluindo controle glicêmico, cuidados regulares dos pés e gerenciamento da dor. O controle glicêmico estrito pode reduzir a neuropatia. Os tratamentos para o alívio dos sintomas são feitos com creme de capsaicina para uso tópico, antidepressivos tricíclicos (p. ex., imipramina), inibidores seletivos da recaptação de serotonina-noradrenalina (p. ex., duloxetina) e anticonvulsivantes (p. ex., pregabalina e gabapentina). Pacientes com perda sensorial devem examinar diariamente seus pés para detectar pequenos traumas e evitar a progressão para infecções, com risco de perda do membro.

Triagem do pé diabético

O estesiômetro de monofilamento de 10 g é colocado em contato com locais específicos em cada pé e empurrado até dobrar. Esse teste fornece um estímulo de pressão constante e reprodutível (normalmente uma força de 10 g), que pode ser utilizado para monitorar a alteração de sensibilidade ao longo do tempo. São avaliados ambos os pés e a presença (+) ou ausência () de sensibilidade em cada local é registrada.

Doença macrovascular

A aterosclerose de grandes vasos resulta de hiperinsulinemia, dislipidemia e hiperglicemia características do diabetes mellitus. As manifestações são

Realiza-se o diagnóstico por história e exame físico. O tratamento é controle rigoroso dos fatores de risco de aterosclerose, como a normalização da glicemia, lipídios e pressão arterial, combinado à cessação do tabagismo e à tomada diária de ácido acetilsalicílico (se indicado) e estatinas. Uma abordagem multifatorial com controle glicêmico, da hipertensão e da dislipidemia e pode ser eficaz para reduzir a ocorrência de eventos cardiovasculares. Contrariamente à doença microvascular, o controle intensivo isolado da glicemia mostrou reduzir o risco no diabetes tipo 1, mas não no diabetes tipo 2. Alguns fármacos para o diabetes diminuem o risco de eventos cardiovasculares adversos graves, incluindo a metformina e alguns inibidores de SGLT2 e agonistas do receptor do peptídeo 1 semelhantes ao glucagon (GLP-1).

Cardiomiopatia

A cardiomiopatia diabética parece resultar de vários fatores, incluindo aterosclerose epicárdica, hipertensão e hipertrofia de ventrículo esquerdo, doença microvascular, disfunção endotelial e autonômica, obesidade e distúrbios metabólicos. Os pacientes evoluem com insuficiência cardíaca decorrente da alteração da função sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo e apresentam maior probabilidade de insuficiência cardíaca após o infarto agudo do miocárdio.

Infecção

Pacientes com diabetes mellitus descompensado são propensos a infecções por fungos e bactérias em decorrência dos efeitos adversos da hiperglicemia nas funções dos granulócitos e das células T. Além do aumento geral do risco de doenças infecciosas, pessoas com diabetes têm maior suscetibilidade a infecções fúngicas mucocutâneas (p. ex., candidíase oral ou vaginal) e bacterianas nos pés (inclusive osteomielite), que costumam ser agravadas pela insuficiência vascular e a neuropatia diabética nos membros inferiores. A hiperglicemia é um fator de risco comprovado de infecção da ferida cirúrgica. Pessoas com diabetes têm maior risco de doença grave, hospitalização ou morte no caso de infecção pelo vírus SARS-CoV-2.

Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA)

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é cada vez mais comum e representa uma importante comorbidade do diabetes tipo 2. Alguns estudos mostram que mais da metade dos pacientes com diabetes tipo 2 tem DHGNA. Também pode ocorrer em pacientes com síndrome metabólica, obesidade e dislipidemia, na ausência de diabetes mellitus. A DHGNA exige evidências de esteatose hepática em exames de imagem ou histologia e ausência de outras causas de acúmulo de gordura (como consumo de álcool ou uso de fármacos que causam acúmulo de gordura). A DHGNA inclui tanto a condição benigna chamada de fígado gorduroso, como a doença hepática gordurosa não alcoólica, ou esteatoepatite não alcoólica (ENA). A DHGNA ocorre quando há 5% de gordura no fígado, mas sem evidências de lesão hepatocelular. Por outro lado, a ENA requer esteatose hepática ( 5%) e inflamação com lesão hepatocitária. Também pode ocorrer fibrose na ENA, que pode levar à cirrose. A patogênese da DHGNA não é bem conhecida, mas está claramente relacionada com a resistência à insulina, resultando em acúmulo de triglicerídeos no fígado. As bases do tratamento são dieta, exercícios e perda ponderal. Em pacientes com diabetes e evidência de ENA, a pioglitazona ou um agonista do receptor de GLP-1, como a liraglutida ou a semaglutida, também podem ser benéficos.

Outras complicações do diabetes mellitus

As complicações do pé diabético (alterações de pele, ulcerações, infecções e gangrena) são comuns e atribuíveis a doenças vasculares, neuropatia e imunossupressão relativa. Essas complicações podem levar a amputações de membro inferior.

Certas doenças musculoesqueléticas são mais comuns em pacientes com diabetes, como infartos musculares, síndrome do túnel do carpo, contratura de Dupuytren, capsulite adesiva e esclerodactilia.

Pacientes com diabetes também podem desenvolver

  • Doença oftalmológica não relacionada à retinopatia diabética (p. ex., catarata, glaucoma, abrasões da córnea, neuropatia óptica)

  • Doenças hepatobiliares (p. ex., cirrose, cálculos biliares)

  • Doenças dermatológicas (p. ex., tinhas, úlceras de membros inferiores, dermopatia diabética, necrose lipoide diabética, esclerodermia diabética, vitiligo, granuloma anular, acantose nigricante [um sinal de resistência à insulina])

  • Depressão

  • Demência

Outras complicações do diabetes mellitus
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© Springer Science+Business Media

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Essa imagem mostra protuberâncias eritematosas dispostas em um anel ou padrão circular no tronco de um paciente com dia... leia mais

SCIENCE PHOTO LIBRARY

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. American Diabetes Association: Standards of Medical Care in Diabetes: provides comprehensive guidelines for clinicians

  2. Buse JB, Wexler DJ, Tsapas A, et al: 2019 Update to: Management of Hyperglycemia in Type 2 Diabetes, 2018. A Consensus Report by the American Diabetes Association (ADA) and the European Association for the Study of Diabetes (EASD). Diabetes Care 43(2):487–493, 2020. doi: 10.2337/dci19-0066

  3. Davies MJ, D'Alessio DA, Fradkin J, et al: Management of Hyperglycemia in Type 2 Diabetes, 2018. A Consensus Report by the American Diabetes Association (ADA) and the European Association for the Study of Diabetes (EASD). Diabetes Care 41(12): 2669–2701, 2018.

  4. Endocrine Society: Clinical Practice Guidelines: provides guidelines on evaluation and management of patients with diabetes as well as links to other information for clinicians

  5. Powers MA, Bardsley J, Cypress M, et al: Diabetes Self-management Education and Support in Type 2 Diabetes: A Joint Position Statement of the American Diabetes Association, the American Association of Diabetes Educators, and the Academy of Nutrition and Dietetics. Diabetes Care 38(7):1372–1382, 2015.

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