Certas situações representam herança aberrante, geralmente devido a alterações nos genes ou cromossomos. Entretanto, algumas destas alterações, como mosaicismo, são muito comuns, outras como polimorfismos são tão comuns que são consideradas variações da normalidade.
(Ver também Visão geral da genética.)
Mutações e polimorfismos
Variações no DNA podem ocorrer espontaneamente ou em resposta a insultos celulares (p. ex., radiação, fármacos mutagênicos, vírus). Algumas variações são reparadas por mecanismos celulares de correção de erros do DNA. Outras variações não são e podem ser transmitidas nas células replicadas subsequentemente; nesses casos, a variação é denominada mutação. Entretanto, o descendente irá herdar a mutação apenas se as células germinativas forem afetadas. As mutações podem ser únicas para um indivíduo ou família. A maioria das mutações é rara.
Os polimorfismos começam como mutações. Eles são variações do DNA que se tornaram comuns em uma população (prevalência ≥ 1%) através de propagação suficiente ou de outros mecanismos. A maioria dos polimorfismos é estável e não muda o fenótipo de maneira perceptível. Um exemplo comum são os tipos sanguíneos humanos (A, B, AB e O).
Mutações (incluindo polimorfismos) envolvem alterações aleatórias no DNA. Muitas mutações apresentam pouco efeito sobre a função celular. Algumas mutações alteram a função celular, muitas vezes de forma prejudicial, e algumas são letais para a célula. São exemplos de alterações deterimentais da função celular as mutações que causam câncer através de criação ou ativação de oncogenes ou de alteração de genes supressores de tumores (ver Anormalidades moleculares). Raramente uma alteração na função celular confere uma vantagem em termos de sobrevida. Estas mutações tem maior probabilidade de serem propagadas. A mutação que causa a doença falciforme confere resistência à malária. Esta resistência confere uma vantagem em relação à sobrevida em áreas onde a malária é endêmica e frequentemente fatal. Entretanto, por causar sintomas e complicações da doença falciforme, esta mutação também tem efeitos lesivos geralmente quando está presente em estado homozigoto.
Quando e em qual tipo de célula ocorre a mutação pode explicar certas anormalidades do padrão de herança. Tipicamente uma doença autossômica dominante deve estar presente em um ou ambos os genitores do indivíduo afetado. Entretanto, algumas doenças com padrão de herança autossômico dominante pode surgir de novo (em indivíduos cujos genitores possuem um fenótipo normal). Por exemplo, cerca de 80% dos indivíduos com nanismo acondroplásico (um traço autossômico dominante) não apresentam história familiar de nanismo e assim representam novas mutações. Em vários indivíduos o mecanismo é uma mutação espontânea que ocorre precocemente na vida embrionária. Assim, outros descendentes não têm risco elevado de apresentar a doença. Entretanto, em alguns deles, a doença se desenvolve devido à mutação nas células germinativas dos pais (p. ex., um gene autossômico dominante em um genitor fenotipicamente normal). Se este for o caso, outros descendentes tem um risco elevado de herdar a mutação.
Mosaicismo
Mosaicismo ocorre quando
Uma pessoa a partir de um único óvulo fertilizado desenvolve ≥ 2 linhagens de células germinativas com fenótipos diferentes
O moisacismo é uma consequência normal da inativação do X em mulheres; na maioria das mulheres, em algumas células o X materno está inativado, e em outras células o X paterno está inativado. O mosaicismo também pode ser resultado de mutações. Há probabilidade de ocorrerem mutações durante a divisão celular em qualquer organismo multicelular grande, na ocasião de cada divisão celular, estima-se que ocorram de 4 a 5 alterações no genoma. Devido a probabilidade de estas alterações serem passadas para células produzidas subsequentemente, qualquer organismo multicelular grande apresenta subclones de células que têm composição genética discretamente diferente.
O mosaicismo pode ser reconhecido como causa de doença em que ocorrem alterações localizadas. Por exemplo, a síndrome de McCune-Albright causa alterações displásicas localizadas em ossos, anormalidades de glândulas endócrinas, alterações pigmentares localizadas e, ocasionalmente, anormalidades do coração e do fígado. A ocorrência da mutação de McCune-Albright em todas as células provocaria morte precoce; entretanto, pessoas com mosaicismo sobrevivem porque os tecidos normais suportam os tecidos anormais. Ocasionalmente um dos pais com doença de um único gene parece apresentar uma forma leve, mas na verdade é um mosaico e o descendente pode ser afetado de modo mais grave se receber uma célula germinativa com o alelo mutante e assim apresentar a anormalidade em todas as células.
As anormalidades cromossômicas geralmente são fatais para os fetos. Entretanto, a presença de células normais durante o início do desenvolvimento pode favorecer certas anormalidades cromossômicas, permitindo que o descendente nasça vivo. O mosaicismo cromossômico pode ser detectado com exames genéticos pré-natais, particularmente em biópsia da vilosidade coriônica.
Cromossomos extras ou ausentes
Quantidades anormais de cromossomos autossômicos (cromossomos que não são sexuais) geralmente resultam em anomalias graves. Por exemplo, autossomos extras tipicamente causam anormalidades como a síndrome de Down e outras síndromes graves ou pode ser fatal para o feto. A ausência de um autossomo é geralmente fatal para o feto. Em geral, as anormalidades cromossômicas podem ser diagnosticadas antes do nascimento.
Por causa da inativação do cromossomo X, ter uma quantidade anormal de cromossomos X é geralmente muito menos grave do que ter uma quantidade anormal de cromossomos autossômicos. Por exemplo, as anormalidades resultantes da ausência de um dos cromossomos X, geralmente, são relativamente pouco importantes (p. ex., na síndrome de Turner). Além disso, as mulheres com 3 cromossomos X (trissomia do X) geralmente são física e mentalmente normais; um único cromossomo X do material genético está completamente ativo, mesmo se a mulher tem > 2 cromossomos X (os cromossomos X extras também estão parcialmente inativados).
Dissomia uniparental
A dissomia uniparental ocorre quando
Os dois cromossomos foram herdados somente de um dos pais
É muito rara e parece envolver o resgate de trissomia; isto é, o zigoto foi iniciado como uma trissomia (ter 3 em vez de 2 de um cromossomo específico) e um dos 3 foi perdido, um processo que leva à uniparental, quando 2 cromossomos que restaram são do mesmo pai (em cerca de um terço dos casos).
A dissomia uniparental pode resultar em fenótipos anômalos e padrões hereditários. Por exemplo, se existirem duplicatas do mesmo cromossomo (isodissomía) com um alelo anômalo para uma doença autossômica recessivo, os portadores podem ter uma doença autossômica recessiva, embora apenas um dos pais seja portador. A dissomia uniparental pode resultar em um distúrbio de imprinting quando o cromossomo dissômico resulta na perda da expressão apropriada de uma região com imprinting crítico (p. ex., a síndrome de Prader-Willi pode ser decorrente da isodissomia materna do cromossomo 15).
Translocação cromossômica
A translocação cromossômica é
A troca de partes do cromossomo entre cromossomos não pareados (não homólogos)
Se os cromossomos trocarem partes iguais de material genético, a translocação é descrita como balanceada. Translocação não balanceada resulta na perda de material cromossômico, geralmente, os braçoscurtos de 2 cromossomos fundidos deixando apenas 45 cromossomos remanescentes.
A maioria dos indivíduos com translocações são fenotipicamente normais. Entretanto, as translocações podem causar ou contribuir para leucemia mielocítica aguda (LMA) e leucemia mielocítica crônica (LMC) ou síndrome de Down. As translocações podem aumentar o risco de anormalidades cromossômicas nos descendentes, particularmente as translocações não balanceadas. Devido às anormalidades cromossômicas, geralmente, serem fatais para o embrião ou feto, uma translocação nos pais pode resultar em abortos recidivantes inexplicáveis ou infertilidade.
Doenças por tripletes repetidos (doenças por repetição de trinucleotídeos)
Um doença por repetição de tripletes resulta quando
Um triplete dos nucleotídeos é repetido em um número anormal de vezes dentro de um gene (ocasionalmente várias centenas de vezes)
O número de tripletes pode aumentar quando o gene é transmitido de uma geração para outra ou quando as células se dividem dentro do corpo. Quando um trinucleotídeo aumenta o suficiente, o gene para de funcionar normalmente ou produzir produtos proteicos anormais. A doença de repetição de trinucleotídeos é pouco comum, mas ocorre em várias doenças neurológicas (p. ex., distrofia miotônica, síndrome associada ao X frágil), em particular nas doenças que envolvem o sistema nervoso central (p. ex., doença de Huntington). As doenças de repetição de trinucleotídeos podem ser detectadas por técnicas de análise do DNA.
Antecipação
Antecipação ocorre quando a doença tem idade de início mais precoce, expressando-se de maneira mais grave a cada geração sucessiva. A antecipação pode ocorrer quando um dos pais é um mosaico e a criança apresenta a mutação completa em todas as células. Também pode ocorrer em doenças de repetições trinucleotídeos quando o número de repetições e, assim, a gravidade do fenótipo aumentam a cada geração.
Pontos-chave
Uma mutação aparentemente autossômica dominante pode surgir de modo espontâneo e, portanto, pode não indicar aumento do risco para os irmãos.
Alterações irregulares nas doenças podem refletir mosaicismo.
Translocações cromossômicas podem não ter efeitos fenotípicos, ou podem resultar em leucemias, síndrome de Down, abortos espontâneos ou anomalias cromossômicas na prole.
As doenças hereditárias podem se tornar mais graves e começar mais cedo na vida com as gerações sucessivas, às vezes por causa de doenças de repetição de trinucleotídeos.