Insuficiência de crescimento em crianças

(Failure to Thrive)

PorEvan G. Graber, DO, Nemours/Alfred I. duPont Hospital for Children
Reviewed ByAlicia R. Pekarsky, MD, State University of New York Upstate Medical University, Upstate Golisano Children's Hospital
Revisado/Corrigido: jan. 2025 | modificado abr. 2025
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Visão Educação para o paciente

Insuficiência de crescimento é definida como: comprimento/altura, peso, ou índice de massa corporal (IMC) abaixo dos valores esperados para a idade e sexo; ou queda no comprimento/altura ou no peso que cruze 2 ou mais linhas percentílicas nos gráficos de crescimento específicos, após um padrão de crescimento previamente típico. As causas podem ser uma condição médica ou fatores ambientais. Todos os tipos de dificuldade de ganho de peso estão relacionados à nutrição inadequada. O objetivo do tratamento é restaurar a nutrição adequada.

Em inglês, a expressão failure to thrive é uma terminologia desatualizada. Foi substituído por growth and weight faltering (insuficiência do crescimento, nesta tradução) (1).

Referência geral

  1. 1. Tang MN, Adolphe S, Rogers SR, Frank DA. Failure to Thrive or Growth Faltering: Medical, Developmental/Behavioral, Nutritional, and Social Dimensions. Pediatr Rev. 2021;42(11):590-603. doi:10.1542/pir.2020-001883

Etiologia da insuficiência de crescimento em crianças

A base fisiológica para a insuficiência de crescimento é uma nutrição inadequada e divide-se em 3 categorias: orgânica, não orgânica e mista. A maioria dos casos de insuficiência de crescimento é mista (1).

Insuficiência de crescimento orgânica

A insuficiência de crescimento orgânica deve-se a um distúrbio agudo ou crônico que interfere na ingestão, absorção, metabolismo ou excreção de nutrientes ou que aumenta as necessidades energéticas (ver tabela Algumas causas da insuficiência de crescimento orgânica). A causa pode ter origem em qualquer sistema orgânico.

Crianças podem apresentar insuficiência de crescimento orgânica em qualquer idade, dependendo da doença subjacente.

Tabela
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Insuficiência de crescimento não orgânica

A insuficiência de crescimento não orgânica se deve à ingestão insuficiente de calorias. Costuma manifestar-se como uma incapacidade de ganhar peso. O crescimento em termos de comprimento e perímetro cefálico permanece normal por algum empo até que também seja impactado pela baixa ingestão calórica. Esse é o padrão mais comum de insuficiência de crescimento não orgânica.

Quando a insuficiência de crescimento não orgânica resulta de fatores psicológicos, o deficit de crescimento acompanha ou precede a insuficiência de crescimento. Acredita-se que isso ocorra porque o estresse mental na criança pode aumentar os níveis dos hormônios contrarreguladores (p. ex., corticoides, catecolaminas), que se opõem aos efeitos do hormônio do crescimento.

Até 80% das crianças com IGP não demonstram uma causa orgânica aparente inibidora do crescimento. O deficit de crescimento ocorre por negligência ambiental (p. ex., falta de alimento), falta de estímulo, ou ambos.

A falta do alimento pode ocorrer por

  • Pobreza

  • Incompreensão das técnicas alimentares

  • Preparo impróprio de receitas (p. ex., hiperdiluição do alimento para “render mais”, devido a dificuldades financeiras)

  • Oferta inadequada do leite materno (mãe sob tensão, cansaço ou desnutrida)

A insuficiência de crescimento não orgânica geralmente é decorrente de interações desordenadas entre a criança e o cuidador. A criança desestimulada torna-se apática e, por fim, anorética. O estímulo pode faltar porque o responsável

  • É deprimido ou apático

  • Necessita de assistência com habilidades parentais

  • É ansioso ou não preenche as condições para a função de cuidador

  • Demonstra hostilidade para com a criança

  • Sofre sob tensões reais do ambiente (como exigências de outras crianças em famílias grandes e caóticas, problemas conjugais, perdas significativas, dificuldades financeiras)

Dificuldades com o cuidado não explicam totalmente todos os casos de insuficiência de crescimento não orgânica. O temperamento, as respostas e a capacidade da criança ajudam o responsável na formação de padrões nutricionais. Alguns cenários envolvem desentendimentos cuidador-criança, nos quais as exigências da criança (p. ex., uma criança difícil de alimentar), embora não patológicas, não conseguem ser adequadamente atendidas pelo cuidador; este pode, entretanto, se dar bem com uma criança que tem necessidades diferentes ou até mesmo com a mesma criança em circunstâncias diferentes. Investigar o que torna uma criança difícil de alimentar pode revelar um problema na interação cuidador-criança que teria permanecido oculto se a criança fosse fácil de alimentar.

Insuficiência de crescimento mista

Na insuficiência de crescimento mista, causas orgânicas e não orgânicas podem se sobrepor. Por exemplo, crianças com distúrbios orgânicos também têm ambientes perturbados e/ou interações disfuncionais com os cuidadores. Da mesma forma, crianças com desnutrição grave causada por insuficiência de crescimento não orgânica podem desenvolver problemas médicos orgânicos.

Referência sobre etiologia

  1. 1. Peterson Lu E, Bowen J, Foglia M, et al. Etiologies of Poor Weight Gain and Ultimate Diagnosis in Children Admitted for Growth Faltering. Hosp Pediatr. 2023;13(5):394-402. doi:10.1542/hpeds.2022-007038

Diagnóstico da insuficiência de crescimento em crianças

  • Monitoramento frequente do peso

  • História clínica, familiar e social

  • História dietética

  • Exames laboratoriais

Peso, altura ou comprimento, e perímetro cefálico devem ser representados graficamente em relação à idade em curvas de crescimento, como aquelas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). (Para crianças de 0 a 2 anos, ver WHO Growth Charts; para crianças de 2 anos e maiores, ver CDC Growth Charts.) Enquanto o prematuro não completar 2 anos, a idade deve ser corrigida pela gestação.

O peso é o indicador mais sensível do estado nutricional. Outra medida útil da desnutrição inclui um escore Z do índice de massa corporal (IMC) inferior a -2 (isto é, 2 desvios padrão abaixo do IMC médio para a idade e o sexo). Quando a insuficiência de crescimento decorre de ingestão calórica inadequada, o peso cai abaixo do percentil basal antes do comprimento.

Crescimento linear reduzido indica desnutrição prolongada grave. A diminuição simultânea do comprimento ou altura e peso sugere uma deficiência primária de crescimento ou um estado inflamatório prolongado.

Como o encéfalo é preferencialmente poupado na desnutrição proteico-calórica, o crescimento reduzido do perímetro cefálico ocorre tardiamente e indica desnutrição muito grave ou prolongada.

Crianças que estão abaixo do peso podem ser menores e mais baixas do que seus colegas e podem manifestar inquietação ou choro, letargia ou sonolência, e obstipação. A insuficiência de crescimento está associada a atrasos físicos (p. ex., sentar, andar), atrasos sociais (p. ex., interação, aprendizagem) e, se ocorre em crianças maiores, puberdade tardia.

Em geral, quando o deficit de crescimento é observado, obtém-se a história (incluindo a história nutricional — ver tabela Dados essenciais da história para insuficiência de crescimento), providencia-se a orientação alimentar e monitora-se o peso da criança frequentemente.

O exame cuidadoso do gráfico de crescimento pode fornecer pistas para o diagnóstico. Por exemplo, se o peso e a altura caem simultaneamente, é provável o diagnóstico de uma causa orgânica. Entretanto, sem evidências históricas ou físicas de uma etiologia específica subjacente ao déficit de crescimento, nenhum aspecto clínico isolado ou teste é capaz de distinguir de forma confiável a insuficiência de crescimento orgânica da não orgânica. Como as crianças podem apresentar insuficiência de crescimento orgânica e não orgânica, médico deve investigar simultaneamente um problema físico subjacente e características pessoais, familiares e da relação criança-família que sustentem uma etiologia psicossocial.

A avaliação deve ser multidisciplinar, envolvendo médico, enfermeira, assistente social, nutricionista, um especialista em desenvolvimento e até um psiquiatra ou psicólogo. Deve-se observar o comportamento alimentar da criança com os profissionais de saúde e com os cuidadores, seja em ambiente hospitalar ou ambulatorial. A criança que não ganha peso satisfatoriamente, apesar de toda orientação, deve ser internada, para observação em ambiente hospitalar e realização rápida dos testes laboratoriais diagnósticos necessários.

Durante a hospitalização, a interação da criança com as pessoas no ambiente é cuidadosamente observada, e evidências de comportamentos autoestimulatórios (p. ex., balançar, bater a cabeça) podem ser anotadas. Algumas crianças com insuficiência de crescimento não orgânica são descritas como hipervigilantes e desconfiadas do contato próximo com as pessoas, preferindo interações com objetos inanimados, caso interajam. Embora a insuficiência de crescimento não orgânica seja mais consistente com negligência do que com abuso parental, deve-se examinar atentamente a criança em busca de evidência de abuso. Um teste de triagem do nível de desenvolvimento deve ser feito e, se indicado, seguido por avaliação mais sofisticada. Crianças hospitalizadas que começam a ganhar peso adequadamente com técnicas corretas de alimentação, preparo da fórmula e quantidade adequada de calorias têm maior probabilidade de apresentar insuficiência de crescimento não orgânica.

A participação dos cuidadores como coinvestigadores é essencial. Isso ajuda a promover a autoeficácia e evita culpar os cuidadores, que já podem se sentir frustrados ou culpados devido a uma percepção de incapacidade de cuidar adequadamente da criança. Para crianças hospitalizadas, a família deve ser incentivada a fazer visitas frequentes e com a maior duração possível, salvo contraindicação. Os membros da equipe devem fazer com que eles se sintam bem-vindos, apoiar suas tentativas de alimentar a criança e fornecer brinquedos e ideias que promovem brincadeiras e outras interações cuidador-criança.

Deve-se avaliar a adequação do cuidador e o senso de responsabilidade. Suspeitas de negligência ou abuso devem ser relatadas aos serviços sociais, mas, em muitos casos, o encaminhamento para serviços preventivos direcionados às necessidades da família em termos de apoio e educação (p. ex., aumento de vales de alimentação, creches mais acessíveis, aulas de parentalidade) é mais apropriado como primeira etapa.

Tabela
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Exames

Exames laboratoriais extensos geralmente não são produtivos. Se a história completa ou exame físico não indicam uma causa específica, a maioria dos especialistas recomenda limitar os testes de triagem a

  • Hemograma completo com contagem diferencial

  • Velocidade de hemossedimentação

  • Níveis de ureia, creatinina e eletrólitos no soro

  • Cultura e urinálise (incluindo capacidade de concentração e acidificação)

  • Coprologia (pH, substâncias redutoras, odor, cor, consistência, presença de gordura)

Dependendo da prevalência de certas doenças na comunidade, outros exames devem ser adicionados, como HIV e tuberculose.

Deve-se revisar os resultados dos testes de triagem neonatal para indicações de outras doenças genéticas. Além disso, embora agora os testes de rastreamento neonatal avaliem a presença de fibrose cística em neonatos, deve-se fazer um teste de suor se a criança tem história de doença recorrente do trato respiratório superior ou inferior, apetite voraz, fezes volumosas e fétidas, hepatomegalia ou antecedentes familiares de fibrose cística.

Testes para doenças endócrinas que podem impactar o crescimento são às vezes apropriados. Hipertireoidismo pode resultar em perda de peso. Os exames incluem a determinação dos níveis de tiroxina (T4) e hormônio tireoestimulante (TSH). O rastreamento da deficiência do hormônio do crescimento (feito medindo-se os níveis séricos do fator de crescimento semelhante à insulina 1 [IGF-1] e da proteína de ligação de IGF tipo 3 [IGFBP-3]) é apropriado quando o ganho em altura é mais gravemente afetado do que o ganho ponderal ou quando a altura/comprimento e o peso caem simultaneamente.

Pode-se realizar testes para doença celíaca como parte da avaliação inicial. Testes podem incluir o anticorpo marcador sorológico do anticorpo antitransglutaminase tecidual (tTG, na sigla em inglês) e o anticorpo antiendomísio (EMA, na sigla em inglês) e, às vezes, biópsia do intestino delgado.

A investigação em busca de doenças infecciosas deve ser reservada para crianças com evidência de infecção (p. ex., febre, vômitos, tosse, diarreia); contudo, uma cultura de urina pode ser útil porque algumas crianças com insuficiência de crescimento decorrente de infecção do trato urinário não apresentam outros sinais e sintomas.

A investigação radiológica deve ser reservada para crianças com história ou achados ao exame sugestivos de patologia anatômica ou funcional (p. ex., estenose pilórica, refluxo gastroesofágico). Mas se há suspeita de uma causa endócrina, às vezes determina-se a idade óssea.

Tratamento da insuficiência de crescimento em crianças

  • Nutrição suficiente

  • Tratamento de qualquer doença subjacente

  • Apoio social em longo prazo

O objetivo do tratamento da insuficiência de crescimento é fornecer recursos suficientes de saúde e ambientais para promover um crescimento satisfatório.

São necessários nutrição adequada com calorias suficientes para promover uma velocidade de crescimento que compense o atraso (calorias necessárias são cerca de 150% do normal) e apoios médico e social personalizados.

A habilidade de ganhar peso no hospital nem sempre diferencia crianças com insuficiência de crescimento não orgânica daquelas com insuficiência de crescimento orgânica; todas as crianças crescem quando recebem nutrição suficiente. Entretanto, algumas crianças com insuficiência de crescimento não orgânica perdem peso no hospital, enfatizando a complexidade dessa condição.

Para crianças com insuficiência de crescimento orgânica ou mista, a doença subjacente deve ser tratada rapidamente.

Para crianças com aparente insuficiência de crescimento não orgânica ou mista, o tratamento inclui o fornecimento de educação e apoio emocional. Como o suporte social ou o tratamento psiquiátrico são a longo prazo, o grupo avaliador pode ser capaz apenas de definir as necessidades da família, fornecer instrução inicial, suporte e encaminhar para agências comunitárias apropriadas. Os cuidadores devem compreender os motivos dos encaminhamentos e, quando houver opções, participar das decisões sobre quais instituições estarão envolvidas. Se a criança for hospitalizada em um hospital de terceira linha, os médicos devem ser consultados com relação às agências locais e do nível de conhecimento da comunidade.

O ideal seria que, antes da alta, houvesse uma reunião entre os profissionais do hospital que cuidaram da criança, o representante do atendimento comunitário e o pediatra. As áreas de responsabilidade e conduta devem ficar bem definidas, por escrito, e ser fornecidas a todos os envolvidos. Os cuidadores devem ser convidados a uma sessão de resumo após a conferência, para que possam conhecer os agentes comunitários, fazer perguntas e marcar consultas de seguimento.

Em alguns casos, a criança é entregue a pais substitutos. A maioria das crianças acaba um dia procurando seus pais biológicos e, portanto, treinamento em habilidades parentais e aconselhamento psicológico devem ser fornecidos a eles. O progresso da criança deve ser monitorado rigorosamente. O retorno aos pais biológicos deve ser baseado na demonstração da habilidade dos pais em cuidar adequadamente da criança, e não apenas na passagem do tempo.

Prognóstico para a insuficiência de crescimento em crianças

O prognóstico para a insuficiência de crescimento orgânica depende da causa.

Na insuficiência de crescimento não orgânica, a maioria das crianças com idade > 1 ano de idade atinge um peso estável acima do terceiro percentil com o tratamento apropriado.

Crianças que desenvolvem qualquer tipo de insuficiência de crescimento antes de 1 ano de idade têm alto risco de atraso cognitivo, especialmente nas aptidões verbais e matemáticas. Aquelas diagnosticadas antes dos 6 meses de idade — quando o ritmo de crescimento cerebral é máximo — têm os riscos mais elevados.

Pontos-chave

  • Insuficiência de crescimento é definida como: comprimento/altura, peso, ou índice de massa corporal (IMC) abaixo dos valores esperados para a idade e sexo; ou queda no comprimento/altura ou no peso que cruze 2 ou mais linhas percentílicas nos gráficos de crescimento específicos, após um padrão de crescimento previamente típico.

  • A insuficiência de crescimento orgânica decorre de um distúrbio médico (p. ex., má absorção, erro inato do metabolismo).

  • A insuficiência de crescimento não orgânica e a oscilação do peso decorrem de problemas psicossociais (p. ex., negligência, pobreza, dificuldades na interação entre cuidador e criança).

  • Além de obter uma história médica, social e alimentar completa, os profissionais de saúde devem observar como os pais/cuidadores alimentam a criança.

  • A hospitalização pode ser necessária para avaliar a criança, para observar a resposta da criança à alimentação adequada e para envolver uma equipe nutricional se necessário.

Informações adicionais

Os recursos em inglês a seguir podem ser úteis. Observe que este Manual não é responsável pelo conteúdo desses recursos.

  1. World Health Organization: Growth charts for children 0 to 2 years

  2. Centers for Disease Control and Prevention: Growth charts for children 2 years and older

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