É a incapacidade de o intestino assumir sua posição normal no abdome durante o desenvolvimento intrauterino. Muitos pacientes apresentam vólvulo de intestino médio, uma emergência cirúrgica. O diagnóstico é por radiografia abdominal. O tratamento é correção cirúrgica com procedimento de Ladd.
(Ver também Visão geral das anomalias gastrointestinais congênitas.)
A má rotação pode ser assintomática ou sintomática. A prevalência da anomalia rotacional assintomática é de aproximadamente 1 em 500 (1); entretanto, a má rotação sintomática ocorre com menos frequência (1 em 2.500 a 6.000 nascidos vivos) (2, 3).
Vôlvulo de intestino médio é a torção súbita dos intestinos anormalmente posicionados e ancorados ao redor de seu pedículo mesentérico, cortando o suprimento sanguíneo. Esta é uma emergência cirúrgica. O vólvulo ocorre mais frequentemente em neonatos (4).
Durante o desenvolvimento embrionário, o intestino primitivo dispõe-se adiante da cavidade abdominal. Ao retornar ao abdome, o intestino grosso faz, normalmente, uma rotação anti-horária, enquanto o ceco vem assentar-se no quadrante inferior direito. A rotação incompleta faz o ceco posicionar-se em outro local (quase sempre no hipocôndrio direito ou mesoepigástrio), podendo causar obstrução intestinal decorrente de bridas retroperitoneais fibrosas (bridas de Ladd) esticadas no duodeno ou em razão de um vólvulo do intestino delgado, que, na ausência de ligamentos peritoneais normais, gira sobre seu estreito ramo mesentérico (5).
Outras anomalias ocorrem na maioria dos pacientes, mais comumente outras malformações gastrointestinais (p. ex., gastrosquise, onfalocele, hérnia diafragmática, atresia intestinal, divertículo de Meckel) (2, 5). Doença cardíaca congênita, síndrome da heterotaxia (uma condição em que os órgãos internos estão dispostos anormalmente no tórax e no abdome) e síndromes genéticas também podem ocorrer.
A má rotação pode ocorrer na infância ou idade adulta; no entanto, em 40% dos casos essa manifestação ocorre no primeiro mês de vida e, em > 80%, nos primeiros 5 anos de vida (3). Os pacientes podem apresentar dor abdominal aguda e êmese biliosa, vólvulo agudo, sintomas típicos de refluxo, dor abdominal crônica ou insuficiência de crescimento. Em alguns pacientes, descobre-se a má rotação incidentalmente como parte da avaliação de outro problema.
A êmese biliosa em um recém-nascido é uma emergência e deve ser avaliada imediatamente para garantir que o lactante não tenha má rotação e vólvulo mesogástrico; sem tratamento, o risco de infarto do intestino e subsequente síndrome do intestino curto ou morte é alto.
Referências gerais
1. Perez AA, Pickhardt PJ. Intestinal malrotation in adults: prevalence and findings based on CT colonography. Abdom Radiol (NY). 2021;46(7):3002-3010. doi:10.1007/s00261-021-02959-3
2. Forrester MB, Merz RD. Epidemiology of intestinal malrotation, Hawaii, 1986-99. Paediatr Perinat Epidemiol. 2003;17(2):195-200. doi:10.1046/j.1365-3016.2003.00480.x
3. Salehi Karlslätt K, Husberg B, Ullberg U, et al. Intestinal Malrotation in Children: Clinical Presentation and Outcomes. Eur J Pediatr Surg. 2024;;34(3):228-235. doi:10.1055/s-0043-1764239
4. Svetanoff WJ, Srivatsa S, Diefenbach K, Nwomeh BC. Diagnosis and management of intestinal rotational abnormalities with or without volvulus in the pediatric population. Semin Pediatr Surg. 2022;31(1):151141. doi:10.1016/j.sempedsurg.2022.151141
5. Langer JC. Intestinal rotation abnormalities and midgut volvulus. Surg Clin N Am. 2017;97(1):147–159. doi:10.1016/j.suc.2016.08.011
Diagnóstico da má rotação do intestino
Radiografias do abdome
Seriografia do esôfago, estômago e duodeno
Às vezes, enema baritado
Às vezes, ultrassonografia
Em lactentes com vômito biliar, deve-se fazer imediatamente radiografias simples do abdome. Se sugerem obstrução, por exemplo, mostrando dilatação do estômago ou intestino delgado proximal (sinal de bolha dupla), pouco gás no intestino distal ao duodeno, ou ambos (sugerindo vólvulo mesogástrico), diagnóstico mais detalhado e tratamento devem ser instituídos o mais rápido possível.
Uma série gastrointestinal (GI) superior cuidadosamente realizada é o método geralmente preferido para diagnosticar má rotação com ou sem vólvulo (1). Enema baritado pode ser útil em certos casos e é geralmente considerado um adjunto à série GI superior. O enema baritado costuma identificar a má rotação, mostrando um ceco fora do quadrante inferior direito.
Esse exame com bário mostra má rotação do intestino. A junção duodenojejunal está à direita da coluna, e a maior parte do intestino delgado está à direita.
Se as radiografias simples são inespecíficas e não há obstrução, os médicos às vezes começam com uma série do trato gastrointestinal superior, porque isso pode detectar outras doenças que causam sintomas semelhantes.
Essa radiografia mostra o típico efeito de bolha dupla observado na obstrução total do duodeno. A bolha menor representa a parte proximal do duodeno dilatada (seta aberta); a bolha maior representa o estômago (seta fechada). Esse efeito pode ser visto na atresia de duodeno, na membrana duodenal, no pâncreas anular e veia porta pré-duodenal. Raramente, também pode ser visto na obstrução duodenal total resultante de bandas de Ladd em um paciente mal rodado.
Em situações não emergenciais, o exame definitivo por imagem para má rotação é uma série do trato gastrointestinal superior. Utiliza-se ultrassonografia para diagnosticar a má rotação, observando-se a localização retromesentérica da terceira porção do duodeno ou a posição invertida dos vasos mesentéricos, e para diagnosticar o vólvulo pela identificação do sinal de redemoinho (2). O uso da ultrassonografia depende da disponibilidade de um radiologista experiente e um técnico de radiologia (3).
Referências sobre diagnóstico
1. Graziano K, Islam S, Dasgupta R, et al. Asymptomatic malrotation: Diagnosis and surgical management: An American Pediatric Surgical Association outcomes and evidence based practice committee systematic review. J Pediatr Surg. 2015;50:1783–1790. doi:10.1016/j.jpedsurg.2015.06.019
2. Nguyen HN, Kulkarni M, Jose J, et al. Ultrasound for the diagnosis of malrotation and volvulus in children and adolescents: a systematic review and meta-analysis. Arch Dis Child. 2021;106(12):1171-1178. doi:10.1136/archdischild-2020-321082
3. Zhou LY, Li SR, Wang W, et al. Usefulness of sonography in evaluating children suspected of malrotation: Comparison with an upper gastrointestinal contrast study. J Ultrasound Med. 2015;34:1825–1832. doi:10.7863/ultra.14.10017
Tratamento da má rotação do intestino
Reparo cirúrgico com procedimento de Ladd
O tratamento cirúrgico para má rotação é um procedimento de Ladd, que consiste em destorção do vólvulo (se presente), divisão das bandas de Ladd (bandas retroperitoneais fibrosas que podem causar obstrução duodenal), alargamento do mesentério do intestino delgado, reposicionamento do intestino (intestino delgado à direita e cólon à esquerda) e apendicectomia. O procedimento de Ladd pode ser feito por laparoscopia ou como um procedimento aberto (1).
A presença de vólvulo de intestino médio com má rotação é uma emergência que requer cirurgia imediata. Realizar o procedimento de Ladd por via laparoscópica para má rotação sem vólvulo pode diminuir o tempo até que a nutrição enteral seja reintroduzida e reduzir o tempo de internação hospitalar em comparação a um procedimento aberto (2).
Um procedimento de Ladd pode ser realizado eletivamente em pacientes sintomáticos que ainda não desenvolveram vólvulo (3). Também pode ser realizado profilaticamente em pacientes assintomáticos nos quais má rotação é encontrada incidentalmente e em pacientes com síndrome de heterotaxia; no entanto, esta prática é controversa (4–6).
Referências sobre tratamento
1. Ooms N, Matthyssens LE, Draaisma JM, et al. Laparoscopic treatment of intestinal malrotation in children. Eur J Pediatr Surg. 2016;26:376–381. doi:10.1055/s-0035-1554914
2. Xie W, Li Z, Wang Q, Wang L, Pan Y, Lu C. Laparoscopic vs open Ladd's procedure for malrotation in neonates and infants: a propensity score matching analysis. BMC Surg. 2022;22(1):25. Publicado em 2022 Jan 26. doi:10.1186/s12893-022-01487-1
3. Covey SE, Putnam LR, Anderson KT, Tsao K. Prophylactic versus symptomatic Ladd procedures for pediatric malrotation. J Surg Res. 2016;205(2):327-330. doi:10.1016/j.jss.2016.06.097
4. Yu DC, Thiagarajan RR, Laussen PC, Laussen JP, Jaksic T, Weldon CB. Outcomes after the Ladd procedure in patients with heterotaxy syndrome, congenital heart disease, and intestinal malrotation. J Pediatr Surg. 2009;44(6):1089-1095. doi:10.1016/j.jpedsurg.2009.02.015
5. Malek MM, Burd RS. The optimal management of malrotation diagnosed after infancy: a decision analysis. Am J Surg. 2006;191(1):45-51. doi:10.1016/j.amjsurg.2005.10.002
6. Landisch R, Abdel-Hafeez AH, Massoumi R, Christensen M, Shillingford A, Wagner AJ. Observation versus prophylactic Ladd procedure for asymptomatic intestinal rotational abnormalities in heterotaxy syndrome: A systematic review. J Pediatr Surg. 2015;50(11):1971-1974. doi:10.1016/j.jpedsurg.2015.08.002
Pontos-chave
Durante o desenvolvimento embrionário, o intestino inicialmente se desenvolve fora da cavidade abdominal e então retorna ao abdome e rotaciona; a rotação incompleta pode causar obstrução intestinal.
Os pacientes geralmente são assintomáticos, mas alguns apresentam sintomas leves e inespecíficos (p. ex., refluxo) ou manifestações de obstrução intestinal com risco de vida (p. ex., êmese biliosa) decorrente de vólvulo.
Há outras malformações, tipicamente gastrointestinal (GI), em 30 a 60% dos pacientes.
Fazer radiografias gastrointestinal e seriografia gastrointestinalsuperior e/ou enema com bário.
Realizar correção cirúrgica para lactentes sintomáticos.
