Trombocitemia essencial

(Trombocitose essencial; trombocitemia primária)

PorJane Liesveld, MD, James P. Wilmot Cancer Institute, University of Rochester Medical Center
Revisado/Corrigido: dez 2023
Visão Educação para o paciente

A trombocitemia essencial (TE) é uma neoplasia mieloproliferativa caracterizada por aumento da contagem de plaquetas, hiperplasia megacariocítica e tendência microvascular hemorrágica ou vasoespástica. Os sinais e sintomas podem incluir cefaleia (migrânea ocular), parestesias, hemorragia, eritromelalgia ou isquemia digital. O diagnóstico baseia-se na contagem plaquetária isolada 450.000/mcL ( 450 10/L), massa eritrocitária normal ou hematócrito normal com depósitos adequados de ferro e ausência de mielofibrose, cromossomo Filadélfia (ou rearranjo ) ou doenças reativas que causam trombocitose. A maioria dos pacientes assintomáticos não requer nenhum tratamento. A presença de trombocitose extrema [contagem de plaquetas > 1.500.000/mcL (> 1.500.000 10/L)] pode aumentar o risco de sangramento. Não há correlação entre a contagem de plaquetas e o risco de trombose macrovascular.

(Ver também Visão geral dos distúrbios mieloproliferativos.)

Etiologia da trombocitemia essencial

A trombocitemia essencial é um distúrbio clonal de células-tronco hematopoiéticas que causa aumento da produção de plaquetas. A trombocitemia essencial geralmente ocorre após os 50 anos de idade, com maior incidência em mulheres.

Uma mutação da enzima Janus quinase 2 (JAK2), JAK2V617F, é identificada em cerca de 50% dos pacientes; a JAK2 faz parte da família de enzimas tirosina quinase e participa da transdução de sinal para a eritropoietina, a trombopoietina e o fator estimulante de colônias de granulócitos (G-CSF).

Outros pacientes têm mutação no éxon 9 do gene da calreticulina (CALR). As mutações CALR geralmente são de 2 tipos, chamados tipo 1 e tipo 2. Pacientes com mutações CALR tendem a ter maior contagem de plaquetas do que pacientes com mutações JAK2 (1).

Alguns pacientes têm uma mutação adquirida no gene do receptor de trombopoietina somática (MPL).

Referência sobre etiologia

  1. 1. Tefferi A, Wassie EA, Guglielmelli P, et al. Type 1 versus Type 2 calreticulin mutations in essential thrombocythemia: a collaborative study of 1027 patients. Am J Hematol 2014;89(8):E121-E124. doi:10.1002/ajh.23743

Fisiopatologia da trombocitemia essencial

A trombocitemia pode levar a

  • Oclusões microvasculares

  • Trombose de grandes vasos

  • Sangramento

As oclusões microvasculares costumam comprometer os pequenos vasos distais dos membros (causando eritromelalgia), do olho (causando enxaqueca ocular) ou do sistema nervoso central (causando ataque isquêmico transitório). Nem todos os pacientes apresentam sintomas microvasculares, mesmo quando a contagem de plaquetas é alta.

Não está claro se o risco de trombose de grandes vasos que causa trombose venosa profunda ou embolia pulmonar é aumentado na trombocitemia essencial, particularmente porque as plaquetas estão envolvidas principalmente na trombose arterial e não há correlação entre a contagem de plaquetas e a trombose de grandes vasos. É mais provável que trombose de grandes vasos ocorra em pacientes com policitemia vera mascarada, e esses pacientes, principalmente mulheres, podem ter sido erroneamente diagnosticados como tendo trombocitemia essencial.

O sangramento é mais provável na trombocitose extrema (isto é, cerca de > 1,5 milhão de plaquetas/mcL [1500 × 109/L]); é decorrente de deficiência adquirida do fator de von Willebrand causada porque as plaquetas adsorvem e proteolizam os multímeros de von Willebrand de alto peso molecular, causando a síndrome de von Willebrand adquirida do tipo 2.

Sinais e sintomas da trombocitemia essencial

Os sintomas comuns são

  • Hematoma e sangramento

  • Enxaqueca ocular

  • Parestesias de mãos e pés (manifestando-se como eritromelalgia)

  • Deficits neurológicos

O sangramento costuma ser leve, raramente espontâneo e se manifesta como epistaxe, hematomas fáceis ou sangramento gastrointestinal. Contudo, pode ocorrer sangramento grave em um pequeno percentual dos pacientes com trombocitose extrema.

Pode ocorrer eritromelalgia (dor em queimação nas mãos e nos pés, com calor, eritema e algumas vezes isquemia digital) com úlceras.

Crises isquêmicas transitórias causam déficits neurológicos dependendo de qual parte do cérebro é afetada.

O baço pode ser palpável, mas a esplenomegalia significativa é incomum. Esplenomegalia significativa deve sugerir outra neoplasia mieloproliferativa ou uma causa para aumento do baço que não está diretamente relacionada com a elevação na contagem plaquetária.

Diagnóstico da trombocitemia essencial

  • Hemograma completo e esfregaço sanguíneo periférico

  • Exclusão das causas da trombocitose secundária e outras neoplasias mieloproliferativas

  • Estudos citogenéticos

  • Mutação no JAK2 e, se negativa, análise da mutação CALR ou MPL

  • Raramente, punção e biópsia da medula óssea

A trombocitemia essencial é um diagnóstico de exclusão e deve-se considerá-la em pacientes nos quais as causas reativas comuns da trombocitose e outros neoplasmas mieloproliferativos forem excluídas.

Se houver suspeita de trombocitemia essencial, devem ser realizados hemograma completo, esfregaço de sangue periférico e (como a trombocitose pode ser causada por deficiência de ferro) estudos de ferro.

Na trombocitemia essencial, a contagem de plaquetas é 450.000/mcL (> 450 × 109/L), podendo ser de apenas > 1000/mcL (> 1.000.000 × 109/L). A contagem de plaquetas podem diminuir durante a gestação.

Sugere-se o diagnóstico em caso de valores normais de hematócrito, contagem de leucócitos, volume corpuscular médio (VCM) e valores de ferro, bem como pela ausência da translocação BCR-ABL.

O exame direto do sangue periférico pode revelar plaquetas gigantes e fragmentos de megacariócitos.

Algumas síndromes mielodisplásicas (p. ex., anemia refratária com sideroblastos anelados, trombocitose em anel [RARS-T] e síndrome 5q-) podem apresentar uma contagem plaquetária alta. Se citopenias são identificadas, deve-se considerar síndrome mielodisplásica.

Também devem-se realizar estudos genéticos, como um ensaio quantitativo para JAK2 V617F [por sequenciamento de última geração (NGS) ou reação em cadeia da polimerase quantitativa], juntamente com um ensaio para BCR-ABL a fim de excluir leucemia mieloide crônica (LMC, que pode se manifestar isoladamente com trombocitose). Se os testes para JAK2 V617F e BCR-ABL são negativos, devem-se fazer testes para a mutação CALR e MPL. Alguns pacientes têm resultado negativo para as três mutações; muitos têm variantes raras das mutações no propulsor da neoplasia mieloproliferativa e outros apresentam mutações germinativas em MPL ou JAK2. Pacientes que não têm mutações genéticas JAK2 V617F, CALR ou MPL (chamadas de triplo negativo) são raras.

A análise de mutação sempre deve ser quantitativa porque a carga do alelo do gene condutor na trombocitemia essencial positiva para JAK2 V617F não excede 50%. Carga quantitativa de alelos > 50% sugere policitemia vera ou mielofibrose primária. Entretanto, a carga quantitativa dos alelos < 50% não exclui definitivamente a policitemia vera ou mielofibrose primária porque essas doenças podem se manifestar apenas com trombocitose e, na policitemia vera (particularmente em pacientes do sexo feminino), a expansão do volume plasmático pode mascarar a presença da massa eritrocitária expandida. Além disso, em cerca de 25% dos pacientes (principalmente mulheres) com o que inicialmente parece ser trombocitemia essencial, a transformação em policitemia vera franca ocorre com o tempo (cerca de 12 anos), levando a aumento dos hematócritos e maior carga do alelo JAK2V617F.

As diretrizes da Organização Mundial da Saúde sugerem que é necessário um resultado de biópsia da medula óssea mostrando aumento do número de megacariócitos maduros para o diagnóstico da trombocitemia essencial, mas esse critério nunca foi validado prospectivamente e um exame da medula não irá distinguir trombocitemia essencial de policitemia vera (1). Em geral, a carga alélica é > 50% na policitemia vera e mielofibrose primária.

Referência sobre diagnóstico

  1. 1. Barbui T, Thiele J, Gisslinger H, et al. The 2016 WHO classification and diagnostic criteria for myeloproliferative neoplasms: document summary and in-depth discussion. Blood Cancer J 2018; 8(2):15. doi:10.1038/s41408-018-0054-

Tratamento da trombocitemia essencial

  • Às vezes, ácido acetilsalicílico

  • Medicamentos redutores de plaquetas (por exemplo, interferon peguilado, anagrelida)

  • Raramente plaquetaférese

  • Raramente agentes citotóxicos como a hidroxiureia

  • Raramente, transplante de células-tronco

Ácido acetilsalicílico, 81 mg, VO, 1 vez ao dia, geralmente é suficiente para sintomas vasomotores leves (p. ex., cefaleia, isquemia digital leve, eritromelalgia) em pacientes de baixo risco (sem doença cardiovascular) que não têm mutação JAK2, mas uma dose mais alta pode ser utilizada se necessário. A enxaqueca grave pode exigir redução da contagem de plaquetas para seu controle.

A utilidade do ácido acetilsalicílico durante a gestação não está comprovada e pode provocar sangramento em pacientes com trombocitemia essencial e mutação CALR. Acredita-se que mulheres com trombocitemia essencial tenham maior incidência de aborto espontâneo no primeiro trimestre de gestação.

Pacientes assintomáticos que são tabagistas ou têm doença cardiovascular ou fatores de risco cardiovascular também são tratados com ácido acetilsalicílico. O uso de ácido acetilsalicílico para profilaxia cardiovascular na ausência de doença cardiovascular ou fatores de risco em pacientes > 65 anos está associado a uma incidência inaceitável de efeitos adversos, principalmente hemorragia gastrointestinal. Não há provas de que pacientes > 65 anos sem sintomas se beneficiem da terapia com ácido acetilsalicílico.

O ácido aminocaproico ou ácido tranexâmico é eficaz para controlar a hemorragia decorrente da síndrome de von Willebrand adquirida durante procedimentos menores, como aqueles odontológicos. Os principais procedimentos podem exigir aumento da contagem das plaquetas. A função plaquetária pode ser avaliada medindo a atividade do cofator da ristocetina.

Os inibidores do JAK-2, como o ruxolitinibe, podem ser eficazes para o tratamento da trombocitemia essencial.

Transplante de células-tronco alogênico é raramente utilizado na trombocitemia essencial, mas pode ser eficaz se houver transformação em leucemia aguda.

Diminuição da contagem de plaquetas

Como o prognóstico quase sempre é bom e não há correlação entre o grau de trombocitose e trombose, não se deve utilizar fármacos potencialmente tóxicos que reduzem apenas para normalizar a contagem plaquetária nos pacientes assintomáticos. As indicações consensuais de tratamento de redução plaquetária são

  • Fatores de risco cardiovascular

  • Episódios isquêmicos transitórios

  • Tabagismo

  • Sangramento importante

  • Necessidade de procedimento cirúrgico em pacientes com trombocitose extrema e baixa atividade do cofator ristocetina

  • Algumas vezes, enxaqueca grave

No entanto, não há dados que comprovem que a diminuição da contagem plaquetária por meio da terapia citotóxica reduza o risco de trombose ou melhore a sobrevida.

Os fármacos utilizados para reduzir a contagem plaquetária são a anagrelida, interferon alfa 2 b e a hidroxiureia.

A hidroxiureia, antes considerada a droga de escolha para terapia essencial de trombocitemia, hoje é conhecida por não apresentar benefícios e ser mielotóxica quando utilizada por longo prazo.

A hidroxiureia só deve ser prescrita por especialistas familiarizados com seu uso e monitoramento e nunca para uso de longo prazo. Os pacientes são monitorados por meio de hemograma semanal. Se a contagem de leucócitos cair para < 4.000 células/mcL (< 4 × 109/L), a hidroxiureia é interrompida e reiniciada com 50% da dose quando os valores se normalizarem. Quando um estado estável é alcançado, o intervalo entre os hemogramas é aumentado para 2 semanas e, então, para 4 semanas. O objetivo é aliviar os sintomas, não normalizar a contagem de plaquetas. A interrupção muito rápida da hidroxiureia pode resultar em recorrência rápida a níveis plaquetários muito elevados e ciclagem de plaquetas.

Como anagrelida e hidroxiureia atravessam a placenta, não são utilizadas durante a gestação; peguilado interferon-alfa-2a pode ser utilizado em gestantes quando necessário.

Deve-se utilizar anagrelida com cautela em pacientes idosos por causa dos seus efeitos sobre o sistema cardiovascular (p. ex., palpitações, arritmias) e os rins (p. ex., retenção de líquidos, insuficiência renal).

O interferon é o tratamento mais seguro para a enxaqueca quando fármacos dedicados à enxaqueca não são eficazes.

O ruxolitinibe, adicionado à melhor terapia disponível, pode ser eficaz na trombocitemia essencial; contudo, o único ensaio clínico realizado, o estudo MAJIC, teve como falha o uso de doses proibitivamente altas de ruxolitinibe em pacientes com trombocitemia essencial parcialmente tratada (1).

A remoção de plaquetas (plaquetaférese) já foi utilizada em raros casos de pacientes com hemorragia grave ou trombose recorrente, ou antes de uma cirurgia de emergência para a redução imediata da contagem de plaquetas. No entanto, a plaquetaférese é raramente necessária. Seus efeitos são transitórios com recuperação rápida na contagem de plaquetas. A hidroxiureia ou a anagrelida não têm um efeito imediato, mas deve-se iniciá-las ao mesmo tempo que a plaquetaférese.

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Harrison CN, Nangalia J, Boucher R, et al. Ruxolitinib Versus Best Available Therapy for Polycythemia Vera Intolerant or Resistant to Hydroxycarbamide in a Randomized Trial. J Clin Oncol 2023;41(19):3534-3544. doi:10.1200/JCO.22.01935

Prognóstico para trombocitemia essencial

A expectativa de vida é quase normal. Ainda que os sintomas sejam comuns, o curso da doença é geralmente benigno.

Complicações trombóticas arteriais sérias são raras, porém podem colocar a vida em risco. Ocorre transformação leucêmica em < 2% dos casos, mas esse percentual pode aumentar após a exposição à terapia citotóxica, inclusive com hidroxiureia.

Alguns pacientes evoluem com mielofibrose secundária, particularmente homens com as mutações JAK2V617F ou CALR tipo 1.

Pacientes com trombocitemia essencial que apresentam resultado negativo para as 3 mutações (JAK2 V617F, CALR, MPL) são raros e têm prognóstico favorável.

Pontos-chave

  • A trombocitemia essencial é uma anomalia clonal de uma célula-tronco hematopoiética multipotente resultando no aumento do número de plaquetas.

  • Os pacientes têm risco de trombose microvascular e sangramento.

  • A trombocitemia essencial é um diagnóstico de exclusão; em particular, outros neoplasmos mieloproliferativos e trombocitose reativa (secundária) devem ser descartadas.

  • Pacientes sem sintomas não necessitam de terapia. O ácido acetilsalicílico geralmente é eficaz para tratar os eventos microvasculares (enxaqueca ocular, eritromelalgia e ataque isquêmico transitório).

  • Pacientes com trombocitose extrema podem exigir tratamento mais agressivo para controlar a contagem de plaquetas; essas medidas incluem interferon alfa-2b peguilado, hidroxiureia, anagrelida, ruxolitinibe e plaquetaférese.

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