Mielofibrose primária (MFP)

PorJane Liesveld, MD, James P. Wilmot Cancer Institute, University of Rochester Medical Center
Reviewed ByJerry L. Spivak, MD; MACP, , Johns Hopkins University School of Medicine
Revisado/Corrigido: modificado set. 2025
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Visão Educação para o paciente

A mielofibrose primária é uma neoplasia mieloproliferativa crônica, geralmente idiopática, caracterizada por fibrose da medula óssea, esplenomegalia e anemia com eritrócitos nucleados e dacriócitos. O diagnóstico requer punção e biópsia da medula óssea e exclusão de outras doenças que possam causar mielofibrose (mielofibrose secundária). O tratamento costuma ser de suporte, mas os inibidores de JAK2 (Janus kinase 2) como ruxolitinibe, fedratinibe, pacritnibe ou momelotinibe podem diminuir os sintomas, e o transplante de células-tronco pode ser curativo.

(Ver também Visão geral das neoplasias mieloproliferativas.)

Fisiopatologia da mielofibrose primária

A mielofibrose é um aumento reativo e reversível do colágeno na medula óssea, frequentemente com hematopoiese extramedular (principalmente no baço). A mielofibrose pode ser:

A mielofibrose primária resulta da transformação neoplásica de uma célula-tronco hematopoiética pluripotente. As células progenitoras da mielofibrose estimulam os fibroblastos da medula óssea (que não fazem parte da transformação neoplásica), para produzir colágeno excessivo. O pico de incidência da MFP ocorre entre 50 e 70 anos de idade, e ocorre predominantemente em homens.

Mutações no gene da Janus quinase 2 (JAK2) estão presentes em uma alta proporção dos casos de mielofibrose primária. JAK2 é um membro do tipo da classe I da família da tirosina quinase das enzimas e participa da transdução do sinal dos receptores de eritropoietina, trombopoietina e fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF) entre outras entidades. Mutações do gene do receptor da trombopoietina (MPL) ou do gene da calreticulina (CALR) também podem causar mielofibrose primária. Entretanto, existem casos raros de mielofibrose primária em que nenhuma dessas três mutações está presente (mielofibrose primária triplo negativa).

Na mielo fibrose primária, eritrócitos nucleados (normoblastos) e mielócitos são liberados na circulação (leucoeritroblastose) quando há hematopoiese extramedular (isto é, órgãos, que não a medula, assumem a produção das células sanguíneas por causa da fibrose medular). O nível de lactato desidrogenase (LDH) sempre está elevado. A insuficiência da medula acaba ocorrendo, com anemia e trombocitopenia consequentes. Cerca de 30% dos pacientes evoluem com leucemia aguda rapidamente progressiva e resistente à quimioterapia.

A mielofibrose maligna (às vezes chamada mielofibrose aguda) é uma variante rara da mielofibrose caracterizada por pancitopenia, mieloblastose e fibrose medular que apresentam um curso descendente mais rápido e progressivo e geralmente ocorre por cauda de um tipo de leucemia aguda chamada de leucemia megacarioblástica aguda.

Tabela
Tabela

Sinais e sintomas da mielofibrose primária

Em muitos pacientes, a mielofibrose é assintomática. Outros pacientes apresentam anemia, esplenomegalia ou, em estágios tardios, mal-estar geral, febre, perda ponderal ou infarto esplênico. Alguns pacientes têm hepatomegalia. Linfadenopatia é rara. Hematopoiese extramedular grave pode desestruturar a função de qualquer órgão no qual ela ocorre, inclusive o cérebro.

Diagnóstico da mielofibrose primária

  • Hemograma completo e esfregaço sanguíneo periférico

  • Aspirado e biópsia da medula óssea

  • Testar as mutações JAK2, CALR e MPL

  • Às vezes, o sequenciamento de próxima geração com um painel direcionado a genes mieloides

Deve-se suspeitar de mielofibrose primária em pacientes com alguma combinação de esplenomegalia, infarto esplênico e anemia inexplicável. Em caso de suspeita da doença, solicitar hemograma completo e morfologia do sangue periférico e biópsia de medula óssea. Se mielofibrose estiver presente em uma biópsia da medula óssea (detectada pela coloração com reticulina ou tricrômio indicando excesso de colágeno), deve-se excluir outras doenças associadas à mielofibrose (ver tabela Doenças associadas à mielofibrose) por meio de avaliação clínica e laboratorial apropriada.

Confirmar o diagnóstico da mielofibrose primária pela detecção de uma mutação JAK2, CALR ou MPL. Em alguns casos, nenhuma dessas mutações é expressa (mielofibrose tri-negativa). Um painel de sequenciamento mais amplo de última geração é capaz de detectar mutações genéticas associadas a maior risco de transformação leucêmica e, assim, pode ser útil no prognóstico.

Tipicamente, há anemia e, geralmente, aumenta com o tempo. A morfologia da célula sanguínea é variável. Os eritrócitos são poiquilócitos. Reticulocitose e policromatofilia podem estar presentes; eritrócitos em forma de gota (dacriócitos) são traços morfológicos característicos. Eritrócitos nucleados e neutrófilos precursores estão tipicamente presentes no sangue periférico. A contagem de leucócitos geralmente está aumentada, mas pode ser muito variável. Nos estágios avançados, pode haver mieloblastos, mesmo na ausência de leucemia aguda. A contagem de plaquetas pode, no início, ser alta, normal ou reduzida; entretanto, a trombocitopenia tende a ocorrer quando a doença progride.

Tratamento da mielofibrose primária

  • Terapia sintomática

  • Às vezes, interferon peguilado

  • Às vezes, ruxolitinibe, fedratinibe, pacritinibe, ou momelotinibe

  • Às vezes, transplante alogênico de células-tronco

O tratamento é direcionado aos sintomas e às complicações. Alguns pacientes podem ser acompanhados sem tratamento.

Na mielofibrose primária precoce, o peginterferon alfa-2a demonstrou diminuir a fibrose na medula e o tamanho do baço, e pode ser utilizado para pacientes de baixo risco como definido por vários sistemas de classificação prognóstica (1, 2).

Para mielofibrose primária sintomática que necessita de tratamento, o inibidor da via JAK inespecífico, ruxolitinibe, é a terapia de escolha em pacientes com contagem de plaquetas > 50.000 plaquetas/mcL (50 × 109/L). O ruxolitinibe é eficaz com ou sem a mutação JAK2 ou a esplenomegalia. Os principais efeitos adversos do ruxolitinibe são anemia e trombocitopenia. Deve-se ter cautela ao suspender o ruxolitinibe porque quando a administração é interrompida abruptamente pode ocorrer uma síndrome de abstinência, com piora significativa dos sintomas, em parte por causa da esplenomegalia e um rebote das citocinas inflamatórias. Pode-se utilizar baixas doses de glicocorticoides em curto prazo para o controle dos sintomas da doença. Quando a esplenomegalia é significativa, o ruxolitinibe pode precipitar a síndrome da lise tumoral, e alopurinol deve ser utilizado para prevenir isso.

Pode-se utilizar fedratinibe, também um inibidor de JAK, quando há resistência ou intolerância ao ruxolitinibe. Alguns pacientes que desenvolvem intolerância ao ruxolitinibe podem ser capazes de tolerá-lo novamente após um período sem o fármaco. O fedratinibe está associado a uma incidência rara de encefalopatia do tipo Wernicke; portanto, os níveis de tiamina devem ser mantidos durante o seu uso.

Outro inibidor do JAK2, o pacritinibe, está disponível para pacientes cuja contagem de plaquetas é muito baixa para iniciar o ruxolitinibe, geralmente < 50.000 plaquetas/mcL (< 50 × 109/L).

O momelotinibe é simultaneamente um inibidor de JAK2 e do receptor tipo 1 da activina A (ACVR1), com possível efeito protetor contra a anemia (3).

Para pacientes com doença avançada, o transplante alogênico de células-tronco pode ser benéfico e é o único tratamento potencialmente durável (4). O transplante alogênico de células-tronco não miealoblativo foi utilizado com sucesso em pacientes idosos. Em pacientes que são elegíveis para transplante de células-tronco, o tratamento é direcionado para prolongamento da sobrevida e mitigação da fibrose. Alguns desses pacientes podem se beneficiar de inibidores de JAK2 antes do transplante de células-tronco para reduzir sintomas e o tamanho do baço.

Androgênios, eritropoietina, esplenectomia, quimioterapia, talidomida, lenalidomida, embolização esplênica e radioterapia foram tentados como paliativos. Destes, a talidomida em baixa dose e a prednisona podem ser eficazes no controle da esplenomegalia, anemia, trombocitopenia e células blásticas circulantes. Contudo, outras modalidades têm eficácia limitada ou efeitos adversos significativos. Se possível, evitar esplenectomia se possível; a irradiação esplênica só tem efeito temporário e pode causar neutropenia grave e infecção. Na mielofibrose, o tratamento da anemia costuma ser difícil; além das transfusões, a eritropoietina e ocasionalmente o danazol podem ajudar.

Entre os agentes que estão sob investigação para o tratamento da mielofibrose está o luspatercepte, uma “armadilha" do ligante do receptor de ativina para tratamento de anemia. Muitos outros agentes estão sendo avaliados, isoladamente ou em combinação com inibidores da JAK2, como compostos anti-Bcl-xL, inibidores da fosfatidilinositol-3-quinase e inibidores de BET (proteína de bromodomínio e motivo extraterminal), como pelabresib (5). Novos inibidores da JAK também estão sendo testados como terapias de primeira linha ou em pacientes que evoluem ou não toleram os inibidores da JAK2 atualmente disponíveis.

Referências sobre tratamento

  1. 1. Tefferi A, Gangat N, Pardanani A, et al. Myelofibrosis: genetic characteristics and the emerging therapeutic landscape. Canc Res 2022;82:749–763. doi: 10.1158/0008-5472.CAN-21-2930

  2. 2. Hasselbalch HC, Silver RT. New Perspectives of Interferon-alpha2 and Inflammation in Treating Philadelphia-negative Chronic Myeloproliferative Neoplasms. Hemasphere. 2021 Nov 18;5(12):e645. doi: 10.1097/HS9.0000000000000645.

  3. 3. Tefferi A, Pardanani A, Gangat N. Momelotinib expands the therapeutic armamentarium for myelofibrosis: Impact on hierarchy of treatment choices. Am J Hematol. 2024;99(2):300-308. doi:10.1002/ajh.27163

  4. 4. Kröger N, Bacigalupo A, Barbui T, et al. Indication and management of allogeneic haematopoietic stem-cell transplantation in myelofibrosis: updated recommendations by the EBMT/ELN International Working Group. Lancet Haematol. 2024;11(1):e62-e74. doi: 10.1016/S2352-3026(23)00305-8

  5. 5. Stuckey R, Segura Díaz A, Gómez-Casares MT. Myelofibrosis: Treatment Options After Ruxolitinib Failure. Curr Oncol. 2025;32(6):339. Publicado em 2025 Jun 9. doi:10.3390/curroncol32060339

Prognóstico para mielofibrose primária

A sobrevida média na mielofibrose primária é de 5 anos a partir do início da doença, mas a variação é ampla; alguns pacientes têm doença progressiva rápida, com evolução para leucemia mieloide aguda, e sobrevida curta, mas a maioria tem um curso mais indolente. Somente o transplante de células-tronco alogênico é curativo.

Marcadores de prognóstico desfavorável são hemoglobina < 10 g/dL (< 100 g/L), história de hemotransfusões, leucocitose e contagem de plaquetas < 100.000 plaquetas/mcL (< 100 × 109/L). Pacientes no grupo de risco menos favorável geralmente sobrevivem < 1 ano, mas aqueles com doença de baixo risco podem ter uma sobrevida mediana de 10 anos.

Vários sistemas úteis de estratificação de risco estão disponíveis para auxiliar o prognóstico e orientar as decisões de instituir tratamento médico r ou transplante de células-tronco. Pode-se utilizar o Sistema de Escore Prognóstico Dinâmico Internacional (DIPSS, na sigla em inglês) para a mielofibrose primária a fim de prever a progressão ou sobrevivência à medida que a doença evolui (1). Alguns sistemas de pontuação, como o Sistema de escore prognóstico internacional geneticamente inspirado (GIPSS) (sistema de pontuação prognóstico geneticamente inspirado [2]) ou o MIPSS70+ (sistema de pontuação prognóstico internacional aprimorado por mutação e cariótipo [3]), também incorporam marcadores citogenéticos e moleculares. Estes podem ser acessados on-line para o cálculo do risco em pacientes específicos (4).

Ferramentas validadas de avaliação de sintomas (p. ex., Myelofibrosis Symptom Assessment Form [formulário de avaliação de sintomas de mielofibrose]) também estão disponíveis para pacientes com mielofibrose e podem ser úteis para monitorar as respostas terapêuticas (5).

Pacientes com policitemia vera ou trombocitemia essencial com mielofibrose geralmente têm um prognóstico muito melhor do que aqueles com mielofibrose primária, e os desfechos podem ser previstos utilizando o modelo prognóstico de mielofibrose secundária à policitemia vera e trombocitemia essencial (MYSEC-PM) (6).

Referências sobre prognóstico

  1. 1. Passamonti F, Cervantes F, Vannuchi AM, et al. Dynamic International Prognostic Scoring System (DIPSS) predicts progression to acute myeloid leukemia in primary myelofibrosis. Blood. 2010;115:1703–1709.

  2. 2. Tefferi A, Guglielmelli P, Nicolosi M, et al. GIPSS: genetically inspired prognostic scoring system for primary myelofibrosis. Leukemia. 2018;32(7):1631–1642. doi:10.1038/s41375-018-0107-z

  3. 3. Tefferi A, Guglielmelli P, Lasho TL, et al. MIPSS70+ Version 2.0: Mutation and Karyotype-Enhanced International Prognostic Scoring System for Primary Myelofibrosis. J Clin Oncol. 2018;36(17):1769–1770. doi:10.1200/JCO.2018.78.9867

  4. 4. Tefferi A. Primary myelofibrosis: 2023 update on diagnosis, risk-stratification, and management. Am J Hematol. 2023;98(5):801–821. doi:10.1002/ajh.26857

  5. 5. Mesa RA, Schwager S, Radia D, et al. The Myelofibrosis Symptom Assessment Form (MFSAF): an evidence-based brief inventory to measure quality of life and symptomatic response to treatment in myelofibrosis. Leuk Res. 2009;33(9):1199–1203. doi:10.1016/j.leukres.2009.01.035

  6. 6. Passamonti F, Giorgino T, Mora B, et al. A clinical-molecular prognostic model to predict survival in patients with post polycythemia vera and post essential thrombocythemia myelofibrosis. Leukemia. 2017;31(12):2726–2731. doi: 10.1038/leu.2017.169

Pontos-chave

  • A mielo fibrose é o excesso de fibrose na medula óssea, frequentemente com perda das células hematopoiéticas e consequentemente hematopoiese extramedular.

  • A mielofibrose costuma ser primária, mas pode ser secundária a algumas doenças hematológicas, malignas e não malignas, como policitemia vera e trombocitose essencial.

  • A mielofibrose primária é uma doença clonal de células-tronco hematopoiéticas e geralmente contém mutações JAK2, CALR ou MPL.

  • Diagnosticar pelo hemograma, exame do esfregaço de sangue periférico, biópsia da medula óssea e teste molecular para mutações JAK2, MPL e/ou CALR.

  • Alguns pacientes têm curso indolente e não precisam de terapia imediata, mas alguns pacientes cursam com deterioração rapidamente progressiva e pequena sobrevida.

  • O inibidor da via JAK ruxolitinibe é a terapia de escolha para controle dos sintomas; outros inibidores da via JAK estão disponíveis para pacientes que são resistentes ou intolerantes ao ruxolitinibe ou têm trombocitopenia mais grave.

  • O transplante alogênico de células-tronco é benéfico em casos selecionados.

  • No início da doença, a peginterferona pode ser eficaz na redução da fibrose da medula e do tamanho do baço.

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