Hematúria isolada

PorGeetha Maddukuri, MD, Saint Louis University
Revisado/Corrigido: dez 2022
Visão Educação para o paciente

A hematúria é a presença de eritrócitos na urina, especificamente > 3 eritrócitos por campo de grande aumento no exame do sedimento urinário. A urina pode ser vermelha, hemática ou na cor marrom escura (hematúria macroscópica com oxidação do sangue retido na bexiga) ou visivelmente descolorida (hematúria microscópica). Hematúria isolada corresponde a eritrócitos na urina sem outras alterações urinárias (p. ex., proteinúria, cilindros).

A urina vermelha nem sempre é decorrente de presença de eritrócitos. A cor vermelha ou vermelho-amarronzada pode resultar de:

  • Hemoglobina ou mioglobulina na urina

  • Porfiria (maioria dos tipos)

  • Alimentos (p. ex., beterraba; ruibarbo; algumas vezes, corantes alimentares)

  • Fármacos (mais frequentemente, fenazopiridina, mas, algumas vezes, cáscara, difenil-hidantoína, metildopa, fenacetina, fenindiona, fenolftaleína, fenotiazina e senna)

Fisiopatologia da hematúria isolada

Os eritrócitos podem entrar na urina a partir de qualquer local do trato urinário — rins, sistema coletor, ureteres, próstata, bexiga e uretra. Nas mulheres, pode-se diagnosticar erroneamente um sangramento uterino normal ou anormal como hematúria.

Etiologia da hematúria isolada

A maioria dos casos envolve hematúria microscópica transitória autolimitada e idiopática. A hematúria microscópica transitória é particularmente comum em crianças, presente em até 5% das amostras de urina. Existem inúmeras causas específicas (ver tabela Algumas causas específicas de hematuria).

As causas específicas mais comuns diferem de acordo com a idade, mas, no geral, as mais comuns são

Exercícios vigorosos podem causar hematúria transitória. O câncer e a doença da próstata são preocupantes, principalmente em pacientes > 50 anos, apesar de pacientes mais jovens com fatores de risco poderem desenvolver câncer.

Doenças glomerulares podem ser a causa em todas as idades. Doenças glomerulares podem representar uma doença renal primária (adquirida ou hereditária) ou ser secundária a diversas causas, como infecção (p. ex., infecção por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A), doenças do tecido conjuntivo e vasculite (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico em todas as idades, vasculite associada à imunoglobulina A [púrpura de Henoch-Schönlein] em crianças) e doenças hematológicas (p. ex., crioglobulinemia mista, doença do soro). Ao redor do mundo, a nefropatia por imunoglobulina A (IgA) é a forma mais comum de glomerulonefrite. Doença da membrana basal fina e nefropatia leve por IgA podem causar hematúria isolada; entretanto, a maioria das outras causas glomerulares de hematúria é acompanhada de proteinúria.

O Schistosoma haematobium, um parasita que causa doença significativa na África (e, em menor extensão, na Índia e partes do Oriente Médio), pode invadir o trato urinário e causar hematúria. A esquistossomose é considerada apenas se a pessoa permaneceu algum tempo em áreas endêmicas. Mycobacterium tuberculosis também pode infectar o trato urinário inferior ou superior e causar hematúria, às vezes, provocando estenose uretral.

Outras causas de hematúria incluem

  • Instrumentação ou procedimento do trato urinário (p. ex., cateterismo de Foley, biópsia de próstata ou renal, litotripsia)

  • Cistite por irradiação

  • Cistite hemorrágica induzida por fármacos

  • Etiologia vascular — que é rara (p. ex., infarto renal, embolia venosa renal, malformação arteriovenosa renal)

Tabela

Avaliação da hematúria isolada

História

História da doença atual contendo a duração da hematúria e quaisquer episódios prévios. Sintomas obstrutivos urinários (p. ex., esvaziamento incompleto, noctúria, dificuldade em iniciar ou interromper a micção) e sintomas irritativos (p. ex., irritação, urgência, frequência, disúria) devem ser observados. Deve-se perguntar aos pacientes sobre a presença de dor, sua localização e gravidade e se fizeram exercícios vigorosos.

A revisão dos sistemas deve buscar sintomas de possíveis causas, incluindo dor articular e exantema (doenças do tecido conjuntivo) e perda de audição ou manifestações oculares (nefrite hereditária, também chamada síndrome de Alport). Presença de febre, sudorese noturna ou perda ponderal também devem ser observados.

A história clínica deve incluir questões sobre quaisquer infecções recentes, particularmente dor de garganta, que pode indicar infecção por estreptococo beta-hemolítico do grupo A. Deve-se buscar doenças conhecidas que causam sangramento do trato urinário (particularmente, cálculos renais, doença falciforme ou traço dela, distúrbios glomerulares) juntamente com qualquer história de anomalias congênitas do trato urinário. Além disso, deve-se identificar as condições que predispõem à doença glomerular, como doença do tecido conjuntivo [especialmente lúpus eritematoso sistêmico (LES) e artrite reumatoide artrite reumatoide], endocardite, infecções de derivações, e abscessos abdominais. Os fatores de risco de câncer do trato urinário devem ser identificados, incluindo tabagismo (o mais significativo), fármacos (p. ex., ciclofosfamida, fenacetina) e exposição a químicos industriais (p. ex., nitratos, nitrilotriacetato, nitritos, tricloroetileno).

A história familiar deve indicar parentes com doença renal policística conhecida, doença glomerular ou câncer geniturinário. Deve-se perguntar aos pacientes sobre viagens para áreas endêmicas de esquistossomose e fatores de risco de tuberculose devem ser avaliados. A história de fármacos deve verificar o uso de anticoagulantes ou antiplaquetários (embora a própria anticoagulação controlada não cause hematúria) e uso intenso de analgésicos.

Exame físico

Os sinais vitais devem ser revisados quanto à presença de febre e hipertensão.

O coração deve ser auscultado quanto à presença de sopros (sugerindo endocardite).

O abdome deve ser palpado para verificar a presença de massas; os flancos devem ser percutidos para verificar dolorimento sobre os rins. Em homens, deve-se realizar o toque retal para verificar crescimento, nódulos e dolorimento da próstata.

A face e as extremidades devem ser inspecionadas quanto à presença de edema (sugerindo doença glomerular), e a pele deve ser inspecionada quanto à presença de exantema (sugerindo vasculite, LES ou vasculite associada à imunoglobulina A).

Sinais de alerta

Os achados a seguir são particularmente preocupantes:

  • Em geral, hematúria macroscópica e proteinúria concomitante

  • Hematúria microscópica persistente, especialmente em pacientes idosos

  • Idade > 50

  • Hipertensão e edema

  • Sintomas sistêmicos (p. ex., febre, sudorese noturna, perda ponderal)

Interpretação dos achados

As manifestações clínicas de várias causas se sobrepõem significativamente, sendo necessários exames da urina e do sangue. Dependendo dos resultados, podem ser necessários exames de imagem. Entretanto, alguns achados clínicos fornecem pistas úteis (ver tabela Algumas causas comuns de hematuria).

  • Coágulos de sangue na urina virtualmente descartam doença glomerular. Doenças glomerulares, geralmente, são acompanhadas de edema, hipertensão ou ambos; os sintomas podem ser precedidos de alguma infecção (particularmente, infecção por estreptococo beta-hemolítico do grupo A em crianças).

  • Cálculos geralmente manifestam-se por dor em cólica excruciante. Dor mais contínua e menos grave pode resultar de infecção, câncer, doença policística renal, glomerulonefrite e síndrome de dor lombar-hematúria.

  • Sintomas irritativos urinários sugerem infecção vesical ou da próstata, mas podem acompanhar certos cânceres (principalmente, da bexiga e da próstata).

  • Sintomas obstrutivos urinários geralmente sugerem doença da próstata.

  • Massa abdominal sugere doença renal policística ou carcinoma de células renais.

  • História familiar de nefrite, anemia ou traço falciforme, ou doença renal policística sugerem estas como causas.

  • Viagem à Africa, ao Oriente Médio ou à Índia sugere a possibilidade de esquistossomose.

  • Sintomas sistêmicos (p. ex., febre, sudorese noturna, perda ponderal) podem indicar câncer ou infecção subaguda (p. ex., tuberculose) ou doença autoimune (tecido conjuntivo).

Por outro lado, alguns achados comuns (p. ex., aumento da próstata, uso excessivo de anticoagulação), apesar de causas potenciais de hematúria, não devem ser considerados como causas sem avaliação cuidadosa.

Exames

Antes de iniciar os exames, deve-se distinguir hematúria verdadeira de urina vermelha pelo exame de urina. Em mulheres com sangramento vaginal, a amostra deve ser obtida por cateterização, para evitar contaminação por fonte não urinária de sangue. A presença de urina vermelha sem eritrócitos sugere mioglobinúria ou hemoglobinúria, porfiria ou ingestão de certos alimentos ou fármacos. Em geral, a presença de hematúria deve ser confirmada testando uma 2ª espécie.

A presença de cilindros, proteínas ou eritrócitos dismórficos (em formas irregulares, com espículas, dobras e inclusões) indica doença glomerular. Leucócitos ou bactérias sugerem etiologia infecciosa. Entretanto, como o exame de urina mostra predomínio de eritrócitos em alguns pacientes com cistite, geralmente, realiza-se urocultura. Uma cultura positiva indica tratamento com antibióticos. Caso a hematúria desapareça após o tratamento e não haja outros sintomas, não é necessária avaliação mais profunda para pacientes < 50 anos de idade, especialmente mulheres.

Pacientes < 35 anos (incluindo crianças) somente com hematúria microscópica sem achados urinários sugestivos de doença glomerular, sem manifestações clínicas que sugerem uma causa, sem fatores de risco de câncer e uma causa benigna identificada (p. ex., infecção, trauma leve) podem ser observados por meio de exame de urina repetida a cada 6 a 12 meses. Se uma causa benigna não é evidente ou a hematúria é persistente, indicam-se exames (1), começando com ultrassonografia ou TC com contraste, às vezes seguida de cistoscopia.

Pacientes < 50 com hematúria franca ou sintomas sistêmicos inexplicáveis requerem ultrassonografia ou TC do abdome e da pelve.

Se os resultados urinários ou clínicos sugerem doença glomerular, deve-se avaliar a função renal medindo nitrogênio da ureia sanguínea, creatinina e eletrólitos no sangue; fazer exame de urina; e determinação periódica da relação proteína/creatinina. A avaliação posterior de doença glomerular pode necessitar de exames sorológicos, biópsia do rim ou ambos.

Todos os pacientes 35 anos exigem cistoscopia, assim como pacientes < 35 anos com fatores de risco, como, por exemplo, história familiar de câncer ou sintomas sistêmicos (1). Deve-se discutir com homens 50 anos sobre a realização de testes de antígeno prostático específico por meio da tomada de decisão compartilhada; aqueles com níveis elevados exigem avaliação mais profunda à procura de câncer de próstata.

Referência geral

  1. 1. Barocas DA, Boorjian ST, Alvarez RD, et al: Microhematuria: AUA/SUFU guideline. J Urol 204(4):778-786, 2020. doi: 10.1097/JU.0000000000001297

Tratamento da hematúria isolada

O tratamento é direcionado para a causa.

Pontos-chave

  • Deve-se diferenciar urina vermelha da hematúria verdadeira (eritrócitos na urina).

  • O exame de urina e o exame do sedimento urinário auxiliam a diferenciação de doença glomerular de causas não glomerulares.

  • O risco de doença séria aumenta com a idade e com a duração e o grau da hematúria.

  • A cistoscopia e os exames de imagem geralmente são necessários para pacientes > 35 anos ou para pacientes mais jovens com sintomas sistêmicos ou fatores de risco de câncer.

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