Distúrbios cerebelares

PorHector A. Gonzalez-Usigli, MD, HE UMAE Centro Médico Nacional de Occidente
Revisado/Corrigido: fev 2022
Visão Educação para o paciente

Os distúrbios cerebelares têm inúmeras causas, incluindo malformações congênitas, ataxias hereditárias e doenças adquiridas. Os sintomas variam de acordo com a causa, mas tipicamente abrangem ataxia (marcha normal com base alargada em decorrência do comprometimento da coordenação muscular). O diagnóstico é clínico e também por exames de imagem às vezes por exames genéticos. O tratamento geralmente é apenas de suporte, a menos que a causa seja adquirida ou reversível.

(Ver também Visão geral dos transtornos de movimento e cerebelares.)

O cerebelo tem 3 partes:

  • O arquicerebelo (vestibulocerebelo): contém o lobo floculonodular, que se localiza na região medial. O arquicerebelo ajuda a manter o equilíbrio e a coordenar os movimentos oculares, da cabeça e do pescoço; está interconectado intimamente ao núcleo vestibular.

  • Verme da linha média (paleocerebelo): auxilia a coordenação dos movimentos do tronco e das pernas. As lesões do verme causam anormalidades posturais e de marcha.

  • Hemisférios laterais (neocerebelo): controlam os movimentos rápidos e finamente coordenados dos membros, predominantemente dos membros superiores e mãos.

Há um consenso crescente de que o cerebelo, além da coordenação, controla alguns aspectos da memória, aprendizado e cognição.

Ataxia é o sinal característico da disfunção cerebelar, mas podem ocorrer muitas outras anomalias motoras (ver tabela Sinais das doenças cerebelares).

Tabela

Etiologia dos distúrbios cerebelares

A causa mais comum dos transtornos cerebelares é

  • Degeneração cerebelar alcoólica

Malformações congênitas

Essas malformações quase sempre são esporádicas, fazem parte de uma síndrome de malformação complexa (p. ex., malformação de Dandy-Walker), que afeta outras partes do sistema nervoso central (SNC).

As malformações se manifestam precocemente durante a vida e não são progressivas. As manifestações variam muito, dependendo das estruturas comprometidas; geralmente há ataxia.

Ataxias hereditárias

As ataxias hereditárias podem ser autossômicas recessivas ou dominantes. As ataxias autossômicas recessivas são: ataxia de Friedreich (a mais prevalente), ataxia-telangiectasia, abetalipoproteinemia, ataxia com deficiência isolada de vitamina E e xantomatose cerebrotendínea.

A ataxia de Friedreich resulta de uma mutação genética que causa repetição anormal da sequência de DNA GAA no gene FXN no braço longo do cromossomo 9; o gene FXN codifica a proteína mitocondrial frataxina. A sequência GAA encontra-se repetida 5 a 38 vezes no gene FXN em pessoas sem ataxia de Friedreich; entretanto, nas pessoas com ataxia de Friedreich, a sequência GAA pode estar repetida 70 a > 1.000 vezes (1, 2). A herança é autossômica recessiva. A diminuição das concentrações de frataxina provoca sobrecarga mitocondrial de ferro e comprometimento da função mitocondrial.

Na ataxia de Friedreich, a instabilidade da marcha inicia-se entre 5 e 15 anos de idade; é seguida por ataxia dos membros superiores, disartria e paresia, em particular dos membros inferiores. Em geral, ocorre declínio das funções mentais. O tremor, se presente, é pequeno. Há perda dos reflexos e da sensibilidade vibratória e proprioceptiva. Talipes equinovarus (pé torto), escoliose e cardiomiopatia progressiva são comuns. Depois dos 20 anos de idade, os pacientes podem ser confinados a uma cadeira de rodas. Morte, muitas vezes devido à arritmia ou insuficiência cardíaca, geralmente ocorre na meia-idade.

As ataxias espinocerebelares (AECs) são as principais ataxias autossômicas dominantes. A classificação dessas ataxias foi revisada várias vezes recentemente, à medida que aumentaram os conhecimentos sobre a genética. Atualmente, são reconhecidos pelos menos 44 loci gênicos diferentes; cerca de 10 envolvem expansão de repetição de sequências de DNA. Alguns envolvem a repetição da sequência CAG do DNA, que codifica o aminoácido glutamina, semelhante ao da doença de Huntington.

As manifestações das AECs variam. Algumas ataxias espinocerebelares mais comuns afetam múltiplas áreas nos sistemas nervosos central e periférico; neuropatia, sinais piramidais e síndrome das pernas inquietas, assim como ataxia, são comuns. Algumas AECs geralmente causam apenas ataxia cerebelar.

A AEC tipo 3, anteriormente conhecida como doença de Machado-Joseph, pode ser a AEC mais comum de herança dominante no mundo todo. Os sintomas incluem ataxia, parkinsonismo, possível distonia, contorções faciais, oftalmoplegia e olhos abaulados peculiares.

Condições adquiridas

As ataxias adquiridas podem resultar de doenças neurodegenerativas não hereditárias (p. ex., atrofia multissistêmica), doenças sistêmicas, esclerose múltipla, derrames cerebelares, lesão encefálica traumática repetida ou exposição à toxina ou elas podem ser idiopáticas. Doenças sistêmicas incluem alcoolismo (degeneração cerebelar alcoólica), deficiência de tiamina, doença celíaca, intermação, hipotireoidismo e deficiência de vitamina E.

As toxinas que podem causar disfunção cerebelar são o monóxido de carbono, metais pesados, o lítio, a fenitoína e certos solventes. Níveis tóxicos de certos fármacos (p. ex., fármacos anticonvulsivantes, sedativos em doses altas) podem causar disfunção cerebelar e ataxia.

Raramente, degeneração cerebelar subaguda ocorre como uma síndrome paraneoplásica em pacientes com câncer de mama, câncer de ovário, câncer de pulmão de pequenas células ou outros tumores sólidos. A degeneração cerebelar pode preceder a descoberta de câncer por semanas a anos. O anti-Yo, agora denominado PCA-1 (anticorpo citoplasmático de células de Purkinje tipo 1), é um autoanticorpo circulante encontrado no sangue ou no líquido cefalorraquidiano de alguns pacientes, especialmente mulheres com câncer de mama ou de ovário.

Em crianças, tumores cerebrais primários (meduloblastoma, astrocitoma cístico) podem ser a causa; a porção da linha média do cerebelo é o local mais comum desses tumores. Raramente, em crianças, há disfunção cerebelar reversível difusa após infecções virais.

Referências sobre etiologia

  1. 1. Pandolfo M: Friedreich ataxia. Arch Neurol. 65 (10):1296–1303, 2008. doi:10.1001/archneur.65.10.1296

  2. 2. Cook A, Giunti P: Friedreich's ataxia: clinical features, pathogenesis and management. Br Med Bull 124 (1):19–30, 2017. doi: 10.1093/bmb/ldx034

Diagnóstico dos transtornos cerebelares

  • Avaliação clínica

  • Normalmente, RM

  • Algumas vezes exames genéticos

O diagnóstico das doenças cerebelares é clínico obtendo uma história familiar detalhada e a pesquisa de doenças sistêmicas adquiridas.

São feitos exames de imagem neurológica, tipicamente RM. Faz-se o exame genético, se a história familiar for sugestiva.

Tratamento dos distúrbios cerebelares

  • Tratamento da causa se possível

  • Em geral, apenas de suporte

Riluzol 50 mg por via oral a cada 12 horas é provavelmente útil para o tratamento a curto prazo da ataxia. Alguns estudos sugerem que a amantadina pode melhorar a coordenação motora, mas evidências gerais a favor ou contra o tratamento da ataxia com este agente são insuficientes (1).

Algumas doenças sistêmicas (p. ex., hipotireoidismo, doença celíaca) e a exposição a toxinas podem ser tratadas; ocasionalmente, a cirurgia de lesões estruturais (tumor, hidrocefalia) é benéfica. Entretanto, geralmente o tratamento é apenas de suporte (p. ex., exercícios para melhorar o equilíbrio, postura e coordenação; dispositivos para ajudar na deambulação, alimentação e outras atividades diárias).

Referência sobre o tratamento

  1. 1. Zesiewicz TA, Wilmot G, Kuo SH, et al: Comprehensive systematic review summary: Treatment of cerebellar motor dysfunction and ataxia. Report of the Guideline Development, Dissemination, and Implementation Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology 90 (10):464–471, 2018. doi: 10.1212/WNL.0000000000005055

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