(Ver também Sepse e choque séptico Sepse e choque séptico A sepse é uma síndrome clínica de disfunção de órgãos com risco de vida, causada por uma resposta desregulada a infecções. No choque séptico há uma redução crítica da perfusão tecidual; pode... leia mais .)
Fisiopatologia do choque
O defeito fundamental no choque é perfusão reduzida dos tecidos vitais. Quando a perfusão declina e o fornecimento de oxigênio para as células é inadequado para o metabolismo aeróbico, as células alternam para o metabolismo anaeróbico, com maior produção de dióxido de carbono e níveis elevados de lactato no sangue. A função celular declina e, se o choque persiste, ocorrem lesões celulares irreversíveis e morte.
Durante o choque, as cadeias inflamatória e de coagulação podem ser ativadas em áreas de hipoperfusão. Células hipóxicas do endotélio vascular ativam leucócitos, que se ligam ao endotélio e liberam substâncias diretamente lesivas (p. ex., espécies de oxigênio reativas, enzimas proteolíticas) e mediadores inflamatórios (p. ex., citocinas, leucotrienos, fator de necrose tumoral). Alguns desses mediadores se ligam a receptores da superfície celular e ativam o fator nuclear kapa B (FNκB), que leva à produção de citocinas adicionais e também de óxido nítrico (NO), um potente vasodilatador. Choque séptico Sepse e choque séptico A sepse é uma síndrome clínica de disfunção de órgãos com risco de vida, causada por uma resposta desregulada a infecções. No choque séptico há uma redução crítica da perfusão tecidual; pode... leia mais pode ser mais pró-inflamatório do que outras formas de choque devido às ações de toxinas bacterianas, especialmente endotoxina.
No choque séptico, a dilatação dos vasos de capacitância ocasiona represamento de sangue e hipotensão em decorrência de hipovolemia “relativa” (isto é, volume demais para ser preenchido pela quantidade existente de sangue). A vasodilatação localizada pode derivar o sangue que passaria pelos leitos capilares de troca, causando hipoperfusão focal a despeito de débito cardíaco e pressão arterial normais. Além disso, o excesso de óxido nítrico é convertido em peroxinitrito, um radical livre que lesa mitocôndrias e diminui a produção de ATP (adenosine triphosphate). O fluxo de sangue para microvasos, incluindo capilares, é reduzido, embora o fluxo sanguíneo em vasos calibrosos esteja preservado em cenários de choque séptico. Obstrução microvascular mecânica pode, ao menos em parte, ser responsável por tal limitação da entrega de substrato. Leucócitos e plaquetas aderem ao endotélio, e o sistema de coagulação é ativado com deposição de fibrina.
Múltiplos mediadores, juntamente com disfunção de células endoteliais, aumentam de maneira pronunciada a permeabilidade microvascular, permitindo que líquidos e, às vezes, proteínas plasmáticas escapem para o espaço intersticia (1-3 Referências sobre fisiopatologia O choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante disfunção celular e morte. Os mecanismos podem envolver volume circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação... leia mais ). No trato gastrointestinal, é possível que a permeabilidade aumentada permita a translocação das bactérias entéricas da luz, potencialmente levando a sepse ou infecção metastática.
A apoptose de neutrófilos pode estar inibida, aumentando a liberação de mediadores inflamatórios. Em outras células, a apoptose pode estar aumentada, aumentando a morte celular e, assim, piorando a função do órgão.
A pressão arterial nem sempre é baixa nos estágios iniciais do choque (embora hipotensão acabe ocorrendo se o choque não for revertido). De forma semelhante, nem todos os pacientes com pressão arterial “baixa” têm choque. O grau e as consequências da hipotensão variam com a adequação da compensação fisiológica e as enfermidades subjacentes do paciente. Assim, um grau modesto de hipotensão bem tolerado por uma pessoa jovem, relativamente saudável, pode resultar em grave disfunção cerebral, cardíaca ou renal em uma pessoa idosa com arteriosclerose significante.
Compensação por choque
Inicialmente, quando a entrega de oxigênio (DO2) diminui, os tecidos compensam extraindo uma porcentagem maior do oxigênio fornecido. Baixa pressão arterial desencadeia uma resposta adrenérgica com vasoconstrição mediada pelo sistema nervoso simpático e, frequentemente, frequência cardíaca aumentada. Inicialmente, a vasoconstrição é seletiva, derivando o sangue para o coração e o encéfalo e removendo-o da circulação esplâncnica. Aminas beta-adrenérgicas circulantes (adrenalina, noradrenalina) também aumentam a contratilidade do coração e desencadeiam a liberação de
Corticoides da glândula adrenal
Renina dos rins
Glicose hepática
Corticoides melhoram os efeitos das catecolaminas. A renina estimula a retenção de volume e a vasoconstrição. A glicemia aumentada incrementa a absorção de piruvato nas mitocôndrias, o que aumenta a produção de lactato quando não há oxigênio suficiente.
Reperfusão após choque
A reperfusão de células isquêmicas pode causar lesões adicionais. À medida que o substrato é reintroduzido, a atividade dos neutrófilos pode aumentar, aumentando a produção dos radicais lesivos superóxido e hidroxila. Após o fluxo sanguíneo ser restaurado, mediadores inflamatórios concentrados localmente podem ser circulados para outros órgãos.
Síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMO)
A combinação de lesão direta e reperfusória pode causar SDMO — a disfunção progressiva de 2 ou mais órgãos consequente a enfermidade ou lesão com risco de morte. A SMDO pode ocorrer após qualquer tipo de choque, mas é mais comum quando infecção está envolvida; falência de órgãos é uma das características que definem o choque séptico Sepse e choque séptico A sepse é uma síndrome clínica de disfunção de órgãos com risco de vida, causada por uma resposta desregulada a infecções. No choque séptico há uma redução crítica da perfusão tecidual; pode... leia mais . A SDMO também ocorre em > 10% dos pacientes com lesão traumática grave e é a causa primária de morte daqueles que sobrevivem durante > 24 horas.
Dicas e conselhos
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Qualquer sistema orgânico pode ser afetado, mas o órgão alvo mais frequente é o pulmão, no qual a permeabilidade de membrana aumentada leva à inundação de alvéolos e inflamação adicional. Hipóxia progressiva pode ser crescentemente resistente a terapia com oxigênio suplementar. Esse quadro é denominado lesão pulmonar aguda ou, quando grave, síndrome do desconforto respiratório agudo Insuficiência respiratória hipoxêmica aguda (IRHA, SARA) Define-se insuficiência respiratória hipoxêmica aguda como hipoxemia grave (PaO2 (Ver também Visão geral da ventilação mecânica.) O preenchimento dos espaços aéreos na insuficiência respiratória... leia mais (SDRA).
Os rins são lesados quando a perfusão renal é criticamente reduzida, levando a necrose tubular aguda Necrose tubular aguda (NTA) A necrose tubular aguda é caracterizada por lesão renal decorrente de lesão tubular aguda e disfunção. As causas comuns são hipotensão ou sepse que provoca hipoperfusão renal e fármacos nefrotóxicos... leia mais e insuficiência renal manifestada por oligúria e elevação progressiva da creatinina sérica.
No coração, perfusão coronariana reduzida e mediadores inflamatórios aumentados (incluindo fator de necrose tumoral e IL-1) podem deprimir a contratilidade, piorar a complacência do miocárdio e regular negativamente os beta-receptores. Esses fatores diminuem o débito cardíaco, piorando ainda mais as perfusões miocárdica e sistêmica e causando um ciclo vicioso que, frequentemente, culmina em morte. Podem ocorrer arritmias.
No trato gastrointestinal podem desenvolver-se obstrução intestinal e hemorragia na submucosa. A hipoperfusão do fígado pode causar necrose hepatocelular focal ou extensa, elevação da aminotransferase e da bilirrubina, e redução da produção de fatores de coagulação.
A coagulação pode estar prejudicada, com sua manifestação mais grave, coagulopatia intravascular disseminada Coagulação intravascular disseminada (CIVD) A coagulação intravascular disseminada (CIVD) envolve geração anormal e excessiva de trombina e fibrina no sangue circulante. Durante o processo, ocorre aumento da agregação plaquetária e consumo... leia mais .
Referências sobre fisiopatologia
1. Salmon AH, Satchell SC: Endothelial glycocalyx dysfunction in disease: Albuminuria and increased microvascular permeability. J Pathol 226:562–74, 2012. doi: 10.1002/path.3964
2. Chelazzi C, Villa G, Mancinelli P, et al: Glycocalyx and sepsis-induced alterations in vascular permeability. Crit Care 19(1):26, 2015. doi:10.1186/s13054-015-0741-z
3. Martin L, Koczera P, Zechendorf E, et al: The endothelial glycocalyx: New diagnostic and therapeutic approaches in sepsis. Biomed Res Int 2016:3758278, 2016. doi:10.1155/2016/3758278
Etiologia e classificação do choque
Existem vários mecanismos de hipoperfusão de órgãos e choque. Choque pode ser devido a
Volume circulante baixo (choque hipovolêmico)
Vasodilatação (choque distributivo)
Diminuição primária no débito cardíaco (tanto choque cardiogênico como obstrutivo)
Uma combinação
Choque hipovolêmico
O choque hipovolêmico é causado por uma diminuição crítica do volume intravascular. O retorno venoso (pré-carga) diminuído resulta em diminuição do preenchimento ventricular e redução do volume de ejeção. Se não for compensado por aumento da frequência cardíaca, o débito cardíaco diminui.
Uma causa comum é sangramento (choque hemorrágico), tipicamente decorrente de trauma, intervenções cirúrgicas, úlcera péptica, varizes esofágicas ou aneurisma da aorta rompido. O sangramento pode ser patente (p. ex., hematêmese, melena) ou oculto (p. ex., gestação ectópica rompida).
O choque hipovolêmico também pode ocorrer após grandes perdas volume além de sangue (ver tabela Choque hipovolêmico causado por perda de volume Choque hipovolêmico causado por perda de líquido corporal ).
Choque hipovolêmico causado por perda de líquido corporal
O choque hipovolêmico pode ser devido a ingestão inadequada de líquidos (com ou sem aumento da perda de líquidos). Pode haver indisponibilidade de água, incapacitação neurológica pode afetar o mecanismo da sede, ou incapacitação física pode impedir o acesso.
Em pacientes hospitalizados, a hipovolemia pode ser composta se sinais precoces de insuficiência circulatória forem incorretamente atribuídos a insuficiência cardíaca e ocorrer suspensão de líquidos ou administração de diuréticos.
Choque distributivo
O choque distributivo resulta de uma relativa inadequação do volume intravascular causada por vasodilatação arterial ou venosa; o volume de sangue circulante é normal. Em alguns casos, o débito cardíaco (e EDO2) é alto, mas o fluxo sanguíneo aumentado nas anastomoses arteriovenosas se desvia dos leitos capilares; esse derivação, associado ao transporte de oxigênio celular dissociado, causa hipoperfusão celular (demonstrada por menor consumo de oxigênio). Em outras situações, o sangue se acumula em leitos venosos de capacitância e o débito cardíaco cai.
O choque distributivo pode ser causado por
Infecção bacteriana pela liberação de endotoxina (choque séptico Sepse e choque séptico A sepse é uma síndrome clínica de disfunção de órgãos com risco de vida, causada por uma resposta desregulada a infecções. No choque séptico há uma redução crítica da perfusão tecidual; pode... leia mais ) ou liberação de exotoxina (choque tóxico Síndrome do choque tóxico (SCT) A síndrome do choque tóxico (toxic shock syndrome) é causada por exotoxinas estafilocócicas ou estreptocócicas. As manifestações incluem febre alta, hipotensão, exantema eritematoso difuso e... leia mais )
Lesão medular grave, geralmente acima de T4 (choque neurogênico)
Ingestão de certos fármacos ou venenos, como nitratos, opioides e bloqueadores adrenérgicos
Frequentemente, os choques anafilático e séptico têm também um componente de hipovolemia.
Choques cardiogênico e obstrutivo
Choque cardiogênico Hipotensão e choque cardiogênico Inúmeras complicações podem ocorrer como resultado da síndrome coronariana aguda e aumentar a taxa de morbidade e mortalidade. Pode-se categorizar aproximadamente as complicações como Disfunção... leia mais é uma redução relativa ou absoluta do débito cardíaco, decorrente de um distúrbio cardíaco primário. Choque obstrutivo é causado por fatores mecânicos que interferem no preenchimento ou esvaziamento do coração ou dos grandes vasos. As causas estão listadas na tabela Mecanismos do choque cardiogênico e obstrutivo Mecanismos do choque cardiogênico e obstrutivo .
Mecanismos do choque cardiogênico e obstrutivo
Sinais e sintomas do choque
Estado mental alterado (p. ex., letargia, confusão, sonolência) é um sinal comum de choque. As mãos e os pés se apresentam pálidos, frios, viscosos e, frequentemente, cianóticos, assim como os lóbulos das orelhas, o nariz e os leitos ungueais. O tempo de enchimento capilar é prolongado e, exceto no choque distributivo, a pele aparece acinzentada ou escura e úmida. Diaforese patente pode ocorrer. Os pulsos periféricos são fracos e tipicamente rápidos; com frequência, somente o pulso femoral ou carótico é palpável. Taquipneia e hiperventilação podem estar presentes. A pressão arterial tende a ser baixa (sistólica < 90 mmHg) ou impossível de mensurar; a mensuração direta por catéter intra-arterial Cateterização arterial Vários procedimentos são utilizados para se obter acesso vascular. Na maioria dos pacientes, as necessidades de líquidos e fármacos IV podem ser atendidas por um catéter venoso periférico percutâneo... leia mais , se efetuada, frequentemente proporciona valores maiores e mais precisos. A excreção de urina é baixa.
O choque distributivo causa sintomas semelhantes, exceto pelo fato de a pele poder estar quente ou enrubescida, especialmente durante sepse Sepse e choque séptico A sepse é uma síndrome clínica de disfunção de órgãos com risco de vida, causada por uma resposta desregulada a infecções. No choque séptico há uma redução crítica da perfusão tecidual; pode... leia mais . O pulso pode ser saltitante em vez de fraco. No choque séptico, costuma haver febre, possivelmente precedida por calafrios. Alguns pacientes com choque anafilático Anafilaxia Anafilaxia é uma reação alérgica aguda potencialmente fatal mediada por IgE que ocorre em pessoas previamente sensibilizadas quando são expostas novamente ao antígeno sensibilizador. Os sintomas... leia mais têm urticária ou sibilação.
Numerosos outros sintomas (p. ex., dor torácica, dispneia, dor abdominal) podem ser devidos à enfermidade subjacente ou a falência secundária de órgãos.
Diagnóstico do choque
Avaliação clínica
Tendências dos resultados de exames
O diagnóstico é principalmente clínico, com base em evidência de perfusão tecidual insuficiente (rebaixamento do nível de consciência, oligúria, cianose periférica) e sinais de mecanismos compensatórios (taquicardia, taquipneia, diaforese). Os critérios específicos são
Obnubilação
Frequência cardíaca > 100 bpm
Frequência respiratória > 22 respirações/min
Hipotensão (pressão arterial sistólica < 90 mmHg) ou queda de 30 mmHg da pressão arterial inicial
Débito urinário < 0,5 mL/kg/hora
Os achados laboratoriais que fundamentam o diagnóstico incluem
Lactato > 3 mmol/L (27 mg/dL)
Deficit de base <−4 mEq/L
PaCO2 < 32 mmHg (< 4,26 kPa)
Todavia, nenhum desses resultados é isoladamente diagnóstico; cada um é avaliado por sua tendência (isto é, piora ou melhora) e no contexto clínico geral, incluindo sinais físicos. Recentemente, foi introduzida a espectroscopia por raios infravermelhos de curto alcance como uma técnica não invasiva e rápida que pode mensurar o grau do choque; contudo, essa técnica ainda precisa ser validada em maior escala.
Diagnóstico da causa
Reconhecer a causa do choque é mais importante do que classificar o tipo. Frequentemente, a causa é óbvia ou pode ser rapidamente reconhecida com base na história e exame físico, com o auxílio de exames simples.
Dor torácica Dor torácica A dor torácica é uma queixa bastante comum. Muitos pacientes têm ciência de que ela é um aviso de possíveis doenças que põem a vida em risco e buscam esclarecimento para sintomas leves. Outros... leia mais (com ou sem dispneia) sugere infarto do miocárdio Infarto agudo do miocárdio (IAM) Infarto agudo do miocárdio é necrose miocárdica resultante de obstrução aguda de uma artéria coronária. Os sintomas incluem desconforto torácico com ou sem dispneia, náuseas e/ou diaforese.... leia mais , dissecção da aorta Dissecção da aorta Dissecção da aorta é a entrada de sangue por dilaceração da íntima aórtica, com separação da íntima e da média, bem como a criação de uma falsa luz (canal). A dilaceração da íntima pode ser... leia mais ou embolia pulmonar Embolia pulmonar (EP) A Embolia pulmonar (EP) é a oclusão de artérias pulmonares por trombos que se originam de outro local, classicamente de veias de grosso calibre ou da pelve. Os fatores de risco de embolia pulmonar... leia mais . Sopro sistólico pode indicar ruptura do septo ventricular ou insuficiência mitral devido a IM agudo. Um sopro diastólico pode indicar regurgitação aórtica decorrente de dissecção da aorta envolvendo a sua raiz. Tamponamento cardíaco Tamponamento cardíaco Tamponamento cardíaco é o acúmulo de sangue no pericárdio com volume e pressão suficientes para prejudicar o enchimento cardíaco. Os pacientes geralmente têm hipotensão, hipofonese de bulhas... leia mais é sugerido por distensão venosa jugular, sons cardíacos abafados e pulso paradoxal. Tipicamente, embolia pulmonar suficientemente grave para causar choque produz saturação de oxigênio diminuída e ocorre com mais frequência em cenários especiais, incluindo repouso acamado prolongado e período pós-operatório. Os exames são eletrocardiografia (ECG), dosagem das enzimas cardíacas, radiografia de tórax, gasometria arterial (GA), radiografia de tórax, TC helicoidal e ecocardiograma.
Dor abdominal ou lombar ou abdome sensível sugere pancreatite Visão geral da pancreatite As pancreatites são classificadas como agudas ou crônicas. A pancreatite aguda é uma inflamação que se resolve tanto clínica como histologicamente. A pancreatite crônica caracteriza- se por... leia mais , aneurisma da aorta abdominal roto Aneurismas da aorta abdominal (AAAs) O diâmetro da aorta abdominal de ≥ 3 cm tipicamente constitui um aneurisma da aorta abdominal. A causa é multifatorial, mas aterosclerose está frequentemente envolvida. A maioria dos aneurismas... leia mais , peritonite (p. ex., perfuração visceral) e, em mulheres em idade fértil, gestação ectópica rota Gestação ectópica Gestação ectópica é a implantação do saco gestacional em outro local que não o endométrio da cavidade uterina — isto é, nas tubas uterinas, nos cornos uterinos, no colo do útero, no ovário,... leia mais . Uma massa pulsátil junto ao plano sagital mediano sugere aneurisma da aorta abdominal rompido. Uma massa anexal sensível sugere gestação ectópica. Os exames costumam ser TC de abdome (se o paciente estiver instável, ultrassonografia à beira do leito pode ser útil), hemograma completo (HC), amilase, lipase e, para as mulheres em idade fértil, exame de gravidez na urina.
Febre, calafrios e sinais focais de infecção sugerem choque séptico Sepse e choque séptico A sepse é uma síndrome clínica de disfunção de órgãos com risco de vida, causada por uma resposta desregulada a infecções. No choque séptico há uma redução crítica da perfusão tecidual; pode... leia mais , particularmente em pacientes imunocomprometidos. Febre isolada, contingente na história e nos cenários clínicos, pode apontar para intermação. Os exames incluem radiografia de tórax, exame de urina, hemograma completo, além de culturas de ferimentos, sangue, urina e outros líquidos corporais relevantes.
Em alguns poucos pacientes, a causa é oculta. Pacientes com ausência de sintomas focais ou sinais indicativos de causa devem ser submetidos a ECG, enzimas cardíacas, radiografia de tórax e GA. Se os resultados desses exames forem normais, as causas mais prováveis incluem overdose de drogas, infecção oculta (incluindo choque tóxico Síndrome do choque tóxico (SCT) A síndrome do choque tóxico (toxic shock syndrome) é causada por exotoxinas estafilocócicas ou estreptocócicas. As manifestações incluem febre alta, hipotensão, exantema eritematoso difuso e... leia mais ), anafilaxia e choque obstrutivo.
Exames adicionais
Se ainda não tiverem sido feitos, fazer ECG, radiografia de tórax, hemograma completo, eletrólitos séricos, nitrogênio da ureia sanguínea, creatinina, tempo de protrombina (TAP), tempo de tromboplastina parcial (PTT), provas de função hepática, produtos da degradação do fibrinogênio e da fibrina para monitorar o estado do paciente e servir como referência. Se o estado de volume do paciente é difícil de determinar, monitoramento da PVC ou da POAP pode ser útil. PVC < 5 mmHg (< 7 cm água) ou POAP < 8 mmHg pode indicar hipovolemia, embora a PVC possa ser maior em pacientes hipovolêmicos com hipertensão pulmonar preexistente. Ecocardiografia rápida à beira do leito (feita pelo médico responsável pelo tratamento) para avaliar a adequação do preenchimento e função cardíacas é cada vez mais utilizada para avaliar o choque e o desempenho cardíaco geral (para revisão, 1, 2 Referências sobre diagnóstico O choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante disfunção celular e morte. Os mecanismos podem envolver volume circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação... leia mais ).
Referências sobre diagnóstico
1. Ferrada P: Image-based resuscitation of the hypotensive patient with cardiac ultrasound: an evidence-based review. J Trauma Acute Care Surg 80 (3): 511–518, 2016.
2. Martin ND, Codner P, Greene W, et al: Contemporary hemodynamic monitoring, fluid responsiveness, volume optimization, and endpoints of resuscitation: an AAST critical care committee clinical consensus. Trauma Surg Acute Care Open 5(1):e000411, 2020. doi: 10.1136/tsaco-2019-000411
Prognóstico do choque
Choque não tratado costuma ser fatal. Mesmo com tratamento, a mortalidade por choque cardiogênico após IM (60 a 65%) e por choque séptico (30 a 40%) é alta. O prognóstico depende da causa, de enfermidade preexistente ou complicante, do tempo decorrido entre o início e o diagnóstico, e da prontidão e adequação da terapia.
Tratamento do choque
Cuidados de suporte
Líquidos intravenosos
Outros tratamentos dependendo do tipo ou da causa do choque
Tratamento geral do choque
Os primeiros socorros envolvem manter o paciente aquecido. A hemorragia externa é controlada, as vias respiratórias e a ventilação são verificadas; se necessário, suporte respiratório é administrado. Nada é administrado por via oral, e a cabeça do paciente é virada para um dos lados, para evitar aspiração se ocorrer êmese.
O tratamento é iniciado simultaneamente à avaliação. Oxigênio suplementar é provido por meio de máscara facial. Em caso de choque grave ou ventilação inadequada, é necessária entubação endotraqueal com ventilação mecânica Visão geral de ventilação mecânica Ventilação mecânica pode ser Não invasiva, envolvendo vários tipos de máscaras faciais Invasiva, envolvendo entubação endotraqueal A seleção e o uso de técnicas adequadas requerem a compreensão... leia mais . Dois catéteres IV grossos (calibres 14 a 16) são inseridos em veias periféricas distintas. Um acesso venoso central ou uma agulha intraóssea Infusão intraóssea Vários procedimentos são utilizados para se obter acesso vascular. Na maioria dos pacientes, as necessidades de líquidos e fármacos IV podem ser atendidas por um catéter venoso periférico percutâneo... leia mais , especialmente em crianças, provê uma alternativa quando veias periféricas não podem ser acessadas com facilidade.
Tipicamente, administra-se estímulo hídrico; 1 L (ou 20 mL/kg em crianças) de soro fisiológico a 0,9% é infundido ao longo de 15 minutos. Na hemorragia grave, usa-se comumente ringer com lactato, embora na hemorragia grave o uso de cristaloides deva ser minimizado em favor de transfusão de hemoprodutos Hemoderivados O sangue total pode oferecer melhor capacidade de transporte de oxigênio, expansão de volume e reposição dos fatores de coagulação, tendo sido recomendado para a perda maciça e rápida de sangue... leia mais (eritrócitos, plasma fresco congelado e plaquetas na proporção 1:1:1) (1 Referências sobre o tratamento O choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante disfunção celular e morte. Os mecanismos podem envolver volume circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação... leia mais , 2 Referências sobre o tratamento O choque é um estado de hipoperfusão de órgãos, com resultante disfunção celular e morte. Os mecanismos podem envolver volume circulante diminuído, débito cardíaco diminuído e vasodilatação... leia mais ). A menos que os parâmetros clínicos voltem ao normal, repete-se a infusão de líquidos. Volumes menores (p. ex., 250 a 500 mL) são utilizados para pacientes com sinais de pressão elevada no lado direito (p. ex., distensão de veias do pescoço) ou infarto do miocárdio agudo. Uma expansão com líquido provavelmente não deve ser administrada a paciente com sinais de edema pulmonar. Fluidoterapia adicional baseia-se na doença de base e pode exigir monitoramento da PVC ou POAP. Ultrassonografia cardíaca à beira do leito para avaliar a contratilidade e variabilidade respiratória da veia cava podem ajudar a determinar a necessidade de líquido adicional versus a necessidade de suporte inotrópico.
Pacientes em choque estão criticamente enfermos e devem ser internados em unidade de terapia intensiva. O monitoramento é feito
ECG
Pressão arterial sistólica, diastólica e média, preferencialmente por catéter intra-arterial
Frequência e profundidade da respiração
Oximetria de pulso
Fluxo de urina por catéter vesical de demora
Temperatura corporal
Status clínico, incluindo sensório (p. ex., escala de coma de Glasgow Escala de coma de Glasgow ), volume de pulso, temperatura e cor da pele
A mensuração de PVC, POAP e débito cardíaco de termodiluição utilizando-se catéter de artéria pulmonar Procedimento Parte do monitoramento dos pacientes críticos depende da observação direta e do exame físico, sendo intermitente e sua frequência depende da enfermidade do paciente. Outros monitoramentos são... leia mais com extremidade em balão pode ser útil para o diagnóstico e o tratamento inicial de pacientes com choque de etiologia incerta ou mista, ou com choque grave, especialmente quando acompanhado por oligúria ou edema pulmonar. Ecocardiografia (à beira do leito ou transesofágica) é uma alternativa menos invasiva. São obtidas mensurações seriais de gasometria arterial, hematócrito, eletrólitos, creatinina sérica e lactato sanguíneo. A mensuração sublingual do dióxido de carbono Monitoramento e exames para paciente de cuidados críticos Parte do monitoramento dos pacientes críticos depende da observação direta e do exame físico, sendo intermitente e sua frequência depende da enfermidade do paciente. Outros monitoramentos são... leia mais , se disponível, é um monitoramento não invasivo da perfusão visceral (os níveis aumentam com a diminuição da perfusão tecidual). Um fluxograma bem projetado para monitorar as tendências é útil.
Devido à hipoperfusão tecidual tornar a absorção intramuscular inconfiável, todos os fármacos parenterais são administradas por via IV. Opioides geralmente são evitados, porque podem causar vasodilatação; porém, dor forte pode ser tratada com morfina, 0,1 mg/kg IV ao longo de 2 minutos e repetidos a cada 10 a 15 minutos, se necessário. Embora a hipoperfusão cerebral possa causar ansiedade, sedativos ou tranquilizantes só são administrados se o paciente está entubado.
Após a reanimação inicial, o tratamento específico é dirigido à enfermidade subjacente. Os cuidados adicionais de apoio são guiados pelo tipo de choque.
Tratamento do choque hemorrágico
Controle cirúrgico do sangramento
Transfusão precoce de hemoprodutos
No choque hemorrágico, o controle cirúrgico do sangramento é a maior prioridade. Reposição de volume Reanimação volêmica intravenosa Quase todos os estados de choque circulatórios exigem reposição IV de líquidos em grande volume, igualmente ao esgotamento de volume intravascular grave (p. ex., devido à diarreia ou intermação)... leia mais acompanha, em vez de preceder, o controle cirúrgico. Utilizam-se hemoprodutos e soluções cristaloides para a reanimação; porém, eritrócitos, plasma fresco congelado e plaquetas estão sendo considerados mais precocemente e em uma proporção de 1:1:1 em pacientes com probabilidade de precisar de transfusões maciças Complicações da transfusão maciça As complicações mais comuns da transfusão são Reações não hemolíticas febris Reações com calafrios As complicações mais graves, com taxas de mortalidade muito elevadas, são Reação hemolítica... leia mais . Ausência de resposta costuma indicar administração de volume insuficiente ou hemorragia persistente não reconhecida. Pode-se testar vasopressores no choque hemorrágico refratário, mas somente após o volume sanguíneo adequado ter sido restaurado e a hemorragia controlada — administrar vasopressores antes que isso pode piorar os resultados.
Tratamento do choque distributivo
Cristaloides IV
Às vezes, fármacos inotrópicos ou vasopressoras
Adrenalina para anafilaxia
Tratar o choque distributivo com hipotensão profunda após a reposição inicial de volume com soro fisiológico a 0,9% pode ser feito com inotrópicos ou vasopressores (p. ex., dopamina e/ou noradrenalina — ver tabela Catecolaminas inotrópicas e vasoativas Catecolaminas inotrópicas e vasoativas ). Pacientes com choque séptico também recebem antibióticos de amplo espectro Antibióticos . Pacientes com choque anafilático Anafilaxia Anafilaxia é uma reação alérgica aguda potencialmente fatal mediada por IgE que ocorre em pessoas previamente sensibilizadas quando são expostas novamente ao antígeno sensibilizador. Os sintomas... leia mais que não respondem a expansão com líquido (especialmente se acompanhado por broncoconstrição) recebem adrenalina, 0,05 a 0,1 mg IV, seguida de infusão de adrenalina, 5 mg em 500 mL de soro glicosado a 5%, a 10 mL/hora ou 0,02 mcg/kg/minuto.
Tratamento do choque cardiogênico
Tratamento da causa
No choque cardiogênico, distúrbios estruturais (p. ex., disfunção valvar, ruptura de septo) são reparados cirurgicamente. Trombose coronária é tratada por intervenções percutâneas Intervenções coronarianas percutâneas (ICP) A doença coronariana envolve o comprometimento do fluxo sanguíneo através das artérias coronárias, mais frequentemente por ateromas. As manifestações clínicas envolvem isquemia silenciosa, angina... leia mais (angioplastia, colocação de stent), enxerto de desvio de artéria coronária Cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) A doença coronariana envolve o comprometimento do fluxo sanguíneo através das artérias coronárias, mais frequentemente por ateromas. As manifestações clínicas envolvem isquemia silenciosa, angina... leia mais ou trombólise Fibrinolíticos O tratamento das síndromes coronarianas agudas é projetado para aliviar angústia, interromper trombose, reverter isquemia, limitar tamanho do infarto, reduzir carga de trabalho cardíaco, bem... leia mais . Controla-se taquidisritmia (p. ex., fibrilação atrial rápida, taquicardia ventricular) por cardioversão Cardioversão-desfibrilação elétrica (CE) A necessidade de tratamento das arritmias depende dos sintomas e da gravidade da arritmia. O tratamento é direcionado às causas. Se necessário, utiliza-se terapia antiarrítmica direta, incluindo... leia mais ou com fármacos antiarrítmicos Fármacos para arritmias A necessidade de tratamento das arritmias depende dos sintomas e da gravidade da arritmia. O tratamento é direcionado às causas. Se necessário, utiliza-se terapia antiarrítmica direta, incluindo... leia mais . Trata-se bradicardia com marca-passo Marca-passos cardíacos A necessidade de tratamento das arritmias depende dos sintomas e da gravidade da arritmia. O tratamento é direcionado às causas. Se necessário, utiliza-se terapia antiarrítmica direta, incluindo... leia mais transcutâneo ou transvenoso; pode-se administrar atropina 0,5 mg IV até 4 doses a cada 5 minutos enquanto espera-se a colocação do marca-passo. O isoproterenol (2 mg/500 mL de soro glicosado a 5%, de 1 a 4 mcg/minuto— 0,25 a 1 mL/minuto) pode ser útil se a atropina for ineficaz, mas não é indicado para os pacientes com isquemia miocárdica decorrente de doença coronariana.
Choque após infarto agudo do miocárdio é tratado com expansão de volume se a POAP for baixa ou normal; 15 a 18 mmHg é considerado ótimo. Se um catéter de artéria pulmonar não estiver inserido, uma cuidadosa infusão de volume (bolus de 250 a 500 mL de soro fisiológico a 0,9%) pode ser tentada com auscultação frequente do tórax em busca de sinais de sobrecarga de líquido. Choque após infarto do miocárdio de ventrículo direito geralmente responde parcialmente à expansão do volume; no entanto, agentes vasopressores podem ser necessários. Ultrassonografia cardíaca à beira do leito para avaliar a contratilidade e variabilidade respiratória da veia cava pode ajudar a determinar a necessidade de líquidos adicionais versus vasopressores; suporte inotrópico é uma abordagem melhor para pacientes com preenchimento normal ou acima do normal.
Se a hipotensão é moderada (p. ex., pressão arterial média [PAM] entre 70 e 90 mmHg), infusão de dobutamina pode ser utilizada para melhorar o débito cardíaco e reduzir a pressão de preenchimento do ventrículo esquerdo. Taquicardia e arritmias ocorrem ocasionalmente durante a administração de dobutamina, particularmente em doses mais elevadas, necessitando de redução da dose. Os vasodilatadores (p. ex., nitroprussiato, nitroglicerina), que aumentam a capacitância venosa ou diminuem a resistência vascular sistêmica, reduzem a carga de trabalho sobre o miocárdio lesado e podem aumentar o débito cardíaco em pacientes sem hipotensão grave. Terapia combinada (p. ex., dopamina ou dobutamina com nitroprussiato ou nitroglicerina) pode ser particularmente útil, mas exige atento monitoramento de ECG e da hemodinâmica pulmonar e sistêmica.
Para hipotensão mais grave (PAM < 70 mmHg), noradrenalina ou dopamina pode ser administrada, com uma pressão sistólica alvo de 80 a 90 mmHg (e não > 110 mmHg). Contrapulsação por balão intra-aórtico é valiosa para reverter temporariamente choque em pacientes com infarto agudo do miocárdio. Deve-se considerar esse procedimento como uma ponte para permitir cateterismo cardíaco e angiografia coronariana antes de possível intervenção cirúrgica em pacientes com IM agudo complicado por ruptura do septo ventricular ou regurgitação mitral aguda grave que exigem suporte vasopressor por > 30 minutos.
No choque obstrutivo, o tamponamento cardíaco não traumático exige pericardiocentese Tratamento Pericardite é a inflamação do pericárdio, geralmente com acúmulo de líquido no espaço pericárdico. Pode ser causada por muitos distúrbios (p. ex., infecção, infarto do miocárdio, trauma, tumores... leia mais imediata, que pode ser efetuada junto ao leito. Tamponamento cardíaco relacionado com trauma requer descompressão e reparação cirúrgicas. Pneumotórax de tensão deve ser imediatamente descomprimido com um catéter inserido no 2º espaço intercostal, sobre a linha medioclavicular; a seguir é inserida uma sonda torácica. Embolia pulmonar maciça resultando em choque é tratada com anticoagulação e trombólise, embolectomia cirúrgica ou oxigenação de membrana extracorporal em casos selecionados.
Referências sobre o tratamento
1. Holcomb JB, Tilley BC, Baraniuk S, et al: Transfusion of plasma, platelets, and red blood cells in a 1:1:1 vs a 1:1:2 ratio and mortality in patients with severe trauma: The PROPPR randomized clinical trial. JAMA 313(5):471-482, 2015. doi:10.1001/jama.2015.12
2. Cannon JW, Khan MA, Raja AS, et al: Damage control resuscitation in patients with severe traumatic hemorrhage: A practice management guideline from the Eastern Association for the Surgery of Trauma. J Trauma Acute Care Surg 82(3): 605-617, 2017. doi: 10.1097/TA.0000000000001333