A avaliação da imunodeficiência Abordagem ao paciente com suspeita de imunodeficiência Em geral, as imunodeficiências se manifestam pelo aparecimento de infecções recorrentes. Entretanto, as infecções recorrentes têm maior probabilidade de ter outras causas além da imunodeficiência... leia mais é feita por anamnese, exame físico e teste da função imunitária. Os testes variam com base no seguinte:
Se há suspeita de imunodeficiência primária ou secundária
Para imunodeficiência primária, em que considera-se que há deficiência de componente do sistema imunitário
Imunodeficiências primárias
Esses distúrbios são determinados geneticamente; podem ocorrer de modo isolado ou como parte de alguma síndrome. Em 2022, a International Union of Immunological Sciences relatou que 485 erros inatos da imunidade estavam ligados a imunodeficiências primárias (1 Referências em relação à imunodeficiência primária Imunodeficiências estão associadas com ou predispõem os pacientes a várias complicações, como infecções, doenças autoimunes, linfomas e outros tipos de câncer. Imunodeficiências primárias são... leia mais ). Apesar dos avanços nas descobertas genéticas, acredita-se que apenas cerca de 20 a 30% das imunodeficiências primárias atuais têm uma mutação genética definível.
As imunodeficiências primárias se manifestam tipicamente na infância por infecções anormalmente frequentes (recorrentes) ou incomuns. Cerca de 70% dos pacientes têm < 20 anos de idade no início do distúrbio; como a transmissão é muitas vezes ligada ao X, 60% são do sexo masculino. A incidência total da doença sintomática é de cerca de 1/280 pessoas.
As imunodeficiências primárias são classificadas pelo componente principal do sistema imunitário que está deficiente, ausente ou defeituoso:
À medida que vão sendo definidos, será mais apropriado classificar as imunodeficiências por seus defeitos moleculares (2 Referências em relação à imunodeficiência primária Imunodeficiências estão associadas com ou predispõem os pacientes a várias complicações, como infecções, doenças autoimunes, linfomas e outros tipos de câncer. Imunodeficiências primárias são... leia mais ).
As síndromes de imunodeficiência primária são imunodeficiências geneticamente determinadas com defeitos imunitáros e não imunitáros. As manifestações não imunitárias são reconhecidas mais facilmente do que as de imunodeficiências. Exemplos são ataxia-telangiectasia Ataxia-telangiectasia Ataxia-telangiectasia resulta de um defeito no reparo de DNA que frequentemente resulta em imunodeficiência humoral e celular; ela causa ataxia cerebelar progressiva, telangiectasias oculocutâneas... leia mais , hipoplasia da cartilagem e pilosa, síndrome de DiGeorge Síndrome de DiGeorge A síndrome de DiGeorge é uma hipoplasia ou aplasia do timo e das paratireoides, causando principalmente imunodeficiência das células T e hipoparatireoidismo. Recém-nascidos com síndrome de DiGeorge... leia mais , síndrome de hiper-IgE Síndrome de hiper-IgE A síndrome da hiper-IgE é uma imunodeficiência hereditária combinada de células T e B caracterizada por abscessos estafilocócicos recorrentes na pele, infecções sinopulmonares e dermatite pruriginosa... leia mais e síndrome de Wiskott-Aldrich Síndrome de Wiskott-Aldrich A síndrome de Wiskott-Aldrich é uma imunodeficiência que resulta de um defeito combinado de células B e T e se caracteriza por infecção recorrente, eczema e trombocitopenia. (Ver também Visão... leia mais . Apesar de ter alguma imunodeficiência, alguns pacientes também apresentam doenças autoimunes Doenças autoimunes Nas doenças autoimunitárias, o sistema imunitário produz anticorpos contra antígenos endógenos (autoantígenos). Os tipos de reações de hipersensibilidade a seguir podem estar envolvidos: Tipo... leia mais .
Em geral, as imunodeficiências se manifestam pelo aparecimento de infecções recorrentes. A idade em que as infecções recorrentes começaram fornece uma pista quanto ao componente do sistema imunitário que é afetado. Outros achados clínicos característicos auxiliam no diagnóstico clínico (ver Achados clínicos característicos em algumas imunodeficiências primárias Achados clínicos característicos em algumas imunodeficiências primárias ). Mas testes são necessários para confirmar o diagnóstico de imunodeficiência (ver Exames laboratoriais iniciais e adicionais para imunodeficiências Exames laboratoriais iniciais e adicionais para imunodeficiências
). Se os achados clínicos ou os testes iniciais sugerirem uma doença específica das células imunitárias ou das funções do sistema complemento, indicam-se exames adicionais Exames adicionais Em geral, as imunodeficiências se manifestam pelo aparecimento de infecções recorrentes. Entretanto, as infecções recorrentes têm maior probabilidade de ter outras causas além da imunodeficiência... leia mais para confirmação (ver Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências Exames laboratoriais específicos e avançados para imunodeficiências*
).
O tratamento e o prognóstico dos transtornos por imunodeficiência primários Prognóstico Em geral, as imunodeficiências se manifestam pelo aparecimento de infecções recorrentes. Entretanto, as infecções recorrentes têm maior probabilidade de ter outras causas além da imunodeficiência... leia mais dependem de cada transtorno (3 Referências em relação à imunodeficiência primária Imunodeficiências estão associadas com ou predispõem os pacientes a várias complicações, como infecções, doenças autoimunes, linfomas e outros tipos de câncer. Imunodeficiências primárias são... leia mais ).
Imunodeficiências humorais
Imunodeficiências humorais (defeitos nas células B) que causam deficiências de anticorpos somam 50 a 60% das imunodeficiências primárias (ver tabela Imunodeficiências humorais Imunodeficiências humorais ). Os títulos séricos de anticorpos diminuem, predispondo a infecções bacterianas.
O distúrbio mais comum de células B é
A deficiência seletiva de IgA é a doença de células B mais comum, mas muitos pacientes são assintomáticos. Imunodeficiência variável comum (IDCV) é a imunodeficiência sintomática mais comum.
Para a avaliação diagnóstica das deficiências da imunidade humoral, ver Abordagem ao paciente com suspeita de imunodeficiência Abordagem ao paciente com suspeita de imunodeficiência Em geral, as imunodeficiências se manifestam pelo aparecimento de infecções recorrentes. Entretanto, as infecções recorrentes têm maior probabilidade de ter outras causas além da imunodeficiência... leia mais e tabela
Imunodeficiências celulares
Imunodeficiências celulares (defeitos nas células T) representam cerca de 5 a 10% das imunodeficiências primárias e predispõem a infecções por vírus, Pneumocystis jirovecii Pneumonia por Pneumocystis jirovecii Pneumocystis jirovecii é uma causa comum de pneumonia em pacientes imunossuprimidos, especialmente naqueles infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e naqueles recebendo... leia mais , fungos, outros microrganismos oportunistas e alguns patógenos mais comuns (ver tabela Imunodeficiências celulares Imunodeficiências celulares
). Esses distúrbios também causam deficiências de Ig porque o sistema imunitário das células B e T são interdependentes.
Os distúrbios de células T mais comuns são
Os defeitos primários das células NK, que são muito raros, podem predispor a infecções virais (especificamente infecção por herpes-vírus Visão geral das infecções por herpes-vírus Oito tipos de herpes-vírus infectam seres humanos ( Herpes-vírus que infectam seres humanos). Após a infecção inicial, todos os herpes-vírus permanecem latentes dentro das células específicas... leia mais ) e tumores.
Defeitos secundários nas células NK podem ocorrer em pacientes com várias outras imunodeficiências primárias ou secundárias, frequentemente naqueles com câncer ou doença autoimune e naqueles que tomam certos medicamentos (4, 5 Referências em relação à imunodeficiência primária Imunodeficiências estão associadas com ou predispõem os pacientes a várias complicações, como infecções, doenças autoimunes, linfomas e outros tipos de câncer. Imunodeficiências primárias são... leia mais ).
Para a avaliação diagnóstica das imunodeficiências celulares, ver tabelas e .
Imunodeficiências humoral e celular combinadas
Imunodeficiências humorais e celulares combinadas (defeitos nas células B e T) são responsáveis por cerca de 20% das imunodeficiências primárias (ver tabela Imunodeficiências humoral e celular combinadas Imunodeficiências humoral e celular combinadas ).
A forma mais importante é
Em algumas formas de imunodeficiência combinada (p. ex., deficiência de purina nucleosídeo fosforilase), os níveis de Ig são normais ou elevados, mas em razão da atividade deficiente da célula T ocorre diminuição da formação de anticorpos.
Para a avaliação diagnóstica das imunodeficiências humorais e celulares combinadas, (ver tabela ).
Defeitos de fagócitos
Os defeitos de células fagocíticas representam cerca de 10 a 15% das imunodeficiências primárias e comprometem a capacidade fagocitária (monócitos, macrófagos e granulócitos, como os neutrófilos e os eosinófilos) de destruição dos patógenos (ver tabela Defeitos fagocitários Defeitos de fagócitos ). São características as infecções cutâneas por Staphylococcus e bactérias Gram-negativas.
Os defeitos de células fagocíticas mais comuns (embora ainda raros) são
Para a avaliação diagnóstica dos defeitos fagocitários, ver tabelas e .
Deficiências de complemento
As deficiências de complemento são raras (≤ 2% das imunodeficiências primárias); englobam as deficiências isoladas de componentes ou os inibidores do complemento e podem ser hereditárias ou adquiridas (ver tabela Deficiências de complemento Deficiências de complemento ). As deficiências hereditárias são autossômicas recessivas, exceto nas deficiências do inibidor de C1, que são autossômicas dominantes, e da properdina, ligada ao X. Essas deficiências resultam em opsonização defeituosa, fagocitose e lise de patógenos, além de prejudicarem a depuração de imunocomplexos.
As consequências mais sérias são
Infecção recorrente, que ocorre por causa da opsonização defeituosa
Doenças autoimunes (p. ex., lúpus eritematoso sistêmico, glomerulonefrite), que ocorrem por causa da depuração defeituosa de complexos antígeno-anticorpo
Uma deficiência em uma proteína reguladora do complemento, inibidor de C1 causa o angioedema hereditário Angioedema hereditário e adquirido Angioedema hereditário e angioedema adquirido (deficiência adquirida do inibidor de C1) são causados por deficiência ou disfunção no inibidor do complemento 1 (C1), uma proteína envolvida na... leia mais .
Deficiências de complemento podem comprometer as vias clássica e/ou alternativa do sistema de complemento Sistema complemento O sistema complemento é constituído por uma “cascata” enzimática que ajuda na defesa contra infecções. Muitas proteínas do sistema complemento ocorrem no soro como precursores enzimáticos inativos... leia mais . A via alternativa compartilha C3 e C5 até C9 com a via clássica, mas tem componentes adicionais: fator D, fator B, properdina (P) e fatores regulatórios H e I.
Para a avaliação diagnóstica das deficiências do complemento, ver tabelas e .
Referências em relação à imunodeficiência primária
1. Tangye SG, Al-Herz W, Bousfiha A, et al: Human Inborn Errors of Immunity: 2022 Update on the Classification from the International Union of Immunological Societies Expert Committee [published online ahead of print, 2022 Jun 24]. J Clin Immunol 2022;1–35. doi:10.1007/s10875-022-01289-3
2. Chinn IK, Chan AY, Chen K, et al: Diagnostic interpretation of genetic studies in patients with primary immunodeficiency diseases: A working group report of the Primary Immunodeficiency Diseases Committee of the American Academy of Allergy, Asthma and Immunology. J Allergy Clin Immunol 145(1):46–69, 2020. doi: 10.1016/j.jaci.2019.09.009
3. Leonardi L, Rivalta B, Cancrini C, et al: Update in primary immunodeficiencies. Acta Biomed 91(11-S):e2020010, 2020. doi: 10.23750/abm.v91i11-S.10314
4. Moon WY, Powis SJ: Does natural killer cell deficiency (NKD) increase the risk of cancer? NKD may increase the risk of some virus induced cancer. Front Immunol 10:1703, 2019. Published 2019 Jul 19. doi:10.3389/fimmu.2019.01703
5. Schleinitz N, Vély F, Harlé JR, Vivier E: Natural killer cells in human autoimmune diseases. Immunology 131(4):451–458, 2010. doi:10.1111/j.1365-2567.2010.03360.x
Imunodeficiências secundárias
As causas (ver tabela Algumas doenças que causam imunodeficiência secundária Causas das imunodeficiências secundárias ) são
Doenças sistêmicas (p. ex., diabetes Diabetes mellitus (DM) O diabetes mellitus caracteriza-se pela alteração da secreção de insulina e graus variáveis de resistência periférica à insulina, causando hiperglicemia. Os sintomas iniciais são relacionados... leia mais , desnutrição Visão geral da desnutrição Desnutrição é uma forma de má nutrição. (Desnutrição também engloba a nutrição excessiva.) A desnutrição pode resultar de ingestão inadequada de nutrientes, má absorção, metabolismo prejudicado... leia mais , infecção pelo HIV Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) resulta de 1 dos 2 retrovírus similares (HIV-1 e HIV-2) que destroem linfócitos CD4+ e prejudicam a imunidade mediada por células, aumentando... leia mais
)
Tratamentos imunossupressores (p. ex., quimioterapia citotóxica, ablação da medula óssea antes de transplante, radioterapia)
Doença grave prolongada
Imunodeficiências secundárias também ocorrem em pacientes com doenças graves, idosos, ou hospitalizados. As doenças graves prolongadas podem deprimir a resposta imunitária; esse efeito prejudicial pode ser reversível, se a doença se resolver. Em casos raros, a exposição prolongada a substâncias tóxicas (p. ex., determinados pesticidas, benzeno) pode ser imunossupressora.
A imunodeficiência pode resultar da perda de proteínas séricas (particularmente IgG e albumina) por causa de:
Rins na síndrome nefrótica
Pele em queimaduras graves ou dermatites
Trato gastrintestinal na enteropatia
As enteropatias também podem causar perda de linfócitos, resultando em linfopenia (linfocitopenia).
O tratamento é direcionado à doença de base; p. ex., uma alimentação rica em triglicerídeos de cadeia média pode diminuir a perda de imunoglobulinas (Igs) e de linfócitos do trato gastrintestinal e ser muito benéfica.
Se houver suspeita clínica de imunodeficiência secundária, os testes devem ter como objetivo o diagnóstico dessa doença (p. ex., diabetes, infecção por HIV, fibrose cística, discinesia ciliar primária).
Fundamentos de geriatria: imunodeficiência
Há alguma diminuição da imunidade com o avanço da idade. Por exemplo, no idoso, o timo tende a produzir menor número de células T naive, portanto poucas células estão disponíveis para responder a novos antígenos. O número total de células T não diminui (devido à oligoclonalidade), mas essas células só podem reconhecer um limitado número de antígenos.
A transdução do sinal (transmissão do sinal de ligação com o antígeno através da membrana celular para a célula) é prejudicada, consequentemente as células T têm menos probabilidade de responder aos antígenos. Além disso, as células T helper não têm muita capacidade para sinalizar para as células B no sentido de produzir anticorpos.
O número de neutrófilos não diminui, mas essas células se tornam menos efetivas na fagocitose e ação microbiana.
Desnutrição, comum em idosos, prejudica as respostas imunes. Cálcio, zinco e vitamina E são particularmente importantes para a imunidade. O risco de deficiência de cálcio Visão geral dos distúrbios da concentração de cálcio O cálcio é necessário para o funcionamento adequado da contração muscular, condução nervosa, liberação de hormônios e coagulação do sangue. Além disso, a concentração adequada de cálcio é necessária... leia mais é maior em idosos em parte porque, com o envelhecimento, o intestino passa a absorver menos cálcio. Além disso, idosos não ingerem quantidades adequadas de cálcio na dieta. A deficiência de zinco Deficiência de zinco O zinco (Zn) está contido principalmente em ossos, dentes, cabelos, pele, fígado, músculos, leucócitos e testículos. É um componente de centenas de enzimas, incluindo várias desidrogenases de... leia mais é muito comum em adultos institucionalizados e pacientes que vivem em suas próprias casas.
Certas doenças (p. ex., diabetes Diabetes mellitus (DM) O diabetes mellitus caracteriza-se pela alteração da secreção de insulina e graus variáveis de resistência periférica à insulina, causando hiperglicemia. Os sintomas iniciais são relacionados... leia mais , doença renal crônica Doença renal crônica Doença renal crônica (DRC) é a deterioração da função renal de longa duração e progressiva. Os sintomas desenvolvem-se lentamente e nos estágios avançados incluem anorexia, náuseas, vômitos... leia mais , desnutrição Visão geral da desnutrição Desnutrição é uma forma de má nutrição. (Desnutrição também engloba a nutrição excessiva.) A desnutrição pode resultar de ingestão inadequada de nutrientes, má absorção, metabolismo prejudicado... leia mais ), que são mais comuns em idosos, e determinados tratamentos (p. ex., imunossupressores, fármacos e tratamentos imunomoduladores), que idosos são mais propensos a usar, também podem prejudicar a imunidade.
Pontos-chave
Imunodeficiências secundárias (adquiridas) são muito mais comuns do que imunodeficiências primárias (genéticas).
Imunodeficiências primárias podem afetar a imunidade humoral (mais comum), a imunidade celular, tanto a imunidade humoral quanto a celular, células fagocíticas ou o sistema complemento.
Pacientes com imunodeficiências primárias podem ter manifestações não imunes que podem ser reconhecidas mais facilmente do que as imunodeficiências.
A imunidade tende a diminuir com o envelhecimento em parte por causa de mudanças relacionadas com a idade; além disso, condições que comprometem a imunidade (p. ex., certas doenças, uso de determinados fármacos) são mais comuns em idosos.