Febre de origem indeterminada (FOI)

PorLarry M. Bush, MD, FACP, Charles E. Schmidt College of Medicine, Florida Atlantic University
Revisado/Corrigido: ago 2022 | modificado set 2022
Visão Educação para o paciente

Febre de origem desconhecida é a temperatura corporal 38,3° C retalmente e que não é decorrente de doença transitória e autolimitada, de doença rapidamente fatal, ou de doenças com claros sinais ou sintomas localizados ou alterações nos exames comuns, tais como radiografia de tórax, exame de urina ou de sangue.

A febre de origem desconhecida é classificada, atualmente, em 4 categorias diferentes:

  • Febre de origem desconhecida clássica: febre por > 3 semanas, sem se descobrir a causa após 3 dias de avaliação no hospital ou ≥ 3 consultas ambulatoriais

  • Febre de origem desconhecida associada a cuidados de saúde: febre em pacientes hospitalizados recebendo atendimento intensivo e sem presença de infecção, ou infecção incubada na internação, se o diagnóstico permanecer incerto após 3 dias de avaliação apropriada

  • Febre de origem obscura com imunodeficiência: febre em pacientes com neutropenia e outras imunodeficiências se o diagnóstico permanecer incerto depois de 3 dias de avaliação adequada, incluindo culturas negativas após 48 horas

  • Febre de origem desconhecida relacionada com HIV: febre por > 4 semanas em pacientes ambulatoriais com infecção por HIV confirmada ou > 3 dias em pacientes internados com infecção por HIV confirmada se o diagnóstico permanecer incerto após avaliação adequada

Etiologia da febre de origem desconhecida

As causas da febre de origem desconhecida geralmente são divididas em 4 categorias ( see table Algumas causas da febre de origem desconhecida):

  • Infecções (25 a 50%)

  • Doenças do tecido conjuntivo (10 a 20%)

  • Neoplasmas (5 a 35%)

  • Diversas (15 a 25%)

As infecções são as causas mais comuns de febre de origem desconhecida. Nos pacientes infectados pelo HIV devem-se procurar infecções oportunistas (p. ex., tuberculose, infecção por micobactéria atípica, fungos disseminados, ou citomegalovírus).

Doenças comuns do tecido conjuntivo são lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, arterite de células gigantes, polimialgia reumática, tireoidite, vasculite e artrite reumatoide juvenil de adultos (doença de Still em adultos).

As causas neoplásicas mais comuns são linfoma, leucemia, carcinoma de células renais, carcinoma ovariano, mixoma atrial, doença de Castleman, carcinoma hepatocelular e metástases. No entanto, a incidência de causas neoplásicas de febre de origem desconhecida diminuíram, provavelmente porque elas são detectadas por ultrassonografia e TC, que agora são amplamente utilizadas durante a avaliação inicial da febre.

As causas diversas importantes incluem reação farmacológica, trombose venosa profunda, embolia pulmonar recorrente, sarcoidose, doença inflamatória intestinal e febre factícia.

Não há identificação da causa de febre de origem desconhecida em cerca de 10% dos adultos.

Tabela

Avaliação da febre de origem desconhecida

Nos casos intrigantes, como febre de origem desconhecida, presumir que todas as informações foram obtidas ou obtidas de maneira adequada pelos médicos anteriores costuma ser um erro. Os médicos devem estar cientes do que os pacientes relataram anteriormente (para solucionar discrepâncias), mas não devem simplesmente copiar os detalhes da história antes registrada (p. ex., história social e familiar). Erros iniciais de omissão têm sido perpetrados por muitos médicos em muitos dias de internação hospitalar, causando a realização de exames desnecessários. Mesmo quando a avaliação inicial tiver sido completa, muitas vezes os pacientes se lembram de outros detalhes quando questionados novamente.

Pelo contrário, os médicos não devem ignorar os resultados dos testes anteriores e não devem repeti-los sem considerar qual a probabilidade de os resultados serem diferentes (p. ex., porque o estado geral do paciente mudou, porque uma doença se desenvolve lentamente).

História

A anamnese tem como objetivo descobrir sintomas focais e fatos que sugiram a causa (p. ex., viagens, ocupação, história familiar, exposição a animais vetores de doenças, alimentação).

História da doença atual deve abranger a duração e o padrão da febre (intermitente, constante). Em geral, os padrões de febre têm pouca ou nenhuma relevância no diagnóstico de febre de origem desconhecida, embora uma febre que apareça a cada 48 horas (terçã) ou a cada 72 horas (quartã) possa sugerir malária em pacientes com fatores de risco. Dor focal muitas vezes indica o local (embora não a causa) do transtorno subjacente. Os médicos devem perguntar de forma generalizada, depois especificamente, sobre incômodos em alguma parte do corpo.

A revisão dos sistemas deve incluir sintomas não específicos, tais como perda ponderal, anorexia, fadiga, sudorese noturna e cefaleias. Além disso, devem ser procurados sintomas de doenças do tecido conjuntivo (p. ex., mialgia, artralgia, exantema) e distúrbios gastrintestinais (diarreia, esteatorreia, desconforto abdominal).

A história clínica deve incluir transtornos conhecidos que provocam febre, como câncer, tuberculose, doenças do tecido conjuntivo, cirrose alcoólica, doença inflamatória intestinal, febre reumática e hipertireoidismo. Os médicos devem perceber transtornos ou fatores predisponentes à infecção, como os comprometimentos imunitáros (p. ex., decorrentes de doenças como infecção pelo HIV câncer, diabetes, ou uso de imunossupressores), transtornos cardíacos estruturais, alterações do trato urinário, cirurgias e colocação de dispositivos (intravenosos, marca-passos, próteses articulares).

A história farmacológica deve incluir questões sobre fármacos específicos conhecidos por causarem câncer.

A história social deve incluir questões sobre fatores de risco de infecções, como uso de drogas injetáveis, práticas sexuais de risco (p. ex., sexo sem proteção, múltiplos parceiros), contatos infectados (p. ex., com tuberculose), viagens e possível exposição a animais ou insetos vetores. A história social também deve incluir questões sobre a história da doença em contatos sociais (p. ex., vizinhos, colegas de trabalho, companheiros de viagem). Os fatores de risco de câncer, incluindo tabagismo, alcoolismo e exposição ocupacional a químicos, também devem ser identificados.

A história familiar deve incluir questões sobre hereditariedade (p. ex., febre familiar do Mediterrâneo).

Os registros médicos devem ser verificados quanto aos resultados de exames anteriores, particularmente aqueles que efetivamente excluam certos transtornos.

Exame físico

A aparência geral, particularmente quanto a caquexia, icterícia e palidez, é observada.

A pele é completamente examinada para eritema focal (sugerindo um local de infecção) e exantema (p. ex., exantema malar do lúpus eritematoso sistêmico); a inspeção deve incluir o períneo e os pés, particularmente nos diabéticos, que são propensos a infecções ocultas nestas áreas. Os médicos também devem verificar os achados cutâneos de endocardite, incluindo nódulos subcutâneos eritematosos dolorosos nas digitais (nódulos de Osler), máculas hemorrágicas indolores palmoplantares (lesões de Janeway), petéquias e hemorragias subungueais.

O corpo todo (particularmente ao longo da coluna, ossos, articulações, abdome e tireoide) é examinado buscando-se áreas de sensibilidade, edema, ou organomegalia; o toque retal e o exame pélvico estão incluídos. Os dentes são propensos a sensibilidade (sugerindo abscesso apical). Durante a palpação, percebe-se adenopatia sistêmica ou regional; p. ex., a adenopatia regional é característica da doença da arranhadura do gato, contrariamente à adenopatia difusa do linfoma.

A ausculta do coração procura identificar sopros (sugerindo endocardite bacteriana) e atritos (sugerindo pericardite decorrente de doença infecciosa ou reumatológica).

Algumas vezes, as principais alterações físicas em pacientes com febre de origem desconhecida são, ou parecem ser, tão sutis que podem ser necessários repetidos exames físicos para sugerir as causas (p. ex., detectar nova adenopatia, sopro cardíaco, exantema ou nódulos e pulsações fracas da artéria temporal).

Sinais de alerta

Os achados a seguir são particularmente preocupantes:

  • Imunocomprometimento

  • Sopro cardíaco

  • Presença de dispositivos (p. ex., intravenosos, marca-passos, próteses articulares)

  • Viagem recente para áreas endêmicas

Interpretação dos achados

Após exame e história completas, os seguintes cenários são típicos:

  • Localização de sinais e sintomas que não estavam presentes, não foram detectados durante exames anteriores. Esses achados são interpretados e investigados conforme indicado ( see table Algumas causas da febre de origem desconhecida).

  • Mais comumente, a avaliação detecta somente achados inespecíficos que ocorrem por várias causas diferentes de febre de origem desconhecida, mas identificam os fatores de risco que podem ajudar a orientar o exame (p. ex., viagem para uma região endêmica, exposição a vetores de animal, inseto ou carrapato). Às vezes, os fatores de risco são menos específicos, mas podem sugerir um tipo de doença; p. ex., perda ponderal sem anorexia é mais compatível com infecção do que com câncer, que normalmente provoca anorexia. As possíveis causas devem ser investigadas a fundo.

  • No cenário mais difícil, os pacientes têm somente achados inespecíficos e nenhum ou múltiplos fatores de risco, tornando essencial ao exame uma abordagem lógica, sequencial. Exame inicial é utilizado para diminuir as possibilidades diagnósticas e direcionar os exames subsequentes.

Exames

Os resultados de exames anteriores, particularmente culturas, são revistos. As culturas para alguns microrganismos podem exigir um longo tempo para ser tornarem positivas e técnicas especiais podem ser necessárias. Deve-se consultar um laboratório de microbiologia acerca das condições de cultura (p. ex., duração da incubação, meios especiais, temperatura, ambiente gasoso) que podem ser necessárias.

Tanto quanto possível, as informações clínicas são utilizadas para direcionar os exames solicitados ( see table Algumas causas da febre de origem desconhecida). Por exemplo, idosos institucionalizados, com cefaleia, não seriam testados para infecções por carrapato ou malária, mas deve-se considerar essas doenças seriamente em viajantes mais jovens que fizeram caminhadas, exploraram cavernas ou praticaram esportes aquáticos em uma área endêmica. Os idosos necessitam de avaliação de arterite temporal, que os pacientes mais jovens não necessitam.

Além dos exames específicos, geralmente os seguintes testes devem ser feitos:

  • Hemograma completo com contagem diferencial

  • Velocidade de hemossedimentação

  • Testes hepáticos

  • Hemoculturas seriadas (de preferência antes da terapia antimicrobiana)

  • Teste de anticorpos para HIV, ensaios de concentração de RNA e ensaio de reação em cadeia da polimerase (PCR, polymerase chain reaction)

  • Teste de pele tuberculínico ou ensaio de liberação de interferon gama

Mesmo se forem feitos mais cedo, esses testes podem sugerir alguma tendência útil.

A exame de urina e cultura da urina e a radiografia do tórax, geralmente já feitas, são repetidas somente se os achados indicarem que devam ser.

São realizadas culturas de qualquer secreção ou material disponível de áreas com alterações identificadas durante a avaliação (p. ex., para bactérias, micobactérias, fungos, ou vírus, conforme indicado). Os testes específicos de microrganismos, como PCR (polymerase chain reaction) e títulos sorológicos (agudos e convalescentes), são principalmente úteis quando direcionados por suspeita clínica e não feitos em uma abordagem sem direcionamento.

As sorologias, como anticorpos antinucleares (ANA) e o fator reumatoide (FR), são feitas para rastrear as doenças reumatológicas.

Os exames de imagem são direcionados pelos sinais e sintomas. Normalmente, as áreas de desconforto devem ser examinadas por imagem, p. ex., no caso dos pacientes com dor lombar, ressonância magnética (RM) da coluna (para verificar se há infecção ou tumor); nos pacientes com dor abdominal, TC do abdome. Porém, a TC do tórax, de abdome e de pelve deve ser considerada para verificar adenopatias e abscessos ocultos, mesmo quando os pacientes não apresentam sinais e sintomas localizados.

Se as hemoculturas forem positivas ou se houver sopros cardíacos ou sinais periféricos sugestivos de endocardite, deve-se realizar ecocardiografia.

Em geral, a TC é útil para delinear anormalidades no abdome, pelve e no tórax.

A RM é mais sensível que a TC na detecção da maioria das causas de febre de origem desconhecida que envolvem o sistema nervoso central, devendo ser realizada quando se considera o sistema nervoso central.

Imagens de Doppler venoso podem auxiliar a identificar as causas de trombose venosa profunda.

Exames com radioisótopos, especialmente com granulócitos marcados com índio-111, auxiliam a localizar muitos processos infecciosos ou inflamatórios. Essa técnica tem caído em desuso, pois acredita-se que contribua muito pouco para o diagnóstico, mas alguns trabalhos sugerem que ofereça melhor rendimento de diagnóstico do que a TC (1).

A tomografia com emissão de pósitrons (positron emission tomography [PET]) também pode ajudar na detecção do foco da febre. Exames de PET mostram regiões de alta atividade metabólica que são áreas de inflamação e infecção.

Biópsia pode ser necessária se anormalidades forem suspeitas em tecido acessível para biópsia (p. ex., fígado, medula óssea, pele, pleura, linfonodos, intestino, músculo). Fragmentos obtidos na biópsia devem ser avaliados por exame histopatológico e cultivados para bactérias, fungos, vírus e micobactérias, ou enviados para um exame diagnóstico molecular (PCR [polymerase chain reaction], polymerase chain reaction [reação em cadeia da polimerase]). A biópsia de músculo ou da pele com exantema pode diagnosticar vasculite. Biópsia bilateral de artéria temporal pode diagnosticar arterite temporal no paciente idoso com elevação de velocidade de hemossedimentação (velocidade de hemossedimentação).

Referência sobre exames

  1. 1. Fisher RE, Drews AL, Palmer EL: Lack of clinical utility of labeled white blood cell scintigraphy in patients with fever of unknown origin. Open Forum Infect Dis 9(3):ofac015, 2022. doi: 10.1093/ofid/ofac015

Tratamento da febre de origem desconhecida

O tratamento da febre de origem desconhecida concentra-se na doença que causa a febre. Os antipiréticos devem ser usados judiciosamente, considerando a duração da febre.

Fundamentos de geriatria: febre de origem desconhecida

As causas de febre de origem desconhecida nos idosos são, geralmente, semelhantes às da população geral, mas as doenças do tecido conjuntivo são identificadas com mais frequência. As causas mais comuns são

Pontos-chave

  • A febre de origem desconhecida clássica é definida por temperatura corporal 38,0° C, por via retal, durante > 3 semanas, sem causa identificada após 3 dias de avaliação no hospital ou 3 consultas consecutivas.

  • As causas identificadas podem ser classificadas como infecciosas, doenças do tecido conjuntivo, neoplásicas ou diversas.

  • A avaliação deve ser baseada na síntese do exame físico e da anamnese, considerando-se particularmente os fatores de risco e a probabilidade das causas com base nas circunstâncias individuais.

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