Febre Q

PorWilliam A. Petri, Jr, MD, PhD, University of Virginia School of Medicine
Revisado/Corrigido: mar 2022
Visão Educação para o paciente

Febre Q é uma doença aguda ou crônica provocada por uma bactéria semelhante à riquétsia, Coxiella burnetii. Os sintomas da doença aguda são de início súbito, com febre, cefaleia, mal-estar e pneumonite intersticial. Manifestações de doença crônica refletem o órgão do sistema afetado. O diagnóstico é confirmado por várias técnicas de sorologia, isolamento do microrganismo, ou reação em cadeia da polimerase (PCR [polymerase chain reaction]). O tratamento é com doxiciclina.

(Ver também Visão geral das infecções por riquétsias e infecções relacionadas.)

Coxiella burnetii é um pequeno bacilo intracelular pleomórfico que já não é classificado como Rickettsia. Estudos moleculares o classificaram como Proteobacteria, no mesmo grupo de Legionella spp.

A febre Q pode ser

  • Aguda

  • Crônica

A infecção aguda produz uma doença febril que frequentemente afeta o sistema respiratório, embora algumas vezes o fígado esteja envolvido. Mulheres infectadas durante a gestação têm maior risco de aborto espontâneo e parto prematuro.

Febre Q crônica ocorre em < 5% dos pacientes. Ela normalmente se manifesta por endocardite ou hepatite; porém, osteomielite pode ocorrer.

De distribuição mundial, a febre Q é mantida como uma infecção inaparente em animais domésticos ou animais de fazenda. Ovelhas, gado e cabras são os reservatórios principais para infecção humana. C. burnetii persiste em fezes, urina, leite e tecidos (em especial na placenta), de forma que fômites e aerossóis infectados formam-se com facilidade. C. burnetii também é mantido na natureza por um ciclo carrapato-animal, mas artrópodes não estão envolvidos na infecção humana.

Etiologia da febre Q

Casos de febre Q ocorrem entre trabalhadores cujas ocupações fazem com tenham contato com animais de fazenda (que costumam ser assintomáticos) ou seus produtos. Em geral, a transmissão é por inalação de aerossóis infeciosos que podem percorrer longas distâncias afetando as pessoas que moram a favor do vento de uma fazenda de cabras ou ovelhas infectadas. Também pode-se contrair a doença ingerindo leite cru infectante.

C. burnetii é muito virulento, resiste à inativação e permanece viável por meses na poeira e fezes; mesmo um único microrganismo pode causar infecção. Devido a essas características, C. burnetii é um potencial agente de guerra biológica.

Muito raramente, a doença é transmitida de pessoa para pessoa.

Sinais e sintomas da febre Q

O período de incubação é, em média, de 18 a 21 dias (varia de 9 a 28 dias). Febre Q aguda costuma ser assintomática; em outros pacientes, o início é abrupto com sintomas parecidos aos da influenza: febre, cefaleia intensa, calafrios, mal-estar importante, mialgia, anorexia e sudorese. A febre pode subir a 40° C e persistir por 1 a > 3 semanas.

Raramente, febre Q aguda se manifesta como encefalite ou meningoencefalite.

Sintomas respiratórios, uma tosse seca e dor pleurítica aparecem 4 a 5 dias depois do início da doença. Sintomas pulmonares podem ser particularmente intensos em idosos ou podem debilitar os pacientes. Ao exame, crepitações pulmonares são comuns e achados sugestivos de consolidação podem estar presentes. Ao contrário da infecção por riquétsia, a febre Q aguda não produz exantema.

Envolvimento hepático agudo ocorre em alguns pacientes, assemelhando-se à hepatite viral, com febre, mal-estar, hepatomegalia com dor abdominal no hipocôndrio direito e possivelmente icterícia. Cefaleia e sinais respiratórios estão frequentemente ausentes.

Relatou-se que uma síndrome de fadiga pós-febre Q ocorre em até 20% dos pacientes com febre Q aguda (1). Os pacientes relatam fadiga grave, dores musculares, cefaleia, fotofobia e/ou alterações de humor e sono.

Febre Q crônica pode se manifestar de algumas semanas a vários anos após a infecção inicial. Pessoas com história de defeitos nas valvas cardíacos, aneurismas arteriais ou enxertos vasculares têm maior risco de desenvolver febre Q crônica. A gestação e a imunossupressão também foram associadas ao desenvolvimento de febre Q crônica. Hepatite crônica pode se manifestar como febre de origem indeterminada. Uma biópsia hepática pode mostrar granulomas, que devem ser diferenciados de outras causas de granulomas hepáticos (p. ex., tuberculose, sarcoidose, histoplasmose, brucelose, tularemia, sífilis).

Endocardite lembra endocardite bacteriana subaguda negativa na cultura; o envolvimento da valva aórtica é mais comum, mas vegetações podem ocorrer em qualquer valva cardíaca. Cianose de extremidades, embolia arterial, hepatomegalia e esplenomegalia e exantema purpúrico podem ocorrer. Somente 20 a 40% dos pacientes que desenvolvem endocardite por febre Q têm sintomas de infecção aguda.

A taxa de letalidade da febre Q aguda é de apenas 1% em pacientes não tratados. A endocardite crônica por febre Q não tratada sempre fatal é fatal. O tratamento adequado com antibióticos reduz a taxa de mortalidade da endocardite por febre Q para < 5% (2). Alguns pacientes com envolvimento neurológico mantêm comprometimento residual.

Referência sobre sinais e sintomas

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention: Information for Healthcare Providers, Q Fever

  2. 2. Million M, Thuny F, Richet H, et al: Long-term outcome of Q fever endocarditis: a 26-year personal survey. Lancet Infect Dis 10(8):527-35, 2010. doi: 10.1016/S1473-3099(10)70135-3. Epub 2010 Jul 14. PMID: 20637694.

Diagnóstico da febre Q

  • Ensaio de imunofluorescência (IFA) ou reação em cadeia da polimerase (PCR) dos tecidos infectados

  • Às vezes, sorologias de fase aguda e convalescência

Os sintomas não sugerem prontamente o diagnóstico da febre Q. O início da febre Q é semelhante ao de muitas infecções (p. ex., gripe, outras infecções virais, salmonelose, malária, hepatite, brucelose). Depois, assemelha-se a muitas formas de pneumonias bacterianas, virais, micoplasmáticas e outras atípicas. Contato com animais ou produtos animais é uma pista importante.

O IFA é o método diagnóstico de escolha; ELISA também está disponível. Podem ser usadas sorologias nas fases aguda e de convalescença (como a reação de fixação de complemento). Anticorpos para os antígeno de fase II são utilizados para diagnosticar doença aguda, e os anticorpos tanto para antígenos da fase I como de fase II são usados para diagnosticar doença crônica.

PCR pode identificar o microrganismo em amostras de biópsia, mas resultados negativos não descartam o diagnóstico.

C. burnetii pode ser isolado de materiais clínicos, mas somente por laboratórios de pesquisa especiais; exames de sangue de rotina e culturas de catarro são negativos.

Pacientes com sinais ou sintomas respiratórios requerem radiografia de tórax; os achados podem incluir atelectasia, acometimento pleural e consolidação lobar. O aspecto total dos pulmões pode se assemelhar à pneumonia bacteriana, mas histologicamente se assemelha mais à psitacose e a algumas pneumonias virais.

Em febre Q aguda, o hemograma completo pode ser normal, mas aproximadamente 30% dos pacientes possuem uma contagem de leucócitos elevada. Níveis de fosfatase alcalina, aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT) estão levemente elevados em 2 a 3 vezes o nível normal nos casos típicos. Quando obtido, o material de biópsia hepática mostra alterações granulomatosas difusas.

O diagnóstico da endocardite por febre Q pode ser difícil porque as hemoculturas são negativas e as lesões vegetativas da valva cardíaca são pequenas e são visualizadas à ecocardiografia em apenas 12% dos pacientes (ver CDC: Diagnosis and Management of Q Fever — United States, 2013: Recommendations from CDC and the Q Fever Working Group).

Tratamento da febre Q

  • Doxiciclina

Para febre Q aguda, o tratamento primário é com doxiciclina, 200 mg por via oral 1 vez ao dia, seguido por 100 mg por via oral duas vezes ao dia até que o paciente melhore e tenha estado afebril durante aproximadamente 5 dias e tenha recebido o tratamento durante pelo menos 7 dias; tipicamente, são necessárias 2 a 3 semanas de tratamento. Resistência à tetraciclina não foi documentada.

Embora algumas tetraciclinas possam causar manchas dentais em crianças < 8 anos de idade, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomendam que um tratamento com doxiciclina 2,2 mg/kg por via oral ou IV, duas vezes por dia é indicado (1), administrado por 5 dias para doença leve e por 10 dias para crianças de alto risco. Pesquisas indicam que breves tratamentos com doxiciclina (5 a 10 dias, como usado para doença por riquétsias) podem ser utilizados em crianças sem causar manchas ou enfraquecimento do esmalte dentário (2). Gestantes podem receber sulfametoxazol/trimetoprima, 160 mg/800 mg, duas vezes ao dia ao longo da gestação, mas não além de 32 semanas de gestação.

Para endocardite, o tratamento precisa ser prolongado (meses a anos por toda a vida), normalmente por pelo menos 18 meses (3). Atualmente, recomenda-se doxiciclina 100 mg por via oral duas vezes ao dia mais hidroxicloroquina 200 mg por via oral a cada 8 horas. Devido aos efeitos adversos cardíacos da hidroxicloroquina, os pacientes em uso desse fármaco devem monitorar o intervalo QTc com ECG repetidos. Sinais clínicos, velocidade de hemossedimentação (velocidade de hemossedimentação), hemograma e títulos de anticorpos devem ser monitorados para ajudar a determinar quando parar o tratamento. Consulta com um especialista em doenças infecciosas pode ajudar no gerenciamento da complexidades da doença e seu tratamento. Frequentemente, o tratamento com antibiótico é apenas parcialmente eficaz, e as valvas lesionadas devem ser substituídas cirurgicamente, embora algumas curas sem cirurgia tenham sido relatadas.

Para hepatite granulomatosa crônica, o esquema ideal não foi determinado.

Referências sobre o tratamento

  1. 1. Centers for Disease Control and Prevention: Information for Healthcare Providers, Q Fever

  2. 2. Todd SR, Dahlgren FS, Traeger MS, et al: No visible dental staining in children treated with doxycycline for suspected Rocky Mountain Spotted Fever. J Pediatr 166(5):1246-51, 2015. doi: 10.1016/j.jpeds.2015.02.015. Epub 2015 Mar 17. PMID: 25794784.

  3. 3. Million M, Thuny F, Richet H, et al: Long-term outcome of Q fever endocarditis: a 26-year personal survey. Lancet Infect Dis 10(8):527-35, 2010. doi: 10.1016/S1473-3099(10)70135-3. Epub 2010 Jul 14. PMID: 20637694.

Prevenção da febre Q

As vacinas são eficazes e, na Austrália, onde a vacina contra a febre Q está disponível comercialmente, recomenda-se a vacinação para proteger as pessoas com risco ocupacional (p. ex., açougueiros, trabalhadores da indústria de laticínios, agricultores, pastores, classificadores de lã, fazendeiros).

Triagem da pré-vacinação com testes cutâneos e sanguíneos devem ser feitos para identificar a imunidade preexistente à febre Q porque vacinar as pessoas que já têm imunidade pode causar reações locais graves.

Pontos-chave

  • Ovelhas, gado e cabras são os principais reservatórios da infecção humana pela febre Q, que ocorre em todo o mundo.

  • A transmissão a humanos geralmente ocorre pela inalação de aerossóis infecciosos; artrópodes não estão envolvidos.

  • Os sinais e sintomas agudos lembram influenza; os sintomas pulmonares podem ser particularmente graves em idosos ou pacientes debilitados.

  • Febre Q crônica ocorre em < 5% dos pacientes e normalmente se manifesta como endocardite ou hepatite.

  • Diagnosticar usando ensaio de imunofluorescência ou teste por PCR dos tecidos infectados.

  • Tratar a febre Q aguda com doxiciclina, geralmente por 2 a 3 semanas; endocardite requer tratamento prolongado (meses a anos e até por toda a vida).

  • Uma vacina para prevenir a febre Q está comercialmente disponível, mas apenas na Austrália.

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