Os tumores intracranianos e espinais podem envolver o cérebro e outras estruturas (p. ex., pares cranianos, meninges). Os tumores geralmente se desenvolvem durante o início ou na fase média da idade adulta, mas podem se desenvolver em qualquer idade e estão se tornando mais comuns entre os idosos. Os tumores cerebrais são encontrados em cerca de 2% das necropsias de rotina.
Alguns são benignos, mas, como a caixa craniana não tem espaço para expansão, mesmo tumores benignos podem causar disfunção neurológica grave ou morte.
Classificação
Existem 2 tipos de tumores cerebrais:
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Tumores primários: originam-se no cérebro tanto no parênquima cerebral (p. ex., gliomas, como astrocitomas, oligodendrogliomas e ependimomas; meduloblastomas) ou nas estruturas extraneurais (p. ex., meningiomas, neuromas acústicos, outras schwannomas)
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Tumores cerebrais secundários (metástases cerebrais): originam-se nos tecidos fora do cérebro e se disseminam para o cérebro
As metástases cerebrais são cerca de 10 vezes mais comuns do que os tumores primários.
O tipo de tumor varia um pouco por local ( Manifestações neurológicas localizadas comuns dos tumores cerebrais primários) e idade do paciente ( Tumores cerebrais comuns por idade).
Manifestações neurológicas localizadas comuns dos tumores cerebrais primários
Local do tumor |
Achados |
Tipos comuns de tumores primários* |
Corpo caloso anterior |
Comprometimento cognitivo |
Astrocitoma (inclusive os gliomas de baixo grau) |
Gânglios basais |
Hemiparesia (contralateral), distúrbios do movimento |
Astrocitoma (inclusive os gliomas de baixo grau) |
Tronco encefálico |
Perda sensorial ou motora unilateral ou bilateral, deficits de pares cranianos (p. ex., paralisia do olhar, perda auditiva, vertigem, paresia de palato, fraqueza facial) ataxia, tremor intencional, nistagmo |
Astrocitoma (inclusive o astrocitoma pilocítico juvenil) Glioma pontino difuso |
Ângulo cerebelopontino |
Zumbidos e perda de audição (ambos ipsilaterais), vertigens, perda da resposta vestibular ao estímulo por calor Se o tumor for grande, ataxia, perda de sensação facial e fraqueza facial (ambas ipsilaterais), possivelmente outros deficits de pares cranianos ou do tronco encefálico |
Schwannoma |
Cerebelo |
Ataxia, nistagmo, tremor, hidrocefalia com aumento súbito da pressão intracraniana |
Astrocitoma (inclusive o astrocitoma pilocítico juvenil) |
II par craniano (óptico) |
Perda de visão |
Astrocitoma (inclusive os astrocitomas pilocíticos e os gliomas de baixo grau; nervo óptico é a localização mais comum na neurofibromatose) |
V par craniano (trigêmeo) |
Perda de sensibilidade facial, fraqueza da mandíbula |
Meningioma Schwannoma |
Lobo frontal |
Crises epilépticas generalizadas ou focais (contralaterais), distúrbio da marcha, urgência ou incontinência urinária, comprometimento da atenção e da cognição e apatia (em particular se o tumor for bilateral), hemiparesia Afasia de expressão se o tumor estiver no hemisfério dominante Anosmia se o tumor estiver na base do lobo |
Astrocitoma Glioblastoma Oligodendroglioma |
Hipotálamo |
Distúrbios de alimentação e de sede (p. ex., polidipsia), puberdade precoce (especialmente em meninos), hipotermia |
Astrocitoma |
Lobo occipital |
Crises epilépticas generalizadas com aura e alucinações visuais, hemianopsia ou quadrantanopsia (contralateral) |
Astrocitoma Glioblastoma Oligodendroglioma |
Lobo parietal |
Déficits de sensação proprioceptiva e de discriminação de 2 pontos (contralateral), anosognosia (incapacidade de reconhecer defeitos corporais), negação da doença, hemianopsia (contralateral), crises epilépticas generalizadas ou focais, incapacidade de perceber (extinguir) um estímulo contralateral quando o estímulo é aplicado nos dois lados do corpo (denominada estimulação simultânea dupla) Afasia receptiva se o tumor estiver no hemisfério dominante |
Astrocitoma Glioblastoma Oligodendroglioma |
Paresia do olhar para cima, ptose, perda dos reflexos pupilares à luz e de acomodação, às vezes hidrocefalia com elevação súbita da pressão intracraniana |
Tumor de células germinativas Pineocitoma (raro) |
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Hipófise ou região suprasselar |
Endocrinopatias, perda de visão monocular, cefaleia sem elevação da pressão intracraniana, hemianopsia bitemporal |
Craniofaringioma Carcinoma hipofisário (raro) |
Lobo temporal |
Crises epilépticas parciais complexas, crises epilépticas generalizadas com e sem aura, hemianopsia (contralateral), afasia mista de expressão e compreensão ou anosmia |
Astrocitoma Glioblastoma Oligodendroglioma |
Tálamo |
Comprometimento sensorial (contralateral) |
Astrocitoma |
*Manifestações similares podem resultar de metástases no parênquima cerebral ou de tumores ao redor da dura (p. ex., tumores metastáticos; tumores de meninge, como meningiomas, sarcomas ou gliomas), ou de lesões cranianas (p. ex., granulomas, hemangiomas, osteíte deformante, osteomas xantomas) que comprimem o cérebro subjacente. |
Tumores cerebrais comuns por idade
Faixa etária |
Primário |
Metástases |
Crianças |
Astrocitomas, astrocitoma pilocítico juvenil e meduloblastomas cerebelares Tumores neuroectodérmicos primitivos e neurocitoma Gliomas do tronco encefálico ou do nervo óptico Germinomas Tumores congênitos* |
Neuroblastoma (em geral epidural) Leucemia (meníngea) |
Adultos |
Schwannomas Gliomas dos hemisférios cerebrais, em particular glioblastoma, astrocitoma anaplásico, astrocitoma de baixo grau, astrocitoma pilocítico e oligodendroglioma |
Carcinoma broncogênico Adenocarcinoma de mama, tireoide ou rim Melanoma maligno Linfoma metastático Qualquer câncer que se tenha disseminado para os pulmões |
*Tumores congênitos incluem craniofaringiomas, cordomas, germinomas, teratomas, cistos dermoides, angiomas e hemangioblastomas. |
Fisiopatologia
A disfunção neurológica pode resultar do seguinte:
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Invasão e destruição do tecido cerebral pelo tumor
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Compressão direta do tecido adjacente pelo tumor
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Elevação da pressão intracraniana (porque o tumor ocupa espaço dentro do crânio)
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Sangramento no interior e fora do tumor
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Edema cerebral
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Obstrução dos seios venosos durais (em especial por tumores metastáticos ósseos ou extradurais)
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Obstrução da drenagem do líquor (ocorrendo mais cedo em tumores do 3º ventrículo ou da fossa posterior)
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Obstrução da absorção do líquor (p. ex., quando leucemia ou carcinoma envolvem as meninges)
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Obstrução do fluxo arterial
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Raramente, síndromes paraneoplásicas
Um tumor maligno pode desenvolver novos vasos sanguíneos internos, que podem sangrar ou sofrer oclusão, resultando em necrose e disfunção neurológica que mimetiza um acidente vascular encefálico.
Os tumores benignos crescem lentamente. Podem ser muito grandes antes de causarem sintomas, em parte pela não ocorrência de edema cerebral. Os tumores malignos primários crescem rápido, mas raramente se disseminam além do sistema nervoso central. A morte resulta de crescimento local do tumor e assim pode ser o resultado de tumores malignos ou benignos. Em consequência, a diferenciação entre benigno e maligno nos tumores cerebrais é menos importante em termos de prognóstico do que para outros tumores.
Sinais e sintomas
Os sintomas causados por tumores primários e tumores metastáticos são os mesmos. Vários sinais e sintomas resultam de elevação da pressão intracraniana:
O sintoma mais comum é cefaleia. A cefaleia pode ser mais intensa quando o paciente desperta de sono não REM profundo (em geral, várias horas após ter iniciado o sono) em decorrência de a hipoventilação, que aumenta o fluxo sanguíneo cerebral e, portanto, a pressão intracraniana, ser habitualmente máxima durante o sono não REM. A cefaleia também é progressiva e pode ser agravada por deitar ou pela manobra de Valsalva. Quando a pressão intracraniana está muito elevada, a cefaleia pode ser acompanhada por vômitos, que podem ocorrer precedidos por alguma náuseas. O papiledema ocorre em 25% dos pacientes com tumor cerebral, mas pode estar ausente mesmo quando a pressão intracraniana está elevada. Em lactentes e crianças muito pequenas, a elevação da pressão intracraniana pode causar aumento da cabeça. Se a pressão intracraniana se elevar o suficiente, ocorre herniação cerebral.
A degeneração do estado mental é o 2º sintoma mais comum. As manifestações são: tonturas, letargia, alterações de personalidade, transtornos de conduta e comprometimento cognitivo, em especial nos tumores cerebrais malignos. Pode haver comprometimento dos reflexos das vias respiratórias.
Disfunção cerebral focal causa os mesmos sintomas. Déficits neurológicos focais, disfunção endócrina ou crises epilépticas focais (às vezes com generalização secundária) podem ocorrer dependendo da localização do tumor ( Manifestações neurológicas localizadas comuns dos tumores cerebrais primários). Os deficits focais muitas vezes sugerem a localização do tumor. Entretanto, às vezes, os deficits focais não correspondem à sua localização. Os exemplos desses deficits, denominados falsos sinais localizadores, incluem o seguinte:
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Paralisia do reto lateral unilateral ou bilateral (com paresia da abdução do olho) em decorrência de elevação da pressão intracraniana comprimindo o VI par craniano
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Hemiplegia ipsolateral decorrente da compressão de pedúnculo cerebral contralateral contra o tentório (entalhe de Kernohan)
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Defeito do campo visual ipsolateral decorrente de isquemia no lobo occipital contralateral
Podem ocorrer crises epilépticas generalizadas, mais frequentes em tumores cerebrais primários do que em metastáticos. O comprometimento da consciência pode resultar de herniação, disfunção do tronco encefálico ou disfunção cortical bilateral difusa.
Alguns tumores causam inflamação meníngea, resultando em meningite subaguda ou crônica.
Diagnóstico
Os tumores cerebrais em estágio inicial geralmente são incorretamente diagnosticados. Deve-se considerar a possibilidade de um tumor cerebral em pacientes com os seguintes quadros:
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Déficits de função cerebral, focais ou globais progressivos.
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Novas crises epilépticas.
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Cefaleias persistentes, inexplicáveis e recentes, em particular se agravadas pelo sono.
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Evidências de elevação da pressão intracraniana (p. ex., papiledema, vômitos inexplicáveis)
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Endocrinopatia hipofisária ou hipotalâmica
Achados similares podem ocorrer em outras massas intracranianas (p. ex., abscessos, aneurisma, MAV, hemorragia intracerebral, hematoma subdural, granuloma, cistos parasitários como na neurocisticercose) ou acidente vascular isquêmico.
Deve-se realizar exame neurológico completo, exames de imagem neurológica e radiografias de tórax (para pesquisa de fonte de metástases). O exame de escolha é a RM, com imagens ponderadas em T1 pós-gadolínio. Uma alternativa é a TC com contraste. A RM geralmente detecta astrocitomas de baixo grau e oligodendrogliomas mais precocemente que a TC e mostra estruturas cerebrais próximas ao osso (p. ex., fossa posterior) com maior clareza. Se a imagem do cérebro completo não mostrar detalhes suficientes na área-alvo (p. ex., sela túrcica, ângulo cerebelopontino, nervo óptico), podem-se obter imagens com espaçamento mínimo ou outras incidências especiais da área. Se as imagens neurológicas forem normais, mas houver suspeita de elevação da pressão intracraniana, deve-se considerar a possibilidade de hipertensão intracraniana idiopática e realizar a punção lombar.
Dicas radiográficas em relação ao tipo do tumor, principalmente a localização ( Manifestações neurológicas localizadas comuns dos tumores cerebrais primários) e o padrão de captação na RM, podem ser inconclusivas; pode ser necessário fazer uma biópsia cerebral, algumas vezes biópsia excisional.
Exames especializados (p. ex., marcadores tumorais moleculares e genéticos no sangue e no líquor) podem ser úteis em alguns casos. Nos pacientes com aids, os títulos do vírus Epstein-Barr no líquor tipicamente aumentam com o crescimento do linfoma no sistema nervoso central.
Tratamento
Pacientes em coma ou com reflexos de vias respiratórias prejudicados necessitam de entubação endotraqueal.
A herniação cerebral por tumor é tratada com manitol, 25 a 100 g, infundido por IV um corticoide (p. ex., dexametasona, 16 mg IV seguida de 4 mg VO ou IV a cada 6 h) e entubação endotraqueal. Hiperventilação até obter pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2) de 26 a 30 mmHg pode ajudar a diminuir a pressão intracraniana temporariamente nos serviços de emergência. As lesões de massa devem ser descomprimidas por cirurgia o mais cedo possível.
O aumento da pressão intracraniana decorrente de tumores, mas sem hção, pode ser tratado com corticoides (p. ex., dexametasona 4 mg VO a cada 6 a 12 h, ou prednisona 30 a 40 mg VO bid).
O tratamento do tumor cerebral depende da patologia e da localização (para neuroma acústico, Neuroma do acústico). A excisão cirúrgica deve ser utilizada para diagnóstico e alívio dos sintomas. Pode curar tumores benignos. Para os tumores que se infiltram no parênquima cerebral, o tratamento é multimodal. A radioterapia é necessária e quimioterapia parece ser benéfica para alguns pacientes.
O tratamento das metástases tumorais é feito com radioterapia e, algumas vezes, cirurgia estereotáxica. Em pacientes com metástases únicas, a excisão cirúrgica do tumor antes da radioterapia melhora o resultado.
Questões sobre o fim de vida
Se os pacientes tiverem tumor incurável, deve-se discutir as questões relacionadas com o final da vida e considerar consulta de cuidados paliativos.
Radioterapia e neurotoxicidade craniana
A radioterapia pode ser dirigida difusamente para toda a cabeça nos tumores difusos ou multicêntricos, ou localmente nos tumores bem demarcados.
Radioterapia cerebral localizada pode ter boa definição espacial, identificando o tumor com o objetivo de preservar o tecido cerebral normal, ou estereotáxica, com braquiterapia, bisturi gama ou acelerador linear. Na braquiterapia, iodo estável radioativo (125I3) ou irídio-192 (192Ir4) é implantado no tumor ou adjacências. Gliomas são tratados com radioterapia conformal; a gamma knife ou acelerador linear é útil para metástases. A administração diária de radioterapia tende a maximizar a eficácia e minimizar os danos por neurotoxicidade no tecido normal do sistema nervoso central ( Síndromes de radiação aguda (SRA)).
O grau de neurotoxicidade depende de
Como a suscetibilidade é variável, a previsão da toxicidade da radiação é imprecisa. Os sintomas de toxicidade podem ocorrer nos primeiros dias (agudo) ou com meses de tratamento (precoce-retardada) ou vários meses a anos após o tratamento (tardia-retardada). Raramente, a radiação causa gliomas, meningiomas, ou tumores das bainhas de nervos periféricos, anos após o tratamento.
Neurotoxicidade aguda por radiação
A toxicidade cerebral aguda por radioterapia em crianças e adultos caracteriza-se por cefaleia, náuseas, vômitos, sonolência e, às vezes, agravamento dos sinais neurológicos focais.
A neurotoxicidade aguda resulta em grande parte da intumescência e do edema transitórios; assim, é particularmente provável que a pressão intracraniana já esteja alta. A utilização de corticoides para reduzir a pressão intracraniana pode prevenir ou tratar a toxicidade aguda. A toxicidade aguda diminui nos tratamentos subsequentes.
Neurotoxicidade tardia-precoce
A neurotoxicidade tardia-precoce pode causar encefalopatia em crianças ou adultos, que deve ser diferenciada do agravamento ou da recorrência do tumor por RM ou TC. Pode ocorrer em crianças que fizeram radioterapia cerebral total profilática para o tratamento da leucemia; elas podem ficar sonolentas, revertendo espontaneamente ao longo de dias ou semanas, possivelmente de modo mais rápido se forem utilizados corticoides.
Após a radioterapia cervical ou da porção superior do tórax, a neurotoxicidade precoce-tardia pode resultar em mielopatia, caracterizada por sintomas na coluna vertebral, como o sinal de Lhermitte (sensação de descarga elétrica irradiando ao longo do dorso para os membros inferiores ao flexionar o pescoço). Essa mielopatia precoce-tardia costuma desaparecer espontaneamente.
Neurotoxicidade tardia-retardada
Após a radioterapia difusa ou de todo o cérebro, muitas crianças e adultos evoluem com neurotoxicidade tardia-retardada se sobreviverem por um período de tempo suficiente. A causa mais comum em crianças é a radioterapia administrada para prevenir leucemia ou tratar meduloblastoma. Após a radioterapia difusa, o sintoma mais comum é demência progressiva; adultos também podem apresentar instabilidade da marcha e sinais neurológicos focais. TC ou RM pode mostrar atrofia cerebral e, frequentemente, perda de substância branca.
A neurotoxicidade após radioterapia localizada envolve, com mais frequência, deficits neurológicos focais. A RM ou TC mostram massa que pode ser intensificada por contraste e ser diferenciada com dificuldade da recorrência do tumor primário. A biópsia com excisão da massa é diagnóstica e alivia os sintomas.
Após radioterapia para tumores extra-espinais (p. ex., em decorrência de linfoma de Hodgkin), pode ocorrer mielopatia tardia-retardada. Caracteriza-se por paresia progressiva e perda sensorial, geralmente como síndrome de Brown-Séquard (paresia e perda de sensação proprioceptiva ipsolateral e perda contralateral das sensações térmica e dolorosa). A maioria dos pacientes fica paraplégica.