Alterações sistêmicas na doença hepática

PorDanielle Tholey, MD, Sidney Kimmel Medical College at Thomas Jefferson University
Reviewed ByMinhhuyen Nguyen, MD, Fox Chase Cancer Center, Temple University
Revisado/Corrigido: modificado ago. 2025
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Visão Educação para o paciente

Doenças hepáticas frequentemente produzem alterações e sintomas sistêmicos.

(Ver também Estrutura e função hepáticas e Avaliação do paciente com doença hepática.)

Alterações circulatórias

A patogênese da circulação hiperdinâmica (aumento da frequência e do débito cardíacos) e da hipotensão que se desenvolve na hepatopatia avançada ou na cirrose não é bem compreendida, mas é em parte um mecanismo compensatório para vasodilatação esplâncnica periférica extensa. Fatores que podem contribuir na cirrose podem incluir alteração do tônus simpático, produção de óxido nítrico e outros vasodilatadores endógenos, além do aumento da atividade de fatores humorais (p. ex., glucagon).

Para alterações específicas da circulação hepática (p. ex., a síndrome de Budd-Chiari), ver Distúrbios vasculares do fígado.

Anormalidades endócrinas

Intolerância à glicose, hiperinsulinismo, resistência à insulina e hiperglucagonemia estão frequentemente presentes em pacientes com cirrose; os níveis elevados de insulina refletem a diminuição da degradação hepática em vez de um aumento da secreção, enquanto o oposto é verdadeiro para a hiperglucagonemia. Alterações no perfil tireoidiano podem ser consequentes à deficiência de metabolização hepática dos hormônios tireóideos e alterações nas suas proteínas plasmáticas ligantes.

Efeitos sexuais são comuns. A doença hepática crônica comumente prejudica a menstruação, a ovulação e a fertilidade geral em mulheres. Homens com cirrose, principalmente aqueles com transtorno por uso de álcool, geralmente apresentam hipogonadismo (incluindo atrofia testicular, disfunção erétil e diminuição da espermatogênese) e feminização (ginecomastia, hábito feminino). A causa bioquímica exata é desconhecida. A reserva gonadotrófica do eixo hipotalâmico-pituitário muitas vezes se encontra esgotada. Níveis séricos de testosterona estão frequentemente baixos, devido, principalmente, à menor síntese deste hormônio, mas também por aumento da conversão periférica em estrogênios. Os níveis de estrogênios, exceto os de estradiol, estão normalmente aumentados, mas a correlação entre níveis de estrogênios e feminização é complexa. Essas alterações são mais frequentes na doença hepática alcoólica do que na cirrose por outras causas, sugerindo que o próprio álcool, e não a hepatopatia, pode ser o fator principal. De fato, existem evidências de que o álcool tem efeitos tóxicos aos testículos.

Alterações hematológicas

Anemia é comum em pacientes com doença hepática. Fatores que contribuem podem ser perdas sanguíneas, deficiência de ácido fólico, hemólise, supressão medular pelo álcool e os efeitos diretos da hepatopatia.

Leucopenia e plaquetopenia geralmente acompanham a esplenomegalia na hipertensão portal avançada.

Coagulopatias são comuns e envolvem mecanismos fisiopatológicos complexos. Disfunções hepatocelulares e absorção inadequada de vitamina K podem prejudicar a síntese hepática de fatores de coagulação. Tempo de protrombina (TP) anormal e, dependendo da gravidade da disfunção hepatocelular, pode responder à fitonadiona parenteral (vitamina K1). Plaquetopenia, coagulação intravascular disseminada e alterações no fibrinogênio também contribuem para que ocorra coagulopatia em muitos pacientes.

Alterações renais e eletrolíticas

A hipotensão consequente à hepatopatia avançada pode levar à insuficiência renal. Alterações renais e eletrolíticas também são comuns, especialmente em pacientes com ascite.

A hipopotassemia pode resultar de excesso de perda urinária de potássio, em razão de altas taxas circulantes de aldosterona, retenção renal de íons de amônia em troca por potássio, acidose tubular renal secundária, ou uso de diuréticos. O tratamento consiste em administração de suplementos de cloreto de potássio por via oral e suspensão ou redução temporária do uso de diuréticos espoliadores de potássio (mais comumente tiazídicos e diuréticos de alça).

A hiponatremia é comum embora os rins possam reter avidamente o sódio (ver Ascite: fisiopatologia); a hiponatremia geralmente ocorre na doença hepatocelular avançada e é difícil de corrigir. A sobrecarga relativa de água é muito mais frequentemente responsável do que a depleção de sódio corporal total; a depleção de potássio também pode contribuir. Restrição de água e suplementos de potássio podem ajudar; diuréticos que aumentam a depuração de água livre podem ser utilizados em casos graves ou refratários. A administração intravenosa de soro fisiológico só é indicada se a hiponatremia grave provocar convulsões, ou se houver suspeita de depleção corporal de sódio; deve-se evitá-la em pacientes cirróticos, com retenção de líquido, uma vez que pode piorar a ascite e elevar apenas temporariamente os níveis séricos de sódio.

Insuficiência hepática avançada pode alterar o equilíbrio ácido-básico, geralmente provocando alcalose metabólica. Níveis de nitrogênio da ureia sanguíneo (BUN) costumam estar baixos por causa da síntese hepática prejudicada; no entanto, sangramento gastrointestinal (GI) causa elevação do BUN por aumento da carga proteica absorvida no intestino, em vez de comprometimento renal. Quando o sangramento GI eleva a ureia, os valores normais de creatinina tendem a confirmar a função renal normal.

A insuficiência renal na doença hepática pode refletir:

  • Alterações raras que afetam diretamente tanto os rins quanto o fígado (p. ex., toxicidade pelo tetracloreto de carbono)

  • Choque circulatório com má perfusão renal, com ou sem necrose tubular aguda

  • Insuficiência renal funcional, geralmente chamada de síndrome hepatorrenal (SHR)

Síndrome hepatorrenal

Essa síndrome consiste em:

  • Oligúria progressiva e azotemia que ocorre na ausência de dano estrutural aos rins

A síndrome hepatorrenal geralmente ocorre em pacientes com hepatite alcoólica ou cirrose avançada com ascite. Considera-se que a patogênese envolve vasodilatação extrema da circulação arterial esplâncnica, resultando em queda do volume vascular central circulante e subsequente vasoconstrição do vaso renal. Seguem-se reduções neurais ou humorais do fluxo sanguíneo renocortical, resultando no decréscimo da taxa de filtração glomerular. Concentrações baixas de sódio urinário e sedimento benigno geralmentedistinguem a SHR da necrose tubular aguda, mas a azotemia pré-renal pode ser mais difícil de diferenciar; em casos duvidosos, deve-se testar a resposta à administração de volume.

Uma vez estabelecida, a insuficiência renal consequente à síndrome hepatorrenal não tratada é, geralmente, rapidamente progressiva e fatal (síndrome hepatorrenal do tipo 1, também chamada de síndrome hepatorrenal-lesão renal aguda), apesar de alguns casos serem menos graves, com doença renal crônica mais leve e estável (tipo 2).

Terapia combinada com vasoconstritores (terlipressina se disponível, ou midodrina e octreotida) e expansores de volume (normalmente, albumina) pode ser eficaz. Pode-se utilizar infusão de noradrenalina nos casos refratários e titulada de acordo com o débito urinário e pressões arteriais médias (1).

Se a síndrome hepatorrenal não responder ao tratamento médico, deve-se encaminhar os pacientes para transplante de fígado.

Referência sobre anormalidades renais e eletrolíticas

  1. 1. Biggins SW, Angeli P, Garcia-Tsao G, et al. Diagnosis, Evaluation, and Management of Ascites, Spontaneous Bacterial Peritonitis and Hepatorenal Syndrome: 2021 Practice Guidance by the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology. 2021;74(2):1014-1048. doi:10.1002/hep.31884

Anomalias pulmonares

A síndrome hepatopulmonar consiste na hipoxemia causada pela vasodilatação microvascular pulmonar em pacientes com hipertensão portal. A síndrome hepatopulmonar tem alta taxa de mortalidade (o dobro da observada em pacientes com cirrose, mas sem síndrome hepatopulmonar) e o prognóstico é desfavorável (1). Transplante de fígado é a única forma de cura para essa condição. Portanto, deve-se encaminhar rapidamente os pacientes com síndrome hepatopulmonar para transplante de fígado. A estratificação de risco para o transplante envolve a medição do grau de hipoxemia com uma gasometria arterial ao ar ambiente. Se os pacientes têm uma PaO2 em ar ambiente entre 50 e 60, eles podem receber pontos de exceção MELD (modelo para doença hepática terminal) a fim de aumentar sua pontuação na lista de transplante de fígado e ajudá-los a ter acesso ao transplante mais rapidamente (ver tabela Pontuações MELD e mortalidade).

Hipertensão portopulmonar é hipertensão arterial pulmonar em pacientes com hipertensão portal que não tem causas secundárias. É necessária uma avaliação cuidadosa da condição hemodinâmica no cateterismo cardíaco direito tanto para diagnosticar a hipertensão portopulmonar quanto para estratificar o risco do transplante de fígado para o paciente. Em última análise, o diagnóstico também requer exclusão de outras causas de hipertensão arterial pulmonar (2).

Referências sobre anormalidades pulmonares

  1. 1. Zaka AZ, Mangoura SA, Ahmed MA. New updates on hepatopulmonary syndrome: A comprehensive review. Respir Med. 2025;236:107911. doi:10.1016/j.rmed.2024.107911

  2. 2. DuBrock, HM. Portopulmonary Hypertension: Management and Liver Transplantation Evaluation. Chest. 2023;164(1):206-214. doi:10.1016/j.chest.2023.01.009

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