O sexo de uma pessoa refere-se às características e atributos do sexo biológico (p. ex., genitais, cromossomos) utilizados para categorizá-la como sexo masculino ou feminino. Identidade de gênero: sensação interna de ser homem, mulher ou gênero diferente, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído a um indivíduo ao nascer ou às suas características sexuais (1). As identidades de gênero incluem masculinidade ou feminilidade tradicional, com um reconhecimento cultural crescente de que algumas pessoas não se encaixam na dicotomia tradicional homem-mulher (chamada de binarismo de gênero). Essas pessoas podem se referir a elas mesmas como genderqueer, não binárias, não conformes ou um dos muitos outros termos. Além disso, as definições e as categorizações do papel de gênero podem diferir entre as sociedades.
Muitas culturas são mais tolerantes a comportamentos não conformes ao gênero em meninas (p. ex., fazer atividades ou utilizar roupas que são mais típicas para meninos) do que em meninos (ou seja, comportamentos que são considerados efeminados). Como parte do desenvolvimento normal, muitos meninos brincam de ser meninas ou mães, incluindo experimentar as roupas da irmã ou da mãe, demonstrar comportamentos estereotipados, ou expressar interesses associados a meninas em uma determinada sociedade. Comportamentos incongruentes com o gênero (aqueles que diferem das normas culturais para o sexo de nascimento de uma pessoa) em crianças geralmente não são considerados um transtorno e usualmente não persistem na idade adulta nem levam a uma identidade transgênero ou disforia de gênero.
O termo cisgênero, que se aplica à maioria das pessoas, é utilizado para se referir a pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo atribuído ao nascimento. Sexo e gênero (tanto em termos de identidades quanto de papéis) não são equivalentes em pessoas com incongruência de gênero ou disforia de gênero e, clinicamente, são considerados características distintas. (Ver Definições de terminologia relacionada a sexo e gênero.)
Identidade de gênero não binária refere-se a indivíduos que experimentam seu gênero como diferente das visões ocidentais típicas da identidade de gênero binária (masculino ou feminino). Não binária descreve pessoas com diferentes tipos de identidade de gênero, incluindo pessoas que não se identificam com nenhum gênero, aquelas que se identificam com múltiplos sexos e aquelas que podem experimentar diferentes gêneros ao longo do tempo ou em diferentes contextos (gênero fluido) (2). No inglês, em vez de pronomes generificados (he/him/his ou she/her/hers), pessoas não binárias podem utilizar os pronomes they/them/theirs ou pronomes recentemente criados, como "ze/zir/hir" ou "e/er/ers", entre outros; o gênero e os pronomes preferidos por indivíduos não binários variam conforme o idioma e outros fatores.
Para a maioria das pessoas, há congruência entre sexo atribuído ao nascimento, identidade de gênero e papel de gênero. Incongruência de gênero é uma incongruência marcada e persistente entre o gênero vivenciado por um indivíduo e o sexo atribuído ao nascer (3). Se um indivíduo experimenta ou apresenta incongruência de gênero ou inconformidade de gênero, isso por si só não é considerado um transtorno. É considerada uma variante normal da identidade e expressão do gênero humano. Entretanto, quando a incompatibilidade percebida entre o sexo de nascimento e o sentido interno da identidade de gênero causa sofrimento significativo a alguém ou prejuízo funcional, um diagnóstico clínico de disforia de gênero pode ser apropriado. A disforia de gênero é um diagnóstico no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quinta Edição, Texto Revisado (DSM-5-TR), e é dividido em 2 conjuntos de critérios diagnósticos, um para crianças e outro para adolescentes e adultos (4). O diagnóstico é definido pelo sofrimento da pessoa, e não pela presença de incongruência ou identidade de gênero.
Alguns especialistas afirmam que o diagnóstico da disforia de gênero é primariamente uma condição clínica geral com sintomas psiquiátricos concomitantes, semelhante a transtornos do desenvolvimento sexual e não é essencialmente um transtorno psiquiátrico. Como resultado, a incongruência de gênero e a disforia de gênero não são classificadas como transtornos mentais na Classificação Internacional de Doenças, 11ª Revisão, sendo incluídas no capítulo sobre saúde sexual (5). A Organização Mundial da Saúde fez essa mudança, em parte, para reduzir o estigma para uma condição já estigmatizada (6, 7). Por outro lado, outros consideram que até mesmo formas extremas de incongruência de gênero não são uma condição médica nem psiquiátrica, mas variantes normais raras no espectro da identidade e expressão humanas de gênero.
O sofrimento da disforia de gênero é geralmente descrito como uma combinação de ansiedade, depressão, irritabilidade e a sensação generalizada de não se sentir confortável no próprio corpo. Pessoas com disforia de gênero grave podem experimentar sintomas graves, perturbadores e de longa duração. Geralmente têm forte desejo de mudar o corpo por meios clínicos e/ou cirúrgicos para que seus corpos se alinhem mais estreitamente com sua identidade de gênero.
Independentemente do ponto de vista sobre a natureza clínica da incongruência e disforia de gênero, há evidências substanciais de que pessoas transexuais como uma população sofrem com uma carga maior de diagnósticos médicos, de saúde mental e saúde sexual, muitas vezes associados a barreiras ao acesso ao tratamento (8, 9). Pessoas com incongruência de gênero podem apresentar comorbidades associadas, incluindo transtornos por uso de substâncias, transtornos de ansiedade, depressão, ideação suicida e transtornos do espectro autista, frequentemente em taxas superiores às da população cisgênero (10). A disforia de gênero, embora extremamente comum em algum momento da vida de pessoas com incongruência de gênero, não é universal. Da mesma forma, aqueles que se identificam como transgênero podem, ou não, ter um diagnóstico atual de disforia de gênero. Quando sintomas definidos estão presentes e alcançam um limiar de significado clínico, um diagnóstico de disforia de gênero pode ser justificado.
Epidemiologia da incongruência de gênero e disforia de gênero
Não há dados suficientes para determinar a prevalência precisa de incongruência de gênero ou disforia de gênero, e muitos estudos são pesquisas em que indivíduos relatam sua identidade de gênero em vez de dados de prontuários médicos sobre aqueles diagnosticados com disforia de gênero.
Estudos conduzidos em grandes sistemas de saúde relataram que 0,02 a 0,1% dos pacientes atendem aos critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quinta Edição, Texto Revisado (DSM-5-TR) para um diagnóstico de disforia de gênero (1). Pesquisas com indivíduos em ambientes não clínicos relataram uma proporção ainda maior de respondentes que se autoidentificam como transgênero, porque muitos daqueles indivíduos que se autoidentificam não têm diagnóstico de disforia de gênero. Uma análise de dados de pesquisas nacionais dos Estados Unidos entre 2017 e 2020 relatou que 1,6 milhão de pessoas se identificavam como transgênero, incluindo 300.000 adolescentes de 13 a 17 anos (1,4% da população nessa faixa etária) e 1,3 milhão de adultos (0,3%). Dos adultos que se identificavam como transgênero, 39% (515.200) se identificavam como mulheres trans, 36% (480.000) como homens trans e 26% (341.800) relataram não conformidade de gênero (2). Embora o percentual de adolescentes que se identificam como transgênero tenha aumentado (3), a porcentagem e o número de adultos americanos que se identificam como transgênero permaneceram relativamente inalterados por uma década, em 0,5% (2).
Antes da década de 2010, a maioria dos pacientes com disforia de gênero que solicitava tratamento havia sido designada homem ao nascer (DHN). Desde então, mundialmente houve um aumento substancial no número de adolescentes designados mulher ao nascer (DMN) que procuram clínicas para avaliação e tratamento (4–6). Não está claro quais fatores são responsáveis por essa mudança significativa, que foi relatada em vários países, incluindo Estados Unidos, Reino Unido e outras nações europeias (7).
Uma pesquisa do Williams Institute, centro de pesquisa em direito e políticas públicas, relatou que aproximadamente 1,2 milhão de adultos nos Estados Unidos se identificam como não binários, incluindo 11% da população LGBTQ (lésbica, gay, transgênero, queer ou em questionamento) e 43% das pessoas que também se identificam como transgênero (8). Em uma pesquisa nacional com adolescentes de gênero diverso e minorias de gênero nos Estados Unidos, 25% a 50% dos indivíduos com diversidade de gênero se identificavam como não binários (9). Alguns estudos indicam que a maioria das pessoas não binárias era DMN (10).
Etiologia da incongruência de gênero e disforia de gênero
A etiologia específica da incongruência de gênero não é completamente compreendida. Considera-se que os fatores biológicos (p. ex., genética, meio hormonal pré-natal em um período crítico no desenvolvimento fetal) desempenham papéis importantes na determinação da identidade de gênero. Alguns estudos descobriram uma taxa de concordância para disforia de gênero em gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos, sugerindo que existe um componente hereditário para a incongruência de gênero (1), enquanto outros não encontraram essa ligação (2). Alguns exames de imagem do cérebro mostram diferenças funcionais e anatômicas em pessoas com disforia de gênero que são consistentes com sua identidade de gênero em vez de sexo atribuído ao nascimento (3). Por fim, existem estudos genéticos que demonstram a super-representação de certos genes e alelos que, em combinação, se relacionam com a sinalização de hormônios sexuais em pessoas transgênero quando comparadas a controles cisgênero (4).
Disforia de gênero pode estar associada a distúrbios do desenvolvimento sexual (p. ex., genitais ambíguos) ou a anomalia genética (p. ex., síndrome de Turner, síndrome de Klinefelter). A disforia de gênero afeta 8,5% a 20% das pessoas com DSD, mas essa porcentagem varia amplamente dependendo do tipo de DSD, com proporções de até 63% naquelas com anormalidades da 5-alfa redutase 2 e da 17-beta-hidroxiesteroide desidrogenase 3 (5). Quanda classificação sexual e criação são confusas (p. ex., em casos de genitália ambígua ou síndromes genéticas que alteram a aparência dos genitais, [por ex., as síndromes de insensibilidade aos andrógenos]), as crianças podem ficar incertas acerca de sua identidade de gênero ou de seu papel sexual, ainda que a contribuição adicional da contribuição adicional de fatores ambientais permaneça controverso. Entretanto, quanda classificação e criação não são ambíguas, a presença de genitália ambígua pode não afetar o desenvolvimento da identidade de gênero da criança.
A formação de uma identidade de gênero segura e não conflituosa, bem como do papel de gênero, também é influenciada por fatores psicossociais e sociais, como a natureza do vínculo emocional dos pais, o relacionamento que cada um deles estabelece com a criança e o meio social, além dos contextos culturais e subculturais em que a criança é criada (6).
Sinais e sintomas de incongruência de gênero e disforia de gênero
Embora esta seção seja intitulada sintomas e sinais de incongruência de gênero e disforia de gênero, ela também aborda experiências e características de indivíduos com diversidade de gênero que não apresentam disforia de gênero.
Sintomas em adultos
Muitos adultos diagnosticados com disforia de gênero apresentam sintomas já na primeira infância ou têm a sensação de serem “diferentes”, mas alguns só se apresentam na idade adulta e não apresentam evidências de incongruência de gênero durante a infância. As mulheres trans podem primeiro se identificar como cross-dressers e só mais tarde na vida abraçar sua identidade transgênero.
Algumas pessoas com disforia de gênero inicialmente fazem escolhas consistentes com o sexo designado ao nascimento (p. ex., casamento, serviço militar) e frequentemente admitem, em retrospecto, que não estavam confortáveis com seus sentimentos transgêneros/de gênero diverso, e tomaram decisões de vida para tentar evitar lidar com eles. Para pessoas DHN, isso foi descrito como uma "fuga para a hipermasculinidade" (1, 2). Depois que aceitam sua identidade transgênero e fazem a transição pública de gênero, muitas pessoas transgêneros se misturam perfeitamente ao tecido social em sua identidade de gênero preferida — com ou sem terapia hormonal de afirmação de gênero ou cirurgia de afirmação de gênero.
Pessoas transgênero podem se sentir confortáveis com uma variedade de métodos para expressar sua identidade de gênero. Alguns pacientes DHN se realizam desenvolvendo uma aparência mais feminina e obtendo documentos de identidade feminina (p. ex., carteira de motorista, passaporte) para permitir que trabalhem e vivam em sociedade como mulheres. Da mesma forma, muitos pacientes DMN optam por realizar uma transição social e, com o auxílio da terapia de testosterona de afirmação de gênero (com ou sem mastectomias e/ou reconfiguração torácica), apresentam aparência e voz marcadamente masculinas.
Pessoas com diversidade de gênero experimentam problemas de saúde mental, que podem incluir ansiedade, depressão, transtornos por uso de substâncias, e comportamento suicida, em níveis substancialmente mais elevados do que os de seus pares cisgêneros (3). Essas questões podem estar relacionadas a estressores sociais e familiares associados à falta de aceitação de comportamentos de inconformidade de gênero e marginalização, frequentemente chamado estresse de minoria. As disparidades de saúde quanto ao acesso a serviços de saúde mental e geral estão bem documentadas em pessoas com disforia de gênero e podem estar associadas à pobreza, barreiras no acesso a cuidados, discriminação, e ao desconforto do médico em fornecer-lhes os cuidados adequados.
Sintomas em crianças
A diversidade de gênero na infância é uma ocorrência frequente no desenvolvimento humano em geral (4) e não é, por si só, um transtorno psiquiátrico nem necessariamente uma indicação de que a criança tem uma identidade transgênero (5).
A disforia de gênero infantil é um diagnóstico clínico que muitas vezes se manifesta tão cedo quanto 2 a 3 anos de idade, mas pode se tornar aparente em qualquer idade. A maioria das crianças com disforia de gênero só é avaliada entre 6 e 9 anos de idade. Crianças com disforia de gênero comumente apresentam os seguintes por pelo menos um período de 6 meses (6):
Preferem se vestir como o sexo oposto
Insistem que são do sexo oposto
Desejam acordar como o sexo oposto
Preferem participar de jogos e atividades estereotípicos do sexo oposto
Preferem companheiros do outro sexo para brincar
Têm forte aversão à anatomia sexual
Por exemplo, uma menina jovem pode insistir que ainda lhe crescerá um pênis e ela se tornará um menino; ela pode ficar em pé para urinar. Um menino pode fantasiar sobre ser uma menina e evitar jogos de lutas e competitivos. Ele também pode querer se livrar de seu pênis e testículos. Crianças com incongruência de gênero podem sentir angústia com as mudanças físicas da puberdade; isso é frequentemente seguido por uma solicitação, durante a adolescência, de tratamento para alterar a aparência corporal e outras características (p. ex., voz) a fim de torná-las consistentes com sua identidade de gênero (tratamento de afirmação de gênero).
Para crianças pré-púberes com incongruência de gênero, a identidade de gênero na idade adulta não pode ser prevista com confiabilidade antecipadamente. Alguns estudos descobriram que a maioria dos participantes do estudo com incongruência de gênero na infância permaneceu estável nessa identidade de gênero na adolescência (7). Em outros estudos, entre os participantes do estudo diagnosticados com disforia de gênero já na infância, uma minoria continuou a atender os critérios diagnósticos para disforia de gênero quando adultos (8, 9); também uma minoria daqueles que expressaram níveis de incongruência de gênero que não atenderam os critérios diagnósticos para disforia de gênero continuaram a expressar incongruência de gênero como adultos.
Há controvérsias consideráveis sobre se ou em que idade apoiar a transição social e/ou médica de gênero de crianças pré-púberes com disforia de gênero. Não há pesquisas conclusivas para orientar essa decisão (10, 11); entretanto, estudos prospectivos de longo prazo estão em andamento (7).
A versão 8 do World Professional Association for Transgender Health (WPATH) Standards of Care (12) fornece orientação para especialistas que trabalham nessa área sensível. Essas diretrizes recomendam que os pais/cuidadores e profissionais de saúde respondam solidariamente às crianças que desejam ser reconhecidas como sendo do gênero que corresponde ao seu sentimento de identidade de gênero. Eles também recomendam que os pais/cuidadores e profissionais de saúde apoiem as crianças a continuar a explorar seu gênero ao longo dos anos pré-pubescentes, independentemente da transição social (12).
Crianças e adolescentes com gênero diverso como um grupo têm maior probabilidade de sofrer trauma, intimidação, isolamento e dificuldades de saúde mental do que seus pares cisgênero (13, 14). O aumento bem documentado de suicidalidade e depressão em adolescentes que se identificam como transgênero ou com diversidade de gênero tem sido objeto de múltiplos estudos, incluindo uma revisão sistemática de 21 estudos (15, 16, 17).
Algumas crianças ou adolescentes transgênero realizam uma transição social (transição que não envolve medicamentos ou cirurgia). Isso pode envolver uma ou mais das seguintes alterações: mudanças na expressão pessoal (p. ex., estilos de cabelo, vestuário, escolhas de joias); comunicação do gênero vivenciado/afirmado à família, amigos e publicamente; alteração do nome, dos pronomes e do sexo documentado em registros escolares ou outros; uso de banheiros e vestiários condizentes com o gênero experienciado; participação em esportes, clubes recreativos, acampamentos e outras atividades organizadas do "outro" gênero (5).
Algumas crianças e adolescentes que expressam incongruência de gênero, inclusive aqueles que fazem transição social, podem acabar por decidir retornar ao papel de gênero associado ao sexo que lhes foi atribuído ao nascer. Esse fenômeno tem sido denominado "destransição" ou "retransição". Um estudo longitudinal com 317 adolescentes com disforia de gênero relatou que 2,5% haviam retransicionado após um acompanhamento médio de 5 anos (18). A destransição é incomum naqueles que completaram a transição de gênero médica e cirúrgica e é mais provável em pessoas DHN do que nas DMN (19).
Diagnóstico de incongruência de gênero e disforia de gênero
Critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição, Texto Revisado (DSM-5-TR)
Critérios da Classificação Internacional de Doenças (CID)-11 (ainda não utilizados em todos os países)
Avaliação e diagnóstico em todas as faixas etárias
A avaliação de um indivíduo em relação à incongruência de gênero ou disforia de gênero geralmente inclui:
Entrevista clínica do indivíduo (e para crianças, entrevistar pais/cuidadores) sobre a identidade de gênero afirmada e expressão de gênero, atual e historicamente
Avaliação para evidências de disforia, incongruência de gênero
Revisão da história médica e da saúde mental relevante (e para crianças, história do desenvolvimento)
Deve-se avaliar a presença de estressores ou riscos significativos pessoais ou familiares (p. ex., uso de substâncias, exposição à violência, pobreza)
Avaliação para outras condições de saúde mental que muitas vezes estão associadas à disforia de gênero, incluindo depressão, ansiedade, transtornos por uso de substâncias, uso de tabaco, suicídio.
Além disso, os contextos psicossociais e familiares do indivíduo são importantes, incluindo atitudes, apoio e desafios em relação à diversidade de gênero da própria pessoa e de familiares, amigos e outros contatos importantes (p. ex., colegas, professores, colegas de trabalho, membros da comunidade). Deve-se avaliar a presença de estressores ou riscos pessoais ou familiares significativos (p. ex., uso de substâncias, exposição à violência, pobreza). Os Padrões de Cuidado da Associação Profissional Mundial para a Saúde de Pessoas Transgênero (WPATH), versão 8, fornecem uma seção detalhada sobre a avaliação de pacientes com diversidade de gênero em todos os estágios da vida (1).
A incongruência de gênero é definida na CID-11 como uma incongruência acentuada e persistente entre o gênero vivenciado de um indivíduo e o sexo atribuído (2). Como a CID-11 é utilizada na Europa e em algumas outras regiões do mundo, mas ainda não nos Estados Unidos, a incongruência de gênero não tem um código de diagnóstico nos Estados Unidos e, na prática clínica, o termo é geralmente empregado apenas em referência a crianças.
A disforia de gênero é expressa de forma diferente em diferentes faixas etárias (1). O diagnóstico da disforia de gênero em todas as faixas etárias, pelos critérios do DSM-5-TR, requer a presença de ambos os seguintes (3):
Incongruência acentuada entre sexo no nascimento e identidade de gênero experimentada/expressa que está presente há ≥ 6 meses
Sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo funcional resultante dessa incongruência
Diagnóstico da disforia de gênero em adolescentes e adultos
Critérios diagnósticos DSM-5-TR para disforia de gênero em adultos e adolescentes requerem ≥ 2 dos seguintes (3):
Uma incongruência acentuada entre o sexo experimentado/expresso de alguém e as características sexuais primárias e/ou secundárias (ou em adolescentes jovens, as características sexuais secundárias antecipadas)
Um forte desejo de se livrar das características sexuais primárias e/ou secundárias devido a uma marcada incongruência com o gênero vivenciado/expresso (ou, em adolescentes mais jovens, um desejo de prevenir o desenvolvimento das características sexuais secundárias antecipadas)
Forte desejo pelas características sexuais primárias e/ou secundárias do outro gênero
Forte desejo de ser do outro sexo (ou algum gênero alternativo diferente do gênero atribuído)
Forte desejo de ser tratado como outro gênero (ou algum gênero alternativo diferente do gênero atribuído)
Uma convicção firme de que se tem os sentimentos e reações típicos do outro gênero (ou um gênero alternativo diferente do gênero designado ao nascer)
A condição deve estar associada a sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes.
Diagnóstico da disforia de gênero em crianças
Os critérios diagnósticos do DSM-5-TR para disforia de gênero em crianças exigem ≥ 6 dos seguintes (1 dos quais deve ser o primeiro critério) (3):
Forte desejo de ser do outro gênero ou insistência de que se é do outro gênero (ou algum gênero alternativo diferente do gênero atribuído)
Em meninos (gênero atribuído), uma forte preferência por vestir-se com roupas do sexo oposto ou simular trajes femininos; ou em meninas (gênero atribuído), uma forte preferência por utilizar apenas roupas geralmente masculinas e uma forte resistência ao uso de roupas geralmente femininas
Forte preferência por papéis de gênero cruzado em brincadeiras de fantasia ou faz-de-conta
Forte preferência por brinquedos, jogos e atividades estereotípicas para outro gênero
Forte preferência por companheiros do sexo oposto
Forte rejeição a brinquedos, jogos e atividades típicas do gênero que corresponde ao sexo de nascimento
Forte aversão à própria anatomia sexual
Forte desejo de características sexuais primárias e/ou secundárias que correspondam ao gênero experienciado.
A condição deve estar associada a sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo em ambientes sociais, escolares ou outras áreas importantes de funcionamento.
A autoidentificação como um gênero diferente daquele atribuído ao nascimento não deve ser meramente um desejo de obter as vantagens culturais percebidas de ser um gênero diferente. Por exemplo, no caso de um menino que diz que quer ser uma menina principalmente porque receberá o mesmo tratamento especial que sua irmã mais nova, é improvável que tenha um diagnóstico de disforia de gênero.
Tratamento da disforia de gênero
Para muitos adultos ou adolescentes, terapia hormonal de afirmação de gênero e, às vezes, cirurgias de afirmação de gênero (cirurgia de mama, genital ou facial)
Às vezes, outros tratamentos (p. ex., terapia vocal, eletrólise)
Psicoterapia para abordar questões de saúde mental coexistentes, questões relacionadas com a transição, e outros problemas, mas não é obrigatória para acessar tratamentos médicos e/ou cirúrgicos para disforia de gênero
O objetivo do tratamento para pessoas transgênero, de acordo com a Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero (WPATH), é alcançar um "conforto pessoal duradouro com sua identidade de gênero, visando otimizar sua saúde física geral, seu bem-estar psicológico e sua autorrealização" (1).
Comportamento de não conformidade ou de incongruência de gênero, como o uso de roupas do sexo oposto, não é considerado um transtorno e não requer tratamento se ocorrer sem disforia de gênero concomitante (ou seja, sem sofrimento psicológico clinicamente significativo ou prejuízo funcional). Quando é necessário tratamento para disforia de gênero, o objetivo é aliviar o sofrimento dos pacientes e ajudá-los a se adaptar, em vez de tentar dissuadi-los de sua identidade. Utilizar a psicoterapia para tentar "converter" a identidade transgênero estabelecida de uma pessoa (a chamada terapia reparativa ou terapia de conversão) não só é ineficaz, como também pode ser prejudicial para os pacientes, é considerado antiético e é ilegal em algumas jurisdições.
Para a maioria das pessoas com disforia de gênero, o principal objetivo ao procurar ajuda médica não é obter tratamento de saúde mental, mas obter tratamentos de afirmação de gênero na forma de terapia hormonal e/ou cirurgia de afirmação de gênero (anteriormente conhecida como cirurgia de redesignação sexual ou cirurgia de afirmação de gênero) para tornar sua aparência física consistente com sua identidade de gênero. Quando a disforia de gênero é diagnosticada e tratada apropriadamente, o sofrimento psicológico pode desaparecer com uma combinação de uma ou mais das principais modalidades: psicoterapia, transição social, terapia hormonal de afirmação de gênero, e/ou cirurgias de afirmação de gênero (1, 2).
A cirurgia pode ajudar determinados pacientes a atingir adaptação e satisfação maiores na vida. A maioria dos especialistas recomenda a cirurgia apenas para pacientes que foram avaliados por um médico adequadamente treinado e experiente e foram tratados de acordo com os padrões atuais do WPATH, o que geralmente inclui um curso de terapia hormonal de afirmação de gênero quando indicado. Os médicos muitas vezes aconselham os pacientes a viverem em seu papel de gênero preferido por um ano antes de serem submetidos à cirurgia genital irreversível.
Técnicas de preservação da fertilidade, como criopreservação de embriões, oócitos ou espermatozoides ou atraso no início de tratamentos hormonais de afirmação de gênero, devem ser discutidas antes do tratamento (1, 3).
Estudos descobriram que a cirurgia de afirmação de gênero está associada a melhores resultados de saúde mental em pessoas com disforia de gênero (4, 5, 6). Com base nesses achados, essa cirurgia é considerada clinicamente necessária em pacientes com disforia de gênero altamente motivados que foram avaliados por especialistas apropriados e atenderam os critérios descritos no WPATH Standards of Care, versão 8 (2). Deve-se observar que as cirurgias de afirmação de gênero não se limitam às intervenções genitais, mas também podem incluir alterações faciais, cirurgia das pregas vocais, aumento da mama, depilação, raspagem da traqueia (cirurgia para reduzir o tamanho do pomo de Adão) ou outras cirurgias não genitais.
Muitas pessoas que passam por cirurgia de afirmação de gênero são capazes de ter relações sexuais satisfatórias. Após a cirurgia, a capacidade de atingir o orgasmo é frequentemente mantida, e algumas pessoas relatam sentir-se confortáveis sexualmente pela primeira vez. No entanto, poucas pessoas se submetem a uma cirurgia de afirmação de gênero com o único propósito de poder funcionar sexualmente como o sexo oposto. Em geral, a motivação é a confirmação do seu senso interno de identidade de gênero.
Profissionais de saúde mental podem fazer o seguinte para ajudar pacientes com disforia de gênero a tomar decisões informadas:
Avaliar e tratar doenças comórbidas (p. ex., depressão, transtornos por uso de fármacos)
Ajudar os pacientes a lidar com os efeitos negativos do estigma (p. ex., desaprovação, discriminação)
Ajudar os pacientes a encontrar uma expressão de gênero com a qual eles se sintam à vontade
Se aplicável, facilitar as mudanças, aceitação (informar outras pessoas sobre a identidade transgênero), e transição dos papéis de gênero
Fornecer um local seguro para explorar a identidade de gênero e os riscos e benefícios de potenciais tratamentos
A decisão de um indivíduo de compartilhar informações sobre sua identidade de gênero com a família e o público, independentemente dos tratamentos desejados, é muitas vezes repleta de potenciais problemas sociais para os pacientes (7, 8). Tais questões incluem a perda potencial de familiares, cônjuge/parceiro, amigos e a perda de emprego ou de moradia devido à discriminação contínua contra pessoas de gênero diverso. Em algumas partes do mundo, assumir publicamente a diversidade de gênero também é ilegal e sujeita as pessoas transgêneros a potenciais consequências legais graves, incluindo prisão e até execução.
A participação em grupos de apoio de gênero, disponíveis na maioria das grandes cidades ou na Internet, é muitas vezes útil, especialmente durante o processo de transição.
Indivíduos designados homem ao nascer (DHN)
Para mulheres trans, as terapias médicas de afirmação de gênero consistem em hormônios feminizantes em doses moderadas (p. ex., adesivo transdérmico de estradiol 0,1 a 0,2 mg/dia ou estradiol oral 2 a 8 mg/dia) com um anti-andrógeno (p. ex., espironolactona 100 a 400 mg/dia).
Hormônios feminizantes têm efeitos benéficos significativos sobre os sintomas de disforia de gênero, muitas vezes antes que haja quaisquer mudanças visíveis nas características sexuais secundárias (p. ex., crescimento dos seios, diminuição do crescimento de pelos faciais e corporais, redistribuição da gordura para os quadris). Hormônios feminizantes, mesmo sem suporte psicológico ou cirurgia, são suficientes para fazer alguns pacientes se sentirem suficientemente confortáveis como mulheres (9).
A terapia hormonal é normalmente combinada com eletrólise, terapia vocal e outros tratamentos feminizantes. Os hormônios feminizantes não eliminam os pelos faciais ou corporais; no entanto, o estrogênio combinado com terapia anti-andrógena pode retardar substancialmente a progressão da calvície de padrão masculino.
A cirurgia de afirmação de gênero é solicitada por um número crescente de mulheres trans. Embora existam várias abordagens, a cirurgia mais comum envolve a remoção do pênis e dos testículos e a criação de uma neovagina. Uma parte da glande do pênis é retida como um clitóris, que geralmente é sexualmente sensível e mantém a capacidade de excitação e orgasmo na maioria dos casos.
Alguns pacientes também buscam procedimentos cirúrgicos não genitais afirmadores de gênero, como aumento das mamas, cirurgias de feminilização facial (p. ex., rinoplastia, elevação de sobrancelhas, alterações da linha do cabelo, reconfiguração da mandíbula, remoção de cartilagem traqueal [redução da cartilagem da laringe]) ou cirurgias das pregas vocais para alterar a qualidade da voz (10).
Indivíduos designados mulher ao nascer (DMN)
Para transhomens, a terapia farmacológica de afirmação de gênero consiste em terapia com testosterona. Preparações de testosterona tornam a voz permanentemente grave, induzem uma distribuição muscular e de gordura mais masculina, induzem clitoromegalia permanente e promovem o crescimento de pelos faciais e corporais. Algumas dessas alterações físicas são permanentes, mesmo com a interrupção do tratamento.
A testosterona pode ser administrada por via intramuscular ou tópica (adesivo ou gel). A testosterona oral geralmente tem baixa biodisponibilidade e não é a via de administração recomendada. O cipionato ou enantato de testosterona são administrados por via intramuscular em doses de 20 a 50 mg/semana ou 40 a 100 mg a cada 2 semanas, com doses de manutenção (a longo prazo) de 50 a 100 mg/semana ou 100 a 200 mg a cada 2 semanas; alternativamente, a administração subcutânea tem sido relatada como eficaz para muitos pacientes (11). Os adesivos de testosterona para tratamento de afirmação de gênero normalmente liberam doses variando de 2,5 a 10 mg/dia, dependendo dos resultados clínicos e das avaliações laboratoriais. Alguns pacientes relatam dificuldades em manter os adesivos no lugar. Os géis de testosterona (1%) são geralmente iniciados em 2,5 a 5,0 gramas/dia, com doses de manutenção entre 5 a 10 gramas/dia. Os pacientes que utilizam géis devem estar cientes de que a testosterona pode ser transferida para outras pessoas por contato cutâneo por certo tempo após a administração.
Desde a década de 2010, tem havido taxas crescentes de cirurgias de redesignação sexual em homens transgênero (12). Esses indivíduos muitas vezes solicitam mastectomia no início do tratamento, incluindo no final da adolescência, porque é difícil viver no papel de gênero masculino com uma grande quantidade de tecido mamário. A compressão mamária é frequentemente praticada por homens trans, mas isso frequentemente dificulta a respiração e pode causar irritação da pele e problemas circulatórios se não for feita adequadamente (13). Mamas volumosas são difíceis de ocultar mesmo com compressão mamária e estão associadas a maior gravidade dos sintomas de disforia de gênero.
Histerectomia e ooforectomia podem ser realizadas após um curso de terapia hormonal masculinizante, incluindo hormônios androgênicos (p. ex., preparações de éster de testosterona 50 a 100 mg por via intramuscular ou subcutânea a cada semana, ou doses equivalentes de cremes ou géis de testosterona) se tolerados.
Alguns homens transgênero querem preservar a fertilidade e utilizar seus oócitos para uma futura gestação. Questões sobre fertilidade são importantes para discutir com os pacientes tratados com hormônios afirmativos do gênero, pois parece que a fertilidade pode se tornar, pelo menos, temporariamente prejudicada. Os pacientes devem ser orientados sobre as opções de preservação da fertilidade antes da terapia hormonal ou cirurgia (14). As opções incluem criopreservação de oócitos, tecido ovariano e embriões. Não há dados suficientes sobre os efeitos de longo prazo da terapia hormonal masculinizante na fertilidade. Relataram-se gestações bem-sucedidas após a interrupção dos tratamentos com testosterona em homens transgênero. Embora a fertilidade possa ser negativamente impactada, deve-se aconselhar pacientes DMN que não desejam engravidar que a terapia hormonal muitas vezes não induz a esterilidade e que métodos contraceptivos apropriados devem ser adotados (15).
Os pacientes podem optar por uma das seguintes cirurgias adicionais de afirmação de gênero (16):
Falo artificial (neofalo) a ser formado com pele transplantada da face interna do antebraço, do membro inferior ou do abdome (faloplastia)
Um micropênis a ser formado do tecido adiposo removido do monte pubiano e inserido em torno do clitóris hipertrofiado por testosterona (metoidioplastia)
Com qualquer procedimento, a escrotoplastia geralmente também é feita; os grandes lábios são dissecados para formar cavidades ocas de modo a aproximar um escroto, e implantes de testículos são inseridos para preencher o neoescroto.
Os resultados anatômicos dos procedimentos cirúrgicos de um neofalo são quase sempre menos satisfatórios em termos de função e aparência do que os procedimentos neovaginais para mulheres trans. Essa é a possível razão para menos solicitações de cirurgia genital de afirmação de gênero por homens transgênero; contudo, à medida que as técnicas de faloplastia continuam a melhorar, as solicitações para faloplastia aumentaram.
As complicações cirúrgicas são comuns, em especial nos procedimentos que envolvam a extensão da uretra para o interior do neofalo. Essas complicações podem incluir infecções do trato urinário, fístulas, estenoses uretrais ou desvio do fluxo urinário.
Indivíduos não binários e outras diversidades de gênero
Em ambientes de cuidados de saúde, pessoas não binárias são menos propensas a oferecer informações voluntárias sobre sua identidade de gênero do que pacientes transgêneros; muitos tiveram experiências negativas com profissionais de saúde que tentam tratá-los como se estivessem em um espectro linear da identidade de gênero (modelo binário), o que geralmente está em desacordo com a autopercepção dos pacientes (17).
Algumas pessoas não binárias procuram tratamentos médicos e/ou cirúrgicos de afirmação de gênero para aliviar a disforia de gênero ou os sintomas de incongruência associados a sofrimento ou prejuízo funcional. Os objetivos do tratamento devem ser completamente compreendidos e as limitações dos tratamentos devem ser claramente estabelecidas. Por exemplo, um paciente não binário designado como do sexo masculino ao nascimento pode querer alcançar maior satisfação física (p. ex., alterações na pele, crescimento de pelos, distribuição de gordura) por meio do uso terapia de reposição de estrogênios, mas não deseja desenvolver mamas. Esses objetivos podem ser incompatíveis com os mecanismos de ação dos tratamentos hormonais que afirmam o gênero. Não há dados a longo prazo sobre os tratamentos médicos e cirúrgicos em populações não binárias.
Por fim, há alguns indivíduos designados como do sexo masculino ao nascimento que se identificam como eunucos e desejam viver suas vidas sem as influências masculinas da testosterona e sem a presença do pênis e/ou testículos (18). Muitos indivíduos que se identificam como eunucos não se descrevem como transgêneros e se veem como tendo uma identidade de gênero distinta como eunucos. Eunucos podem procurar intervenções médicas e cirúrgicas para eliminar os efeitos masculinizadores da testosterona, incluindo orquiectomia (1, 19)
Disforia de gênero em crianças e adolescentes
O tratamento psicossocial de crianças pré-púberes diagnosticadas com disforia de gênero permanece controverso. Informações e diretrizes sobre tratamentos psicossociais, incluindo transição social, são apresentadas nas Padrões de Cuidado da Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero (WPATH), versão 8 (1). Nenhuma diretriz ou padrão endossa ou recomenda o uso de intervenções hormonais (bloqueadores da puberdade ou hormônios de afirmação de gênero) ou cirurgias de afirmação de gênero em crianças pré-púberes com diagnóstico de incongruência de gênero ou disforia de gênero, apesar de alguns relatos da mídia em contrário (1, 20). O atendimento médico de crianças e adolescentes transgênero é muitas vezes fornecido em um centro médico acadêmico em clínicas especializadas por uma equipe multidisciplinar. Por lei, alguns estados dos Estados Unidos e alguns outros países limitam ou proíbem intervenções médicas para crianças ou adolescentes com diagnóstico de disforia de gênero.
A maioria das crianças que se envolvem em comportamentos de gênero incongruente não tem diagnóstico de disforia ou incongruência de gênero e não continuam na adolescência ou idade adulta com uma identidade transgênero. Entre as crianças pequenas com diagnóstico de disforia de gênero, nesse momento, não é possível prever com segurança se esses sintomas continuarão na idade adulta (21, 22).
Embora não haja consenso clínico sobre o tratamento de crianças pré-púberes com disforia de gênero, reconhece-se que as tentativas de forçar a criança a aceitar o papel de gênero atribuído ao nascimento podem ser traumáticas e malsucedidas (23). Portanto, a modalidade de tratamento predominante é o suporte psicológico e a psicoeducação para a criança e seus pais, utilizando um modelo de gênero afirmativo em vez de um modelo de gênero patologista (1). Essa abordagem afirmativa apoia a criança em seu gênero expresso, às vezes incluindo um ou mais aspectos da transição social antes da puberdade.
Houve um aumento substancial no número de adolescentes DMN buscando avaliação e cuidados clínicos na última década em muitos países ocidentais, e agora superam os adolescentes DHN buscando atendimento na maioria das clínicas (24).
No início da adolescência, os agentes bloqueadores da puberdade tornaram-se mais comumente utilizados com base em pesquisas realizadas desde a década de 2000. Medicamentos como a leuprolida (agonistas do hormônio liberador de gonadotrofina) impedem a produção de testosterona e estrogênio, "bloqueando" a progressão da puberdade. Esses medicamentos podem ser administrados em Estágio II na escla de desenvolvimento de Tanner , permitindo tempo adicional para a avaliação de jovens com disforia de gênero antes das alterações puberais permanentes (25). (Ver Endocrine Society Guidelines, 2017.)
Se um jovem com disforia de gênero desejar continuar com a transição completa para um gênero diferente e for avaliado como apropriado para cuidados adicionais de transição, os agentes bloqueadores da puberdade podem ser descontinuados e a terapia hormonal de afirmação de gênero pode ser administrada, permitindo o início de uma puberdade congruente com o gênero ainda que com um atraso em relação à maioria dos seus pares. Esses tratamentos são oferecidos somente após avaliação por médicos com experiência especializada no diagnóstico e tratamento da disforia de gênero em adolescentes; isso geralmente é feito com o consentimento dos pais/tutores e o consentimento dos adolescentes (se não forem legalmente adultos em uma determinada jurisdição). Como observado acima, técnicas de preservação da fertilidade devem ser discutidas antes do início de qualquer intervenção hormonal ou cirúrgica.
Pontos-chave
Transgênero é um termo que se refere a pessoas com identidades de gênero que diferem do sexo que lhes foi designado ao nascimento; alguns indivíduos se identificam como não binários, uma categoria de identidade de gênero que é experimentada como fora do conceito binário de masculino-feminino.
Somente uma minoria das pessoas que se identificam como transgênero, de gênero diverso ou não binárias atende aos critérios para o diagnóstico de disforia de gênero.
Diagnosticar disforia de gênero somente quando o sofrimento e/ou comprometimento funcional associados à incongruência de gênero forem significativos e persistirem ≥ 6 meses.
Quando é necessário tratamento, o objetivo é aliviar o sofrimento dos pacientes e ajudá-los a se adaptar, em vez de tentar dissuadi-los de sua identidade de gênero.
O tratamento de crianças pré-púberes diagnosticadas com disforia de gênero não inclui o uso de medicamentos hormonais ou cirurgias.



