A hipoperfusão renal resulta em hipertensão renal Hipertensão renovascular Hipertensão renovascular é a elevação da pressão arterial decorrente de oclusão parcial ou completa de uma ou mais artérias renais ou de seus ramos. Geralmente é assintomática, a menos que tenha... leia mais , insuficiência renal Doença renal crônica Doença renal crônica (DRC) é a deterioração da função renal de longa duração e progressiva. Os sintomas desenvolvem-se lentamente e nos estágios avançados incluem anorexia, náuseas, vômitos... leia mais e, se houver oclusão completa, infarto e necrose renais.
Etiologia da estenose e oclusão da artéria renal
A oclusão pode ser aguda ou crônica. A oclusão aguda geralmente é unilateral. A oclusão crônica pode ser unilateral ou bilateral.
Oclusão aguda da artéria renal
A causa mais comum é a tromboembolia. Os êmbolos originam-se do coração (em decorrência de fibrilação atrial Fibrilação atrial Fibrilação atrial é ritmo atrial irregular e rápido. Os sintomas incluem palpitação e, às vezes, fraqueza, intolerância a esforço, dispneia e pré-síncope. Em geral, pode haver formação de trombos... leia mais , após infarto agudo do miocárdio Infarto agudo do miocárdio (IAM) Infarto agudo do miocárdio é necrose miocárdica resultante de obstrução aguda de uma artéria coronária. Os sintomas incluem desconforto torácico com ou sem dispneia, náuseas e/ou diaforese.... leia mais , ou por vegetações decorrentes de endocardite bacteriana Endocardite infecciosa Endocardite infecciosa é a infecção do endocárdio, normalmente por bactérias (em geral, estreptococo ou estafilococo) ou fungos. Pode provocar febre, sopros cardíacos, petéquias, anemia, fenômenos... leia mais ) ou da aorta (como ateroêmbolos Ateroembolismo renal Ateroembolia renal compreende a oclusão das arteríolas renais por êmbolos ateroscleróticos, causando alteração renal progressiva. Resulta da ruptura de placas ateromatosas. Os sintomas incluem... leia mais ); com menos frequência, pode ser causada por êmbolos de gordura ou tumorais. Pode ocorrer trombose na artéria renal, de modo espontâneo ou após trauma, cirurgia, angiografia, ou angioplastia. Outras causas da oclusão aguda incluem dissecção da aorta Dissecção da aorta Dissecção da aorta é a entrada de sangue por dilaceração da íntima aórtica, com separação da íntima e da média, bem como a criação de uma falsa luz (canal). A dilaceração da íntima pode ser... leia mais e ruptura de um aneurisma da artéria renal Aneurismas dos ramos aórticos Podem-se evidenciar aneurismas em qualquer ramo aórtico principal; no entanto, são muito menos comuns que os aneurismas da aorta abdominal e torácicos. Os sintomas variam dependendo da localização... leia mais .
A oclusão rápida e total de uma grande artéria renal por 30 a 60 minutos resulta em infarto. Tipicamente, o infarto tem forma de cunha aberta no sentido do exterior a partir do vaso afetado.
Estenose arterial renal progressiva crônica
Por volta de 90% dos casos são causados por aterosclerose Aterosclerose A aterosclerose caracteriza-se por placas intimais irregulares (ateromas) que avançam no lúmem das artérias de médio e grosso calibre. As placas contêm lipídeos, células inflamatórias, células... leia mais , a qual geralmente é bilateral. Quase 10% dos casos são provocados por displasia fibromuscular Displasia fibromuscular A displasia fibromuscular inclui um grupo heterogêneo de alterações arteriais não ateroscleróticas e não inflamatórias, que causam algum grau de estenose, oclusão ou aneurisma vascular. A displasia... leia mais (DFM), que é comumente unilateral. Menos de 1% dos casos resultam de arterite de Takayasu Arterite de Takayasu A arterite de Takayasu é uma doença inflamatória que afeta a aorta, seus ramos e artérias pulmonares. Ela ocorre com mais frequência em mulheres jovens. A etiologia é desconhecida. A inflamação... leia mais , doença de Kawasaki Doença de Kawasaki A doença de Kawasaki é uma vasculite que, às vezes, envolve as artérias coronárias e tende a ocorrer em lactentes e crianças de 1 a 8 anos. Caracteriza-se por febre prolongada, exantema, conjuntivite... leia mais , neurofibromatose tipo 1 Neurofibromatose Neurofibromatose refere-se a vários distúrbios relacionados que têm manifestações clínicas que se sobrepõem, mas que agora entende-se que têm causas genéticas distintas. Ela causa vários tipos... leia mais , hematoma da parede aórtica, ou dissecção da aorta Dissecção da aorta Dissecção da aorta é a entrada de sangue por dilaceração da íntima aórtica, com separação da íntima e da média, bem como a criação de uma falsa luz (canal). A dilaceração da íntima pode ser... leia mais .
Aterosclerose desenvolve-se primariamente em pacientes com > 45 anos de idade (na maioria homens) e geralmente afeta o segmento proximal da artéria renal principal ou orifício aórtico. A estenose progressiva crônica tende a se tornar clinicamente evidente após cerca de 10 anos de aterosclerose, causando atrofia renal e insuficiência renal crônica Doença renal crônica Doença renal crônica (DRC) é a deterioração da função renal de longa duração e progressiva. Os sintomas desenvolvem-se lentamente e nos estágios avançados incluem anorexia, náuseas, vômitos... leia mais .
A displasia fibromuscular compreende o espessamento patológico da parede arterial, com mais frequência da artéria renal principal ou dos ramos intrarrenais. O espessamento tende a ser irregular e pode envolver qualquer camada (mas na maioria das vezes a do meio). Essa doença desenvolve-se primariamente em adultos jovens, em particular em mulheres com idades entre 20 e 50 anos. É mais comum em parentes de 1º grau de pacientes com DFM e entre pessoas com o gene ACE1.
Sinais e sintomas de estenose e oclusão da artéria renal
As manifestações dependem da extensão, da urgência e da duração da hipoperfusão renal e se é uni ou bilateral. A estenose de uma artéria renal permanece geralmente assintomática por um período de tempo considerável.
Oclusão aguda completa de uma ou ambas as artérias renais principais causa dor contínua no flanco, dor abdominal, febre, náuseas e vômitos. Podem ocorrer hematúria macroscópica, oligúria ou anúria; hipertensão é rara. Após 24 horas, podem se desenvolver sinais e sintomas de lesão renal aguda Sinais e sintomas Lesão renal aguda (LRA) é a diminuição rápida da função renal ao longo de dias a semanas, causando acúmulo de produtos nitrogenados no sangue (azotemia) com ou sem redução na quantidade de débito... leia mais . Se a causa for tromboembólica, outras características de tromboembolia em ou-tros locais (p. ex., dedos azulados, livedo reticular, lesões da retina no exame de fundo de olho) também podem estar presentes.
A estenose progressiva crônica causa hipertensão Hipertensão Hipertensão é a elevação sustentada em repouso da pressão arterial sistólica (≥ 130 mmHg), diastólica (≥ 80 mmHg) ou de ambas. A hipertensão de causa desconhecida, classificada como primária... leia mais , que pode se iniciar em idades atípicas (p. ex., < 30 anos ou > 50 anos) e que pode ser refratária ao controle, apesar da utilização de múltiplos anti-hipertensivos. O exame físico pode detectar sopros anormais ou sinais de aterosclerose. Os sinais e sintomas de insuficiência renal crônica Sinais e sintomas Doença renal crônica (DRC) é a deterioração da função renal de longa duração e progressiva. Os sintomas desenvolvem-se lentamente e nos estágios avançados incluem anorexia, náuseas, vômitos... leia mais se desenvolvem de modo lento.
Diagnóstico da estenose e oclusão da artéria renal
Suspeita clínica
Exames de imagem
Suspeita-se do diagnóstico em pacientes com insuficiência renal e que apresentem
Sintomas de oclusão arterial renal aguda
Sintomas ou sinais de tromboembolia
Hipertensão que começa antes dos 30 anos de idade sem história familiar de hipertensão
Hipertensão grave ou resistente
Elevação inexplicada da creatinina e/ou elevação aguda de pelo menos 50% na creatinina depois da administração de um inibidor da enzima conversora de angiotensina (ECA) ou de um bloqueador do receptor da angiotensina II (BRA)
Os exames de sangue e urina são realizados para confirmar a insuficiência renal. Confirma-se o diagnóstico por exames de imagem (ver tabela Exames por imagem para o diagnóstico da estenose ou oclusão da artéria renal Exames de imagem para diagnóstico de estenose ou oclusão da artéria renal ). A escolha dos testes depende da função renal do paciente e de outras características, assim como a disponibilidade do exame.
Alguns exames (angiografia por tomografia computadorizada [TC Angiografia por TC Na tomografia computadorizada (TC), uma fonte e um tubo detector de raios X contidos dentro de um equipamento em forma de uma rosca se movem circularmente ao redor do paciente, que permanece... leia mais ], arteriografia, angiografia por subtração digital) necessitam de injeção intravenosa (IV) de radiocontraste iônico, que pode ser nefrotóxico; o risco é menor com meios de contraste não iônicos hipo-osmolares ou iso-osmolares atualmente em uso (ver Meios de contraste radiológicos e reações a contrastes Meios de contraste radiológicos e reações a contrastes Os meios de contraste radiopacos geralmente são utilizados em radiografias e fluoroscopias, para ajudar a delinear as bordas entre tecidos com radiodensidade similar. A maioria dos meios de... leia mais ). A angiografia por ressonância magnética necessita do uso de contraste com gadolínio; em pacientes com insuficiência grave da função renal Doença renal crônica Doença renal crônica (DRC) é a deterioração da função renal de longa duração e progressiva. Os sintomas desenvolvem-se lentamente e nos estágios avançados incluem anorexia, náuseas, vômitos... leia mais , o contraste de gadolínio tem risco de fibrose sistêmica nefrogênica, uma condição que lembra em muito a esclerodermia Esclerose sistêmica A esclerodermia é uma doença crônica rara de causa desconhecida, caracterizada por fibrose difusa e alterações vasculares na pele, articulações e órgãos internos (especialmente esôfago, trato... leia mais sem método adequado de tratamento.
Quando os resultados de outros testes são inconclusivos ou negativos, mas a suspeita clínica é alta, é necessária arteriografia para o diagnóstico definitivo. A arteriografia também pode ser necessária antes de intervenções invasivas.
Se há suspeita de doença tromboembólica, são necessários eletrocardiografia (para detectar fibrilação atrial Fibrilação atrial Fibrilação atrial é ritmo atrial irregular e rápido. Os sintomas incluem palpitação e, às vezes, fraqueza, intolerância a esforço, dispneia e pré-síncope. Em geral, pode haver formação de trombos... leia mais ) e exames de hipercoagulação para identificar fontes embólicas tratáveis. O ecocardiograma transesofágico é feito para detectar lesões ateromatosas na aorta ascendente e torácica e as fontes cardíacas de trombos ou vegetações valvulares.
Os exames de sangue e urina não são diagnósticos, mas são realizados para confirmar a insuficiência renal aguda ou crônica, indicada por concentrações elevadas de ureia e creatinina e por hiperpotassemia Hiperpotassemia A hiperpotassemia consiste na concentração sérica de potássio > 5,5 mEq/L (> 5,5 mmol/L), normalmente resultante de menor excreção renal de potássio ou movimento anormal do potássio para... leia mais . Esses exames podem mostrar leucocitose, hematúria micro ou macroscópica e proteinúria.
Tratamento da estenose e oclusão da artéria renal
Restauração da patência vascular na oclusão aguda e, se os pacientes apresentarem hipertensão refratária ou potencial para insuficiência renal, na estenose crônica
O tratamento depende da causa.
Oclusão aguda da artéria renal
A doença tromboembólica renal pode ser tratada com associação de anticoagulantes, trombolíticos e embolectomia por catéter ou cirúrgica. O tratamento em 3 horas do início dos sintomas provavelmente protege a função renal. Entretanto, a recuperação completa é pouco comum e as taxas de mortalidade precoce e tardia são elevadas em razão do embolia extrarrenal e da doença cardíaca aterosclerótica subjacente.
Os pacientes que se apresentarem dentro das 3 primeiras horas beneficiam-se de terapia fribonolítica Fibrinolíticos O tratamento das síndromes coronarianas agudas é projetado para aliviar angústia, interromper trombose, reverter isquemia, limitar tamanho do infarto, reduzir carga de trabalho cardíaco, bem... leia mais (trombolítica) (p. ex., estreptoquinase, alteplase) administrado por via intravenosa ou por infusão intra-arterial local. Entretanto, o diagnóstico e o tratamento rápidos são raros.
Todos os pacientes com doenças tromboembólicas necessitam de anticoagulação Tratamento A trombose venosa profunda é a coagulação do sangue em uma veia profunda de um membro (em geral de panturrilha, coxa) ou pelve. A TVP aguda é a causa principal de embolia pulmonar. Decorre de... leia mais com heparina intravenosa, a menos que haja contraindicação. A anticoagulação a longo prazo com varfarina oral pode ser iniciada de imediato simultaneamente se não for planejada intervenção invasiva. Pode-se considerar anticoagulantes orais não derivados da vitamina K (p. ex., dabigatrana, apixabana ou rivaroxabana) em pacientes apropriados. A anticoagulação deve ser mantida por pelo menos 6 a 12 meses — indefinidamente para pacientes com eventos tromboembólicos reincidentes ou com distúrbios de hipercoagulabilidade.
A cirurgia para restaurar a permeabilidade vascular apresenta mortalidade mais elevada que o tratamento trombolítico e não tem vantagem adicional na recuperação da função renal. Entretanto, a cirurgia, em especial nas primeiras horas, é preferível em acidentes com trombose traumática da artéria renal. Se o paciente com insuficiência renal grave não traumática não recuperar a função após 4 a 6 semanas de tratamento medicamentoso, a revascularização cirúrgica (embolectomia) pode ser considerada, mas auxilia apenas alguns.
Se a causa for tromboembolia, a fonte deve ser identificada e tratada de modo adequado.
Estenose arterial renal progressiva crônica
A revascularização pode ser considerada para pacientes que atendem um ou mais dos seguintes critérios:
Falha ou intolerância ao tratamento farmacológico utilizado para otimizar a pressão arterial
Curta duração da elevação da pressão arterial antes do diagnóstico da doença renovascular
Progressão inexplicada e rápida da insuficiência renal
A revascularização é geralmente alcançada por angioplastia transluminal percutânea Intervenções coronarianas percutâneas (ICP) A doença coronariana envolve o comprometimento do fluxo sanguíneo através das artérias coronárias, mais frequentemente por ateromas. As manifestações clínicas envolvem isquemia silenciosa, angina... leia mais (ATP) com colocação de stent ou com desvio cirúrgico do segmento estenótico. A cirurgia costuma ser mais eficaz que a PTA para oclusão aterosclerótica; observa-se cura ou atenuação da hipertensão em 60 a 70% dos pacientes. Mas a cirurgia só é considerada se os pacientes têm lesões anatômicas complexas ou se PTA não for bem-sucedido, particularmente com reestenose intra-stent repetida. PTA é preferível para pacientes com displasia fibromuscular; o risco é mínimo, a taxa de sucesso é alta e a taxa de reestenose é baixa.
Hipertensão renovascular
Para pacientes que não atendem um dos critérios acima, recomenda-se terapia medicamentosa com base nos dados dos ensaios randomizados, que mostraram que o implante de stent renal-artéria mais terapia medicamentosa não teve nenhum benefício significativo em relação à terapia medicamentosa isolada para prevenir eventos cardiovasculares ou renais adversos (1 Referência sobre o tratamento A estenose da artéria renal corresponde à diminuição do fluxo sanguíneo através de uma ou ambas as artérias renais ou seus ramos. A oclusão da artéria renal corresponde à interrupção completa... leia mais ). Inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) ou bloqueadores do receptor da angiotensina II podem ser utilizados na estenose da artéria renal unilateral e, se a taxa de filtração glomerular (TFG) é monitorada de perto, na estenose da artéria renal bilateral. Esses fármacos podem potencialmente reduzir a TFG e aumentar os níveis séricos de ureia e creatinina no sangue. Frequentemente são necessários fármacos anti-hipertensivos adicionais.
Referência sobre o tratamento
1. Cooper CJ, Murphy TP, Cutlip DE, et al: Stenting and medical therapy for atherosclerotic renal-artery stenosis. N Engl J Med 370(1):13-22, 2014. doi: 10.1056/NEJMoa1310753
Pontos-chave
A estenose arterial renal ou a oclusão podem ser agudas (geralmente por causa de tromboembolia) ou crônicas (normalmente devido à aterosclerose ou displasia fibromuscular).
Suspeitar de oclusão aguda se os pacientes têm dor constante no flanco, dor abdominal, febre, náuseas, vômitos e/ou hematúria macroscópica.
Suspeitar de oclusão crônica em pacientes que desenvolvem hipertensão grave ou de início precoce inexplicável.
Confirmar o diagnóstico com testes de imagem vascular.
Restaurar a permeabilidade vascular para pacientes com oclusão aguda e para pacientes selecionados (p. ex., com complicações graves ou doença refratária) que têm oclusão crônica.
Inibidores da ECA e BRA são eficazes para o controle da hipertensão em pacientes com hipertensão renovascular, mas frequentemente são necessários anti-hipertensivos adicionais.