A síndrome da dor regional complexa (SDRC) é um termo utilizado para descrever uma série de condições de dor neuropática crônica nas quais a dor é mais grave e duradoura do que seria esperado em relação ao dano tecidual inicial. Outras manifestações incluem: alterações autonômicas (p. ex., sudorese, anormalidades vasomotoras), alterações motoras (p. ex., fraqueza, distonia) e alterações tróficas (p. ex., atrofia cutânea ou óssea, queda de cabelos, contraturas articulares) que a distinguem de condições de dor neuropática mais tradicionais (p. ex., neuropatia diabética). O diagnóstico é clínico. O tratamento inclui medicamentos, fisioterapia e procedimentos intervencionistas.
(Ver também Visão geral da dor.)
A SDRC tipo I era anteriormente conhecida como distrofia simpático-reflexa e o tipo II era conhecido como causalgia. Ambos os tipos ocorrem com mais frequência em adultos jovens e são 2 ou 3 vezes mais comuns em mulheres (1).
Referência
1. Harden RN, McCabe CS, Goebel A, et al. Complex Regional Pain Syndrome: Practical Diagnostic and Treatment Guidelines, 5th Edition. Pain Med. 2022;23(Suppl 1):S1-S53. doi:10.1093/pm/pnac046
Etiologia da síndrome da dor regional complexa
A SDRC é dividida em 2 tipos. A SDRC tipo I representa a maioria dos casos e é definida como SDRC sem lesão nervosa conhecida.
A SDRC tipo II é similar à do tipo I, mas envolve lesões evidentes em um nervo periférico.
Alguns especialistas descrevem fenótipos centrais, periféricos e mistos com base nos padrões de sintomas, mas a relevância clínica dessas classificações permanece incerta (1).
Referência sobre etiologia
1. Ferraro MC, O'Connell NE, Sommer C, et al. Complex regional pain syndrome: advances in epidemiology, pathophysiology, diagnosis, and treatment. Lancet Neurol. 2024;23(5):522-533. doi:10.1016/S1474-4422(24)00076-0
Fisiopatologia da síndrome da dor regional complexa
A fisiopatologia não está clara, mas a sensibilização central e nociceptiva periférica e a liberação de neuropeptídeos (substância P, peptídeo relacionado com o gene da calcitonina) ajudam a manter a dor e a inflamação. O sistema nervoso simpático está mais envolvido na SDRC do que em outras síndromes de dor neuropática. A atividade simpática central está aumentada e os nociceptores periféricos estão sensibilizados para noradrenalina (um neurotransmissor simpático); essas alterações podem causar sudorese anormal e fluxo sanguíneo deficiente decorrente de vasoconstrição. Apesar de tudo, apenas alguns pacientes respondem à manipulação simpática (isto é, bloqueio simpático central ou periférico).
Sinais e sintomas da síndrome da dor regional complexa
Os sintomas da síndrome de dor regional complexa variam significativamente e não seguem nenhum padrão; podem incluir anormalidades sensoriais, autonômicas focais (vasomotoras ou sudomotoras) e motoras. Os sintomas são unilaterais; sintomas bilaterais no início sugerem um diagnóstico diferente.
A dor — geralmente em queimação ou surda — é uma característica diagnóstica essencial e tende a ser desproporcional aos achados do exame físico. Não segue a distribuição de um nervo periférico único; é regional, mesmo quando causada por lesão em um nervo específico, como ocorre na SDRC tipo II. Pode se agravar com alterações no meio ambiente ou estresse emocional. Alodinia e/ou hiperalgesia costumam estar presentes, indicando sensibilização central. A dor geralmente limita o uso de um membro pelo paciente.
Alterações vasomotoras cutâneas (p. ex., coloração avermelhada, pintada, ou pálida; temperatura aumentada ou diminuída) e anormalidades sudomotoras (pele seca ou hiperidrótica) podem estar presentes. O edema pode ser considerável e localmente confinado.
Outros sintomas incluem anormalidades tróficas (p. ex., pele brilhante e atrófica; unhas com rachaduras ou com excesso de crescimento; atrofia óssea; queda de cabelos) e anormalidades motoras (fraqueza, tremores, espasmo, distonia com dedos fletidos ou posição equinovara do pé). A amplitude de movimento é geralmente limitada, causando às vezes contraturas articulares. Os sintomas podem interferir na adaptação de próteses em membros amputados.
Distúrbios psicológicos (p. ex., depressão, ansiedade, raiva) são comuns, favorecidos pela causa pouco compreendida, ausência de terapia eficaz e evolução prolongada.
Diagnóstico da síndrome da dor regional complexa
História e exame físico
A síndrome dolorosa regional complexa é diagnosticada quando os seguintes estão presentes (1):
Os pacientes têm dor contínua além da dor explicada pela disfunção de um único nervo e que é desproporcional a qualquer dano tecidual inicial.
Certos critérios clínicos (critérios de Budapeste) são atendidos.
Os critérios de Budapeste são divididos em 4 categorias. De acordo com os critérios, o paciente deve relatar pelo menos 1 sintoma em 3 das 4 categorias listadas abaixo, e o médico deve detectar pelo menos 1 sinal em 2 das mesmas 4 categorias (os sinais e sintomas se sobrepõem) (1):
Sensorial: hiperestesia (como um sinal, ao estímulo de picada) ou alodinia (como um sinal, a toque leve, pressão somática profunda e/ou movimento articular)
Vasomotor: assimetria de temperatura (> 1° C como sinal) ou alterações assimétricas na coloração da pele
Sudomotor ou edema: alterações na transpiração, sudorese assimétrica ou edema
Motora ou trófica: alterações tróficas na pele, cabelo ou unhas, diminuição da amplitude de movimento ou disfunção motora (fraqueza, tremor e/ou distonia)
Além disso, não deve haver nenhuma evidência de outro distúrbio que possa explicar os sintomas. Se outro distúrbio estiver presente, a síndrome da dor regional complexa deve ser considerada possível ou provável.
Alterações ósseas (p. ex., desmineralização observada por radiografia ou absorção aumentada verificada por cintilografia óssea de fase tripla) também podem ser detectadas. Exames de imagem geralmente não são realizados, a menos que o diagnóstico seja inconclusivo. Entretanto, em exames de imagem, o osso também pode parecer anormal após trauma em pacientes sem SDRC, tornando as anormalidades detectadas por radiografias e cintilografias ósseas inespecíficas.
Referência sobre diagnóstico
1. Harden RN, Bruehl S, Stanton-Hicks M, Wilson PR. Proposed new diagnostic criteria for complex regional pain syndrome. Pain Med. 8 (4):326–331, 2007.
Tratamento da síndrome da dor regional complexa
Tratamento multimodal (p. ex., fármacos, fisioterapia, bloqueio simpático, tratamentos psicológicos, neuromodulação, terapia de espelho)
O tratamento da SDRC é complexo e muitas vezes não resulta em alívio completo dos sintomas, sobretudo se iniciado tardiamente. Isso inclui medicamentos, fisioterapia, intervenções e tratamentos psicológicos (1). O principal objetivo de todos os tratamentos da síndrome de dor regional complexa é aumentar a mobilidade e o uso do membro afetado. Assim, a educação do paciente na SDRC é crucial. Os médicos devem enfatizar que, embora a dor seja provavelmente devida a mecanismos neuropáticos e centrais, e não a lesões teciduais, a adesão aos programas de fisioterapia e terapia ocupacional é importante para recuperar a função do membro, apesar dos desafios impostos pela dor contínua.
O objetivo da terapia farmacológica é permitir que os pacientes se engajem em técnicas de reabilitação. Muitos dos medicamentos utilizados para dor neuropática, incluindo antidepressivos tricíclicos e agentes antiepilépticos, podem ser experimentados; nenhum é conhecido por ser superior. Os AINEs são comumente utilizados como tratamento inicial para a síndrome da dor regional complexa, embora sua eficácia não tenha sido bem estudada; eles são geralmente prescritos para uso de curto prazo e podem ser combinados com outros tratamentos, com inibidores seletivos da COX-2 como alternativa para aqueles que não podem tolerar AINEs não seletivos. A infusão neuroaxial de ziconotida e/ou clonidina pode ajudar, e o baclofeno intratecal pode reduzir a distonia.
Bisfosfonatos podem ser considerados para a redução da dor na síndrome da dor regional complexa precoce, especialmente em pacientes com cintilografias ósseas anormais, embora o mecanismo exato de ação seja incerto e provavelmente não relacionado às suas propriedades antirresortivas. Vários pequenos ensaios clínicos randomizados mostraram que bisfosfonatos como alendronato, neridronato e clodronato podem reduzir a dor na síndrome da dor regional complexa (2), com efeitos colaterais geralmente leves, mas riscos graves como osteonecrose da mandíbula e ulceração esofágica precisam ser considerados. Cremes tópicos de lidocaína ou capsaicina podem ser utilizados para tratar a dor neuropática na síndrome da dor regional complexa precoce com sintomas leves a moderados, embora a evidência de sua eficácia seja limitada e os efeitos colaterais locais, como queimação e irritação, possam restringir seu uso.
As evidências da eficácia de opioides, calcitonina e glicocorticoides administrados por via oral são, de modo geral, fracas. A calcitonina pode apresentar um risco menor de efeitos adversos do que os glicocorticoides.
Os objetivos da fisioterapia são dessensibilização, fortalecimento, aumento da amplitude do movimento e reabilitação profissional. Em alguns pacientes com dor de manutenção simpática, o bloqueio simpático regional alivia a dor, de forma que a fisioterapia se torna possível.
A dessensibilização de um membro alodínico envolve inicialmente a aplicação de estímulos relativamente não irritantes (p. ex., seda) e então, com o passar do tempo, aumento de estímulos mais irritantes (p. ex., brim). A dessensibilização também pode ser feita por meio de banhos de contraste térmico, nos quais o membro comprometido é colocado na água fria e a seguir na água morna.
Foi relatado que a terapia de espelho beneficia pacientes com síndrome da dor regional complexa tipo 1 devido à dor do membro fantasma ou acidente vascular cerebral. Os pacientes sentam-se com um espelho grande voltado para o membro não afetado e escondendo o membro afetado (doloroso ou ausente), dando aos pacientes a impressão de que eles têm 2 membros normais. Instruem-se os pacientes a mover o membro normal ao visualizar a imagem refletida no espelho. Esse exercício leva o encéfalo a pensar que o membro afetado ou ausente move-se sem dor. A maioria dos pacientes que fazem esse exercício por 30 minutos por dia durante 4 semanas relata uma redução substancial da dor (3).
Outras intervenções para a síndrome da dor regional complexa incluem bloqueio simpático, neuromodulação e injeções em pontos-gatilho, embora a evidência a seu favor seja limitada e de menor qualidade (4). Injeções em pontos-gatilho utilizando anestésicos locais, com ou sem glicocorticoides, são às vezes eficazes nos estágios iniciais da síndrome da dor regional complexa, particularmente na área do ombro, e são consideradas mais seguras do que tratamentos mais invasivos. Bloqueios nervosos simpáticos, utilizados para pacientes que não respondem aos tratamentos padrão, envolvem a infiltração de anestésico perto dos gânglios simpáticos, embora a evidência de sua eficácia seja conflitante.
Para neuromodulação, comumente utilizam-se estimuladores medulares implantáveis; nos casos graves com comprometimento funcional significativo, deve-se considerá-los precocemente. Estimulação do gânglio da raiz dorsal pode ter como alvo os sintomas localizados. A estimulação de nervos periféricos está sendo utilizada com mais frequência no controle da síndrome da dor regional complexa com resultados favoráveis (5).
Estimulação nervosa elétrica transcutânea (ENET), aplicada em vários locais com diferentes parâmetros de estimulação, pode ser eficaz. No entanto, a TENS exige um longo período de teste antes que sua eficácia possa ser determinada. A terapia Scrambler, que usa eletrodos de superfície para estimular os nervos, é outra opção. No entanto, os dados sobre sua eficácia na síndrome da dor regional complexa são limitados, e ela é mais amplamente utilizada para tratar a dor neuropática (5).
Acupuntura pode ajudar a aliviar a dor.
Em pacientes com síndrome de dor regional complexa, pode-se utilizar a psicoterapia para tratar a depressão e a ansiedade; ela também pode ajudar os pacientes a melhorar a função e o controle sobre a vida apesar do transtorno por dor crônica.
Referências sobre tratamento
1. Harden RN, Bruehl S, Stanton-Hicks M, Wilson PR. Proposed new diagnostic criteria for complex regional pain syndrome. Pain Med. 8 (4):326–331, 2007.
2. Chevreau M, Romand X, Gaudin P, Juvin R, Baillet A. Bisphosphonates for treatment of Complex Regional Pain Syndrome type 1: A systematic literature review and meta-analysis of randomized controlled trials versus placebo. Joint Bone Spine. 2017;84(4):393-399. doi:10.1016/j.jbspin.2017.03.009
3. Pervane Vural S, Nakipoglu Yuzer GF, Sezgin Ozcan D, Demir Ozbudak S, Ozgirgin N. Effects of Mirror Therapy in Stroke Patients With Complex Regional Pain Syndrome Type 1: A Randomized Controlled Study. Arch Phys Med Rehabil. 2016;97(4):575-581. doi:10.1016/j.apmr.2015.12.008
4. Ferraro MC, O'Connell NE, Sommer C, et al. Complex regional pain syndrome: advances in epidemiology, pathophysiology, diagnosis, and treatment. Lancet Neurol. 2024;23(5):522-533. doi:10.1016/S1474-4422(24)00076-0
5. Chmiela MA, Hendrickson M, Hale J, et al. Direct Peripheral Nerve Stimulation for the Treatment of Complex Regional Pain Syndrome: A 30-Year Review. Neuromodulation. 2021;24(6):971-982. doi:10.1111/ner.13295
Prognóstico para a síndrome da dor regional complexa
O prognóstico é difícil de prever e varia bastante. Síndrome da dor regional complexa pode haver remissão da síndrome da dor regional complexa, ou esta pode permanecer estável durante anos; em alguns pacientes, progride e dissemina-se para outras áreas do corpo.
Prevenção da síndrome da dor regional complexa
A vitamina C tem sido sugerida como uma medida preventiva de baixo risco para a síndrome da dor regional complexa, particularmente em pacientes idosos com fraturas distais do rádio. Seus potenciais efeitos antioxidantes podem auxiliar na cicatrização de fraturas e reduzir lesões de tecidos moles, embora as evidências que sustentam essa hipótese sejam inconsistentes (1, 2). Iniciar precocemente a mobilização e a fisioterapia provou-se importante na prevenção da progressão de casos suspeitos de síndrome da dor regional complexa precoce (2).
Referências sobre prevenção
1. Aïm F, Klouche S, Frison A, Bauer T, Hardy P. Efficacy of vitamin C in preventing complex regional pain syndrome after wrist fracture: A systematic review and meta-analysis. Orthop Traumatol Surg Res. 2017;103(3):465-470. doi:10.1016/j.otsr.2016.12.021
2. Evaniew N, McCarthy C, Kleinlugtenbelt YV, Ghert M, Bhandari M. Vitamin C to Prevent Complex Regional Pain Syndrome in Patients With Distal Radius Fractures: A Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. J Orthop Trauma. 2015;29(8):e235-e241. doi:10.1097/BOT.0000000000000305
Pontos-chave
A síndrome da dor regional complexa pode ser seguida de lesão (nos tecidos moles, ossos ou nervos), amputação, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral ou câncer ou não ter um precipitante aparente.
Diagnosticar a síndrome da dor regional complexa se os pacientes têm dor neuropática, alodinia ou hiperalgesia, e desregulação autonômica focal quando nenhuma outra causa é identificada.
O prognóstico é imprevisível e o tratamento geralmente não é satisfatório.
Tratar o mais breve possível utilizando múltiplas modalidades (p. ex., medicamentos utilizados para dor neuropática, fisioterapia, bloqueio simpático, tratamentos psicológicos, neuromodulação, terapia de espelho).
