Doença de Behçet

(Doença de Behçet)

PorAlexandra Villa-Forte, MD, MPH, Cleveland Clinic
Revisado/Corrigido: jun 2022
Visão Educação para o paciente

A doença de Behçet é um distúrbio vasculítico crônico, inflamatório, recidivante e multissistêmico com inflamação das mucosas. As manifestações comuns incluem úlceras orais recidivantes, inflamação ocular, úlceras genitais e lesões de pele. Cegueira, envolvimento neurológico ou gastrintestinal, trombose venosa e aneurismas arteriais são as manifestações mais graves. O diagnóstico é clínico, utilizando critério internacional. O tratamento é principalmente sintomático, mas pode abranger corticoides com ou sem imunossupressores para manifestações mais graves.

(Ver também Visão geral da vasculite.)

A doença de Behçet é uma doença inflamatória que pode apresentar vasculite de pequenas e grandes artérias e/ou veias. Também pode ocorrer trombose arterial e venosa.

A doença ocorre praticamente na mesma proporção entre homens e mulheres, mas tende a ser mais grave em homens, tipicamente começando por volta dos 20 anos de idade. Ocasionalmente, a doença se desenvolve em crianças. A incidência varia de acordo com o local. A doença de Behçet é mais comum na rota da seda, do Mediterrâneo até a China, e é incomum nos Estados Unidos.

A causa da doença de Behçet é desconhecida. Fatores imunológicos (inclusive autoimunes) e bacterianos ou virais são sugestivos e HLA-B51 é um fator de risco importante. A prevalência de alelo HLA-B51 é > 15% entre pessoas provenientes da Europa, do Oriente Médio e do Extremo Oriente, mas é baixa ou ausente entre as pessoas com origem na África, na Oceania e na América do Sul.

A infiltração de neutrófilos é detectada na amostra de biópsia das ulcerações aftosas orais e eritema nodoso e lesões resultantes do teste de patergia, mas nenhuma mudança histológica é patognomônica.

Sinais e sintomas da doença de Behçet

Mucocutâneos

Quase todos os pacientes têm úlceras orais dolorosas e recidivantes, semelhantes àquelas da estomatite aftosa; na maioria dos pacientes, tais úlceras são as primeiras manifestações. As úlceras são redondas ou ovais, com 2 a 10 mm de diâmetro e são superficiais ou profundas com um centro necrótico amarelado; elas podem ocorrer em qualquer lugar da cavidade oral, frequentemente em agrupamentos. As úlceras duram entre 1 e 2 semanas. Úlceras similares ocorrem em pênis e escroto; na vulva, onde são muito dolorosas; ou na vagina, onde causam pouca ou nenhuma dor.

Manifestações orais e genitais da doença de Behçet
Doença de Behçet (lesões orais)
Doença de Behçet (lesões orais)
Essa imagem mostra lesões aftoides no lábio inferior interno resultante da doença de Behçet.

© Springer Science+Business Media

Lesões orais e genitais na doença de Behçet
Lesões orais e genitais na doença de Behçet
Essa imagem mostra úlceras aftosas na língua (à esquerda) e no pênis (à direita) resultante da doença de Behçet.

© Springer Science+Business Media

Behçet Disease (Scrotal)
Behçet Disease (Scrotal)
Essa imagem mostra uma úlcera grave no escroto resultante da doença de Beçhet.

Imagem cedida por cortesia de Karen McKoy, MD.

Lesões cutâneas são comuns e podem incluir lesões acneiformes, nódulos, eritema nodoso, tromboflebite superficial, lesões do tipo pioderma gangrenoso e púrpura palpável.

Eritema nodoso na doença de Behçet
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Essa foto mostra lesões, geralmente múltiplas, caracterizadas por nódulos subcutâneos sensíveis, quentes, eritematosos na região pré-tibial dos membros inferiores.
© Springer Science+Business Media

A patergia (uma resposta erimatosa pustular ou papular ao local da lesão na pele) é definida como uma pápula > 2 mm que aparece de 24 a 48 horas após a inserção oblíqua de uma agulha de calibre 20- 25 na pele.

Doença de Behçet (patergia)
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Essa imagem mostra uma resposta papular eritematosa à lesão cutânea local característica da doença de Behçet.
Imagem cedida por cortesia de Karen McKoy, MD.

Ocular

Cerca de 25 a 75% dos pacientes tem os olhos afetados. As manifestações oculares podem estar associadas a manifestações neurológicas. Os seguintes sintomas podem ocorrer:

  • Uveíte recidivante ou iridociclite (mais comum) frequentemente apresentam dor, fotofobia e olhos vermelhos.

  • Hipópio (uma camada de pus visível na câmara anterior).

  • A uveíte é tipicamente bilateral e episódica, frequentemente envolve todo o trato uveal (panuveíte) e pode não ser curada completamente entre os episódios.

  • Coroidite, vasculite retiniana, oclusão vascular e neurite óptica podem diminuir a acuidade visual e até causar cegueira.

Musculoesquelético

As artralgias relativamente leves, autolimitantes e não destrutivas ou as artrites neutrófilo mediadas, especialmente com envolvimento de joelhos e outras grandes articulações, ocorrem em 50% dos pacientes. A inflamação na articulação sacro-ilíaca pode ocorrer.

Vascular

Inflamação perivascular e intravascular podem se desenvolver nas artérias e veias. Pode ocorrer trombose, aneurisma, pseudoaneurisma, hemorragia e estenose nas artérias. O comprometimento arterial dos grandes vasos é reconhecido durante a vida em 3 a 5% dos pacientes; entretanto, em um terço dos pacientes com evidências de comprometimento de grande vasos que foi assintomático durante suas vidas. Os aneurismas da aorta e da artéria pulmonar podem se romper. Trombose in situ pode causar oclusão da artéria pulmonar. Hemoptise pode ocorrer se fístulas se desenvolverem entre a artéria pulmonar e brônquios.

O envolvimento venoso pode causar trombose venosa superficial e profunda. Mais de uma veia pode ser afetada, como a veia cava inferior e a superior, as veias hepáticas (que causam a síndrome de Budd-Chiari) e os seios venosos durais.

As tromboses arteriais ou venosas in situ, os aneurismas e os pseudoaneurismas são mais comuns do que as estenoses e oclusões.

Neurológicos e psiquiátricos

O envolvimento do sistema nervoso central é menos comum, mas é grave. O início pode ser repentino ou gradual. As primeiras manifestações podem ter envolvimento parenquimatoso, com sinais piramidais e doença dos pequenos vasos com padrão semelhante à esclerose, envolvimento não parenquimatoso com meningite asséptica ou meningoencefalite, ou trombose do sino dural. A meningite asséptica, nos quadros clínicos característicos, pode sugerir o diagnóstico.

Os distúrbios psiquiátricos, incluindo mudanças na personalidade e demência, podem se desenvolver anos mais tarde. A neuropatia periférica, comum em outros distúrbios vasculíticos, é incomum na doença de Behçet.

Gastrintestinal

Pode ocorrer desconforto abdominal, dor abdominal e diarreia com úlceras intestinais primeiro no íleo e cólon, semelhantes à doença de Crohn.

Constitucional

Febre e mal-estar podem ocorrer.

Diagnóstico da doença de Behçet

  • Critérios clínicos

Deve-se suspeitar de doença de Behçet em adultos jovens com úlceras orais aftosas recidivantes, achados oculares inexplicáveis ou úlceras genitais. O diagnóstico da doença de Behçet é clínico e costuma ser tardio porque muitas das manifestações são inespecíficas e podem ser insidiosas.

Os critérios internacionais para o diagnóstico incluem úlceras orais recidivantes (3 vezes em 1 ano) e 2 dos seguintes sinais:

  • Úlceras genitais recidivantes

  • Lesões oculares

  • Lesões cutâneas

  • Teste de patergia positivo na ausência de qualquer outra explicação clínica

Um teste de patergia positivo consiste no aparecimento de uma enduração eritematosa com uma pústula estéril na pele 24 a 48 horas após a inserção de uma agulha estéril na pele do antebraço.

Testes de laboratório (p. ex., hemograma, velocidade de hemossedimentação (velocidade de hemossedimentação) ou proteína C reativa, soro albumínico e níveis totais de proteína) são feitos. Os resultados são inespecíficos, porém característicos de doença inflamatória (velocidade de hemossedimentação [velocidade de hemossedimentação] elevada, dos níveis de proteína C reativa, alfa2-globulinas e gamma-globulinas e discreta leucocitose).

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial contempla

A doença de Behçet não tem um único achado patognomônico, mas pode ser distinguida por suas combinação de sintomas recorrentes com remissões espontâneas e envolvimento de múltiplos órgãos, particularmente em pacientes com úlceras orais profundas e recidivantes.

Prognóstico da doença de Behçet

A doença de Behçet tem um curso crescente e decrescente caracterizado por exacerbação e remissão. O prognóstico tende a ser pior em homens jovens. O risco também parece ser maior se os pacientes tiverem alelo HLA-B51. As lesões mucocutâneas e oculares e artralgias frequentemente são piores no início da doença. Manifestações do sistema nervoso central e grandes vasos, se elas se desenvolverem, tipicamente ocorrerem mais tarde. Ocasionalmente, a doença resulta em morte, geralmente em virtude de manifestações neurológicas, vasculares (p. ex., aneurisma) ou gastrintestinal. O risco de óbito é maior para os homens jovens e os pacientes com doença arterial ou um número elevado de crises. Muitos pacientes acabam entrando em remissão.

Tratamento da doença de Behçet

  • Colchicina, dapsona, azatioprina, apremilaste, talidomida, fármacos anti-fator de necrose tumoral (FNT) e/ou interferon para doença mucosa

  • Azatioprina, metotrexato, ciclosporina ou fármacos anti-FNT para doença oftálmica

  • Fármacos anti-FNT, ciclofosfamida e clorambucila para doença de sistema nervoso central refratária, grave ou potencialmente fatal

O tratamento da doença de Behçet depende das manifestações clínicas. As recomendações terapêuticas são limitadas por dados incompletos de ensaios clínicos (p. ex., estudos transversais, geralmente não prospectivos, com poder estatístico limitado).

Corticoides tópicos podem aliviar temporariamente as manifestações oculares e a maioria da lesões orais. Contudo, corticoides tópicos ou sistêmicos não alteram a frequência dos relapsos. Alguns pacientes com uveíte grave ou manifestações do sistema nervoso central respondem a alta dose de corticoides sistêmicos (p. ex., prednisona, 60 a 80 mg por via oral uma vez ao dia).

Os fármacos anti-FNT (fator de necrose tumoral) parecem ser eficazes para uma ampla variedade de manifestações, como as manifestações gastrointestinais e a doença ocular (p. ex., uveíte refratária grave), bem como diminuir o número de crises. Nos casos graves de crises gastrintestinal e oculares, um fármaco anti-FNT pode ser utilizado em combinação com outro fármaco, como a azatioprina. O infliximabe, em particular, tem a vantagem de um início rápido da ação.

Os imunossupressores, incluindo os anti-FNT, melhoram o prognóstico dos pacientes com comprometimento vascular. Os imunossupressores ajudam a prevenir a recorrência da trombose venosa, mas não está claro se a anticoagulação ajuda. A anticoagulação é contraindicada nos pacientes com aneurismas na artéria pulmonar.

Doença da mucosa

A doença oral pode ser tratada sintomaticamente. Corticoides tópicos, anestésicos locais e sucralfato são úteis.

Colchicina, 0,6 mg por via oral duas vezes ao dia, pode diminuir a frequência e gravidade das úlceras orais e genitais e pode ser eficaz no caso de eritema nodoso e artralgias. A hipótese de que a colchicina diminua a necessidade de terapia imunossupressora posterior quando utilizada no início da doença não foi comprovada.

Dapsona 50 a 100 mg por via oral uma vez ao dia, pode diminuir o número, a duração e a frequência das lesões orais e genitais. Testar inicialmente deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD).

Azatioprina 2,5 mg/kg por via oral uma vez ao dia, mostrou melhorar úlceras orais e genitais.

Demonstrou-se que o apremilaste, um inibidor oral da fosfodiesterase tipo 4, mostrou diminuir o número de úlceras orais e a dor.

O fármaco anti-FNT etanercepte, 50 mg por via subcutânea uma vez por semana ou 25 mg por via subcutânea duas vezes por semana, pode inibir as lesões mucocutâneas. Etanercepte pode ser dado se a colchicina for ineficaz. Algumas vezes, utilizar outro anti-FNT (infliximabe ou adalimumabe) em vez do etanercepte.

Talidomida, 100 a 300 mg por via oral uma vez ao dia, raramente é usado para tratar lesões orais, genitais e cutâneas, mas pode haver recorrência se o tratamento for interrompido.

Interferona alfa-2a, 6 milhões de unidades por via subcutânea3 vezes por semana, também pode ser dado se a colchicina for ineficaz.

Doença oftalmológica

Azatioprina, 2,5 mg/kg por via oral uma vez ao dia, ajuda a preservar a acuidade visual e prevenir novas lesões oculares. Azatioprina também é eficaz para lesões mucocutâneas e artralgia.

Metotrexato 15 a 25 mg por via oral 1 vez/semana, ajuda na redução da inflamação ocular.

Ciclosporina, 5 a 10 mg/kg por via oral uma vez ao dia, pode ser utilizado em pacientes com manifestações oculares graves e pode ser usado com azatioprina para tratar uveíte refratária.

Interferona alfa-2a, 6 milhões de unidades por via subcutânea 3 vezes por semana ou infliximabe (inibidor de FNT) 3 a 10 mg/kg IV, nas semanas 0, 2 e 4 e então a cada 8 semanas parece ser promissor para pacientes com manifestações oculares.

Doença refratária ou letal

Ciclofosfamida, clorambucila e anti-FNT são usados nos pacientes com doença refratária, doenças potencialmente fatais (p. ex., aneurisma pulmonar) ou manifestações no sistema nervoso central. A tendência de sobrevida prolongada livre de eventos foi mais observada nos pacientes com manifestações neurológicas graves após o tratamento com ciclofosfamida IV do que com a azatioprina.

Pontos-chave

  • A doença de Behçet é uma doença inflamatória recidivante caracterizada por importante inflamação mucosa, geralmente com vasculite de grandes e pequenos vasos.

  • Entre os muitos órgãos atingidos, as úlceras orais e genitais, as lesões da pele, a meningite asséptica e os achados oftalmológicos, particularmente quando associados, são muito típicos.

  • O diagnóstico baseia-se em critérios clínicos específicos.

  • Os fatores de risco de óbito precoce são: sexo masculino, crises frequentes da doença e complicações arteriais (p. ex., trombose, aneurismas, pseudoaneurismas).

  • Tratar com ciclofosfamida, clorambucil ou anti-FNT (na doença potencialmente fatal), azatioprina, metotrexato, ciclosporina ou anti-FNT (na doença ocular) e colchicina, dapsona, azatioprina, apremilaste, anti-FNT e/ou interferon (na doença de mucosa).

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