Distúrbios ácido-base

PorJames L. Lewis III, MD, Brookwood Baptist Health and Saint Vincent’s Ascension Health, Birmingham
Revisado/Corrigido: jul 2023
Visão Educação para o paciente

Os desequilíbrios ácido-base são alterações patológicas da pressão parcial de dióxido de carbono (Pco2) ou de bicarbonato sérico (HCO3) que tipicamente produzem valores de pH arterial anormais.

  • Acidemia ocorre quando o pH plasmático é < 7,35.

  • Alcalemia se dá quando o pH plasmático > 7,45.

  • Acidose refere-se ao processo fisiológico que causa acúmulo de ácidos ou perda de álcalis.

  • Alcalose refere-se ao processo fisiológico que causa acúmulo alcalino ou perda de ácidos.

As alterações reais de pH dependem do grau de compensação fisiológica e da presença de múltiplos processos.

(Ver também Regulação ácido-base.)

Classificação dos distúrbios ácido-base

Distúrbios ácido-base primários são definidos como metabólicos ou respiratórios, com base no contexto clínico e nas alterações primárias no HCO3 ou Pco2.

Acidose metabólica ocorre quando o HCO3< 24 mEq/L no soro L (< 24 mmol/L). As causas são

  • Aumento da produção de ácido

  • Ingestão de ácidos

  • Diminuição da excreção renal de ácidos

  • Perdas gastrintestinais ou renais de HCO3

Alcalose metabólica caracteriza-se por HCO3> 28 mEq/L no soro (> 28 mmol/L). As causas são

  • Perda de ácidos

  • Retenção de HCO3

Acidose respiratória acontece quando a Pco2> é 40 mmHg (hipercapnia). A causa é

  • Diminuição da ventilação minuto (hipoventilação)

Alcalose respiratória ocorre quando a Pco2< a 38 mmHg (hipocapnia). A causa é

  • Aumento da ventilação minuto (hiperventilação)

Mecanismos compensatórios começam a corrigir o pH (ver tabela Mudanças e compensações primárias em distúrbios ácidos-base simples) sempre que ocorre algum desequilíbrio ácido-base. A compensação não pode trazer o pH completamente ao normal e nunca se excede.

Um distúrbio ácido-base simples consiste em uma alteração única acompanhada de sua resposta compensatória.

Transtornos ácido-base mistos (às vezes chamados complexos) abrangem ≥ 2 distúrbios primários.

Dicas e conselhos

  • Mecanismos compensatórios para distúrbios ácido-base são um tipo de ciclo de feedback negativo baseado no pH. Como tal, diminuem à medida que o pH se aproxima da faixa normal, não fazem o pH voltar completamente ao normal e nunca o excedem.

Tabela

Sinais e sintomas dos distúrbios ácido-base

Distúrbios ácido-base compensados ou leves causam poucos sinais e sintomas.

Distúrbios graves, não compensados, apresentam múltiplas consequências cardiovasculares, respiratórias, neurológicas e metabólicas (ver tabela Consequências clínicas dos distúrbios ácido-base e figura Curva de dissociação da oxi-hemoglobina).

Tabela

Diagnóstico dos distúrbios ácido-base

  • Gasometria arterial

  • Eletrólitos séricos

  • Cálculo do intervalo iônico (anion gap)

  • Se houver acidose metabólica, calcula-se o intervalo delta e aplica-se a fórmula de Winter

  • Procurar as alterações compensatórias

A avaliação se faz com gasometria arterial e eletrólitos séricos. A gasometria mede diretamente o pH e a Pco2. Calcula-se o nível de HCO3 informado na gasometria arterial usando a equação de Henderson-Hasselbalch. Mede-se diretamente o nível de HCO3 no painel químico sérico. Consideram-se os níveis de HCO3 medidos diretamente mais precisos nos casos de discrepância.

Em geral, o equilíbrio ácido-base é mais precisamente avaliado com a medição do pH e da Pco2 em uma amostra de sangue arterial. Nos casos de insuficiência circulatória ou durante reanimação cardiopulmonar, as medidas de uma amostra do sangue venoso podem refletir de modo mais preciso condições teciduais e orientar melhor a administração de bicarbonato e a adequação da ventilação.

O pH estabelece o processo primário (acidose ou alcalose), mas pode ser direcionado para os valores normais pela compensação. As alterações da PCO2 refletem o componente respiratório e as alterações do HCO3 refletem o componente metabólico.

Distúrbios ácido-base complexos ou mistos envolvem mais de um processo primário. Nesses distúrbios mistos, os valores podem ser enganosamente normais. Assim, ao avaliar distúrbios ácido-base, é importante determinar se as mudanças na Pco2 e no HCO3 mostram a compensação esperada (ver tabela Alterações primárias e compensação em transtornos ácido-base simples). Do contrário, deve-se então suspeitar de um segundo processo primário como causa para a compensação anormal. A interpretação deve considerar as condições clínicas (p. ex., doença pulmonar crônica, insuficiência renal, overdose de drogas).

O hiato aniônico sempre deve ser calculado; seu aumento quase sempre indica acidose metabólica. Um hiato aniônico normal com HCO3 baixo (p. ex., < 24 mEq/L [< 24 mmol/L]) com cloro (Cl) sérico elevado indica acidose metabólica sem intervalo de ânions (hiperclorêmica). Em caso de acidose metabólica, calcular a variação da diferença (delta gap) para identificar alcalose metabólica concomitante e usar a fórmula de Winters para determinar se a compensação respiratória está adequada ou se reflete um 2º desequilíbrio ácido-base (PCO2 prevista = 1,5 (HCO3) + 8 ± 2; se a PCO2 estiver mais elevada, significa acidose respiratória concomitante — se estiver mais baixa, alcalose respiratória).

A acidose respiratória é sugerida por uma Pco2> 40 mmHg; o HCO3 deve compensar aumentando de 3 a 4 mEq/L (3 a 4 mmol/L) para cada 10 mmHg de elevação da Pco2 sustentada por 4 a 12 horas [pode não ocorrer aumento ou elevação de apenas 1 a 2 mEq/L, que aumenta lentamente até 3 a 4 mEq/L (3 a 4 mmol/L) ao longo de dias]. Elevações maiores de HCO3 implicam em alcalose metabólica primária; aumentos menores sugerem que não houve tempo para compensação ou que há acidose metabólica primária coexistente.

A alcalose metabólica é sugerida por HCO3> 28 mEq/L (> 28 mmol/L). A Pco2 deve compensar, elevando cerca de 0,6 a 0,75 mmHg para cada aumento de 1 mEq/L (1 mmol/L) no HCO3 (até cerca de 55 mmHg). Aumentos maiores implicam em acidose respiratória concomitante; aumentos menores, alcalose respiratória.

Alcalose respiratória é sugerida por Pco2< 38 mmHg. O HCO3 deve compensar ao longo de 4 a 12 horas reduzindo 4 a 5 mEq/L (4 a 5 mmol/L) para cada diminuição de 10 mmHg na Pco2. Diminuições menores significam que não houve tempo para compensação ou que uma alcalose metabólica primária coexiste. Diminuições mais acentuadas implicam em acidose metabólica primária.

Nomogramas (mapas ácido-base) são um método alternativo para diagnóstico de distúrbios mistos, permitindo a colocação simultânea em gráfico de pH, HCO3 e Pco2.

Cálculo do hiato aniônico

Define-se hiato aniônico pela concentração sérica de sódio (Na) menos a soma das concentrações séricas de cloro (Cl) e bicarbonato (HCO3).

Na+ (Cl+ HCO3)

O termo intervalo (gap) é enganador, pois a lei da neutralidade elétrica requer o mesmo número de cargas positivas e negativas em um sistema aberto; a diferença aparece nos exames de laboratório porque certos cátions (+) e ânions (—) não são mensurados nos exames laboratoriais de rotina. Portanto,

Na++ cátions não dosados (UC) = Cl+  HCO3+ ânions não dosados (UA)

e hiato aniônico,

Na+ (Cl+ HCO3) = UA UC

Os ânions não mensurados predominantes são fosfato (PO43), sulfato (SO4), várias proteínas com cargas negativas e alguns ácidos orgânicos, responsáveis por 20 a 24 mEq/L (20 a 24 mmol/L).

Os cátions extracelulares não mensuráveis predominantes são potássio (K+), cálcio (Ca++) e magnésio (Mg++) e respondem por cerca de 11 mEq/L (5,5 mmol/L).

Assim, o hiato aniônico típico é de 23 11 = 12 mEq/L (12 mmol/L). A hiato aniônico pode ser afetado por aumentos ou diminuições de cátios ou ânions não mensurados.

Aumento do hiato aniônico é mais comumente causado por acidose metabólica em que ácidos com cargas negativas — principalmente cetonas, lactatos, sulfatos ou metabólitos de metanol, etilenoglicol ou salicilatos — consomem (são tamponados por) HCO3. Outras causas de aumento do hiato aniônico incluem hiperalbuminemia ou uremia (aumento de ânions) e hipocalcemia ou hipomagnesemia (diminuição de cátions).

Diminuição do hiato aniônico não se relaciona à acidose metabólica, mas é causada por hipoalbuminemia (diminuição de ânions), hipercalcemia, hipermagnesemia, intoxicação por lítio e hipergamaglobulinemia como ocorre no mieloma (aumento de cátions), ou hiperviscosidade ou intoxicação por haleto (brometo ou iodeto). O efeito da concentração baixa de albumina pode ser considerado, ajustando-se a hiato aniônico 2,5 mEq/L (2,5 mmol/L) para baixo para cada queda de 1 g/dL (10 g/L) na albumina.

Intervalo de ânions negativo ocorre raramente, como um artefato laboratorial nos casos de hipernatremia grave, hiperlipidemia e intoxicação por brometos.

Diferença delta: a diferença entre o hiato aniônico do paciente e o hiato aniônico normal é denominado intervalo delta. Essa quantidade é considerada um equivalente de HCO3, porque para cada unidade de aumento do hiato aniônico, o HCO3 deve diminuir 1 unidade (por tamponamento). Assim, se for acrescentada a diferença delta ao HCO3 medido, o resultado deve estar dentro de valores normais de HCO3; elevação indica a presença adicional de uma alcalose metabólica.

Exemplo: um paciente alcoolista, vomitando, com aspecto enfermo, apresenta exames de laboratório mostrando

  • Na: 137

  • K: 3,8

  • Cl: 90

  • HCO3: 22

  • pH: 7,40

  • Pco2: 41

  • Po2: 85

À primeira vista, os resultados não parecem significativos. Entretanto, os cálculos mostram elevação da hiato aniônico:

137 (90 + 22) = 25 (normal, 10 a 12)

indicando acidose metabólica. A compensação respiratória é avaliada pela fórmula de Winter:

Pco2 prevista = 1,5 (22) + 8 ± 2 = 41 ± 2

Previsto = medido, assim a compensação respiratória é apropriada.

Como há acidose metabólica, a diferença delta é calculada e o resultado é acrescentado ao HCO3 medido:

25 10 = 15

15 + 22 = 37

O HCO3 resultante corrigido está acima do intervalo normal do HCO3, indicando a existência de alcalose metabólica primária concomitante. Portanto, o paciente tem desequilíbrio ácido-base misto.

Usando informações clínicas, pode-se deduzir uma acidose metabólica decorrente de cetoacidose alcoólica associada a alcalose metabólica por vômitos recorrentes com perda de ácido (HCl) e volume. O tratamento desse paciente deve incluir tratamentos para tratar cada distúrbio ácido-base primário.

Pontos-chave

  • Acidose e alcalose referem-se a processos fisiológicos que causam acúmulo ou perda de ácido e/ou álcali; o pH do sangue pode ou não ser anormal.

  • Acidemia e alcalemia referem-se a um pH sérico anormalmente ácido (pH < 7,35) ou alcalótico (pH > 7,45).

  • Os desequilíbrios ácido-base são classificados como metabólicos se a alteração do pH ocorrer primariamente por causa da alteração do bicarbonato (HCO3) sérico e como respiratórios se a alteração for primariamente decorrente de uma modificação da Pco2 (aumento ou diminuição da ventilação).

  • O pH determina o processo primário (acidose ou alcalose), as alterações da Pco2 refletem o componente respiratório e as alterações do HCO3 refletem o componente metabólico.

  • Todos os distúrbios ácido-base resultam em compensação que tende a normalizar o pH. Distúrbios ácido-base metabólicos resultam em compensação respiratória (alteração no Pco2); distúrbios ácido-base respiratórios resultam em compensação metabólica (alteração no HCO3).

  • Mais de um distúrbio ácido-base primário pode estar presente simultaneamente. É importante identificar e tratar cada distúrbio ácido-base primário.

  • A avaliação laboratorial dos desequilíbrios ácido-base é feita por gasometria, dosagem dos eletrólitos séricos e cálculo do hiato aniônico.

  • Usar uma das várias fórmulas, regras práticas ou nomograma ácido-base para determinar se os valores laboratoriais sugerem um único desequilíbrio ácido-base (e compensação) ou se há um segundo desequilíbrio ácido-base primário concomitante.

  • Tratar cada distúrbio ácido-base primário.

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