Hipertireodismo em lactentes e crianças

PorAndrew Calabria, MD, The Children's Hospital of Philadelphia
Revisado/Corrigido: ago 2022
Visão Educação para o paciente

O hipertireoidismo refere-se à produção excessiva dos hormônios tireoidianos. O diagnóstico é realizado com testes de função tireoidiana (p. ex., tiroxina sérica livre, hormônio tireoide-estimulante). O tratamento é com metimazol e, às vezes, iodo radioativo ou cirurgia.

(Ver também Visão geral da função tireoidiana.)

Etiologia

O hipertireoidismo é raro entre os recém-nascidos, porém é potencialmente fatal. Ocorre em fetos de mulheres com doença de Graves atual ou prévia. Na doença de Graves, autoanticorpos maternos contra o receptor tireoidiano do TSH superestimulam a produção do hormônio tireoidiano ligando-se aos receptores de TSH na glândula tireoide. Esses anticorpos atravessam a placenta e provocam hiperfunção da tireoide no feto (doença de Graves intrauterina), que pode resultar em morte fetal ou parto prematuro devido à hiperatividade ou taquicardia fetal. Como os recém-nascidos removem os anticorpos após o nascimento, a doença de Graves é geralmente transitória. Entretanto, como a taxa de depuração varia, a duração da doença de Graves neonatal também varia.

Em crianças e adolescentes, a doença de Graves é a causa de hipertireoidismo em > 90% de casos. Há uma maior incidência da doença de Graves durante a puberdade, com 80% dos casos ocorrendo após os 11 anos de idade. O mecanismo primário é o estímulo de anticorpos anti-receptor de TSH. Outros anticorpos bloqueiam o receptor de TSH e o equilíbrio entre o estímulo e o bloqueio determina a gravidade da doença de Graves. Muitas crianças com doença de Graves têm história familiar de tireoidite autoimune ou outras doenças autoimunes. Crianças com trissomia do 21 têm maior risco de doença de Graves.

Causas menos comuns do hipertireoidismo em crianças e adolescentes incluem nódulos tóxicos que funcionam de maneira autônoma, hipertireoidismo transitório durante a fase inicial da tireoidite de Hashimoto seguido de eventual hipotireoidismo (hashitoxicose) ou efeitos adversos de fármacos (p. ex., hipertireoidismo induzido pela amiodarona). Ocasionalmente, o hipertireoidismo transitório pode ser causado por infecções, incluindo infecções bacterianas (tireoidite aguda) e virais (tireoidite subaguda); as causas bacterianas incluem Staphylococcus aureus, S. epidermis, Streptococcus pyogenes, S. pneumoniae, Escherichia coli e Clostridium septicum. Fatores predisponentes para tireoidite aguda em crianças incluem anomalias congênitas (p. ex., fístula do seio piriforme persistente) e estado imunocomprometido.

Sinais e sintomas

No feto, o hipertireoidismo é raro. Pode-se detectar sinais de hipertireoidismo [p. ex., deficit de crescimento intrauterino, taquicardia fetal (> 160 batimentos/min), bócio] já no segundo trimestre de gestação. O hipertireoidismo fetal pode induzir a trabalho de parto prematuro. Se for observada tireotoxicose fetal, pode-se tratar a mãe com fármacos antitireoidianos. Se o hipertireoidismo fetal só é detectado no período neonatal, o lactente pode ser gravemente afetado; possíveis manifestações incluem craniossinostose (fusão prematura da suturas cranianas), deficiência intelectual, deficit de crescimento e baixa estatura. A taxa de mortalidade pode alcançar 10 a 15%.

Nos lactentes, os sinais e sintomas de hipertireoidismo incluem irritabilidade, dificuldade alimentar, hipertensão, taquicardia, exoftalmia, bócio ( see page Bócio congênito), bossa frontal e microcefalia. Outros achados precoces incluem má evolução ponderal, vômitos e diarreia. Os recém-nascidos afetados quase sempre se recuperam em 6 meses, sendo o curso da doença raramente maior. O aparecimento e a gravidade dos sintomas também variam dependendo se a mãe está tomando fármacos antitireoidianos. Se a mãe não está tomando esses fármacos, as crianças têm hipertireoidismo no nascimento; se a mãe está tomando fármacos, as crianças podem não manifestar hipertireoidismo até que os fármacos sejam metabolizados em cerca de 3 a 7 dias. Mais de 95% das crianças nascidas de mães com doença de Graves apresentam sintomas no primeiro mês de vida; raramente, a apresentação é postergada para o segundo mês.

Em crianças e adolescentes, os sintomas da doença de Graves adquirida podem incluir dificuldades de sono, hiperatividade, labilidade emocional, diminuição acentuada da concentração e desempenho escolar, intolerância ao calor, sudorese, fadiga, perda ponderal, aumento da frequência de evacuações, tremores e palpitação. Os sinais incluem bócio difuso, taquicardia e hipertensão. A oftalmopatia de Graves ocorre em até um terço das crianças. Embora os achados oculares sejam menos graves do que em adultos, crianças podem apresentar atraso palpebral ou olhos vermelhos proeminentes, às vezes com proptose (exoftalmia). Crianças e adolescentes podem apresentar alterações no crescimento, incluindo aceleração do crescimento e idade óssea avançada. Em geral, o início e a progressão ao longo da puberdade não são afetados pelo hipertireoidismo, com exceção da oligomenorreia ou amenorreia observadas em algumas meninas.

Tireoidite aguda pode ocorrer em qualquer idade e se manifesta com início súbito dos sintomas de hipertireoidismo, sensibilidade sobre a glândula tireoide e febre. Cerca de 10% dos pacientes com tireoidite aguda têm hipertireoidismo. Muitos têm leucocitose com desvio à esquerda. Na tireoidite subaguda, essas manifestações estão presentes, mas são menos grave e podem ter sido precedidas por uma doença viral; a febre pode durar várias semanas.

Crise tireotóxica, uma complicação rara e grave em crianças com hipertireoidismo, pode se manifestar com taquicardia extrema, hipertermia, hipertensão, insuficiência cardíaca congestiva e delirium, com progressão para coma e morte.

Diagnóstico

  • Testes de função da tireoide

  • Às vezes, ultrassonografia ou cintilografia da tireoide

Suspeita-se de hipertireoidismo em lactentes cuja mãe tem doença de Graves ativa ou história de doença de Graves e títulos elevados de anticorpos direcionados contra o receptor de TSH [imunoglobulinas estimuladoras da tireoide (TSI) ou anticorpos do receptor de TSH (TRAb)]

Confirma-se o hipertireoidismo no lactente medindo os níveis séricos de tiroxina livre (T4), tri-iodotironina (T3) e TSH. O TSI é um teste funcional que mede apenas os anticorpos estimulantes e normalmente é o primeiro anticorpo medido para confirmar o diagnóstico de doença de Graves. O TRAb é um ensaio competitivo que mede os níveis de anticorpos anti-receptor de TSH estimulantes e bloqueadores, mas não distingue entre os diferentes anticorpos. Pode-se medir o TRAb em pacientes com sinais e sintomas de tireotoxicose, mas com TSI negativo. Como os sintomas do hipertireoidismo podem ser inespecíficos, neonatos nascidos de mães com a doença de Graves têm risco de hipertireoidismo e devem ser monitorados medindo os níveis de T4 livre e TSH aos 3 a 5 dias de vida e novamente aos 10 a 14 dias de vida. Se não forem observadas anormalidades bioquímicas, deve-se acompanhar clinicamente os lactentes por até 2 a 3 meses de vida para identificar aqueles poucos com apresentação tardia (1, 2).

O diagnóstico em crianças maiores e adolescentes é semelhante ao de adultos e também inclui exames de função tireoidiana (ver Diagnóstico do hipertireoidismo) e medição de TSI. Um TSI positivo em pacientes com sinais e sintomas de tireotoxicose confirma o diagnóstico de doença de Graves. Em contraposição à avaliação do hipotireoidismo, a medição do T3 é essencial porque no início da doença de Graves, T3 pode subir antes de os níveis de T4 aumentarem. A medição de outros anticorpos antitireoideanos, como anti-peroxidase e anti-tireoglobulina tireoidiana, pode ajudar a avaliar uma possível fase hipertireoidiana da tireoidite autoimune (hashitoxicose). A biotina é um suplemento de venda livre comum que pode interferir nos exames da tireoide e deve ser interrompido por pelo menos 2 dias antes de realização dos exames laboratoriais. Mais comumente, a biotina pode resultar em níveis falsamente altos de T4 e T3, níveis falsamente baixos de TSH e pode levar a um diagnóstico inapropriado de hipertireoidismo.

Muitos médicos fazem ultrassonografia da tireoide em crianças maiores com hipertireoidismo e assimetria da tireoide, receptor negativo para TSI ou nódulo palpável. A ultrassonografia ou TC também pode ajudar a localizar um abscesso ou identificar uma anomalia congênita. Também pode-se realizar o mapeamento com radionuclídeos (com pertecnetato de tecnécio-99m ou iodo-123) se o nível de TSI não estiver elevado para excluir nódulo tóxico de funcionamento autônomo ou câncer de tireoide diferenciado. O mapeamento com radionuclídeos mostra captação difusa ao longo de toda a glândula na doença de Graves, mas mostra captação aumentada no local de um nódulo autônomo, com absorção reduzida ou ausente no restante da glândula.

Se um nódulo tireoidiano é confirmado, deve-se considerar biópsia por punção aspirativa por agulha fina (PAAF). A biópsia por PAAF também pode ajudar a diferenciar tireoidite aguda de subaguda e fornecer uma amostra de tecido para cultura a fim de permitir o teste de sensibilidade bacteriana para cobertura antibiótica adequada.

Referências sobre diagnóstico

  1. 1. van der Kaay DC, Wasserman JD, Palmert MR: Management of neonates born to mothers with Graves’ disease. Pediatrics 137(4):e20151878, 2016. doi: 10.1542/peds.2015-1878

  2. 2. Samuels SL, Namoc SM, Bauer AJ: Neonatal thyrotoxicosis. Clin Perinatol 45(1):31–40, 2018. doi: 10.1016/j.clp.2017.10.001

Tratamento

  • Fármacos antitireoidianos

  • Às vezes, iodo radioativo ou cirurgia

Para tratar os sintomas, os recém-nascidos recebem um fármaco antitireoidiano, tipicamente metimazol, 0,17 a 0,33, mg/kg por via oral 3 vezes ao dia, às vezes com um betabloqueador (p. ex., propranolol 0,8 mg/kg por via oral 3 vezes ao dia; atenolol 0,5 a 1,2 mg/kg por via oral 1a 2 vezes ao dia) para tratar os sintomas. Descobriu-se que o propiltiouracil, outro fármaco antitireoidiano, causa insuficiência hepática grave, de modo que ele não é mais um fármaco de primeira linha, mas pode ser utilizado em situações especiais, como tempestade tireotóxica. Pode-se adicionar 1 gota (0,05 mL) por via oral 3 vezes ao dia de solução de lugol (iodeto de potássio), com a primeira dose administrada 1 hora após a primeira dose de metimazol, especialmente se refratário ao tratamento com metimazol e betabloqueadores. Também pode-se considerar hidrocortisona, 0,8 a 3,3 mg/kg, 3 vezes ao dia, por via oral, ou prednisolona 1 mg/kg, 2 vezes ao dia ou 2 mg/kg, uma vez ao dia, sobretudo em lactentes criticamente enfermos. Deve-se monitorar cuidadosamente o tratamento do hipertireoidismo e deve-se suspender assim que a doença está controlada. Deve-se tomar cuidado para evitar hipotireoidismo iatrogênico em lactentes tratados com fármacos antitireoidianos. (Para o tratamento da doença de Graves durante a gestação, see page Doença de Graves.)

Para crianças com 11 anos ou mais e adolescentes (11 anos ou mais), o tratamento é semelhante ao tratamento do hipertireoidismo em adultos e inclui antitireoidianos e, às vezes, terapia definitiva com ablação da tireoide utilizando iodo radioativo ou cirurgia. Betabloqueadores, como atenolol ou propanolol, podem ser utilizados para controlar hipertensão e taquicardia. Um dos efeitos adversos graves do metimazol pode incluir a agranulocitose; se os pacientes em uso de metimazol desenvolverem doença febril, deve-se realizar um hemograma completo com diferencial. Isso geralmente ocorre no início do tratamento com metimazol e em doses mais altas e, se detectado, seria uma contraindicação à continuação dos fármacos antitireoidianos.

Monitoram-se as crianças tratadas com fármacos antitireoidianos regularmente com testes de função tireoidiana, tipicamente a cada 4 a 6 semanas até que um esquema estável seja alcançado e então a cada 3 a 4 meses. Pode-se interromper os fármacos antitireoidianos se os pacientes exigirem apenas uma dose baixa de metimazol para manter um estado eutireoidiano e/ou apresentar TSI negativo. Quando esses fármacos são interrompidos, deve-se repetir os testes de função tireoidiana em intervalos regulares (depois de 4 a 6 semanas e então a cada 3 a 4 meses durante o próximo ano). Crianças tratadas com fármacos antitireoidianos têm uma probabilidade de 35% de remissão, que é mais baixa do que em adultos (50%), e é definida como a ausência de recorrência ≥ 12 meses após a interrupção dos fármacos antitireoidianos.

A terapia definitiva pode ser necessária para pacientes que não alcançaram a remissão em 18 a 24 meses depois da terapia antitireoidiana, que têm efeitos adversos a fármacos ou que não aderem ao tratamento. Características associadas a menor probabilidade de remissão incluem idade de início mais jovem (p. ex., pré-púbere versus púbere), níveis de hormônio tireoidiano mais elevados na apresentação inicial, glândula tireoide maior (> 2,5 vezes o tamanho normal para a idade) e elevação persistente nos títulos de anticorpos antirreceptor de TSH. Tanto o iodo radioativo como a cirurgia são opções confiáveis para o tratamento definitivo, com o objetivo de produzir hipotireoidismo. Entretanto, iodo radioativo geralmente não é utilizado em crianças com menos de 10 anos de idade e muitas vezes não é eficaz nas glândulas da tireoide maiores. Portanto, a cirurgia pode ser preferível para crianças e adolescentes com esses fatores. Seguinte ao tratamento definitivo, administra-se levotiroxina aos pacientes. Talvez seja necessário ajustar as doses com base no ganho ponderal ou estado puberal.

Se um nódulo tóxico funcionando de maneira autônoma é detectado, a excisão cirúrgica é recomendada em crianças e adolescentes.

O tratamento da tireoidite aguda envolve antibióticos orais ou IV (geralmente amoxicilina/ácido clavulânico ou cefalosporinas para pacientes alérgicos à penicilina, mas de maneira ideal se baseia na sensibilidade a antibióticos obtida de uma amostra por aspiração com agulha fina). O tratamento cirúrgico pode ser necessário (p. ex., para drenar um abscesso ou corrigir uma fístula). A tireoidite subaguda é autolimitada, e fármacos anti-inflamatórios não esteroides são dados para controlar a dor. Fármacos antitireoidianos não são indicados, mas pode-se utilizar betabloqueadores se os pacientes são sintomáticos.

Pontos-chave

  • Em geral, o hipertireoidismo em lactentes é causado por anticorpos transplacentários estimulantes da tireoide de gestantes com doença de Graves.

  • Hipertireoidismo em crianças maiores e adolescentes é geralmente causado por doença de Graves.

  • Há inúmeras manifestações do hipertireoidismo, incluindo taquicardia, hipertensão, perda ponderal, irritabilidade, diminuição da concentração e desempenho escolar e dificuldades para dormir.

  • O diagnóstico é com mensuração dos níveis séricos de tiroxina (T4), tri-iodotironina (T3) e o hormônio estimulante da tireoide (TSH); pode-se utilizar imunoglobulinas estimulantes da tireoide (TSI) para confirmar doença de Graves.

  • Se há anormalidades palpáveis significativas na tireoide, fazer ultrassonografia.

  • Tratar com metimazol e, para os sintomas, um betabloqueador; entretanto, apenas 35% dos casos adquiridos fora do período neonatal desaparecem com fármacos antitireoidianos e os pacientes podem precisar de tratamento definitivo com iodo radioativo ou cirurgia.

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